Discursos João Paulo II 2002 - 28 de Outubro de 2002

Enquanto exprimo o meu profundo apreço pela atenção que o Governo e o Parlamento da República demonstram em relação à missão da Igreja, desejo confirmar a compreensão e o apoio da Santa Sé em relação aos esforços que a Eslováquia está a realizar em ordem a uma sociedade livre, pacífica e solidária.

Com estes sentimentos, enquanto asseguro a minha lembrança na oração, é de coração que lhe concedo a Bênção, a Vossa Excelência, a quantos o acompanham e todos os seus compatriotas.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MISSIONÁRIOS DE MARIANHILL


POR OCASIÃO DO SEU CAPÍTULO GERAL



Queridos Missionários de Marianhill

Saúdo-vos com afecto no Senhor, por ocasião do vosso Capítulo Geral, e estendo o meu encorajamento ao neo-eleito Superior-Geral, Rev.do Pe. Dieter Gahlen. Na aurora do terceiro milénio cristão, tanto a Congregação dos Missionários de Marianhill como as Igrejas em geral são desafiadas a recomeçar a partir de Cristo (cf. Novo millennio ineunte, cap. 3). Em sintonia com o tema escolhido para o vosso Capítulo Geral, "Revisitar a nossa identidade e espiritualidade, no alvorecer de uma nova era", o vosso caminho para o futuro é a senda de uma autêntica renovação da vossa vida consagrada, numa renovada fase de crescimento espiritual e apostólico (cf. Recomeçar a partir de Cristo, 19).

A vossa Congregação é o fruto de muitos dons que Deus concedeu ao vosso Fundador, Abade Franz Pfanner. Estas dádivas continuam a formar a vossa Comunidade e, como pude encorajar os Institutos de Vida Consagrada, na minha Exortação Apostólica pós-sinodal Vita consecrata, também vós sois chamados "a repropor corajosamente o espírito de iniciativa, a criatividade e a santidade" do vosso Fundador "como resposta aos sinais dos tempos visíveis no mundo de hoje" (n. 37). Com efeito, é somente numa renovada fidelidade ao vosso carisma originário, que a vossa Congregação será capaz de cumprir com confiança a missão de proclamar a mensagem salvífica do Evangelho num mundo cada vez mais globalizado que, de muitas formas, se sente angustiado por uma "crise de significado" e também por um "pensamento ambíguo" (Fides et ratio FR 81).

É por este motivo que as palavras de Jesus a Pedro: "Faz-te ao largo" ("Duc in altum!") (Lc 5,4) devem ressoar também para vós, na vossa vida de missionários. Na nova era que está a começar, deveis ser missionários verdadeiros e santos autênticos, uma vez que a santidade se encontra no próprio centro da vossa vocação (cf. Redemptoris missio RMi 90). Como era do conhecimento do vosso Fundador, a santidade há-de ser procurada e implorada activamente. Ele gostava de realçar este conceito no lema: Currite ut comprehendatis "Avançando para o que está adiante, prossigo em direcção à meta, para obter o prémio da soberana vocação de Deus em Jesus Cristo" (Ph 3,13-14). O Abade Franz Pfanner, um homem apaixonado pela edificação do Reino, um homem que perseverou corajosamente diante dos obstáculos, exorta-vos a "seguir em frente, com esperança" (cf. Novo millennio ineunte, 58), enquanto procurais responder ao chamamento de Deus em Jesus Cristo.

Em fidelidade à tradição beneditino-trapista, sobre a qual a vossa vida consagrada está fundamentada, o vosso apostolado missionário florescerá e dará frutos, na medida em que estiver firmemente enraizado no princípio do "Ora et labora". Também desta forma podereis alcançar aquilo que, no vosso Instrumentum laboris, é descrito como o equilíbrio do missionário contemplativo, a testemunha que permanece mergulhada em oração, mesmo quando se preocupa com o seu urgente compromisso concreto". Por conseguinte, exorto-vos a intensificar a vossa formação neste aspecto crucial da vossa vocação. A oração e a contemplação não podem ser subestimadas. É necessário aprender a rezar, para conversar com Cristo como seus amigos íntimos (cf. Novo millennio ineunte, 32), e a contemplação quotidiana do rosto de Cristo há-de revigorar no vosso coração a realidade da vossa consagração.

Meus queridos Irmãos em Cristo, num mundo em que o drama humano é, demasiadas vezes, marcado pela pobreza, a divisão e a violência, o seguimento de Cristo exige que as pessoas consagradas respondam corajosamente ao chamamento do Espírito à conversão permanente, em ordem a dar um renovado vigor à dimensão profética da sua vocação (cf. Recomeçar a partir de Cristo, 1).

Como missionários, o vosso testemunho de Cristo significa abraçar a Cruz por amor a Deus e ao próximo. Este é o âmago de toda a proclamação autêntica do Evangelho. A Igreja conta com o vosso compromisso e o vosso entusiasmo pela missão ad gentes, persuadida de que assim contribuireis "de modo profundo para a renovação do mundo" (Vita consecrata VC 25).

Que a Bem-Aventurada Virgem Maria, vossa Padroeira, Aquela que apresentou Cristo como a Luz das Nações, continue a ser a vossa guia em todos os vossos empreendimentos missionários. Oxalá sua mãe, Santa Ana, a quem vos consagrastes deste as origens, juntamente com o exército de testemunhas do vosso próprio Instituto, vos protejam e animem a todos, ao longo do vosso caminho para a santidade. Enquanto vos asseguro que me lembrarei de vós nas minhas orações, é de bom grado que concedo a todos os Missionários de Marianhill a minha Bênção apostólica.

Vaticano, 26 de Outubro de 2002.

PAPA JOÃO PAULO II



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

A UM GRUPO DE PARTICIPANTES

NA VII ASSEMBLEIA PÚBLICA


DAS PONTIFÍCIAS ACADEMIAS


Terça-feira, 29 de Outubro de 2002



1. É-me particularmente grato dirigir-vos a todos a minha cordial saudação, a todos vós que participais na VII Assembleia Pública das Pontifícias Academias, comprometidas com grande generosidade, cada uma no próprio âmbito de investigação e de iniciativa, na eficaz promoção de um renovado humanismo cristão para o terceiro milénio.

Dirijo um cordial pensamento ao Senhor Cardeal Paul Poupard, Presidente do Conselho de Coordenação entre as Pontifícias Academias, enquanto lhe agradeço as amáveis palavras que desejou dirigir-me em nome dos presentes. Juntamente com ele, saúdo os Senhores Cardeais e os Embaixadores, os Bispos e os Sacerdotes, assim como todos os presentes.

2. Esta Assembleia das Pontifícias Academias é dedicada à reflexão mariológica e foi preparada pela Pontifícia Academia Mariana Internacional e pela Pontifícia Academia da Imaculada. Dirijo uma especial saudação aos seus respectivos Presidentes, aos valorosos relatores e também aos Académicos aqui presentes.

No tema desta Assembleia, "Maria, "aurora luminosa e guia segura" da nova evangelização", quisestes retomar as expressões com que terminei a minha Carta Apostólica Novo millennio ineunte, confiando a Maria, Mãe de Deus e Mãe de todos os crentes, a sorte do novo milénio e o caminho da Igreja. Uma vez mais, desejei indicá-la como "Estrela da nova evangelização", a fim de que seja verdadeiramente, no coração e na mente de cada discípulo do Senhor, a estrela que ilumina e orienta o caminho para Cristo.

"Recomeçar a partir de Cristo" é o apelo que dirigi a toda a Igreja, no termo do Grande Jubileu do Ano 2000. Recomeçar a partir de Cristo, aprendendo a contemplar e a amar o seu Rosto, no qual resplandece a glória do Pai.

3. Quem mais do que Maria, a Virgem Mãe, pode ajudar-nos e encorajar-nos neste compromisso? Quem mais do que Ela, pode ensinar-nos a contemplar e a amar aquele Rosto que Ela fixou com um amor imenso e com total dedicação, durante a sua vida inteira, desde o momento do nascimento até à hora da Cruz e, por fim, até à aurora da Ressurreição? O Evangelho de Lucas revela-nos, duas vezes, que Maria "conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu Coração" (2, 19.51). O Coração de Maria é um cofre precioso em que estão conservadas, também para nós, as riquezas de Cristo.

Se é verdade, como afirma o Concílio Vaticano II na Constituição Gaudium et spes, que somente no mistério de Cristo se esclarece plenamente o mistério do homem (cf. n. 22) e, por conseguinte, também o mistério daquela extraordinária filha da linhagem humana que foi Maria (cf. Carta Encíclica Redemptoris Mater RMA 4), não é menos verdade que no Rosto de Cristo e nos traços da sua humanidade se reflectem as características da mãe, o seu estilo educativo, o seu modo de ser e de sentir. Por isso, desejando contemplar nas profundezas o Rosto de Cristo, devemos recorrer a Maria que, aceitando plenamente o projecto de Deus, "plasmou" de maneira extremamente singular o Filho, acompanhando-O em cada um dos passos do seu crescimento.

Por conseguinte, também nós podemos aceitar o convite que São Bernardo quis dirigir ao sumo poeta Dante Alighieri: "Olha já o rosto que a Cristo / mais se assemelha, a tal ponto que o seu esplendor / é o único que te pode dispor para ver Cristo" (Par. XXXII, 85-87). Maria é verdadeiramente a aurora luminosa da nova evangelização, a guia segura do caminho da Igreja no terceiro milénio.

4. Portanto, reveste uma grande importância o compromisso teológico, cultural e espiritual de quantos, a começar por vós, estimados Académicos da Pontifícia Academia Mariana Internacional e da Pontifícia Academia da Imaculada, reflectem sobre a figura de Maria Santíssima, para a conhecer de maneira cada vez mais aprofundada. Isto supõe uma investigação interdisciplinar que desenvolva a reflexão mariológica, indagando novas fontes, para além das tradicionais, em ordem a encontrar ali novos pontos de referência para a pesquisa teológica. Penso, por exemplo, nos Santos e na sua experiência pessoal, assim como na arte cristã, que sempre teve em Maria um dos sujeitos preferidos e na piedade popular que, privilegiando a dimensão "afectiva", nos deixou grandes testemunhos sobre a missão de Maria na vida da Igreja.

Uma ocasião propícia para intensificar este compromisso será o sesquicentenário da proclamação dogmática da Imaculada Conceição de Maria. As duas Pontifícias Academias Marianas, cada uma delas no seu próprio âmbito de actividade e com as competências que lhes são específicas, são chamadas a oferecer toda a sua contribuição a fim de que este aniversário constitua uma ocasião de renovado esforço teológico, cultural e espiritual em ordem a comunicar aos homens e às mulheres do nosso tempo o sentido e a mensagem mais autênticos desta verdade de fé.

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs, todos vós já sabeis que desejei instituir o Prémio das Pontifícias Academias, para encorajar o compromisso de jovens estudiosos e de instituições que dedicam as suas actividades para a promoção do humanismo cristão. Por conseguinte, nesta solene circunstância, acolhendo a proposta do Conselho de Coordenação entre as Pontifícias Academias, é-me grato entregar este Prémio à Dra. Rosa Calí, pela tese de doutoramento, intitulada: Os exames antimariológicos na exegese dos Padres, de Niceia a Calcedónia. Além disso, desejo oferecer como sinal de apreço e de encorajamento, uma medalha do meu Pontificado ao Pe. Stanislaw Bugusz Matula e à Ir. Philomena D'Souza, pelos louváveis estudos que quiseram elaborar.

Por fim, encerrando esta solene Assembleia, gostaria de manifestar a todos os Académicos o meu profundo reconhecimento pelas actividades levadas a cabo, exprimindo os bons votos de um renovado e generoso compromisso nos campos teológico, espiritual e pastoral no tertio millennio ineunte.

Com estes sentimentos, confio cada um de vós à salvaguarda maternal da Virgem Maria e, do íntimo do coração, concedo-vos a todos uma especial Bênção apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO EMBAIXADOR DA BÉLGICA


JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDECIAIS


Quinta-feira, 31 de Outubro de 2002

Senhor Embaixador

1. Sinto-me feliz por receber Vossa Excelência no Vaticano para a apresentação das Cartas que o acreditam como Embaixador extraordinário e plenipotenciário do Reino da Bélgica junto da Santa Sé e agradeço-lhe profundamente por me ter transmitido a mensagem gentil de Sua Majestade o Rei Alberto II. Ficar-lhe-ia grato por se dignar exprimir em retribuição a Sua Majestade os meus melhores votos pela sua pessoa, pela Rainha Paula, pela Rainha Fabíola e pelo Príncipe Filipe, assim como por todo o povo belga.

2. Como recordou Vossa Excelência, a Bélgica foi parte activa do projecto europeu desde a sua origem e apoiou-o sempre activamente nas etapas seguintes do seu desenvolvimento, permitindo desta forma ao velho continente, que conheceu tantas rupturas e guerras fratricidas ao longo da sua história, criar os meios para uma paz sólida e para uma cooperação frutuosa entre as Nações que dela fazem parte. A União europeia representa hoje, no cenário internacional, uma instituição de diálogo e de cooperação, que constitui um apelo evidente para muitos povos do mundo que desejam o progresso e a paz. Alegro-me por saber que o seu país encoraja e apoia o processo de expansão em curso, de forma a permitir a integração dos países da Europa central e do Leste na União, promessa de um novo futuro para todos.

Vossa Excelência, bem sabe, Senhor Embaixador, que a construção europeia, que se realiza pouco a pouco sob o nosso olhar, tem necessidade da vontade e da determinação das Autoridades, com o desejo de fundamentar a União em valores comuns, com base nas raízes cristãs dos diferentes povos, que são uma realidade incontestável da história e da cultura europeias. De facto, o contributo decisivo do cristianismo e da visão cristã do homem para a história e a cultura dos diferentes países faz parte do tesouro comum, e portanto seria lógico que isso estivesse inscrito no projecto da Convenção europeia. Sobretudo, é importante que seja reconhecida a existência e a liberdade de acção das Igrejas e das Confissões religiosas, como já é o caso das constituições de numerosos países europeus.

3. Perante as graves tensões que o nosso mundo conhece no começo deste novo milénio, é necessário que os responsáveis das nações tenham uma grande determinação para lutar eficazmente contra o terrorismo, a fim de limitar as oposições entre os povos com os meios do diálogo e da concórdia, mas também para combater as numerosas injustiças que suscitam o ressentimento, o ódio e a violência. A este propósito, Senhor Embaixador, desejo congratular-me pela atenção renovada da sua nação em relação aos países do continente africano, sobretudo os da região dos Grandes Lagos com os quais ela manteve vínculos económicos e culturais fortes, e que conheceram e ainda conhecem graves tensões. É positivo que países como o seu se empenhem para ajudar estes jovens Estados e superar as crises internas e os conflitos que os põem em contradição, acompanhando-os na realização de estruturas políticas, económicas e sociais, sobretudo mediante a formação de estruturas, estimulando-os a praticar um diálogo exigente mas construtivo entre todas as partes em causa. A Santa Sé aprecia este contributo para a paz assim como os esforços de solidariedade realizados pelo seu país em relação aos mais pobres a nível internacional.

4. A Igreja sempre dedicou grande atenção à juventude, suscitando numerosas obras consagradas a este apostolado. Isto verifica-se particularmente na Bélgica, onde os católicos participam activamente na educação das crianças e dos jovens, e onde as escolas confessionais são muito numerosas. A actualidade recente mostrou, de maneira muitas vezes dramática, a necessidade, nas nossas sociedades desenvolvidas, de proteger as crianças e se certificar de que a educação esteja ao serviço do desenvolvimento integral das suas pessoas, quer nas famílias quer nas escolas. É importante, a este propósito, condenar com maior vigor os abusos sexuais em relação aos jovens.

Também é preciso procurar uma política audaz de apoio às famílias, a fim de as ajudar na sua tarefa educativa, sobretudo apoiando a instituição do matrimónio. Sendo um vínculo fundamental entre um homem e uma mulher, o matrimónio permite que a família seja o lugar estável e equilibrado de desenvolvimento das crianças, que se constróem a partir dos vínculos afectivos em relação às figuras paterna e materna. Também é necessário recordar e reconhecer a responsabilidade dos educadores, apreciando a tarefa difícil que eles assumem em nome de toda a sociedade, na formação humana, moral e espiritual dos cidadãos de amanhã. Estimulada pela sua longa experiência neste âmbito, a Igreja deseja continuar a contribuir lealmente para esta tarefa exigente e exaltante de toda a sociedade.

5. O homem, criado por Deus e chamado a partilhar a sua vida divina, esteve sempre no centro da visão cristã do mundo, e por isso a Igreja respeita e defende o dom da vida. Como poderia ela não manifestar a sua profunda preocupação e a sua reprovação perante leis votadas recentemente em diferentes países, que legalizam a eutanásia activa, tornando-se desta forma os mestres da vida e da morte? Numa sociedade na qual, com muita frequência, parece que conta unicamente a boa saúde e a rentabilidade, é importante dar uma importância diferente às pessoas débeis ou em fins de vida; sobretudo, aprecia-se a realização e o desenvolvimento de curas paliativas para todos os doentes quando a situação o exige, curas que permitem aliviar o sofrimento e acompanhar com dignidade quantos estão em fins de vida. O reconhecimento do carácter sagrado e inviolável de todas as pessoas humanas, que lhe é atribuído pelo Criador, é na realidade a única fortaleza verdadeira contra as violências sempre possíveis da sua dignidade e dos seus direitos. Uma sociedade que assume o risco de pôr em questão estes fundamentos expõe-se a perigos muito maiores, sobretudo o de fazer depender unicamente do consentimento, sempre sujeito a uma evolução, o direito das pessoas e os valores fundamentais. O respeito de todos os seres humanos, em cada etapa da sua existência, é antes de mais um elemento fundamental na educação para a paz e para a justiça, e faço votos por que os responsáveis políticos, assim como os educadores e quantos têm a responsabilidade de despertar a responsabilidade dos cidadãos, meçam a profundidade do que está em jogo e se mobilizem pela causa da vida. A Igreja, no que a ela se refere, sente o dever imperioso de intervir, oportuna e inoportunamente, como diz o Apóstolo, para dar a conhecer a Palavra do Evangelho da vida e para iluminar as consciências.

6. Por seu intermédio, desejaria saudar a comunidade cristã da Bélgica e os seus pastores, e fazer-lhes chegar o meu encorajamento. Aprecio a atenção que Vossa Excelência dedica ao trabalho missionário realizado pelos sacerdotes e leigos provenientes da Bélgica que, a exemplo do Padre Damião, foram testemunhas do amor de Deus até aos confins da terra. Seja-me permitido recordar também a figura de D. Jean Huard, que acaba de nos deixar. Face à situação de secularização crescente da sociedade, os católicos devem reencontrar hoje, sem receios nem complexos, a força do testemunho com palavras e actos. Sei que eles estão muito empenhados na vida social, junto da juventude, dos migrantes, dos deficientes e das pessoas em dificuldade.

Convido-os a prosseguir este empenho ao serviço dos seus compatriotas. Encorajo-os ainda a trabalhar, em todos estes âmbitos, em sintonia com os cristãos de outras confissões, para fortalecer os vínculos que os unem e para mostrar que o Espírito de unidade está em acção. Não receiem dar testemunho de Cristo, fonte da sua fé, Homem novo, e verdadeiro rosto do amor de Deus!

7. Senhor Embaixador, Vossa Excelência inicia hoje a nobre missão de representar a Bélgica junto da Santa Sé. Queira aceitar os meus melhores votos para o seu bom êxito e tenha a certeza de que encontrará sempre aqui, junto dos meus colaboradores, um acolhimento atento e uma compreensão cordial!

Sobre Vossa Excelência, sobre a sua família, sobre os membros da Embaixada e sobre todos os seus compatriotas, invoco do fundo do coração a abundância das Bênçãos divinas.



Novembre de 2002

ORAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


NAS GRUTAS VATICANAS


1 de Novembro de 2002

Nestas Grutas do Vaticano
confiemos à Misericórdia do Pai,
em primeiro lugar, as vítimas do terremoto que atingiu o sul da Itália
e em particular as numerosas crianças que perderam a vida,
os seus pais e as suas famílias.


Oremos também por aqueles que têm aqui a sua sepultura
e esperam a ressurreição da carne:
de modo especial, os Sumos Pontífices,
que desempenharam o serviço de Pastores da Igreja universal,
a fim de participarem da eterna glória celestial.


PAPA JOÃO PAULO II

MENSAGEM DE CONDOLÊNCIAS

PELAS VÍTIMAS DO TERREMOTO


EM SÃO JULIANO DE APÚLIA



Nesta hora de profunda tristeza para muitas famílias de São Juliano de Apúlia que, amarguradas pela dor, se preparam para dar o extremo adeus aos seus entes queridos, desejo exprimir novamente a todas as pessoas provadas a minha proximidade espiritual, confiando nas mãos do Pai que está nos Céus as jovens vidas daqueles que nos deixaram, e implorando para todos o conforto da fé e da esperança.

Além disso peço ao Senhor, para a amada comunidade de São Juliano de Apúlia, o dom da fortaleza cristã nesta trágica circunstância, convicto de que este dramático acontecimento suscitará em cada um, sentimentos de profunda solidariedade, que são um precioso património do povo italiano.

Vaticano, 3 de Novembro de 2002.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO PONTIFÍCIO COMITÊ


PARA OS CONGRESSOS EUCARÍSTICOS INTERNACIONAIS


Terça-feira, 5 de Novembro de 2002

Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. É-me grato receber-vos hoje, juntamente com os membros da Pontifício Comitê para os Congressos Eucarísticos Internacionais e os Delegados nacionais, designados pelas suas respectivas Autoridades eclesiais para participar na Assembleia plenária, que se realiza nestes dias aqui em Roma. Saúdo cordialmente cada um de vós e, de maneira particular, o Cardeal Jozef Tomko, Presidente do mencionado Comitê, a quem agradeço as cordiais palavras que me dirigiu em nome dos presentes. Estendo a minha saudação ao Cardeal Juan Sandoval Íñiguez, Arcebispo de Guadalajara, cidade onde terá lugar o próximo Congresso Eucarístico Internacional.

A vossa Assembleia dedicou uma atenção especial a este Congresso, cujo tema será: "A Eucaristia é a Luz e a Vida do novo milénio". O milénio começou há pouco tempo, mas já se vê claramente como são necessárias, para a humanidade inteira e para a Igreja, a luz de Jesus Cristo e a vida que Ele oferece na Eucaristia.

Com efeito, este início não está desprovido de sombras ameaçadoras. Por conseguinte, é preciso voltar a apresentar à humanidade a "luz verdadeira que, vindo ao mundo, a todo o homem ilumina" (Jn 1,9) o Verbo encarnado, que quis permanecer connosco da maneira mais significativa, que é a eucarística. Neste Sacramento está presente Jesus Cristo, com a dádiva de si mesmo, "para a vida do mundo" "pro mundi vita" e, por conseguinte, também para a vida deste nosso mundo, tal como ele é, com as suas luzes e as suas sombras. A Eucaristia é a expressão sublime do amor de Deus encarnado, amor permanente e eficaz.

2. O objectivo principal do Pontifício Comitê para os Congressos Eucarísticos Internacionais consiste em "fazer conhecer e amar cada vez mais o Senhor Jesus no seu Mistério eucarístico, âmago da vida da Igreja e da sua missão para a salvação do mundo" (Estatutos). Trata-se de uma finalidade excelsa que o Comitê favorece, por um lado, promovendo a celebração periódica dos Congressos Eucarísticos Internacionais e, por outro, privilegiando iniciativas capazes de incrementar a devoção ao Mistério eucarístico. Com o vosso trabalho apostólico, realizais o ensinamento do Concílio Vaticano II, que apresenta a Eucaristia como "fonte e ápice de toda a vida cristã" (Constituição Dogmática Lumen gentium, LG 11).

Os Congressos Eucarísticos Internacionais já possuem uma longa história na Igreja e têm assumido cada vez mais a característica da "Statio Orbis", que realça a dimensão universal desta celebração. Com efeito, trata-se sempre de uma festa de fé à volta do Cristo eucarístico, em que participam não só os fiéis de uma Igreja particular ou de uma única nação mas, na medida do possível, das várias partes do mundo. É a Igreja que se reúne ao redor do seu Senhor e do seu Deus.

A este propósito, é mais importante do que nunca a obra dos Delegados nacionais, nomeados pelas respectivas Autoridades das Igrejas do Ocidente e do Oriente. Eles são chamados a sensibilizar as suas Igrejas para o tema do Congresso internacional, sobretudo no período da sua preparação, a fim de que se torne um acontecimento fontal que dê frutos de vida e de comunhão às Igrejas locais.

3. A Eucaristia tem o seu lugar central na Igreja, porque é ela que "faz a Igreja". Como afirma o Concílio Vaticano II, citando as palavras do grande Agostinho, ela é "sacramentum pietatis, signum unitatis, vinculum caritatis" "sacramento de piedade, sinal de unidade e vínculo de caridade" (Sacrosanctum concilium, SC 47). E São Paulo diz: "E como há um único pão, nós, embora sejamos muitos, somos um só corpo, pois participamos todos desse único pão" (1Co 10,17). A Eucaristia é fonte de unidade na Igreja. O Corpo eucarístico do Senhor alimenta e sustém o seu Corpo místico.

Os Congressos Eucarísticos Internacionais contribuem também para esta finalidade extraordinariamente eclesial. Com efeito, a participação dos fiéis de várias proveniências neste acontecimento eucarístico simboliza a unidade e a comunhão.

Os Delegados nacionais podem incutir nas suas comunidades o espírito de fervor eucarístico e de comunhão, que se vive nestes tempos fortes de adoração, de contemplação, de reflexão e de partilha. Vivido em profundidade, o Congresso constitui um fogo para a formação de animadores de comunidades eucarísticas vivas e de evangelizadores daqueles grupos que ainda não conhecem plenamente o amor que se encerra na Eucaristia.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs, o apostolado eucarístico ao qual dedicais os vossos esforços constitui, sem dúvida, uma resposta ao convite do Senhor: "Duc in altum!". Perseverai nele com compromisso e paixão, animando e difundindo a devoção eucarística em todas as suas expressões. No vosso serviço eclesial, deixai-vos orientar sempre por um autêntico espírito de comunhão, favorecendo a colaboração concreta entre o Pontifício Comitê Eucarístico e os Comitês nacionais.

Acompanho estes bons votos com a certeza da minha oração e a Bênção apostólica que, do íntimo do coração, vos concedo a vós e aos vossos entes queridos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PARLAMENTO DA REPÚBLICA ITALIANA


Quinta-feira, 14 de Novembro de 2002

: Senhor Presidente
da República Italiana
Ilustres Presidentes
da Câmara dos Deputados
e do Senado
Senhor Presidente
do Conselho dos Ministros
Ilustres Deputados e Senadores


Sinto-me profundamente honrado pelo solene acolhimento que hoje me é prestado nesta sede prestigiosa, na qual todo o povo italiano está por vós dignamente representado. Dirijo a todos e a cada um a minha saudação deferente e cordial, consciente do grande significado da presença do Sucessor de Pedro no Parlamento Italiano.

Agradeço ao Senhor Presidente da Câmara dos Deputados e ao Senhor Presidente do Senado da República as nobres palavras com que interpretou os sentimentos comuns, dando voz também aos milhões de cidadãos, de cujo afecto tenho a confirmação quotidiana nas numerosas ocasiões em que me é concedido encontrar-me com eles. É um afecto que me acompanhou sempre, desde os primeiros meses da minha eleição à sede de Pedro. Por ele desejo exprimir a todos os italianos, também nesta ocasião, a minha profunda gratidão.

Já durante os anos em que era estudante em Roma e depois nas visitas periódicas que fazia à Itália como Bispo, sobretudo durante o Concílio Ecuménico Vaticano II, foi aumentando no meu coração a admiração por um País no qual o anúncio evangélico, que aqui chegou desde os primeiros tempos apostólicos, suscitou uma civilização rica de valores universais e um florescimento de admiráveis obras de arte, nas quais os mistérios da fé encontraram expressão em imagens de beleza sem igual. Quantas vezes, por assim dizer, constatei as marcas gloriosas que a religião cristã imprimiu nos costumes e na cultura do povo italiano, concretizando-se também em numerosas figuras de Santos e Santas cujo carisma exerceu um influxo extraordinário nas populações da Europa e do mundo. Basta pensar em São Francisco de Assis e em Santa Catarina de Sena, Padroeiros da Itália.

É verdadeiramente profundo o vínculo existente entre a Santa Sé e a Itália! Sabemos bem que ele conheceu fases e acontecimentos entre si bastante diferentes, não evitando as vicissitudes e as contradições da história. Mas devemos, ao mesmo tempo, reconhecer que, precisamente na sucessão por vezes agitada dos acontecimentos, ele suscitou impulsos muito positivos quer para a Igreja de Roma, e por conseguinte para a Igreja Católica, quer para a amada Nação italiana.

Para esta obra de aproximação e de colaboração, no respeito da recíproca independência e autonomia, contribuíram bastante os grandes Papas que a Itália deu à Igreja e ao mundo no século passado: é suficiente pensar em Pio XI, o Papa da Conciliação, e em Pio XII, o Papa da salvação de Roma, e, nos tempos mais recentes, nos Papas João XXIII e Paulo VI, dos quais eu próprio, como João Paulo I, quis assumir os nomes.

Tentando lançar um olhar sintético sobre a história dos séculos passados, poderíamos dizer que a identidade social e cultural da Itália e a missão de civilização que ela cumpriu e cumpre na Europa e no mundo muito dificilmente se poderiam compreender sem aquela linfa vital que é constituída pelo cristianismo.

Por conseguinte, permiti que eu vos convide respeitosamente, Representantes eleitos desta Nação, e convosco todo o povo italiano, a alimentar uma confiança convicta e meditada no património de virtudes e de valores transmitidos pelos antepassados. Só baseando-se nesta confiança é que se podem enfrentar com lucidez os problemas, mesmo complexos e difíceis, do momento presente, e orientar o olhar de maneira audaz para o futuro, interrogando-se sobre o contributo que a Itália pode dar aos progressos da civilização humana.

À luz da extraordinária experiência jurídica amadurecida ao longo dos séculos a partir da Roma pagã, como não sentir o compromisso, por exemplo, de continuar a oferecer ao mundo a mensagem fundamental segundo a qual, no centro de qualquer ordem civil justa, deve estar o respeito pelo homem, pela sua dignidade e pelos seus direitos inalienáveis? Com razão, já o antigo provérbio sentenciava: Hominum causa omne ius constitutum est. Está implícita, nesta afirmação, a convicção de que existe uma "verdade sobre o homem", que se impõe para além das barreiras de línguas e culturas diversas.

Nesta perspectiva, falando à Assembleia das Nações Unidas no Cinquentenário de fundação, recordei que existem direitos humanos universais, radicados na natureza da pessoa, nos quais se reflectem as exigências objectivas de uma lei moral universal. E acrescentei: "Muito longe de serem afirmações abstractas, estes direitos dizem-nos, pelo contrário, algo de importante em relação à vida concreta de cada homem e de cada grupo social. Recordam-nos também que não vivemos num mundo irracional ou sem sentido, mas que, ao contrário, existe uma lógica moral que ilumina a existência humana e torna possível o diálogo entre os homens e os povos" (Discurso na sede da ONU, n. 3, Edição semanal em língua portuguesa de L'Osservatore Romano de 14 de Outubro de 1995, pág. 3).

Seguindo com atenção amiga o caminho desta grande Nação, sinto-me também estimulado a considerar que, para exprimir melhor os seus dotes característicos, ela tem necessidade de incrementar a sua solidariedade e união interna. Devido às riquezas da sua longa história, assim como à multiplicidade e vivacidade das presenças e iniciativas sociais, culturais e económicas que de modo diversificado configuram o seu povo e o seu território, a realidade da Itália é sem dúvida bastante complexa e seria empobrecida e sacrificada por uniformidades forçadas.

O caminho que consente manter e valorizar as diferenças, sem que elas se tornem motivos de contraposição e impedimentos ao progresso comum, é o de uma solidariedade sincera e leal. Ela tem raízes profundas no coração e nos costumes do povo italiano e actualmente exprime-se, entre outras coisas, em numerosas e beneméritas formas de voluntariado. Mas sente-se a sua necessidade também nas relações entre as múltiplas componentes sociais da população e as diversas áreas geográficas em que se distribui.

Vós próprios, como responsáveis políticos e representantes das Instituições, podeis dar neste terreno um exemplo particularmente importante e eficaz, tanto mais significativo quanto mais a dialética das relações políticas, ao contrário, estimula a realçar os contrastes. De facto, a vossa actividade, qualifica-se em toda a sua nobreza na medida em que se revela ser incrementada por um autêntico espírito de serviço aos cidadãos.

Nesta perspectiva, é decisiva a presença no coração de cada um de uma profunda sensibilidade para o bem comum. O ensinamento do Concílio Vaticano II a este respeito é muito claro: "A comunidade política existe... por causa do bem comum no qual está a sua plena justificação e do qual deriva a sua legitimidade inata e própria" (Gaudium et spes, GS 74).

Os desafios que se apresentam a um Estado democrático exigem de todos os homens e mulheres de boa vontade, independentemente da opção política de cada um, uma cooperação solidária e generosa na edificação do bem comum da Nação. Aliás, esta cooperação não pode prescindir da referência aos valores éticos fundamentais inscritos na própria natureza do ser humano. A este propósito, na Carta encíclica Veritatis splendor eu admoestava contra o "risco da aliança entre democracia e relativismo ético, que tira à convivência civil qualquer ponto de referência moral seguro, e, mais radicalmente, priva-a da verificação da verdade" (n. 101). Com efeito, se não existe nenhuma verdade última que guie e oriente a acção política, escrevi noutra Carta encíclica, a Centesimus annus, "as ideias e as convicções podem ser facilmente instrumentalizadas para fins de poder. Uma democracia sem valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado, como a história demonstra" (n. 46); também a do século XX que há pouco terminou.

Numa circunstância tão solene como esta, não posso deixar de mencionar outra grave ameaça que pesa sobre o futuro deste País, condicionando já hoje a sua vida e as suas possibilidades de desenvolvimento. Refiro-me à crise dos nascimentos, ao declínio demográfico e ao envelhecimento da população. A evidência crua das cifras obriga a considerar os problemas humanos, sociais e económicos que esta crise inevitavelmente apresentará à Itália nos próximos decénios, mas sobretudo estimula aliás, ouso dizer, obriga os cidadãos a um compromisso responsável e convergente, para favorecer uma radical inversão de tendência.

A acção pastoral a favor da família e do acolhimento da vida, e mais em geral de uma existência aberta à lógica do dom de si, são o contributo que a Igreja oferece à construção de uma mentalidade e de uma cultura no âmbito das quais esta inversão de tendência se torne possível. Mas são grandes também os espaços para uma iniciativa política que, mantendo firme o reconhecimento dos direitos da família como sociedade natural fundada no matrimónio, como diz também a própria Constituição da República Italiana (cf. art. 29), torne social e economicamente menos dispendiosas a geração e a educação dos filhos.

Num tempo de mudanças muitas vezes radicais, em que as experiências do passado parecem ser irrelevantes, aumenta a necessidade de uma sólida formação da pessoa. Também isto, ilustres Representantes do povo italiano, é um âmbito que exige a maior colaboração possível, para que as responsabilidades primárias dos pais encontrem apoios adequados. A formação intelectual e a educação moral dos jovens são dois caminhos fundamentais através dos quais, nos anos decisivos do crescimento, cada um pode confrontar-se consigo mesmo, alargar os horizontes da mente e preparar-se para enfrentar a realidade da vida.

O homem vive uma existência autenticamente humana graças à cultura. É mediante a cultura que o homem se torna mais homem, tem acesso de modo mais intenso ao "ser" que lhe é próprio. Por outro lado, para uma visão sábia, é evidente que o homem conta como homem mais pelo que é do que pelo que possui. O valor humano da pessoa está em relação directa e fundamental com o ser, e não com o ter. Precisamente por isso, uma Nação que se preocupa com o seu futuro favorece o progresso da escola num clima sadio de liberdade, e não poupa esforços para melhorar a qualidade, em estreita relação com as famílias e com todas as componentes sociais, como de facto se verifica na maior parte dos Países europeus.

Não é menos importante, para a formação da pessoa, o clima moral que predomina nas relações sociais e que actualmente encontra uma expressão maciça e condicionante nos meios de comunicação: eis o desafio que chama em causa todas as pessoas e famílias, mas que interpela a título peculiar quem tem maiores responsabilidades políticas e institucionais. A Igreja, por seu lado, não se cansará de desempenhar, também neste campo, aquela missão educativa que pertence à sua própria natureza.

O carácter realmente humanista de um corpo social manifesta-se particularmente na atenção que ele consegue manifestar aos seus membros mais débeis. Olhando para o caminho percorrido pela Itália durante estes quase sessenta anos depois das ruínas da segunda guerra mundial, não podemos deixar de nos admirar pelos enormes progressos realizados rumo a uma sociedade na qual sejam garantidas a todos condições de vida aceitáveis. Mas é de igual modo inevitável reconhecer a grave crise ocupacional que ainda persiste, sobretudo juvenil, e numerosas pobrezas, misérias e marginalizações, antigas e novas, que afligem numerosas pessoas e famílias italianas ou imigradas neste País. Por conseguinte, é grande a necessidade de uma solidariedade espontânea e radical, à qual a Igreja se empenha de todos os modos em dar de coração o seu contributo.

Contudo, esta solidariedade não pode deixar de contar sobretudo com a constante solicitude das Instituições públicas. Nesta perspectiva, e sem comprometer a necessária tutela da segurança dos cidadãos, merece atenção a situação dos cárceres, nos quais os detidos vivem muitas vezes em tristes condições de excessivo número de presos. Um sinal de clemência em relação a eles, mediante uma redução da pena, constituiria uma evidente manifestação de sensibilidade, que não deixaria de estimular o empenho de recuperação pessoal com vista a uma positiva reinserção na sociedade.

Uma Itália que confia em si mesma e internamente unida constitui uma grande riqueza para as outras Nações da Europa e do mundo. Desejo partilhar convosco esta convicção no momento em que se estão a definir os perfis institucionais da União Europeia e parece que já é iminente o seu alargamento a muitos Países da Europa centro-oriental, quase a selar a superação de uma inatural divisão. Cultivo a confiança de que, também por mérito da Itália, às novas bases da "casa comum" europeia não falte o "cimento" daquela extraordinária herança religiosa, cultural e civil que fez grande a Europa ao longo dos séculos.

Por conseguinte, é necessário estar de sobreaviso em relação a uma visão do Continente que não considere unicamente os aspectos económicos e políticos ou que consinta de maneira acrítica modelos de vida inspirados num consumismo indiferente aos valores do espírito. Se desejarmos dar uma estabilidade duradoura à nova unidade europeia, é necessário empenhar-se para que ela se baseie naqueles fundamentos éticos que outrora forjaram a sua base, dando, ao mesmo tempo, espaço à riqueza e à diversidade das culturas e das tradições que caracterizam cada uma das nações. Desejaria também renovar a esta nobre Assembleia o apelo que dirigi nestes anos aos vários Povos do Continente: "Europa, no começo de um novo milénio, abre de par em par, mais uma vez, as tuas portas a Cristo!".

O novo século que há pouco começou, traz consigo uma crescente necessidade de concórdia, de solidariedade e de paz entre as Nações: de facto, esta é a exigência iniludível de um mundo cada vez mais interdependente e que se mantém unido por uma rede global de intercâmbios e de comunicações, no qual, todavia, continuam a persistir desigualdades assustadoras. Infelizmente, as esperanças de paz são brutalmente desmentidas com o agravamento de conflitos crónicos, começando pelo que ensanguenta a Terra Santa. A isto acrescenta-se o terrorismo internacional com a nova e terrível dimensão que assumiu, pondo em causa, de modo totalmente deturpado, as grandes religiões. Precisamente numa situação como esta, as religiões são estimuladas a fazer emergir todo o seu potencial de paz, orientando e quase "convertendo" as culturas e as civilizações que nelas se inspiram, a uma compreensão recíproca.

Para este grande empreendimento, de cujos êxitos depende, nos próximos decénios, o destino do género humano, o cristianismo possui uma competência e uma responsabilidade completamente peculiares; ao anunciar o Deus do amor, propõe-se como a religião do respeito recíproco, do perdão e da reconciliação. A Itália e as outras Nações que têm a sua raiz histórica na fé cristã estão quase intrinsecamente preparadas para abrir à humanidade novos caminhos de paz, sem ignorar o perigo das actuais ameaças, mas também, sem se deixar aprisionar por uma lógica de confronto que não teria soluções.

Ilustres Representantes do Povo italiano, brota espontânea do meu coração uma oração: desta antiquíssima e gloriosa Cidade desta "Roma onde Cristo é Romano", segundo a conhecida definição de Dante (Purg. 32, 102) peço ao Redentor do homem que faça com que a amada Nação italiana possa continuar, no presente e no futuro, a viver de acordo com a sua luminosa tradição, sabendo tirar dela novos e abundantes frutos de civilização, para o progresso material e espiritual de todo o mundo.

Deus abençoe a Itália!




Discursos João Paulo II 2002 - 28 de Outubro de 2002