Discursos João Paulo II 2002 - Quinta-feira, 14 de Novembro de 2002

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DO REGIONAL LESTE II


DO BRASIL EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sábado, 16 de novembro de 2002



Venerados Irmãos no Episcopado,

1. Saúdo todos vós afetuosamente com as palavras de São Pedro, o primeiro Papa: «A graça e a paz vos sejam dadas em abundância pelo conhecimento de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo», tendo também vós recebido, «pela justiça do nosso Deus e de Jesus Cristo, nosso Salvador, uma fé tão preciosa como a nossa» (2P 1,1-2), para acender a esperança no coração dos homens e mulheres deste tempo.

Desejo agradecer as palavras e os sentimentos que, em nome de todo o Episcopado de Minas Gerais e do Espírito Santo, foram expressos pelo Senhor Cardeal D. Serafim Fernandes de Araújo, Arcebispo de Belo Horizonte, feliz por ver como o amor de Cristo vos estimula a um apostolado intenso e generoso em prol do crescimento do Reino de Deus nas comunidades que vos foram confiadas. Esta Visita ad Limina, deu-vos ocasião de expor com suficiente amplidão, quer mediante os relatórios que apresentastes quer durante os colóquios pessoais que tivestes comigo, os vossos anseios e preocupações pastorais. O meu encontro convosco hoje consente-me, em primeiro lugar, agradecer em nome da Igreja, vosso zelo pelo trabalho que realizais e, depois, confirmar-vos na missão comum de Bom Pastor que providencia ao Povo de Deus, especialmente às famílias, as pastagens onde encontrar a vida e encontrá-la em abundância.

2. Na Carta que dirigi às famílias em 1994, dizia que «a família se acha no centro do grande combate entre o bem e o mal, entre a vida e a morte, entre o amor e quanto a este se opõe. À família está confiado o dever de lutar sobretudo para libertar as forças do bem, cuja fonte se encontra em Cristo, Redentor do homem. É preciso fazer com que tais forças sejam assumidas por cada núcleo familiar, para que [...] a família seja forte de Deus» (23).

Célula originária da sociedade e «Igreja doméstica» (LG 11), a família sempre constituiu o primeiro âmbito natural da maturação humana e cristã das novas gerações, formando-as para os valores cristãos da honestidade e da fidelidade, da operosidade e da confiança na divina Providência, da hospitalidade e da solidariedade; hoje, porém, tem necessidade de um apoio particular para resistir às ameaças desagregadoras da cultura individualista.

3. Ao longo do Pontificado, tenho insistido sobre a importância do papel desempenhado pelo núcleo familiar na sociedade. Recordo, inclusive, que na minha primeira Viagem pastoral ao Brasil, destacava sua influência na formação da vossa cultura (cf. Homília no Rio de Janeiro, 01/07/1980, 4). Existem valores que sinalizam uma tradição longamente adquirida pela gente brasileira, tais como o respeito, a solidariedade, a privacidade; valores que nascem de uma origem comum: a fé vivida pelos vossos antepassados. A mulher brasileira, de modo especial, teve sempre um lugar próprio, não intercambiável e fundamental, na origem e na duração de qualquer família. A esposa traz para o casamento e a mãe para a vida da família dotes peculiares ligados à sua fisiologia e psicologia, caráter, inteligência, sensibilidade, afeto, compreensão da vida e postura perante ela mas, sobretudo, espiritualidade e relação com Deus, indispensáveis para forjar o homem e a mulher do amanhã. Ela constitui o elo fundamental amor, paz e garantia do futuro de qualquer comunidade familiar.

É certo que existem fatores sociais que têm levado a desestabilizar o núcleo familiar nestas últimas décadas e que foram apontados no Documento de Puebla: alguns deles sociais (estruturas de injustiça), culturais (educação e meios de comunicação social), políticos (dominação e manipulação), econômicos (salários, desemprego, pluriemprego) e religiosos (secularismo) (572). Sem esquecer que, em algumas regiões do vosso País, a carência de moradia, de higiene, de saúde e de educação contribuem para desestruturar a família.

A estes fatores, une-se a falta de valores morais que abre as portas à infidelidade e à dissolução do matrimônio. As leis civis que favoreceram o divórcio e ameaçam a vida tentando introduzir oficialmente o aborto; as campanhas de controle da natalidade que, ao invés de convidar a uma procriação responsável, através dos ritmos naturais da fertilidade, levaram à esterilização de milhares de mulheres, sobretudo no nordeste, e propagaram o uso de meios anticoncepcionais, revelam agora seus resultados mais dramáticos. A mesma falta de uma informação objetiva e o desenraizamento geográfico prejudica o convívio social, dando origem a um processo desagregador do núcleo familiar nos seus elementos mais essenciais.

Esta situação, não obstante os esforços inegáveis de várias iniciativas pastorais ou de movimentos religiosos, visando a recuperação da visão cristã da família, parece continuar influindo na realidade social brasileira.

4. Conheço o vosso empenho em defender e promover esta instituição, que tem a sua origem em Deus e no seu plano de salvação (cf. Familiaris consortio FC 49). Hoje, assistimos a uma corrente muito difundida em algumas partes, que tende a debilitar sua verdadeira natureza. Com efeito, não faltam intentos, na opinião pública e na legislação civil, para equiparar a família a meras uniões de fato ou para reconhecer como tal a união de pessoas do mesmo sexo. Estas e outras anomalias leva-nos a proclamar, com firmeza pastoral, a verdade sobre o matrimônio e a família. Deixar de fazê-lo seria uma grave omissão pastoral, que induziria as pessoas ao erro, especialmente aquelas que têm a importante responsabilidade de tomar decisões sobre o bem comum da Nação.

É necessário dar uma resposta vigorosa a esta situação sobretudo através de uma ação catequética e educativa mais incisiva e constante, que permita incentivar o ideal cristão da comunhão conjugal fiel e indissolúvel, verdadeiro caminho de santidade e abertura à vida.

Neste contexto, volto aqui a recordar a necessidade de respeitar a dignidade inalienável da mulher, para fortalecer seu importante papel, tanto no âmbito do lar como no da sociedade em geral. Com efeito, é triste observar como «a mulher ainda é objeto de discriminações» (Ecclesia in America ), sobretudo quando é vítima de abusos sexuais e da prepotência masculina. Por isso, é necessário sensibilizar as instituições públicas a fim de promover ainda mais a vida familiar baseada no matrimônio e proteger a maternidade no respeito pela dignidade de todas as mulheres (cf. ib.). Além disso, nunca é demais insistir sobre o valor insubstituível da mulher no lar: ela, depois de ter dado à luz uma criança, é o constante ponto de referência para o crescimento humano e espiritual deste novo ser. O amor da mãe no lar é um dom precioso, tesouro que se conserva para sempre no coração.

5. Não podemos esquecer que a família deve testemunhar seus próprios valores diante de si e da sociedade. As tarefas que Deus chama a desenvolver na história, brotam do próprio desígnio original e representam seu desenvolvimento dinâmico e existencial. Os casados devem ser os primeiros a testemunhar a grandeza da vida conjugal e familiar, fundada na fidelidade ao compromisso assumido diante de Deus. Graças ao sacramento do matrimônio, o amor humano adquire valor sobrenatural, capacitando os cônjuges a participarem do próprio amor redentor de Cristo e a viverem como parcela viva da santidade da Igreja. Este amor, de por si, assume a responsabilidade de contribuir para a geração de novos filhos de Deus.

Mas como aprender a amar e a dar-se generosamente? Nada impele tanto a amar, dizia Santo Tomás, como saber-se amado. E é precisamente a família - comunhão de pessoas onde reina o amor gratuito, desinteressado e generoso - o lugar em que se aprende a amar. O amor mútuo dos esposos prolonga-se no amor aos filhos. A família é com efeito - mais do que qualquer outra realidade humana - o ambiente em que o homem é amado por si mesmo e aprende a viver "o dom sincero de si". A família é, portanto, uma escola de amor, na medida em que persevera na própria identidade: a comunhão estável de amor entre um homem e uma mulher, fundada no matrimônio e aberta à vida.

Quis recordar estes princípios, venerados Irmãos no episcopado, pois quando desaparecem o amor, a fidelidade ou a generosidade perante os filhos, a família se desfigura. E as conseqüências não se fazem esperar: para os adultos, solidão; para os filhos, desamparo; para todos a vida se torna território inóspito. O fiz, de certo modo, para convocar todas as forças da Pastoral diocesana a fim de não hesitar em atender aqueles casais que se encontram em dificuldades, animando-os oportunamente a serem fiéis à sua vocação de serviço à vida e à plena humanidade do homem e da mulher, fundamento da "civilização do amor". Aos que temem as exigências que tal fidelidade comporta, o Papa diz-lhes: Não tenham medo dos riscos! «Não existe uma situação difícil que não possa ser enfrentada de modo adequado quando se cultiva um clima de vida cristã coerente» (Discurso à Ass. Pl. do P. C. para a Família, 18/10/2002, 3). De resto, imensamente maior que o mal que opera no mundo é a eficácia do sacramento da Penitência, caminho de reconciliação com Deus e com o próximo.

6. Na Campanha da Fraternidade de 1994 voltei a observar, com certa apreensão, os rumos tomados pela instituição da família na vossa pátria. «O clima de hedonismo - dizia naquela ocasião - e de indiferentismo religioso, que está na base do esfacelamento da sociedade, propaga-se no seu interior e é a causa da desagregação de muitos lares».

Quisera, por isso, convidar os que se dedicam à Pastoral Familiar das vossas Dioceses a dar novo impulso na defesa e na promoção da instituição familiar, com uma adequada preparação deste Sacramento grande, «com referência a Cristo e à Igreja», como diz S. Paulo (Ep 5,32). Através dos ensinamentos da Igreja, fornecidos em aulas, cursos de noivos, conversas particulares com algum casal idôneo ou um sacerdote experiente, o matrimônio reforçará a fé, a esperança e a caridade dos noivos face à nova situação social e religiosa que são chamados a assumir.

A ocasião também é propícia para uma reevangelização dos batizados, quando estes se aproximam da Igreja para pedir o sacramento do matrimônio. Neste sentido, chama à atenção a educação escolar e superior que, mesmo tendo dado em alguns lugares passos significativos, carece da correlativa evolução na vida cristã das jovens gerações. Neste setor, as comunidades eclesiais têm um papel importante a desempenhar pois deste modo, ao experimentar e testemunhar o amor de Deus, poderão manifestá-lo com eficácia e em profundidade àqueles que necessitam conhecê-lo. Uma proposta pastoral para a família em crise supõe, como exigência preliminar, uma clareza doutrinária, efetivamente ensinada no campo da Teologia Moral, sobre a sexualidade e a valorização da vida. As opiniões contrastantes de teólogos, sacerdotes e religiosos, divulgadas inclusive pela imprensa escrita e falada, sobre as relações pré-matrimoniais, o controle da natalidade, a admissão dos divorciados aos sacramentos, a homossexualidade e o lesbianismo, a fecundação artificial, o uso de práticas abortivas ou a eutanásia mostram o grau de incerteza e a confusão que perturbam e chegam a anestesiar a consciência de muitos fiéis.

Na base da crise, percebe-se a ruptura entre a antropologia e a ética, marcada por um relativismo moral segundo o qual valoriza-se o ato humano, não com referência a princípios permanentes e objetivos, próprios da natureza criada por Deus, mas conforme a uma ponderação meramente subjetiva acerca do que é mais conveniente ao projeto pessoal de vida. Produz-se então uma evolução semântica em que o homicídio se chama morte induzida, o infanticídio, aborto terapêutico e o adultério passa a ser uma simples aventura extramatrimonial. Não havendo mais certeza absoluta nas questões morais, a lei divina torna-se uma proposta facultativa na oferta variegada das opiniões mais em voga.

Certamente, devemos dar graças a Deus porque estão bem enraizadas as tradições religiosas da família mineira, donde surgem muitas vocações religiosas e para o Seminário. Mas, sem descurar as demais prioridades do trabalho pastoral - de modo especial a Pastoral vocacional e o acompanhamento e formação dos candidatos aos sacerdócio - é necessário um esforço generoso no amplo campo do apostolado da família através da catequese, das pregações, do aconselhamento pessoal. De resto, é neste sentido que as comunidades eclesiais capixabas vêm favorecendo o enriquecimento da vida eclesial no seu Estado. Também a elas desejo fazer constar meu louvor e estímulo pela obra evangelizadora que estão realizando.

7. Meu pensamento dirige-se, enfim, aos processos de nulidade matrimonial submetidos ao exame dos vossos Tribunais diocesanos e, quando for o caso, à Rota Romana.

Na sua fidelidade a Cristo, a Igreja não pode deixar de reafirmar com persuasão «o alegre anúncio da forma definitiva daquele amor conjugal, que tem em Jesus Cristo o seu fundamento e vigor (cf. Ef Ep 5,25)» (Familiaris consortio FC 20). Por isso,«o juiz eclesiástico, autêntico «sacerdos iuris» - como já o afirmei - não pode deixar de ser chamado a exercer um verdadeiro "officium caritatis et unitatis". Sua tarefa é exigente e, ao mesmo temo, de alta dimensão espiritual, fazendo dele artífice de uma singular diaconia para cada homem e, mais ainda, para o "christifidelis"» (Discurso à Rota Romana, 17/01/1998, 2). Na sua preocupação por aplicar autenticamente as normas processais, está em jogo não só a credibilidade da fé revelada, mas a paz das consciências. Em algumas das vossas Dioceses, tem havido um esforço organizativo dos Tribunais, reforçando aqueles Interdiocesanos. Faço votos de que, neste delicado processo interdisciplinar, a fidelidade à verdade revelada sobre o matrimônio e sobre a família, interpretada de maneira autêntica pelo Magistério da Igreja, constitua sempre o ponto de referência e o verdadeiro estímulo para uma profunda renovação deste setor da vida eclesial.

8. A Sagrada Família, ícone e modelo de cada família humana, ajude cada um a caminhar no espírito de Nazaré. Para isso, amados Irmãos no Episcopado, levai aos fiéis que vos foram confiados o estímulo de que «como estava em Caná da Galiléia, Esposo entre aqueles esposos que mutuamente se entregavam por toda a vida, o bom Pastor está hoje convosco como motivo de esperança, força dos corações, fonte de entusiasmo sempre novo e sinal da vitória da "civilização do amor". Jesus, o bom Pastor, repete-nos: Não tenhais medo. Eu estou convosco. "Estou convosco todos os dias até ao fim do mundo" (Mt 28,20)» (Carta às famílias LF 18). Esta certeza guie os cônjuges e quantos os ajudam a compreender e pôr em prática o ensinamento da Igreja sobre o matrimônio, e dela se nutra incessantemente o vosso ministério episcopal, venerados Irmãos, na qual vos confirmo com a Bênção Apostólica que de bom grado vos concedo, tornando-a extensiva a cada uma das vossas Comunidades diocesanas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UMA DELEGAÇÃO LUTERANA DA NORUEGA


Sábado, 16 de Novembro de 2002






Estimado Bispo Wagle
Ilustres amigos

É com imenso prazer que recebo no Vaticano esta Delegação proveniente da Diocese luterana de Nidaros, na Noruega, presente em Roma por ocasião da Festividade de Santo Olavo, Padroeiro da Noruega.

Lembro muito bem que, durante a minha visita à Noruega e aos outros países da Escandinávia, realizada em 1989, participei num serviço ecuménico na Catedral de Nidaros, em Trondheim, com o seu predecessor, o Reverendíssimo Kristen Kyrre Bremer. Tratou-se de um sinal dos novos e mais profundos relacionamentos entre nós, relacionamentos estes que melhoraram e, em 1993, levaram a Igreja luterana a conceder que a Comunidade católica celebrasse, nessa antiga Catedral medieval, o sesquicentenário do restabelecimento das relações da Igreja católica na Noruega. Damos graças a Deus, que nos ajudou a realizar este progresso.

Comprometemo-nos a continuar a caminhar ao longo do itinerário da reconciliação. A Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, entre a Federação luterana mundial e a Igreja católica, assinada em 1999, aplana o caminho de um testemunho conjunto mais amplo e aproxima-nos um pouco mais da plena unidade visível, que constitui a meta do nosso diálogo.

O Senhor nos ajude a valorizar aquilo que já foi alcançado até agora e nos confirme nos esforços em ordem a fazer com que eles se desenvolvam numa maior forma de cooperação. No início do novo milénio, o Senhor está a exortar todos os seus seguidores: "Duc in altum! Fazei-vos ao largo!" (Lc 5,4). Permaneçamos sempre abertos à obra surpreendente do Espírito Santo no meio de nós.

Deus vos abençoe!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS ALUNOS DOS SEMINÁRIOS MAIORES


DA SICÍLIA (ITÁLIA)


Sábado, 16 de Novembro de 2002


Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Caríssimos Seminaristas!

1. É com grande alegria que vos recebo a todos e vos saúdo cordialmente. Saúdo, em primeiro lugar, o Cardeal Salvatore De Giorgi, Arcebispo de Palermo, e agradeço-lhe as gentis palavras com que se fez intérprete dos sentimentos de todos. Saúdo os Prelados das 18 Dioceses da vossa Ilha, nas quais está presente o Seminário Maior. Saúdo os Reitores, os professores e os educadores, e sobretudo a vós, queridos seminaristas, que representais uma grande esperança para a Comunidade na Sicília.

Nos últimos anos, a Conferência Episcopal Siciliana prestou uma atenção mais directa e intensa aos Seminários. A este propósito, foi particularmente significativo o encontro dos Bispos com os Superiores dos Seminários e os Reitores da Faculdade Teológica e dos Institutos com ela relacionados, para examinar juntos os resultados de uma cuidadosa investigação sobre a vida dos Seminários.

Esta colaboração dos Bispos, dos Superiores e dos Professores dos Seminários corresponde a um aspecto fundamental da formação dos futuros ministros do altar. Com efeito, "o primeiro responsável da formação sacerdotal é o Bispo, ao qual é pedido o reconhecimento da autenticidade da chamada interior do Espírito" (Exort. apost. Pastores dabo vobis PDV 65). Por isso, à semelhança do Mestre, que "chamou os que Ele quis... elegeu doze para andarem com Ele" (Mc 3,13-14), é bom que o Bispo procure conhecer pessoalmente os seus seminaristas, os ouça e, de qualquer modo, "ande com eles", para que eles andem com o Bispo (cf. Ibid.).

2. Se os colaboradores directos do Bispo nesta importante tarefa são os Superiores e os Professores do Seminário, o próprio candidato, deve fazer-se contudo protagonista da própria formação. Neste contexto assume um importante realce a organização dos congressos anuais que se realizam sob o nome de "Diálogo", geridos directamente por vós, queridos seminaristas, com a aprovação e a orientação dos vossos Pastores.

Além disso, o Centro Regional de Formação permanente do Clero dedicado à "Mãe do Bom Pstor", com sede em Palermo, põe em evidência e fortalece o "vínculo intrínseco" da formação permanente dos sacerdotes com a do Seminário, da qual é um significativo prolongamento. É importante que os sacerdotes participem nas iniciativas promovidas quer nas Dioceses individualmente quer a nível regional, sobretudo nos primeiros anos depois da Ordenação. Nem esqueçamos que se "se pode compreender um certo sentido de "saciedade" que se apodera dos jovens padres quando saem do Seminário, frente a novas ocasiões de estudo e de encontro, deve todavia rejeitar-se como absolutamente falsa e perigosa a ideia de que a formação presbiteral se conclui no termo da presença no Seminário" (Pastores dabo vobis PDV 76).

3. Dou graças ao Senhor juntamente convosco pelo incremento vocacional que se regista na Sicília. Ele serve de estímulo para intensificar a oração ao Dono da messe para que envie ainda mais trabalhadores para a sua messe (cf. Mt Mt 9,38), assim como para desenvolver uma incisiva, ampla e pormenorizada pastoral das vocações, que atinja as paróquias, os centros educativos e as famílias. Ao mesmo tempo, o crescimento numérico deve ser acompanhado pelo aumento de qualidade, mediante a atenção constante à formação humana, espiritual, intelectual e pastoral dos jovens aspirantes.

A formação humana é o fundamento de toda a formação sacerdotal e é importante que o Seminário seja um lugar privilegiado no qual se cultivam as qualidades humanas necessárias para a edificação de personalidades equilibradas e maduras, fortes e livres, capazes de carregar, quando forem sacerdotes, o peso das responsabilidades pastorais.

A formação humana completa-se com a formação espiritual, cujos elementos fundamentais, sabiamente indicados pelo Concílio Vaticano II no Decreto Optatam totius (cf. n. 8), analisei na Exortação Pastores dabo vobis (cf. nn. 47-50). É necessário cultivar uma comunhão íntima com Deus na escuta dócil da sua Palavra e na oração, pessoal e litúrgica, sobretudo com a recitação da Liturgia das Horas e a participação quotidiana na celebração eucarística, fonte sempre vigorosa de caridade pastoral. Haurindo dela, o jovem forma-se "para o dom generoso e gratuito de si" e para o "sentido de Igreja", para a "obediência sacerdotal, para um teor de vida pobre", "para viver o celibato como dom precioso de Deus" e "opção de um amor maior a Cristo e à sua Igreja e sem divisões" (cf. ibid., 49-50). Tudo isto se torna mais praticável, se no Seminário se respira um clima de recolhimento, "qual atmosfera espiritual indispensável para se perceber a presença de Deus e para se deixar conquistar por ela" (ibid., 47).

4. No actual contexto sócio-cultural, muitas vezes marcado por uma difundida indiferença religiosa, pela desconfiança nas reais capacidades da razão de alcançar a verdade objectiva e universal e por problemas e interrogações inéditas, a formação intelectual exige um elevado nível de empenho no estudo, em plena fidelidade ao Magistério da Igreja (cf. ibid., 51-55). Os sacerdotes devem procurar estar à altura das dificuldades dos tempos, para saberem "enfrentar com competência, clareza e profundidade de argumentação as carências de sentido dos homens de hoje, às quais apenas o Evangelho de Jesus Cristo dá resposta cabal" (ibid., 56).

Por fim, a formação pastoral é a meta de todo o programa formativo no Seminário, porque tende para "formar verdadeiros pastores de almas a exemplo de nosso Senhor Jesus Cristo mestre, sacerdote e pastor" (Optatam totius, OT 4). Daqui surge a necessidade do estudo da Teologia pastoral, acompanhado pela introdução a alguns serviços pastorais, que constituem uma "verdadeira e própria iniciação à sensibilidade do pastor", e "assunção consciente e amadurecida das suas responsabilidades" (Pastores dabo vobis PDV 58).

5. Queridos Seminaristas! confiai o vosso caminho vocacional e formativo à Virgem Santa, venerada na Sicília com o título de Odigitria. Seja preocupação vossa recorrer a ela incessantemente, amá-la com afecto filial e invocá-la com confiança iluminada. Torne-se familiar para vós a oração do Santo Rosário, que me é tão querida, oração eminentemente contemplativa, que através da meditação dos mistérios de Cristo com os olhos e com o coração de Maria favorece a sua "assimilação" na própria vida, estimulando a uma "conformação com Cristo sempre mais plena" (Rosarium Virginis Mariae RVM 26).

Para cada um de vós e para as vossas famílias, assim como para os responsáveis da vossa formação e para as Comunidades às quais pertenceis, asseguro uma constante recordação na oração, e de coração abençoo-vos a todos.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


À CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA


: Caríssimos Bispos italianos

1. "A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós" (2Co 13,13).

A cada um de vós, reunidos em Collevalenza no Santuário do Amor Misericordioso para a vossa 50ª Assembleia Geral, chegue a minha saudação mais cordial, acompanhada pelos votos de dias intensos e frutuosos de oração e de trabalho comum. Saúdo, em particular, o Senhor Cardeal Camillo Ruini, os três Vice-Presidentes e o Secretário-Geral, e todos os que se dedicam com zelo ao serviço da vossa Conferência.

Como sempre, estou bastante próximo de vós na vossa solicitude quotidiana de Pastores, para o bem das Igrejas particulares que vos estão confiadas e de toda a querida Nação Italiana.

2. A principal atenção da vossa Assembleia será dedicada ao grande desafio que se está a desenvolver ao longo destes anos à volta da pergunta crucial, já realçada pelo Concílio Vaticano II (cf. Gaudium et spes, GS 12): "Quem é o homem?". Um desafio antigo mas também novo, porque as tendências, que nunca desapareceram, de negar ou esquecer a unicidade do nosso ser e da nossa vocação, de criaturas feitas à imagem de Deus, recebem hoje um novo estímulo da pretensão de poder explicar adequadamente o homem apenas com os métodos das ciências empíricas. E isto verifica-se quando, ao contrário, é necessário como nunca ter uma convicção clara e firme da dignidade inviolável da pessoa humana, para enfrentar os riscos de manipulação radical, que se verificariam se os recursos das tecnologias fossem aplicadas ao homem, prescindindo dos parâmetros fundamentais e dos critérios antropológicos e éticos na sua própria natureza.

Esta consciência da dignidade que nos pertence por natureza é, além disso, o único princípio sobre o qual podem ser construídas uma sociedade e uma civilização realmente humanistas, num tempo em que os interesses económicos e as mensagens da comunicação social agem em escala planetária, pondo em perigo aqueles patrimónios de valores culturais e morais que representam a primeira riqueza da Nação.

3. Por isso, fazeis bem, caríssimos Irmãos Bispos, em aprofundar juntos estes problemas fundamentais, com vista a um empenho pastoral e cultural que envolva todas as energias dos católicos italianos.

Assim, aquele projecto cultural, orientado em sentido cristão, através do qual procurais justamente dar um perfil cultural mais forte e incisivo à obra de evangelização, que está no centro da vossa solicitude de Pastores, dará um novo e particularmente significativo passo em frente.

Na mesma perspectiva, desejo exprimir-vos a minha aprovação e encorajamento pelo empenho que dedicais à promoção de uma qualificada presença cristã no âmbito, tão importante e influente como debatido e difícil, da comunicação social. Alegro-me, sobretudo, pelo empenho dedicado a elevar o nível qualitativo e o prestígio público do diário "Avvenire" e vejo com prazer os progressos que se estão a realizar também no âmbito da transmissão rádio-televisiva. É forte o desejo de que os católicos italianos saibam, por sua vez, aproveitar amplamente estes instrumentos, que são postos à sua disposição, para uma leitura e compreensão da realidade social o mais possível honesta e atenta aos verdadeiros valores.

4. Caríssimos Irmãos no Episcopado, há poucos dias, aceitando um gentil convite, visitei o Parlamento italiano. Desta forma, foi realçado, de modo muito significativo, aquele vínculo bastante profundo e deveras especial que se estabeleceu, ao longo dos séculos, entre a Itália e a Igreja Católica, e que também hoje, no pleno respeito da autonomia recíproca, pode ser fonte de colaborações preciosas, em benefício do Povo italiano.

Bem sei como é constante a atenção que dedicais, tanto como Bispos individualmente, como reunidos na C.E.I. e nas vossas Conferências Regionais, ao destino desta amada Nação. Partilho convosco, em particular, a solicitude e a preocupação pela família, reconhecida desde sempre como a estrutura básica da vida social. O empenho da Igreja na pastoral da família, e faço votos para que seja cada vez mais convicto e pormenorizado, é por conseguinte também um grande contributo para o bem do País.

Somos chamados a prestar a mesma atenção à educação das novas gerações e, portanto, à escola. Então, não podemos deixar de solicitar que sejam dados passos concretos e obrigatórios na actuação da paridade escolar.

Num período difícil sob o perfil económico e social, olhamos depois com particular preocupação e solidariedade efectiva para as condições de vida de muitas pessoas e famílias, marcadas de várias formas pela pobreza ou ameaçadas pela perda do posto de trabalho.

Por este e por muitos outros motivos, parece ser cada vez mais importante e necessário que nos representantes da política e da economia, da cultura e da comunicação, assim como em todo o tecido social italiano, se fortaleçam as atitudes de solidariedade e de responsabilidade para o bem comum da Nação.

5. A solicitude pelo próprio País, hoje, nunca pode prescindir do mais amplo contexto internacional. Portanto, exprimo a minha complacência pelo empenho com que a vossa Conferência segue as vicissitudes da União Europeia, num momento particularmente importante e delicado para a definição da ordem institucional e com vista ao seu alargamento às Nações da Europa centro-oriental. A propósito, desejo mais uma vez realçar o papel que a Itália e os católicos italianos podem desempenhar para salvaguardar e promover a matriz cristã da civilização europeia.

Nos nossos corações e nas nossas orações é grande, sobretudo, a preocupação pela paz. Pedimos juntos ao Deus rico de misericórdia e de perdão que afaste os sentimentos de ódio nos corações das populações, faça cessar o horror do terrorismo e guie os passos dos responsáveis das Nações pelos caminhos da compreensão recíproca, da solidariedade e da reconciliação.

Caríssimos Irmãos, desde há pouco tempo vós e toda a Itália fostes provados por um grande sofrimento, que também eu partilhei profundamente, pelas numerosas vítimas, sobretudo crianças, do terramoto do Molise. A nossa comum e comovida oração eleva-se a Deus, antes de mais, por elas e pelas suas famílias. Rezamos também por toda a Itália e por cada uma das Igrejas confiadas aos vossos cuidados pastorais, para que a sua grande herança de fé, de caridade e de cultura cristã seja sempre mantida e cada vez mais vivificada.

Com estes sentimentos concedo-vos a vós e às vossas Igrejas uma especial Bênção apostólica, com a qual desejo abranger também o clero, os religiosos e os fiéis que vos estão confiados.

Vaticano, 15 de Novembro de 2002.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA CONGREGAÇÃO


PARA AS IGREJAS ORIENTAIS


Quinta-feira, 21 de Novembro de 2002

: Senhores Cardeais
Venerados Patriarcas
das Igrejas Orientais católicas
Caríssimos Irmãos no Episcopado

1. É com grande alegria que vos acolho a todos vós, que participais na Sessão Plenária da Congregração para as Igrejas Orientais. Agradeço-vos a vossa presença e saúdo- vos a todos com afecto.

Saúdo de maneira especial Sua Beatitude o Cardeal Ignace Moussa Daoud, enquanto lhe agradeço as amáveis expressões que me dirigiu em nome dos presentes. Dirijo também o meu pensamento ao Secretário, ao Subsecretário da Congregração para as Igrejas Orientais e a todos os colaboradores.

2. A vossa Congregação é chamada a coadjuvar o Bispo de Roma no exercício do supremo múnus pastoral, em tudo aquilo que diz respeito à vida das queridas Igrejas Orientais e ao seu testemunho evangélico. Esta Sessão Plenária reserva uma oportuna atenção a três temas, que se referem a aspectos importantes da vida das Igrejas Orientais católicas.

No primeiro tema, tomastes em consideração a actividade levada a cabo pela Congregração para as Igrejas Orientais durante os últimos quatro anos. É de bom grado que reconheço quanto foi realizado neste espaço de tempo, enquanto vos encorajo a continuar com determinação pelo caminho empreendido. Conheço a prioridade que foi reservada pela vossa Congregação à renovação litúrgica e catequética, como à formação das várias componentes do Povo de Deus, a partir dos candidatos às Ordens sacras e à vida consagrada. Esta acção formativa é inseparável do cuidado permanente dos respectivos formadores. Agora, gostaria de recordar aquilo que já tive a ocasião de afirmar, a este respeito, na Exortação Pastores dabo vobis: "É evidente que uma grande parte da eficácia formativa depende da personalidade madura e forte dos formadores, tanto sob o aspecto humano como evangélico" (n. 66).

É de bom grado que aproveito esta ocasião para transmitir, através de vós, uma cordial saudação aos Superiores e aos alunos dos vários Colégios e Institutos que a Congregação assiste aqui em Roma. Formulo votos a fim de que, quantos têm a possibilidade de ser neles acolhidos, possam receber uma formação completa e cresçam num amor cada vez mais ardente à Igreja, que é una, santa, católica e apostólica. A diversidade de rito não deve levar ao esquecimento de que todos os católicos fazem parte da única Igreja de Cristo.

3. Além disso, reveste uma importância totalmente particular o processo das eleições episcopais nas Igrejas patriarcais. Ser-me-á grato tomar as vossas propostas em atenta consideração, à luz das relativas Normas do Código dos Cânones das Igrejas Orientais (C.C.I.O.). Com efeito, nelas desejei estabelecer um modus procedendi que salvaguarde as prerrogativas dos Responsáveis das Igrejas e, ao mesmo tempo, o direito que o Pontífice Romano tem de intervir "in singulis casibus" (C.C.I.O., cân. 9).

Com a acrescida possibilidade de comunicação, impensável no passado, esta forma permite que o Chefe do Colégio Episcopal possa admitir à comunhão hierárquica sem a qual "Episcopi in officium assumi nequeunt" (Lumen gentium LG 24) os novos candidatos com o seu "assensus", na medida do possível, antes da sua própria eleição. De qualquer forma, quando à Santa Sé forem assinaladas algumas dificuldades na aplicação das Normas canónicas em vigor, procurar-se-á ajudar a resolvê-las com um espírito de colaboração concreta.

Todavia, no que se refere às Normas, que nesta delicada matéria foram elaboradas juntamente com todos os Patriarcas orientais, confirmo aquilo que já tive a oportunidade de observar acerca do princípio da territorialidade, por ocasião da apresentação do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, no contexto do Sínodo Extraordinário dos Bispos, em 1990: "Tende fé que o Senhor dos senhores e o Rei dos reis nunca permitirá que a observância diligente desta lei prejudique o bem das Igrejas Orientais" (AAS 83 [1991], pág. 492).

4. Venerados Irmãos, gostaria de realçar como é importante estudar também, no contexto de uma visão de conjunto, as temáticas relativas ao estado das Igrejas Orientais e das suas perspectivas de renovação pastoral. Efectivamente, cada uma das comunidades eclesiais particulares não deve limitar-se a estudar os seus próprios problemas internos. Pelo contrário, deve abrir-se aos amplos horizontes do apostolado moderno, aos homens do nosso tempo, de maneira especial aos jovens, aos pobres e aos "afastados". São bem conhecidas as dificuldades enfrentadas pelas comunidades orientais, em não poucas regiões do mundo. A escassez numérica, a penúria de meios, o isolamento e a condição de minoria impedem frequentemente uma tranquila e profícua acção pastoral, educativa, assistencial e caritativa. Além disso, observa-se um incessante fluxo migratório rumo ao Ocidente, por parte dos componentes mais promissores das vossas Igrejas.

E o que dizer dos sofrimentos na Terra Santa e nos outros países orientais, arrastados por uma perigosa espiral que parece humanamente irrefreável? Deus faça cessar quanto antes este turbilhão de violência! Neste dia, gostaria de confiar uma premente invocação de paz à intercessão do Beato João XXIII, na iminência do quadragésimo aniversário da promulgação da sua célebre Carta Encíclica Pacem in terris. Ele, que viveu por muito tempo no Oriente e que tanto amou as Igrejas Orientais, apresente a nossa súplica ao Senhor! E interceda também a fim de que estas Igrejas, sem se fecharem nas fórmulas do passado, se abram à sadia actualização a que ele mesmo aspirava, na perspectiva da sábia harmonia entre "nova et vetera".

5. Hoje, a Igreja latina recorda a Apresentação da Bem-Aventurada Virgem Maria no Templo, memória litúrgica celebrada no Oriente, a partir do século VI. À Mãe de Deus que, animada pelo Espírito, fez de si mesma uma "dedicação" total ao Senhor, confio a vida e a actividade das vossas comunidades. Durante estes anos, tive a oportunidade de visitar muitas delas: do Médio Oriente à África, da Europa à Índia.

Invoco a salvaguarda da Virgem Maria sobre todos os nossos irmãos e irmãs, de maneira particular sobre aqueles que, na Terra Santa e no Iraque, atravessam difíceis momentos de grandes sofrimentos.

É com estes sentimentos que renovo a cada um de vós a minha gratidão pelos serviços que continuais a prestar à Igreja e, do íntimo do coração, concedo-vos a todos a propiciadora Bênção apostólica.




Discursos João Paulo II 2002 - Quinta-feira, 14 de Novembro de 2002