Discursos João Paulo II 2002 - Quinta-feira, 11 de Abril de 2002

CARTA DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AO CARDEAL CARLO MARIA MARTINI


NO 750° ANIVERSÁRIO DO MARTÍRIO


DE SÃO PEDRO DE VERONA


Ao Venerado Irmão Carlo Maria Martini Arcebispo de Milão

1. Foi com alegria que tomei conhecimento de que a Igreja Ambrosiana e a Ordem dos Padres Pregadores se preparam para celebrar o 750° aniversário do martírio de São Pedro de Verona, religioso dominicano, morto por ódio à fé juntamente com o seu irmão de hábito, Frei Doménico, no dia 6 de Abril de 1252, sábado in albis, nas proximidades de Seveso, quando se dirigia para Milão, a fim de iniciar uma nova missão de evangelizador e de defesa da fé católica.

Esta data, que este ano também coincide com o sábado depois da Páscoa, estimula a olhar com admirado reconhecimento para a figura e para a obra deste Santo que, agarrado por Cristo, fez da sua vida a realização das palavras do apóstolo Paulo: "Ai de mim se não evangelizar" (1Co 9,16) e obteve com o martírio a graça da total configuração com a Vítima pascal.

Nesta singular e alegre circunstância, rejubilo com a Arquidiocese de Milão, que, beneficiada com o seu fervoroso trabalhador, promoveu na devida época a sua canonização e conserva os seus despojos mortais e o lugar do martírio. Estou cordialmente unido também aos beneméritos Filhos de São Domingos, que nele honram o primeiro irmão de hábito mártir, modelo singular para os consagrados e para os cristãos, mesmo do nosso tempo.

2. Toda a vida de São Pedro de Verona se desenvolveu sob a insígnia da defesa da verdade expressa no "Credo" ou Símbolo dos Apóstolos, que começou a recitar com a idade de sete anos, apesar de ter nascido numa família onde penetrara a heresia cátara, e continuou a proclamar "até ao último instante" (cf. Bullarium Romanum, III, Augustae Taurinorum, 1858, pág. 564). A fé católica que conheceu desde a tenra idade preservou-o dos perigos do ambiente universitário de Bolonha, onde, tendo ido para fazer os estudos académicos, encontrou São Domingos, do qual se tornou um discípulo fervoroso, passando, depois, na Ordem dos Padres Pregadores o resto da sua existência.

Depois da ordenação sacerdotal, várias cidades da Itália setentrional, da Toscana, da Romanha, e das Marcas Anconianas, e a própria Roma, foram testemunhas do seu zelo apostólico, que se exprimia principalmente através do ministério da pregação e da reconciliação. Prior dos conventos de Asti, Placência e Como, expandiu a sua solicitude pastoral às religiosas de clausura, para as quais fundou o mosteiro dominicano de São Pedro no Campo Santo em Milão.

Face aos danos provocados pela heresia, dedicou-se com denodo à formação cristã dos leigos, fazendo-se promotor, na principal cidade da Lombardia e na da Toscana, de Sociedades que tinham por finalidade a defesa da ortodoxia, a difusão do culto da Bem-aventurada Virgem Maria e as obras de misericórdia. Depois, em Florença, estreitou uma amizade profunda e espiritual com os Sete Santos Fundadores dos Servos de Maria, dos quais se tornou precioso conselheiro.

3. No dia 13 de Junho de 1251, o meu venerado Predecessor, Inocêncio IV, confiou-lhe, quando era Prior em Como, o mandato especial de lutar contra a heresia cátara em Cremona e, no Outono seguinte, nomeou-o inquisidor para as cidades e territórios de Milão e também de Como.

O Santo mártir começava assim a sua última missão, que o teria levado a morrer pela fé católica. No desenvolvimento deste importante cargo intensificou a pregação, anunciando o Evangelho de Cristo e explicando a sã doutrina da Igreja, não se preocupando com as repetidas ameaças de morte que lhe chegavam de várias partes.

O zelo missionário e a obediência levaram-no com muita frequência à Sé de Santo Ambrósio, onde, perante grandes multidões expunha os mistérios do Cristianismo, fazendo numerosos debates públicos contra os chefes da heresia cátara. A sua pregação, alimentada por um sólido conhecimento da Escritura, era acompanhada por um fervoroso testemunho de caridade e confirmada por milagres. Com uma incansável acção apostólica suscitava por toda a parte o fervor espiritual, estimulando um autêntico renascimento da vida cristã.

Infelizmente, no dia 6 de Abril de 1252, quando de Como, onde celebrou a Páscoa com a sua comunidade, se dirigia para Milão com o propósito de continuar o mandato que lhe foi confiado pelo Vigário de Cristo, foi assassinado por um sicário a soldo dos hereges, que o atingiu na cabeça com uma foice, em Seveso, no território de Farga, que depois tomou o nome de Martire e onde hoje se encontram o Santuário e a Paróquia que lhe são dedicados.

4. Santa Catarina de Sena escreve que, com o martírio, o coração deste insigne defensor da fé, ardente de caridade divina, continuou a derramar "luz nas trevas das numerosas heresias". O seu próprio assassino, Carino de Balsamo, a quem ele perdoou, converteu-se e, posteriormente, tomou o hábito dominicano. Depois, são conhecidas a extensão e a intensidade da comoção que este cruel assassínio suscitou: o seu eco atingiu não só a Ordem Dominicana e a Diocese de Milão, mas também a Itália e toda a Europa cristã. As Autoridades de Milão, fazendo-se intérpretes da unânime veneração do Mártir, pediram ao Papa Inocêncio IV a sua canonização. Esta foi feita em Perúsia, quando ainda não tinha passado um ano da sua morte, em Março de 1253. Na Bula, com a qual o inscrevia no Álbum dos Mártires, o meu venerado Predecessor elogiava a sua "devoção, humildade, obediência, benignidade, piedade, paciência e caridade", e apresentava-o como "amante fervoroso da fé, seu exímio cultor e ainda mais fervoroso defensor".

O culto em honra de São Pedro de Verona através da Ordem Dominicana difundiu-se rapidamente entre o povo cristão, como confirmam numerosas obras de arte que recordam a sua intrépida fé e o seu martírio. Um testemunho singular desta persistente devoção é oferecido pelo Santuário de Seveso e pela Basílica de Santo Eustórgio de Milão, onde a partir de 7 de Abril de 1252 repousam os venerados despojos mortais deste insigne Mártir.

O Pontífice São Pio V quis dedicar-lhe uma artística Capela na Torre Piedosa, que hoje faz parte dos Museus do Vaticano. Nela, o meu Santo Predecessor celebrava com frequência o Sacrifício eucarístico. A partir de 1818, São Pedro de Verona acompanha e apoia, com a sua protecção celeste, a formação dos seminaristas ambrosianos, porque a partir daquela data, no antigo convento de Seveso, anexo ao Santuário que recorda o seu martírio, tem a sua sede uma comunidade do Seminário diocesano.

5. À distância de 750 anos da sua morte, São Pedro de Verona, discípulo do único Mestre, incansavelmente anunciado e amado até à doação suprema da vida, exorta os cristãos do nosso tempo a vencer a tentação de uma adesão tíbia e parcial à fé da Igreja. Ele convida a todos a centrar com renovado empenho a própria existência em Cristo "que se deve conhecer, amar, imitar para viver nele a vida trinitária e com ele transformar a história até à sua realização na Jerusalém celeste" (Novo millennio ineunte, 29). São Pedro indica e volta a propor aos crentes o caminho da santidade, "medida alta da vida cristã ordinária", para que a comunidade eclesial, cada indivíduo e as famílias se orientem sempre nessa direcção (cf. ibid., 31). Cada cristão, seguindo o seu exemplo, é encorajado a resistir às lisonjas do poder e da riqueza para procurar em primeiro lugar "o reino de Deus e a sua justiça" (Mt 6,33) e para contribuir para a instauração de uma ordem social que corresponda cada vez mais às exigências da dignidade da pessoa.

Numa sociedade como a actual, onde com muita frequência se sente uma preocupante ruptura entre Evangelho e cultura, drama recorrente na história do mundo cristão, São Pedro de Verona testemunha que esta separação só pode ser ultrapassada quando as diversas componentes do Povo de Deus se empenham em tornar-se "candeias" que resplandecem no candelabro, orientando os irmãos para Cristo, que dá sentido último à busca e às expectativas do homem.
Faço votos para que as programadas celebrações em honra deste exemplar filho de São Domingos sejam uma ocasião de graça, de fervor espiritual e de renovado empenho para anunciar com coragem intrépida e com alegria sempre renovada o Evangelho.

Com estes votos, concedo a Vossa Eminência, Venerado Irmão, à querida Arquidiocese de Milão, a todos os que se estão a preparar para o sacerdócio no Seminário dedicado ao Santo, à Ordem dos Padres Pregadores e a quantos se confiam à celeste intercessão de São Pedro de Verona a implorada Bênção apostólica.

Vaticano, 25 de Março de 2002.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CAPÍTULO GERAL


DA SOCIEDADE SALESIANA DE SÃO JOÃO BOSCO


Sexta-feira, 12 de Abril de 2002

Caríssimos Irmãos

1. Sinto-me feliz em vos receber por ocasião do XXV Capítulo Geral da vossa Congregação. Através de vós, gostaria de fazer chegar a minha cordial saudação a todos os Salesianos comprometidos em várias partes do mundo.

Saúdo com afecto o novo Reitor-Mor, Pe. Pascual Chavez Villanueva, e o Conselho Geral que o apoiará nos próximos anos. Faço votos por que eles orientem a vossa Família religiosa com entusiasmo e docilidade à acção do Espírito Santo, mantendo vivo o carisma sempre actual do vosso santo Fundador.

Não posso deixar de recordar o precedente Reitor-Mor, Pe. Juan Vecchi, que faleceu recentemente, no final de uma doença aceite com resignação e abandono à vontade do Senhor. O seu testemunho sirva de estímulo a cada Salesiano para fazer da própria vida uma oferta total de amor a Deus e aos irmãos.

2. Neste tempo pascal, a Igreja, depois dos dias da paixão e da crucifixão do Filho de Deus, convida os crentes a contemplar o rosto resplandecente do Mestre divino ressuscitado. De facto, como recordei na Carta Apostólica Novo millennio ineunte, "o nosso testemunho seria excessivamente pobre, se não fôssemos primeiro contemplativos do seu rosto" (n. 16). Só em Cristo podemos encontrar a resposta às expectativas mais profundas do nosso coração. Isto pressupõe que qualquer energia esteja orientada para Jesus "que temos de conhecer, amar e imitar, para n'Ele viver a vida trinitária e com Ele transformar a história" (Ibid., 29).

Caríssimos Salesianos, se fordes constantemente fiéis a este compromisso, se vos esforçardes por imprimir ao vosso trabalho uma constante carga de amor evangélico, podereis realizar plenamente a vossa missão com alegria e eficácia. Sede santos! A santidade é e vós sabei-lo bem a vossa principal tarefa, como de resto, também o é para todos os cristãos.

A Família Salesiana prepara-se para viver a alegria da próxima beatificação de três filhos seus: o Pe. Luís Variara, o Coadjutor Artemide Zatti e a religiosa Maria Romero Meneses. A santidade constitui a melhor garantia de uma evangelização eficaz, porque nela se encontra o testemunho mais importante que se deve oferecer aos jovens destinatários das vossas várias actividades.

3. A Virgem Santíssima, que vós venerais com o título de Maria Auxiliadora, oriente os vossos passos e vos proteja em todos lugares. São João Bosco, juntamente com os numerosos Santos e Beatos que constituem a multidão celeste dos vossos protectores, vos acompanhe na difícil tarefa de executar as orientações pragmáticas resultantes dos trabalhos do Capítulo para o bem de todo o Instituto.

Com estes votos vos abençoo a vós, caríssimos Irmãos, garantindo-vos a minha oração por cada um de vós e por todos os que encontrardes no vosso quotidiano ministério apostólico e missionário.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DA BOLÍVIA POR OCASIÃO DA VISITA


"AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sábado, 13 de Abril de 2002

Queridos Irmãos no Episcopado

1. É-me grato receber-vos hoje, por ocasião da visita ad Limina que, depois de um longo percurso, vos trouxe a Roma para renovar o vosso compromisso pastoral diante do túmulo dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, e fortalecer os vínculos com esta Sé de Pedro e os seus Sucessores, em quem estão assentes "o princípio e o fundamento perpétuos e visíveis da unidade da fé e da comunhão" (Lumen gentium, LG 18).

Agradeço cordialmente ao Senhor Cardeal Júlio Terrazas, Arcebispo de Santa Cruz e Presidente da Conferência Episcopal Boliviana, as amáveis palavras que me dirigiu, exprimindo-me através das mesmas o vosso afecto e adesão, e tornando-me participante, ao mesmo tempo, das esperanças e inquietudes próprias da vossa generosa consagração ao ministério pastoral.

Ao encontrar-me com os seus Pastores, penso com especial afecto no querido povo boliviano, a sua grei, que teve a graça de acolher a mensagem de Jesus Cristo desde os primeiros momentos da Evangelização e que agora se encontra diante do fascinante desafio de a transmitir, íntegra e fecunda, às gerações do novo milénio.

2. Neste sentido, apraz-me constatar que o Grande Jubileu do Ano 2000 marcou também profundamente a vida eclesial boliviana, com diversas celebrações diocesanas e nacionais, que contaram com uma numerosa participação e deram um impulso especial para o crescimento da vida cristã. Nesta ocasião, também a Igreja boliviana "se tornou mais intensamente um povo peregrino, guiado por Aquele que é "o grande Pastor das ovelhas" (He 13,20) (Novo millennio ineunte, 1). Por este motivo, reitero a todos os Pastores, sacerdotes, religiosos, religiosas, catequistas e outros agentes de pastoral, aquilo que já tive a oportunidade de dizer no ano passado aos sacerdotes: "Desejo hoje manifestar a cada um de vós o meu agradecimento por tudo o que fizestes durante o Ano jubilar, para que o povo confiado aos vossos cuidados percebesse, de modo mais intenso, a presença salvadora do Senhor ressuscitado" (Carta aos Sacerdotes por ocasião da Quinta-Feira Santa de 2001, n. 3).

A rica experiência deste momento tão significativo para a história da Igreja e da humanidade inteira não pode limitar-se a uma mera recordação, mas deve ser uma escola e um estímulo para um renovado dinamismo evangelizador, dado que "na causa do Reino, não há tempo para olhar para trás, menos ainda para dar-se à preguiça" (Novo millennio ineunte, 15). Nas vossas comunidades eclesiais não faltam desafios importantes, que deveis enfrentar. Desejo animar-vos de todo o coração neste empreendimento, muitas vezes repleto de dificuldades aparentemente insolúveis, recordando que o próprio Jesus enviou os seus a pregar, convidando-os a não levar nada consigo (cf. Mt Mt 10,9-10) e que Pedro, depois de ter confiado plenamente na palavra do Mestre, obteve uma pesca tanto abundante quanto inesperada (cf. Lc Lc 5,6).

3. Embora não faltem indícios que alimentam a esperança de um incremento das vocações sacerdotais e religiosas, sei muito bem que este constitui um dos aspectos que mais vos interessam na tarefa de tornar mais incisivo o anúncio do Evangelho, mais completa e organizada a atenção pastoral ao Povo de Deus, mais rica e florescente a busca da santidade em todas as comunidades eclesiais. Por esta razão deve insistir-se incansavelmente, na oração ao "Senhor da messe" (cf. Mt Mt 9,38), para que continue a abençoar a Bolívia com o precioso dom das vocações ao sacerdócio e à vida consagrada, nas suas diversas formas. O anúncio de Jesus Cristo deve tornar-se eco também do seu convite a segui-lo ao longo do caminho específico da vida sacerdotal ou de especial consagração, e suscitar a experiência daqueles discípulos que "ouviram essas palavras... e seguiram Jesus" (Jn 1,37). É para Ele que se orienta a pastoral das vocações, uma das grandes urgências do nosso tempo, que deve ser "vasta e capilar... que envolva as paróquias, os centros educativos, as famílias" (Novo millennio ineunte, 46). Ninguém pode sentir-se eximido desta responsabilidade que " cabe a todo o Povo de Deus" (Ecclesia in America ).

Como Pastores, conheceis muito bem a delicadeza deste trabalho que, se por um lado exige a audácia de se fazer mediador do chamamento do Mestre através de uma proposta directa e pessoal, requer também, por outro lado, um paciente acompanhamento espiritual e a indomável esperança própria do semeador, que continua a sua tarefa, mesmo que esteja consciente da incerteza acerca da colheita.

4. Além disso, deve tomar-se um cuidado especial pela formação dos candidatos ao sacerdócio e à vida consagrada, dado que a escassez dos chamados a proclamar e a dar testemunho do Evangelho nunca justifica a não-exigência da devida idoneidade para esta missão crucial da Igreja. Por isso, é necessário dar-lhes uma sólida preparação teológica e incutir-lhes uma profunda espiritualidade, a fim de que compreendam e aceitem com alegria os requisitos do ministério e da consagração, dando prova de que são capazes de "gastar" toda a vida por Cristo (cf. 2Co 12,15) e de oferecer os seus próprios talentos ao serviço da Igreja, que dá pleno sentido à sua existência pessoal, cumulando-a em todos os seus aspectos.

Assim, exorto-vos a continuar a infundir ânimo nos vossos seminaristas e sacerdotes, sem ter medo de apresentar e exigir integralmente os requisitos que a Igreja, inspirada no modelo do Bom Pastor, pede dos seus ministros ordenados. Penso na necessária fraternidade sacerdotal, sem qualquer forma de má vontade, preconceito ou discriminação; na obediência e na comunhão indispensáveis - e sem hesitações - com o seu próprio Bispo, a quem [o candidato] deve oferecer com alegria e generosidade toda a sua disponibilidade; na estima sincera e efectiva do celibato e no desapego dos bens materiais (cf. Presbyterorum ordinis, PO 14-17). A vossa caridade pastoral saberá encontrar o modo de fazer com que tais exigências sejam aceites e vividas, mais do que com renúncias simples e dolorosas, com o coração cheio de alegria de quem, "ao encontrar uma pérola de grande valor, vai, vende tudo o que possui para a comprar" (Mt 13,46). Também sabeis como pode ser decisivo em muitos casos o relacionamento individual, afável e paterno entre o Bispo e os seus sacerdotes, interessando-se também pelos pormenores da vida quotidiana, que influenciam o seu ânimo pessoal e pastoral. Trata-se precisamente de um dos âmbitos privilegiados para desenvolver o "espírito de comunhão" que deve caracterizar a Igreja do terceiro milénio (cf. Novo millennio ineunte, 43).

5. Não se pode esquecer um aspecto tão importante para a maioria das vossas dioceses, como a presença de numerosas pessoas consagradas, a quem agradeço muito cordialmente a sua contribuição ao serviço do Reino de Deus na Bolívia. E elas fazem-no em numerosos sectores, em conformidade com o carisma do seu próprio Instituto de pertença, desde o apostolado directo nas paróquias e missões, até às obras educacionais, de assistência médica, social e caritativa. Não apenas merecem o reconhecimento dos Pastores, mas a animação contínua para sustentar e incrementar a sua generosidade e consagração, em plena sintonia com as directrizes de cada uma das Igrejas particulares. Além disso, isto ajudá-los-á a tomar uma consciência cada vez mais viva de que a sua contribuição para a vida da comunidade eclesial não se limita à eficácia material dos seus serviços, mas que a enriquecem sobretudo através do seu testemunho, pessoal e comunitário, do Evangelho das bem-aventuranças, da presença do seu próprio carisma, que recorda a todos a acção incomensurável do Espírito, e deste importantíssimo compromisso, de contribuir de maneira mais peculiar para que as comunidades cheguem a ser "autênticas "escolas" de oração" (Novo millennio ineunte, 33).

6. Constitui também um sinal de vitalidade em muitas das Igrejas particulares a que vós presidis, a presença de numerosos leigos comprometidos que "realizam, segundo a sua própria condição, a missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo" (Lumen gentium, LG 31). O seu papel adquire uma importância particular naqueles lugares onde ainda é impossível contar com a presença de sacerdotes que presidam à comunidade. A disponibilidade dos leigos para promover a catequese ou animar encontros de oração comunitária e de leitura da Palavra de Deus merece o sincero reconhecimento dos Pastores que, por sua vez, deverão esforçar-se por lhes oferecer uma formação teológica, litúrgica e espiritual, adequada às tarefas que lhes são confiadas.

A este propósito, deve esforçar-se por que o interesse e a dedicação aos serviços eclesiais não levem, em determinados casos, "a uma prática abdicação das suas responsabilidades específicas no mundo profissional, social, económico, cultural e político" (Christifideles laici CL 2). Com efeito, esta vocação específica dos leigos tem uma importância decisiva na sociedade actual em que, como acontece inclusivamente na Bolívia, se verificam transformações rápidas e profundas, que exigem o respeito dos princípios éticos e a iluminação dos valores evangélicos, para que as realidades temporais sejam ordenadas segundo Deus (cf. Lumen gentium, LG 31). Por isso, na formação específica dos leigos, não se devem poupar meios, porque eles são chamados em primeiros lugar a realizar e a tornar efectiva a doutrina social da Igreja.

Assim, é importante que cada Bispo se dedique com especial empenho em cumprir, também neste campo, a sua responsabilidade de "reunir e de formar a família inteira da sua grei, de tal maneira que todos, conscientes dos seus deveres, vivam e trabalhem em comunhão de caridade" (cf. Christus Dominus, CD 16). As diversas formas de associação constituem um modo adequado para realizar este compromisso entre os leigos e, por isso, devem ser atendidas, promovidas e reconhecidas como uma verdadeira "primavera do Espírito" para a Igreja (cf. Novo millennio ineunte, 33). Como Pastores, sabeis perfeitamente como é um bem inestimável o facto de que as várias associações laicais, quando seguem os "critérios de eclesialidade" (cf. Christifideles laici CL 30), podem contribuir em grande medida tanto para a santificação dos seus membros como para a acção evangelizadora da Igreja.

7. Assim como noutras regiões da América Latina, também na Bolívia vós sentis com preocupação o aumento proselitista das seitas que, frequentemente, aproveitam as mesmas raízes religiosas semeadas pela Igreja nas pessoas, para as separar de quem as semeou. Trata-se de um fenómeno doloroso que às vezes faz reviver a experiência de Jesus, quando afirmava: "Se Eu digo a verdade, porque não acreditais em mim?" (Jn 8,46). Contudo, a firmeza da fé e a plena confiança na força da própria verdade, para arrebatar os corações, constitui um recurso inestimável para inspirar acções pastorais apropriadas. Uma delas é precisamente a proclamação incessante da mensagem de Jesus Cristo de maneira compreensível para todos, com um "estilo simples, como convém à bondade de Deus" (São Cipriano, A Donato, 2) e, ao mesmo tempo, mostrando todo o seu vigor e a sua atracção. Temos de aprender sempre de Jesus que, com a sua forma de agir e com o seu ensinamento, despertava a admiração das pessoas (cf. Lc Lc 4,32).

Na rica tradição boliviana não faltam meios de expressão adequados, capazes de propiciar uma profunda vivência da fé, nem formas de piedade popular bem enraizadas, que chegam ao coração do povo. A simplicidade destas manifestações não deve ser confundida com a superficialidade da fé. Esta há-de ser motivo de grave preocupação, sobretudo quando se deve a uma escassa atenção pessoal aos fiéis, segundo a condição que lhes é própria, ou a uma redução da acção evangelizadora diante das expectativas mais profundas de quem aspira a ouvir, no mais íntimo do seu ser, aquelas palavras de Jesus: "Hoje a salvação entrou nesta casa" (Lc 19,9). Efectivamente, a experiência mostra que as seitas não prosperam onde a Igreja vive com intensidade a vida espiritual e se consagra ao serviço da caridade.

8. Queridos Irmãos, vós tivestes de exercer o vosso ministério pastoral durante alguns momentos difíceis para o País, em virtude de uma situação social delicada, com diversos conflitos e focos de violência. Aceitastes participar nas iniciativas pacificadoras, com a única finalidade de favorecer a proximidade e o diálogo entre as partes em conflito.

Com efeito, esta é apenas uma forma temporal de exercer uma missão mais vasta, que completa a acção evangelizadora e leva à promoção da justiça e da solidariedade fraterna entre todos os cidadãos. Juntamente convosco, dirijo um apelo a todos os crentes bolivianos a fim de que, fundamentados na fé que professam e na esperança em Cristo que os anima, se tornem paladinos de uma sociedade alheia a todo o partidarismo egoísta, a qualquer forma de violência ou à falta de respeito pelos direitos da pessoa humana, especialmente o direito à vida.

9. Ao terminar este encontro, invoco sobre vós e os vossos diocesanos a protecção maternal de Nossa Senhora de Copacabana, pedindo-lhe que vigie sobre todos os bolivianos. Levai a saudação e o afecto do Papa aos lares, às comunidades e às paróquias, animando-as a ser difusores dos grandes ideais do Evangelho. Repito hoje quanto pude dizer no aeroporto de Santa Cruz, quando concluí a minha Viagem pastoral à vossa Pátria em 1988: "Levo-vos a todos no meu coração, e de todos conservarei uma recordação indelével" (Discurso de despedida, 14 de Maio de 1988, n. 2).

Com estes sentimentos, concedo-vos do íntimo do coração a Bênção apostólica que, de bom grado, faço extensiva a todos os filhos e filhas da Bolívia.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA MISSÃO DIOCESANA


PARA OS FIÉIS DA AMÉRICA LATINA


RESIDENTES EM ROMA


Sábado, 13 de Abril de 2002

Queridos Irmãos e Irmãs da América Latina em Roma

1. Muito me agrada realizar este encontro, que me dá a oportunidade de vos saudar pessoalmente, por ocasião da Missão na Cidade promovida pela diocese de Roma para as vossas comunidades. Pedistes esta audiência para reafirmar a vossa devoção ao Sucessor de Pedro, bela expressão da fé das vossas Nações de origem. Apresento-vos a todos a minha cordial saudação de boas-vindas. Saúdo de modo particular o Cardeal Vigário Camillo Ruini e agradeço-lhe as amáveis palavras que me dirigiu.

Saúdo e agradeço aos Senhores Cardeais, Arcebispos e Bispos Latino-americanos que quiseram estar presentes, ao Vice-Vigário, aos responsáveis da obra diocesana dos Migrantes e ao Capelão da vossa comunidade, que prepararam e promoveram esta missão, assim como a tantos sacerdotes, religiosos, religiosas e missionários leigos que apoiaram esta iniciativa desde os seus princípios até à sua conclusão.

2. "Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos e aliviar-vos-ei" (Mt 11,28).

Este é o suave e firme convite do Salvador, que a missão fez ressoar durante estes meses na alma de todos os imigrantes latino-americanos. O cansaço e o desânimo de quem se sente oprimido, fraco e indefeso, descobrem alívio no encontro de fé com o Senhor, porque Ele carrega com as nossas dores e misérias mais profundas, fazendo renascer o vigor e a esperança para continuar a viver. Aprendendo dele, manso e humilde de coração, e seguindo o caminho do Evangelho, podemos encontrar paz e serenidade mesmo nos momentos mais penosos e difíceis, porque o seu jugo é suave e a sua carga é leve (cf Mt 11,28-29). Trata-se de uma vivência singular de amor e de misericórdia que vós, queridos irmãos e irmãs latino-americanos, experimentastes muitas vezes nas vossas comunidades de origem, onde a fé em Cristo Salvador marca profundamente a vida pessoal e familiar, assim como a cultura dos vossos Países.

Conservai com zelo, testemunhando-o também aqui, na terra de imigração, o apego ao vosso património de fé e de cultura, rico de valores espirituais e de tradições religiosas que se expressam no cântico e nas festas, na dança e no modo de vestir, nas peregrinações e na devoção popular às imagens do Senhor, da Virgem e dos Santos Padroeiros, como manifestastes com grande alegria e unidade durante esta missão.

Eu mesmo, na ocasião das minhas visitas aos vossos Países do querido Continente latino-americano, pude experimentar directamente o calor, o entusisasmo e a alegria que a fé católica desencadeia no coração das pessoas, das famílias e dos jovens.

Este é o tesouro mais precioso que cada um de vós possui no mais íntimo de si mesmo e que dá coesão à vossa unidade e solidariedade. A missão repetiu-o com força a todos os latino-americanos através do generoso compromisso dos missionários sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos que levaram o Evangelho de Marcos às casas, aos cárceres e hospitais, pelas ruas e a qualquer lugar onde poderia encontrar-se um irmão ou uma irmã emigrado.

Agradeço-lhes de todo o coração, ao mesmo tempo que os convido a prosseguir com entusiasmo esta obra de estreita aproximação de todos os compatriotas, para fazer sentir a cada um deles o amor de Cristo e o abraço materno da Igreja, oferecendo-lhes a possibilidade de fortalecer a fé e a solidariedade com a própria comunidade étnica presente na Cidade.

A missão prestou uma particular atenção aos jovens, a quem me dirijo para os convidar a que se façam promotores da evangelização entre os seus coetâneos e na sua comunidade. Renovo também para vós, queridos jovens latino-americanos, o convite do Senhor que preside à próxima Jornada mundial de Toronto: sede o sal da terra e a luz do mundo! Juntamente com os jovens da Diocese, esforçai-vos por manter vivo o anúncio do Evangelho na cidade e no mundo juvenil, dando testemunho da alegria que nasce do encontro com Jesus Cristo e com a sua Igreja.

3. A missão pôde aproveitar o apoio eficaz dos centros pastorais que desde há anos trabalham na cidade e que procuram atender as necessidades espirituais e humanas dos imigrantes, promovendo a catequese, as celebrações litúrgicas e sacramentais e oferecendo todo o tipo de ajuda necessária para enfrentar as dificuldades que o imigrante encontra para satisfazer as suas necessidades primárias, desde o trabalho à casa ou o serviço de saúde. Estes centros surgiram principalmente no seio de Paróquias onde os párocos e sacerdotes diligentes abriram generosamente as portas da comunidade a tantos irmãos e irmãs imigrantes, dando-lhes hospitalidade e apoio material e espiritual.

A missão quis valorizar estes centros que espero que se multipliquem, favorecendo a necessária integração das vossas comunidades étnicas nas comunidades cristãs e civis de Roma, para um mútuo intercâmbio de dons espirituais e culturais. A vossa presença e o vosso serviço é muito apreciado pelo empenho com que realizais o vosso trabalho, especialmente com tantos idosos, nas casas ou noutros âmbitos da vida social.

Faço os melhores votos para que a missão faça crescer este espírito de acolhimento e de mútua comunhão, e que cada imigrado seja considerado não como estrangeiro ou hóspede, mas como pessoa portadora de valores humanos, culturais e religiosos que enriquecem a sociedade e a Igreja local. Para isso, é preciso que se reconheçam a cada um os direitos fundamentais de cada pessoa e, em particular, a possibilidade da reunificação familiar e o conjunto de condições de vida e de trabalho necessárias para ter uma existência digna e serena na sociedade.

4. Vinde a mim... e eu vos aliviarei.

Sim, queridos irmãos e irmãs latino-americanos, acolhamos com alegria o convite do Senhor. Acorramos a Ele sem temor e com confiança. Confirmemos que só Ele é a nossa esperança. Levemos a todos, com o anúncio e o testemunho, esta consoladora palavra do Salvador, sobretudo aos que, longe da sua terra e da sua família, sofrem situações de desorientação e de desânimo no campo da fé e da vida cristã. Que a missão prossiga o seu compromisso de manter viva no coração de cada irmão e irmã imigrados a fé em Cristo, a luz do seu Evangelho, a solidariedade com os mais pobres e necessitados, a vontade de consolidadr a comunhão e a unidade entre todos os latino-americanos e as comunidades cristãs da cidade.

Confiemos os frutos da missão à Virgem Maria, Senhora de Guadalupe, doce mãe de todos os latino-americanos, Senhora e padroeira do Continente.




Discursos João Paulo II 2002 - Quinta-feira, 11 de Abril de 2002