Discursos João Paulo II 2002 - Segunda-feira, 20 de maio de 2002

DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS NUMEROSOS PEREGRINOS VINDOS


A ROMA PARA A PROCLAMAÇÃO


DE CINCO NOVOS SANTOS


Segunda-feira, 20 de Maio de 2002


Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. A luz e a alegria do Pentecostes, que no dia de ontem caracterizaram a solene proclamação de cinco novos Santos, prolonga-se e como que mergulha neste encontro festivo, durante o qual nos detemos para reflectir sobre a acção do Espírito na sua existência, para aprender a ser, por nossa vez, disponíveis à graça do Senhor.

A santidade é verdadeiramente fruto do Espírito Santo que actua no homem, transformando-o numa nova criatura e comunicando-lhe a vida do próprio Deus. A todos renovo as minhas cordiais boas-vindas!

Santo Inácio de Santhiá

2. Em primeiro lugar, saúdo os peregrinos provenientes da Região do Piemonte que, juntamente com os queridos Capuchinhos, se alegram pela Canonização de Inácio de Santhiá. O amor a Cristo, o desejo de perfeição e a vontade de servir os irmãos impeliram este vosso conterrâneo a deixar um ministério eclesial já bem iniciado, para então abraçar a pobreza e a austeridade da Ordem capuchinha.

As crónicas recordam-no sempre cuidadoso e disponível no acolhimento de um grande número de pessoas, que a ele recorriam. Escutava os seus problemas e dificuldades e, por eles, fazia-se quotidianamente ministro do perdão de Deus, a ponto de ser chamado "pai dos pecadores e dos desesperados".

Umile de Bisignano

3. Depois, é-me grato saudar-vos a vós, dilectos Religiosos da Ordem Franciscana dos Frades Menores e o grupo de fiéis que aqui representam a nobre terra da Calábria. Vós estais em festa pela Canonização do Frei Umile de Bisignano. A acção do Espírito Santo revelou gradualmente ao Frei Umile o fascínio da opção de vida evangélica, em conformidade com o estilo de Francisco de Assis, configurando-o cada vez mais, através de um incessante caminho de purificação e de ascese, com Cristo casto, pobre e obediente.

Umile (Humilde) de nome e de facto, ele é agora oferecido a todos os crentes como paradigma de fidelidade heróica ao Amor, vivida na humildade de uma vida escondida e no abandono à santa vontade de Deus.

Afonso de Orozco

4. Agora, saúdo com afecto os peregrinos espanhóis vindos para a solene Canonização de Afonso de Orozco, frade agostiniano, habitante da Mancha que se tornou universal. As ricas qualidades que o caracterizam fazem-nos realçar nele a figura de um homem de letras e de piedade, de serviço e de caridade, de cultura e de abnegação.

Entre os elogios que lhe foram dedicados, gostaria de evidenciar nele "a imagem viva do Evangelho", porque este é o objectivo para o qual os cristãos são chamados: ser imitadores de Jesus, seguindo-o cada qual a partir da vocação que lhe é própria. E Santo Afonso de Orozco fê-lo como religioso agostiniano. Que a vida e os ensinamentos deste novo Santo sirvam de ajuda para todos e de estímulo para seguir Jesus Cristo.

Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus

5. Saúdo com afeto os peregrinos brasileiros que vieram a Roma para participar na solene cerimônia de Canonização de Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus, Fundadora da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição. Seu testemunho cristão, levando-a a realizar gestos heóicos de renúncia e de abnegação pelo bem das almas, sobretudo pelos pobres e os enfermos, foi como a pequena semente plantada pelo divino Semeador que, hoje, qual árvore frondosa, se expande por essa terra generosa do Brasil.

Foi assim o carisma deixado por Madre Paulina à sua Congregação, feito de disponibilidade para servir, na Igreja, aos mais necessitados e aos que estão em situação de maior injustiça, com simplicidade, humildade e vida interior. Daí nasce seu exemplo de , para buscar e aceitar a vontade de Deus sempre em tudo; e de caridade, fio condutor que ligou todas as etapas da existência de Madre Paulina, com a total doação de si mesma aos irmãos, especialmente aos mais necessitados.

Benedita Cambiagio Frassinello

6. Agora, saúdo os peregrinos vindos a Roma, especialmente da Região da Ligúria, para a Canonização de Benedita Cambiagio Frassinello e, em particular, as Irmãs Beneditinas da Providência por ela fundadas. Durante toda a sua vida, a nova Santa esforçou-se por cumprir fielmente a vontade de Deus, contemplando sempre Cristo crucificado, exemplo de obediência perfeita ao Pai celestial.

Na escola comprometedora da Cruz, tanto na vida conjugal como na vida religiosa, Benedita testemunhou a amorosa Providência de Deus, que provê às necessidades dos seus filhos. Formulo-vos os bons votos a vós, estimadas Irmãs Beneditinas da Providência, e a quantos como vós se inspiram na espiritualidade e no exemplo da nova Santa, a fim de continuardes a caminhar generosamente ao longo do sulco por ela traçado. Assim, às jovens gerações podereis dar testemunho da beleza da vida inteiramente "gasta" pelo Senhor e pelos irmãos.

Santidade como modelo de vida

7. Caríssimos Irmãos e Irmãs, juntamente com toda a Igreja, devemos dar graças ao Senhor por estes cinco novos Santos. Eles são nossos amigos e protectores, intercessores e modelos de vida. Invoquemo-los com a oração, aprofundemos o conhecimento e imitemos as virtudes que os transformaram em mestres de humanidade e também de ascese evangélica.

A Virgem Maria, que neste mês de Maio invocamos com amor e devoção cada vez mais intensos, vos assista e vos proteja sempre. Acompanhe-vos também a minha Bênção que, com afecto, concedo a cada um de vós aqui presentes, fazendo-a de bom grado extensiva a todos aqueles que vos são queridos.



MENSAGEM DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AO SUPERIOR-GERAL DA CONGREGAÇÃO


DOS RELIGIOSOS DE SÃO VICENTE DE PAULO


Ao Reverendo Padre YVON LAROCHE
Superior-Geral da Congregação dos Religiosos de São Vicente de Paulo

1. Por ocasião do Capítulo Geral da sua Congregação, desejo garantir-lhe a minha oração pela seu novo mandato ao serviço do dinamismo e da comunhão da sua família religiosa, e exprimir-lhe o meu profundo reconhecimento pelo trabalho missionário do seu Instituto junto do mundo operário e da juventude. Faço votos por que a Assembleia capitular que está para se concluir possa confirmar cada vez mais os vínculos da vossa unidade, para que, na caridade fraterna e apostólica, o seu Instituto procure inscrever cada vez mais a sua acção pastoral na fidelidade ao seu carisma de fundacão e à Igreja, sem fugir aos novos desafios da evangelização, pois o Espírito Santo impele-vos a fazer-vos ao largo. Amparados pela ousadia apostólica e pelo testemunho de caridade que animava São Vicente de Paulo e o vosso Fundador, Jean-Léon Prévest, abri novos caminhos para comunicar a ternura de Cristo às crianças, aos jovens, aos trabalhadores, aos marginalizados e a quantos têm necessidade do seu amor para partir de novo com esperança!

2. Por ocasião do sesquicentenário da vossa fundação, tivestes a ocasião de dar graças pela obra realizada e de ler de novo a vossa história, para nela descobrir os chamamentos de Deus e para avaliar a pertinência das respostas que a Vossa Congregação quis dar ao longo dos séculos passados. A experiência do vosso fundador e dos seus companheiros, que descobriram, no âmbito das Conferências de São Vicente de Paulo do bem-aventurado Frédéric Ozanam, a miséria das famílias operárias privadas da dignidade da vida social, constitui o começo da vossa aventura missionária. A contemplação do rosto de Cristo no rosto dos pobres do seu tempo fez germinar neles o desejo de abandonar tudo para se tornar sementes do Evangelho no mundo, marcado naquela época pela revolução industrial, pelas precariedades de todos os géneros, assim como pela rejeição de Deus e da Igreja, sobretudo no mundo dos aprendizes e dos jovens operários. Os vossos antepassados demonstraram que a caridade das obras dá uma força incomparável à caridade das palavras, participando desta forma na difusão da doutrina social da Igreja, formulada na Encíclica Rerum novarum, do Papa Leão XIII.

Hoje, da França ao Brasil, do Canadá à África, este mesmo dinamismo da missão, movido pela caridade de Cristo, deve continuar a animar as vossas vidas de religiosos e de sacerdotes. As mudanças da economia, a desagregação das solidariedades humanas, a desunião da família, continua a fazer surgir novas formas de precariedade entre as jovens gerações, levando muitas vezes a ceder à tentação do desespero ou a fazer a experiência trágica da miséria, da droga, da violência. Encorajo-vos a encontrar as respostas adequadas às profundas expectativas dos jovens de hoje. É, sem dúvida, fundamental que eles possam reconhecer em vós verdadeiros educadores que, pacientemente, lhes permitam adquirir e viver os valores humanos, morais e espirituais necessários para o seu desenvolvimento integral. Imbuídos da caridade de Cristo que tudo espera, fazei com que descubram que o Senhor ressuscitado é o segredo das vossas vidas, e que deseja também tornar-se o sal das suas existências e a luz que ilumina a sua vida, pois só Ele pode responder plenamente à sede que eles têm de amor, de dignidade e de verdade! Por conseguinte, poderão empenhar-se jubilosamente na edificação de um mundo mais fraterno e solidário. Seria bom promover também uma pastoral dinâmica das vocações, que faça com que todos os jovens desejem seguir mais radicalmente Cristo, no sacerdócio ou na vida consagrada, encontrar nas pessoas devidamente formadas um seguimento humano e espiritual com vista a um bom discernimento. Para isto, a ajuda de outros centros de formação, em dioceses ou Congregações religiosas, pode ser útil e necessária, dando aos vossos futuros religiosos a possibilidade de encontrarem outros jovens que se preparam para se comprometerem na Igreja.

3. A formação dos colaboradores leigos que participam na espiritualidade e na missão do vosso Instituto deve ser também objecto da vossa atenção permanente. É importante que a generosidade dos fiéis seja alimentada por uma vida de intimidade com Cristo e pela consciência esclarecida de trabalhar para a edificação do Reino de Deus, na Igreja, numa colaboração confiante com os Bispos e com as comunidades católicas locais. Que o exemplo da vossa vida comunitária e os meios de educação que pondes em prática sejam para todos autênticas formas de santificação e de testemunho, que vos disponham para escutar juntos a vontade do Pai, a fim de responder aos chamamentos que ele faz ao mundo dos pequeninos e dos pobres! Fiéis ao vosso lema Omni modo Christus annuncietur e vivendo entre vós o amor de Cristo, participareis com audácia nesta nova "fantasia da caridade" que desejei no início do novo milénio (cf. Novo millennio ineunte, 50).

4. Neste mês de Maio, confio-vos à solicitude materna da Virgem Maria, Estrela da nova evangelização, e concedo-vos de coração uma particular Bênção apostólica, extensiva a todos os Religiosos de São Vicente de Paulo, aos seus colaboradores, aos jovens e às famílias que beneficiam do vosso serviço educativo.

Vaticano, 17 de Maio de 2002.



MENSAGEM DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA DECLARAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR LESTE




Aos Administradores Apostólicos de Díli e Baucau,
meus Irmãos no Episcopado,
Às ilustres Autoridades,
Ao dilecto Povo Timorense,

Com uma solene Celebração Eucarística na presença do meu Enviado Extraordinário, o Arcebispo Renato Martino, quisestes dar graças a Deus pelo dom da liberdade e independência do vosso País.

Neste momento tão significativo da vossa história em que estais para entrar na categoria das Nações livres da terra, uno-me espiritualmente a todos vós para partilhar do vosso sentimento de regozijo e incitar-vos a edificar uma sociedade justa, livre, solidária e pacífica.

Chegou a hora da liberdade! Chegou o tempo da reconstrução! Para vós, amados timorenses, ressoam as palavras do apóstolo Paulo: «Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não torneis a sujeitar-vos ao jugo da escravidão» (Ga 5,1)! De facto, a liberdade tem de ser sempre defendida e preservada tanto daquilo que pode enclausurá-la, como das contrafacções que possam adulterar a sua autenticidade em prejuízo da pessoa humana e da sua dignidade. Por isso, permanece válida a exortação do apóstolo Pedro: «Comportai-vos como homens livres, não como aqueles que fazem da liberdade como que um véu para encobrir a malícia, mas como servos de Deus» (1P 2,16).

Esta Pátria, que Deus entrega nas vossas mãos diligentes, há-de apoiar-se sobre os valores imprescindíveis para a existência duma verdadeira democracia: respeito pela vida e por toda a pessoa; solidariedade efectiva entre os membros da comunidade; abertura ao contributo positivo de cada uma das suas categorias e de todos os seus membros, no respeito das diversas competências; atenção às necessidades reais das famílias e, de modo especial, dos jovens que são a promessa do futuro do recém-nascido País. Em tudo isto, os cristãos devem ser exemplares, até porque, como bem ensina a liturgia deste domingo de Pentecostes, eles receberam a força do Espírito Santo para se renovar a si próprios e ao mundo.

A todo o querido povo timorense, exprimo, pois, ardentes votos das maiores felicidades; em particular a Sua Excelência o Senhor Kay Rala Xanana Gusmão, Presidente eleito da República, àqueles que ocupam cargos institucionais, quer a nível nacional quer a nível local. Sobre eles, na verdade, recai mais directamente a responsabilidade de velar pelo correcto encaminhamento de todas as estruturas políticas e administrativas, consolidando a sua operacionalidade e funcionamento ao serviço duma sociedade onde todos possam ser artífices de um projecto comum.

Envio uma saudação fraterna e afectuosa aos Excelentíssimos e Reverendíssimos D. Carlos Filipe Ximenes Belo e D. Basílio do Nascimento, Administradores Apostólicos respectivamente de Díli e Baucau, encorajando-os a continuarem, através da sua palavra iluminada pela fé, do seu exemplo de vida e do seu testemunho constante de fidelidade ao Evangelho e generoso serviço pastoral, a ser pontos de segura referência e orientação. O meu encorajamento também aos sacerdotes, aos religiosos e religiosas, que actuam incansavelmente nas paróquias, nas escolas, nos postos médicos, para que possam continuar o seu precioso apostolado de evangelização e promoção, quer no seio das comunidades católicas, quer em benefício de toda a população timorense.

Enquanto concedo uma cordial Bênção Apostólica a todos vós, invoco, sobre as Autoridades da República Democrática de Timor Leste e quantos hão-de trabalhar para um futuro próspero e sereno, a assistência divina e a intercessão de Maria Imaculada, por vós invocada carinhosamente sob o título da «Virgem de Aitara».

Vaticano, 6 de Maio de 2002.

IOANNES PAULUS II




MENSAGEM DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS BISPOS ITALIANOS REUNIDOS


NA XLIX ASSEMBLEIA GERAL


DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL




Caríssimos Bispos italianos!

1. É com grande alegria que exprimo a todos vós, reunidos na XLIX Assembleia Geral, o meu afecto e as minhas mais sentidas felicitações na feliz ocasião do cinquentenário da constituição da Conferência Episcopal Italiana.

Juntamente convosco agradeço ao Senhor, fonte de qualquer bem, estes cinquenta anos de fiel, generoso e iluminado serviço colegial às Igrejas que estão na Itália e à amada Nação italiana. Recordo com profunda gratidão todos os Prelados que cooperaram para construir e fazer prosperar a vossa Conferência e que agora o Senhor recebeu na sua casa de luz e de paz.

2. Com a primeira reunião dos Presidentes das Conferências Episcopais Regionais activas na Itália desde os últimos decénios de Oitocentes reunião feita em Florença a 10 de Janeiro de 1952, teve de facto início a vida e a actividade da Conferência Episcopal Italiana e começou assim um renovado caminho de comunhão afectiva e efectiva entre os Bispos da Itália, que se revelou bastante proveitoso para a Igreja e para o País e que se desenvolveu constantemente em especial e total sintonia com o Sucessor de Pedro, Bispo de Roma e Primaz da Itália.

Inserindo-se na grande herança e na tradição viva de fé, de santidade e de cultura cristã suscitadas na Itália pela pregação apostólica desde os primeiros anos da era cristã (cf. Carta aos Bispos italianos de 6 de Janeiro de 1994, n. 1), a vossa Conferência Episcopal contribuiu em grande medida para manter e renovar, nas actuais circunstâncias históricas, esta herança e esta tradição, com uma referência particular e decisiva àquele acontecimento eclesial fundamental que foi o Concílio Vaticano II, do qual também hoje recebemos indicações acerca dos caminhos a percorrer para anunciar e testemunhar o Evangelho no século que há pouco começou.

Como não recordar, entre os numerosos ensinamentos e iniciativas da C.E.I., a publicação dos novos catecismos para a vida cristã, que se destinam às diversas fases da idade como instrumentos eficazes da renovação conciliar, assim como a instituição da Caritas italiana, para favorecer e promover, a todos os níveis, a actuação do preceito evangélico da caridade? Também se revelou grande a importância dos programas ou orientações pastorais decenais, com os quais a vossa Conferência, a partir dos anos 70, detectou e propôs, em sintonia com o Concílio Vaticano II, a evangelização como significativa prioridade pastoral do nosso tempo, também num País de antiga e radicada tradição cristã como a Itália. Através dos Congressos eclesiais nacionais que assinalaram os últimos três decénios, os representantes de todo o Povo de Deus foram chamados a uma crescente tomada de responsabilidade, para despertar e adequar às diferentes circunstâncias a presença cristã na Itália. Nestes últimos, com a formulação e o início da realização do Projecto cultural orientado em sentido cristão, a vossa Conferência soube detectar um caminho de resposta ao desafio decisivo que é constituído pela evangelização da cultura do nosso tempo.

3. Caríssimos Bispos italianos, na Bula de proclamação do Grande Jubileu "Incarnationis mysterium" afirmei que "a passagem dos crentes para o terceiro milénio não se ressente de forma alguma do cansaço que o peso de dois mil anos de história poderia acarretar" (n. 2). Estas palavras são indicadas de modo particular para a Itália, como é testemunhado pela intensidade da vida espiritual e pela extraordinária capacidade de presença e de serviço que caracteriza muitas das vossas comunidades.

Por isso, mesmo face às inegáveis e graves dificuldades que ameaçam, na Itália como em muitos outros Países, a fé cristã e os próprios fundamentos da civilização humana, não desanimemos, mas renovemos e aprofundemos a nossa confiança no Senhor, cujo poder se manifesta na nossa fraqueza (cf. 2Co 12,9) e cuja misericórdia é sempre capaz de vencer o mal com o bem.

4. Por conseguinte, caríssimos Irmãos, nesta ocasião tão significativa dos cinquenta anos de vida da vossa Conferência, desejo confirmar-vos o meu afecto, o meu apoio e a minha proximidade espiritual. Perseverai com grande caridade e com serena firmeza no exercício das vossas responsabilidades pastorais. Continuai, sobretudo, a dedicar uma especial atenção à família e ao acolhimento e defesa da vida, promovendo a pastoral familiar e defendendo os direitos da família fundada no matrimónio. Tende sempre grande confiança nos jovens e nas moças e não poupeis esforços para favorecer a sua educação genuína, antes de mais na família, na escola e nas próprias comunidades eclesiais. O encontro do XVII Dia Mundial da Juventude, que nos espera no próximo mês de Julho em Toronto, dá um ulterior impulso a este empenho comum.

Tendo como finalidade o futuro da Igreja e a sua capacidade de presença missionária, dedicai-vos apaixonadamente à promoção de autênticas vocações cristãs e, sobretudo, das vocações para o sacerdócio e a vida consagrada. Também hoje, de facto, o Senhor dá à Igreja todas as vocações das quais ela tem necessidade, mas compete-nos a nós, com a oração, o testemunho de vida e a solicitude pastoral, fazer com que estas vocações não se percam.

Continuai a ser testemunhas credíveis de solidariedade e generosos operadores de paz. Com efeito, o nosso mundo, cada vez mais interdependente e contudo atormentado por profundas e tenazes divisões, tem grande necessidade de uma paz autêntica. A querida Nação italiana também precisa de concórdia social e de uma sincera busca do bem comum, para se fortalecer interior e socialmente e para contribuir o mais possível para a edificação de relações internacionais mais justas e solidárias.

5. Na carta que vos escrevi a vós, Bispos italianos, há oito anos, a 6 de Janeiro de 1994 (cf. n. 4), realcei que "a Itália como nação tem muito para oferecer a toda a Europa". Agora, confirmo esta convicção, precisamente quando o processo de construção da "casa comum" europeia chegou a uma fase particularmente importante, com vista à definição dos seus perfis institucionais e do seu alargamento às Nações da Europa central e oriental.

Caríssimos Irmãos no Episcopado, a Itália, em virtude da sua história, da sua cultura, da sua actual vitalidade cristã, pode verdadeiramente desempenhar um grande papel para que a Europa que se está a construir não perca as suas raízes espirituais mas, ao contrário, encontre na fé viva dos cristãos inspiração e estímulo no seu caminho para a unidade. Comprometer-vos nesta finalidade pertence plenamente à vossa missão de Bispos italianos.

6. Apresento a todos vós, em particular ao vosso Presidente, o Cardeal Camillo Ruini, aos três Vice-Presidentes e ao Secretário-Geral, D. Giuseppe Betori, a minha fraterna e afectuosa saudação. Que esta Assembleia Geral, durante a qual vos ocupareis sobretudo daquele tema, que entre todos, é primário e fundamental, que é o anúncio de Jesus Cristo, único Salvador e Redentor, no contexto do actual pluralismo cultural e religioso, seja para cada um de vós uma intensa e alegre experiência de comunhão, da qual recebeis um novo estímulo para o trabalho quotidiano do nosso ministério.

Uno-me à vossa oração e, juntamente convosco, recordo ao Senhor cada uma das vossas Igrejas, os vossos queridos sacerdotes, os diáconos e seminaristas, os religiosos e as religiosas, os fiéis leigos e as suas famílias, as Autoridades e todo o povo italiano.

Concedo a todos, em penhor do meu afecto, a Bênção apostólica, propiciadora da contínua assistência divina.


Vaticano, 20 de Maio de 2002.



VIAGEM APOSTÓLICA AO AZERBAIJÃO E À BULGÁRIA


DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


DURANTE A CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS


NA CAPITAL DO AZERBAIJÃO


Baku, 22 de Maio de 2002




Senhor Presidente
Ilustres Autoridades civis e religiosas
Distintos Senhoras e Senhores

1. Dirijo-vos a todos a minha respeitosa e cordial saudação. Senhor Presidente, foi com profunda gratidão que aceitei o seu reiterado convite para visitar este nobre País e agora desejo manifestar-lhe a minha alegria pelo dom que Deus me concedeu, de chegar à terra do Azerbaijão e de me encontrar com os seus habitantes.

Obrigado pelas amáveis palavras de boas-vindas, que Vossa Excelência quis dirigir-me. Esta viagem insere-se no contexto do décimo aniversário do início das relações diplomáticas entre o Azerbaijão e a Santa Sé. A independência, conquistada depois de uma prolongada dominação estrangeira, foi vivida durante estes anos no meio de não poucas dificuldades e sofrimentos, mas sem jamais perder a esperança de poder edificar na liberdade um futuro melhor. Desta forma, a Nação viu crescer e consolidarem-se os contactos com os outros povos. E daqui derivou um enriquecimento recíproco, que não deixará de produzir os seus frutos nos anos vindouros.

2. Piso o solo deste antiquíssimo País, trazendo no coração a admiração pela complexidade e a riqueza da sua cultura. Enriquecida com a índole multifacetada e específica das suas características caucásicas, ela reúne em si a contribuição de diferentes civilizações, de maneira particular da pérsica e da turânica. Nesta terra estiveram presentes e trabalharam grandes religiões: o zoroastrismo conviveu com o cristianismo da Igreja albana, muito significativa na antiguidade. Em seguida, o Islão desempenhou um papel de crescente influência e, hoje em dia, é a religião da grande maioria da população azerbaijana. Inclusivamente o hebraísmo, aqui presente desde os tempos mais antigos, ofereceu a sua contribuição original, ainda hoje estimada.

Mesmo depois que o fulgor inicial da Igreja se atenuou, os cristãos continuaram a viver lado a lado com os fiéis de outras religiões. E isto tornou-se possível graças a um espírito de tolerância e de hospitalidade recíproca, que não pode deixar de ser motivo de orgulho para o País. Formulo votos, e elevo as minhas orações a Deus, a fim de que as tensões que ainda subsistem possam ser imediatamente ultrapassadas e que todos venham a encontrar a paz na justiça e na verdade.

3. O Azerbaijão constitui uma porta entre o Oriente e o Ocidente: por este motivo, este País reveste não apenas um valor estratégico de relevante significado, mas inclusive um valor simbólico de abertura e de intercâmbio que, se for justamente cultivado por todas as suas componentes, poderá assegurar um papel singularmente importante para a Nação azerbaijana. Chegou a hora de o Ocidente voltar a descobrir, juntamente com o pleno respeito do Oriente, também o desejo de um encontro cultural e espiritual mais intenso, com os valores de que ele é portador.

Desta porta de civilização representada pelo Azerbaijão, hoje dirijo um premente apelo àquelas terras que são teatro de sublevações bélicas, que provocam sofrimentos indescritíveis para as populações inermes. O compromisso de todos em favor da paz é urgente. Contudo, deve tratar-se de uma paz verdadeira, fundamentada sobre o respeito recíproco, sobre a rejeição do fundamentalismo e de todas as formas de imperialismo, sobre a busca do diálogo como único instrumento válido para resolver as tensões, sem precipitar Nações inteiras na barbárie de um banho de sangue.

4. As religiões, que neste País se esforçam por trabalhar com harmonia de intenções, não constituem e não devem ser um trágico pretexto para contraposições que encontram a sua origem noutras problemáticas. Ninguém tem o direito de invocar a Deus para ocultar os seus próprios interesses egoístas!

Daqui, da porta do Oriente, não distante dos lugares onde continua, com crueldade e insensatez, o fragor das armas, quero elevar a minha voz, no espírito dos encontros de Assis. Peço aos responsáveis das religiões que rejeitem qualquer violência como uma ofensa ao nome de Deus, e que se tornem incansáveis promotores de paz e de harmonia, no respeito dos direitos de todos e de cada um.

O meu pensamento dirige-se para os emigrados e para os refugiados deste País e de toda a região do Cáucaso. Graças à solidariedade internacional, oxalá volte a nascer para eles a esperança de um futuro de prosperidade e de paz, na sua terra de origem e no meio dos seus entes queridos.

5. Aos cristãos e, de maneira particular, à comunidade católica deste País, desejo dirigir uma saudação especialmente afectuosa. Os cristãos do mundo inteiro olham com sincera simpatia para estes seus irmãos na fé, persuadidos de que, apesar do limite do seu número, eles podem oferecer uma contribuição significativa para o progresso e a prosperidade da Pátria, num clima de liberdade e de respeito recíproco.

Estou convicto de que as dificuldades dramáticas, enfrentadas também pela comunidade católica no período do comunismo, serão recompensadas pelo Senhor com o dom de uma fé viva, de um compromisso moral exemplar e de vocações locais para o serviço pastoral e religioso.

No momento de dar os primeiros passos no território do Azerbaijão, invoco as Bênçãos de Deus sobre todos os seus habitantes e sobre o seu compromisso em ordem a um futuro de justiça e de liberdade. Ao Azerbaijão e ao seu nobre povo, transmito os bons votos de prosperidade, de progresso e de paz!



VIAGEM APOSTÓLICA AO AZERBAIJÃO E À BULGÁRIA


DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


NO ENCONTRO COM O MUNDO DAS RELIGIÕES


DA POLÍTICA, DA CULTURA E DA ARTE


Baku, 22 de Maio de 2002

Senhor Presidente da República
Ilustres Senhores e distintas Senhoras

1. É-me profundamente grato encontrar-me neste dia no meio de vós. Saúdo cada um dos presentes, enquanto dirijo um pensamento de especial gratidão para o Senhor Presidente da República que, em nome de todos vós, me transmitiu as calorosas expressões de boas-vindas.
Um vosso grande poeta escreveu: "Aquilo que é novo e, ao mesmo tempo, antigo, é a palavra... A palavra - que é, como o espírito, imaculada - é a tesoureira do cofre do reino invisível: ela conhece histórias nunca antes narradas e lê livros que jamais foram escritos!" (Nizani, As sete efígies). Estas expressões fazem alusão a algo que é querido às três grandes religiões, presentes neste País: a hebraica, a cristã e a islâmica. Em conformidade com a doutrina de cada uma delas, o único Deus, envolvido no seu mistério inefável, aceitou falar aos homens, convidando-os a submeter-se à sua Vontade.

2. Apesar das diferenças que existem entre nós, sentimos com frequência que trabalhamos em conjunto pela promoção de relacionamentos de estima e de bevevolência recíprocas. A este propósito, conheço a intensa obra levada a cabo pelos chefes religiosos em favor da tolerância e da compreensão mútua no Azerbaijão. Estou à espera do encontro de amanhã, com os representantes das três religiões monoteístas para confirmar, juntamente com eles, a convicção de que a religião não deve servir para alimentar a oposição e o ódio, mas sim para promover o amor e a paz.

Deste País, que conheceu e ainda agora considera a tolerância como um valor preliminar de toda a convivência civil sadia, queremos clamar ao mundo inteiro: Basta com a guerra em nome de Deus! Basta com a profanação do seu santo Nome! Vim ao Azerbaijão como embaixador de paz. Enquanto eu tiver voz, bradarei: "Paz, em nome de Deus!". E se a palavra se associar às outras palavras, nascerá um coro, uma sinfonia, que contagiará os espíritos, extinguirá o ódio e chegará a desarmar os corações.

3. Honra a vós, homens do Islão, presentes no Azerbaijão, por vos terdes aberto à hospitalidade, um valor tão querido à vossa religião e ao vosso povo, e por terdes aceite os crentes das outras religiões como vossos irmãos.

Honra a vós, judeus, que aqui conservastes com coragem e constância os vossos antigos costumes de boa vizinhança, enriquecendo esta Terra com uma contribuição de grande valor e profundidade.

Honra a vós, cristãos, que contribuístes de maneira insistente, sobretudo com a antiga igreja dos Albanos, para formar a identidade desta Terra. Honra particularmente a ti, Igreja ortodoxa, testemunha do Deus amigo dos homens e cântico elevado à sua beleza. Quando a fúria do ateísmo se desencadeou sobre esta região, tu ofereceste a hospitalidade aos filhos da Igreja católica, então desprovidos dos lugares de culto e dos pastores que lhes eram próprios, e puseste-los em comunicação com Cristo mediante a graça dos santos Sacramentos.

Deus seja louvado por este testemunho de amor, que foi prestado pelas três grandes religiões! Possa ele crescer e ser confirmado, eliminando com o orvalho do afecto e da amizade qualquer resíduo dos focos de oposição!

4. Ilustres Senhores e Senhoras, aqui representais, além do mundo das religiões, também o mundo da cultura, da arte e da política. Que extraordinária vocação recebestes e como é elevada a responsabilidade que incumbe sobre vós! Hoje em dia, muitas pessoas estão como que perdidas, à procura de uma identidade.

A vós, testemunhas da cultura e da arte, quero dizer-vos: a beleza, como bem sabeis, é luz do espírito. Quando é serena e reconciliada, quando vive em harmonia com Deus e com o universo, a alma exala uma luz que por si só já é beleza. A santidade não é senão a beleza plena, uma vez que reflecte, como sabe e como pode, a suma beleza do Criador. É ainda o vosso poeta Nizami que escreve: "Os inteligentes são aqueles anjos que têm o nome de homens. A inteligência é uma coisa maravilhosa!" (Nizani, As sete efígies).

Estimados amigos, representantes da cultura e da arte, voltai a dar o gosto da beleza àqueles que se aproximam de vós! Como nos ensinam os antigos, o belo, o verdadeiro e o bom estão unidos por um vínculo indissolúvel.

5. Nesta Terra, nenhuma das pessoas que se dedicam à cultura e à arte deve sentir-se inútil ou humilhada. A sua contribuição é essencial para o futuro do povo azerbaijano. Se a cultura for marginalizada, se a arte for descuidada e desprezada, põe-se em perigo a própria sobrevivência de uma civilização, porque se impede a transmissão daqueles valores que constituem a profunda identidade de um povo.

Num passado recente, uma visão materialista e neopagã caracterizou com muita frequência o estudo das culturas nacionais. Ilustres Senhores, compete-vos a vós voltar a descobrir todo o património da vossa civilização, como manancial de valores sempre actuais. Deste modo, podereis oferecer vários subsídios aos jovens, desejosos de conhecer as riquezas autênticas da história do seu País, em ordem a fazer assentar sobre bases sólidas a sua vida de cidadãos.

6. Agora, dirijo-vos a minha palavra a vós, homens e mulheres da política! A vossa actividade específica é um serviço ao bem comum, é a promoção do direito e da justiça, é a garantia da liberdade e da prosperidade para todos. Contudo, a política constitui inclusivamente um âmbito repleto de perigos. É fácil que se vos imponha a procura egoísta dos interesses pessoais, em desvantagem da necessária dedicação ao bem comum. O grande Nizami admoesta: "Não comas diante dos famintos; mas quando o fizeres, convida-os todos para a mesa!" (Nizani, As sete efígies).

A política tem necessidade de honestidade e de transparência. O povo deve poder sentir-se compreendido e salvaguardado. Ele precisa de constatar que os seus governantes trabalham para lhes garantir um futuro melhor. Não aconteça que as pessoas, postas diante de situações de crescentes desequilíbrios sociais, sejam levadas a perigosas formas de saudade do passado.

Quem assume a responsabilidade da gestão do Estado, não pode iludir-se: o povo não esquece! Assim como sabe recordar-se com gratidão das pessoas que gastaram com honestidade as suas energias ao serviço do bem comum, também transmite aos seus próprios filhos e netos o triste descrédito a propósito dos indivíduos que se aproveitaram do poder para se enriquecer de maneira fraudulenta.

7. Gostaria de dizer a todos vós uma coisa, em particular a vós, homens e mulheres da religião, da cultura, da arte e da política: olhai para os jovens e, em favor deles, comprometei-vos sem poupar energias! Eles representam a força do porvir. É necessário que lhes seja assegurada a possibilidade de estudar e de trabalhar, com base nas predisposições pessoais e na capacidade de compromisso, própria de cada um. Sobretudo, é preciso preocupar-se com a sua formação para os valores profundos, que duram no tempo e dão um sentido à sua vida e às suas obras.

A este propósito, sobretudo vós, homens e mulheres da cultura, da arte e da política, deveis sentir a religião como a vossa aliada. Ela encontra-se ao vosso lado para oferecer aos jovens sérios motivos de compromisso. Efectivamente, que ideal é capaz de mobilizar para a procura da verdade, da beleza e do bem do credo em Deus, que abre à mente, de par em par, os horizontes incomensuráveis da suma perfeição?

E vós, homens da religião, deveis sentir-vos sempre comprometidos no anúncio sincero e leal dos valores em que acreditais, sem recorrer aos instrumentos falazes, que empobrecem e atraiçoam os ideais proclamados. Confrontai-vos a nível dos conteúdos, evitando os meios de persuasão que não sejam respeitadores da dignidade e da liberdade da pessoa.

8. Numa sua oração a Deus, Ninzani escrevia: "Se o teu servidor... ao formular a sua oração, manifestou ousadia, contudo a sua água pertence ao teu mar... Se falasse cem línguas, louvar-te-ia em cada uma delas; se se cala como os desamparados, Tu sabes compreender a língua de quem não possui a palavra" (Ninzani, Leila e Majnun).

Desta Terra cosmopolita, cem línguas diferentes elevem a sua prece ao Deus vivo, que sabe escutar sobretudo quem é pobre e esquecido!

Sobre todos vós aqui presentes, sobre o vosso povo e o vosso futuro, desçam as Bênçãos de Deus Omnipotente e concedam prosperidade e paz a todos!

A beleza do hino "Ave Maria" convida-nos a todos a um trabalho melhor, mas também a uma vida melhor. Muito obrigado a todos vós que vos encontrais aqui presentes!




Discursos João Paulo II 2002 - Segunda-feira, 20 de maio de 2002