Discursos João Paulo II 2002 - Baku, 22 de Maio de 2002

VIAGEM APOSTÓLICA AO AZERBAIJÃO E À BULGÁRIA


DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS À BULGÁRIA


NA PRAÇA DE SANTO ALEXANDRE NEVSKI


Sófia, 23 de Maio de 2002

Senhor Presidente
Santidade
Ilustres Membros do Corpo Diplomático
Ilustres Autoridades
Representantes das várias Confissões religiosas
Queridos Irmãos e Irmãs



1. É com comoção e profunda alegria que me encontro hoje na Bulgária e que posso dirigir-vos a minha saudação cordial. Estou grato a Deus Omnipotente por me ter concedido realizar um desejo que trazia no meu coração desde há muito tempo.

Todos os anos, por ocasião da festa dos Santos Cirilo e Metódio, apóstolos dos povos eslavos, é hábito que eu receba no Vaticano os representantes do Governo e da Igreja da Bulgária. Por conseguinte, hoje venho, de certa forma, retribuir a visita e encontrar-me no seu bonito País com o querido povo búlgaro. Neste momento, penso de novo no meu predecessor, o Papa Adriano II, que foi pessoalmente ao encontro dos santos Irmãos de Tessalonica, quando foram a Roma para levar as relíquias de São Clemente, Papa e mártir (cf. Vida de Constantino, XVII, 1), e para testemunhar a comunhão da Igreja por eles fundada com a Igreja de Roma. Hoje, é o Bispo de Roma que vem até vós, movido pelos mesmos sentimentos de comunhão na caridade de Cristo.

O pensamento dirige-se também, nesta particular circunstância, para outro meu predecessor, o Beato Papa João XXIII, que durante uma dezena de anos foi Delegado Apostólico na Bulgária e permaneceu sempre profundamente ligado a esta terra e aos seus habitantes. Na sua recordação, saúdo todos com afecto e a todos digo que em nenhuma circunstância deixei de amar o povo búlgaro, apresentando-o constantemente na oração ao Trono do Altíssimo: a minha presença hoje entre vós seja manifestação eloquente dos sentimentos de estima e de afecto que nutro por esta nobre Nação e por todos os seus filhos.

2. Saúdo cordialmente as Autoridades da República, e agradeço-lhes os convites que me fizeram e o empenho dedicado a esta minha visita. A Vossa Excelência, Senhor Presidente, exprimo o meu profundo reconhecimento pelas gentis palavras com que me recebeu nesta histórica praça. Através dos ilustres Membros do Corpo Diplomático, o meu pensamento dirige-se também para os povos que eles aqui representam dignamente.

Saúdo com deferência Sua Santidade o patriarca Maxim e os Metropolitas e Bispos do Santo Sínodo, juntamente com todos os fiéis da Igreja Ortodoxa da Bulgária: desejo ardentemente que esta minha visita sirva para fortalecer o nosso conhecimento recíproco para que, com a ajuda de Deus e no dia e da forma que lhe agradar, se possa chegar a viver "em perfeita união de pensamento e de intenções" (cf. 1Co 1,10), recordando-nos da palavra do nosso único Senhor: "Por isso, é que todos saberão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros" (Jn 13,35).

3. Abraço com particular afecto os meus irmãos Bispos Christo, Gheorgi, Petko e Metodi, juntamente com todos os filhos e filhas da Igreja Católica, sacerdotes, religiosos e leigos: venho até vós com a saudação e os votos de paz que o Senhor ressuscitado oferece aos seus discípulos (cf. Jo Jn 20,19), para vos confirmar na fé e vos encorajar no caminho da vida cristã.

Saúdo os cristãos das outras Comunidades eclesiais, os membros da Comunidade judaica com o seu Presidente e os fiéis do Islão guiados pelo Grão-Mufti, e confirmo aqui, depois do encontro de Assis, a convicção de que todas as religiões são chamadas a promover a justiça e a paz entre os povos, o perdão, a vida e o amor.

4. A Bulgária recebeu o Evangelho graças à pregação dos Santos Cirilo e Metódio, e aquela semente lançada em terra fértil deu, ao longo dos séculos, abundantes frutos de testemunho cristão e de santidade. Também durante o longo e rígido inverno do sistema totalitário, que marcou no sofrimento o vosso, juntamente com muitos outros Países da Europa, a fidelidade ao Evangelho nunca esmoreceu, e numerosos filhos deste povo viveram heroicamente a adesão a Cristo, chegando em muitos casos até ao sacrifício da própria vida.

Desejo aqui prestar honra a estas corajosas testemunhas da fé, pertencentes às diversas Confissões cristãs. O seu sacrifício não seja vão, mas sirva de exemplo e torne fecundo o empenho ecuménico com vista à plena unidade dos cristãos. Olhem para eles também todos os que trabalham para a edificação de uma sociedade baseada na verdade, na justiça e na liberdade!

5. É necessário curar as feridas e projectar com optimismo o futuro. Trata-se, sem dúvida, de um caminho que não é fácil nem está privado de obstáculos, mas o empenho concorde de todos os componentes da Nação tornará possível o alcance das metas desejadas. Todavia, dever-se-á continuar com sabedoria, na legalidade e na salvaguarda das instituições democráticas, sem poupar sacrifícios, conservando e promovendo os valores que fundamentam a verdadeira grandeza de uma Nação: a honestidade moral e intelectual, a defesa da família, o acolhimento do necessitado, o respeito pela vida humana desde a sua concepção até ao seu termo natural.

Formulo os votos de que o esforço de renovação social empreendido com coragem pela Bulgária encontre a aceitação inteligente e o apoio generoso da União Europeia.

6. Talvez precisamente aqui, perto dos túmulos dos mártires, se reuniram em 342 ou 343 os Bispos do Oriente e do Ocidente para a celebração do importante Concílio de Serdica, onde se discutiu o destino da Europa cristã. Nos séculos posteriores, surgiu aqui a basílica da Sophia, a Sabedoria divina, que segundo o pensamento cristão indica os fundamentos sobre os quais deve ser edificada a cidade dos homens. O caminho que leva ao autêntico progresso de um povo não pode ser apenas político e económico; ele deve necessariamente pressupor também a dimensão espiritual e moral. O cristianismo está nas próprias raízes da história e da cultura deste País: por conseguinte, não se pode prescindir dele num sério processo de crescimento projectado para o futuro.

A Igreja católica, com o compromisso diário dos seus filhos e com a disponibilidade das suas estruturas, deseja contribuir para conservar e desenvolver o património dos valores espirituais e culturais dos quais o País se orgulha. Ela deseja reunir os seus esforços com os dos outros cristãos, para pôr ao serviço de todos, os fermentos de civilização que o Evangelho pode oferecer também às gerações do novo milénio.

7. Devido à sua posição geográfica, a Bulgária encontra-se a servir de ponte entre a Europa oriental e a Europa do sul, como que numa encruzilhada espiritual, terra de encontro e de compreensão recíproca. Confluíram aqui as riquezas humanas e culturais das diferentes regiões do Continente, e encontraram acolhimento e respeito. Desejo prestar publicamente homenagem a esta tradicional hospitalidade do povo búlgaro, recordando sobretudo os beneméritos esforços realizados para salvaguardar milhares de hebreus durante a segunda guerra mundial.

A Mãe de Deus, aqui particularmente amada e venerada, proteja a Bulgária sob o seu manto e obtenha que o seu povo cresça e prospere na fraternidade e na concórdia! Deus Omnipotente encha com as suas Bênçãos este vosso nobre País, garantindo-lhe um futuro próspero e pacífico!



VIAGEM APOSTÓLICA AO AZERBAIJÃO E À BULGÁRIA


DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


NO ENCONTRO COM SUA SANTIDADE


O PATRIARCA MAXIM


E OS MEMBROS DO SANTO SÍNODO


Sófia, 24 de Maio de 2002


Santidade
Venerados Metropolitas e Bispos
e todos vós,
queridos Irmãos no Senhor
Cristo ressuscitou!

1. Sinto-me feliz por me poder encontrar hoje, 24 de Maio, convosco, porque este é um dia particular, inscrito profundamente no meu coração e na minha memória. As visitas da Delegação búlgara que, desde o começo do meu serviço como Bispo de Roma, tive a alegria de receber no Vaticano no dia 24 de Maio de cada ano, foram para mim agradáveis ocasiões de encontro não só com a nobre Nação búlgara, mas também com a Igreja ortodoxa da Bulgária e com Vossa Santidade, nas pessoas dos Bispos que o representam.

Hoje o Senhor permite que nos encontremos pessoalmente e que nos demos o "beijo da paz". Estou reconhecido pela disponibilidade com que Vossa Santidade e o Santo Sínodo me permitiram realizar um desejo profundo, que desde há muito tempo eu trazia no coração. Venho até vós com sentimentos de estima pela missão que a Igreja ortodoxa da Bulgária está a desempenhar, e desejo testemunhar respeito e apreço pelo seu empenho em benefício destas populações.

2. Ao longo dos séculos, apesar das vicissitudes históricas complexas e por vezes hostis, a Igreja que Vossa Santidade hoje orienta soube anunciar com perseverança a encarnação do Unigénito Filho de Deus e a sua ressurreição. A cada geração repetiu a Boa Nova da salvação. Também hoje, no início do terceiro milénio, ela testemunha com renovadas forças a salvação que o Senhor oferece a cada homem e propõe a todos a esperança que não desilude e da qual o nosso mundo tem profunda necessidade.

Santidade, a visita que, pela primeira vez na história, um Bispo de Roma realiza a este País, encontrando Vossa Santidade juntamente com o Santo Sínodo, é justamente um momento de alegria, porque é sinal de um progressivo crescimento na comunhão eclesial. Contudo, isto não nos pode impedir de fazer uma franca observação: Cristo Senhor fundou a Igreja una e única, mas nós, hoje, apresentamo-nos ao mundo divididos como se o próprio Cristo estivesse dividido:

"Esta divisão não só contradiz abertamente a vontade de Cristo, mas escandaliza o mundo e prejudica a santissima causa da pregação do Evangelho a todas as criaturas" (Decreto Unitatis redintegratio, UR 1).

3. A plena comunhão entre as nossas Igrejas conheceu dolorosas lacerações no decurso da história, "por vezes por culpa dos homens de ambas as partes" (Ibid., 3). "Tais pecados do passado fazem sentir ainda, infelizmente, o seu peso e permanecem como tentações igualmente no presente. É necessário emendar-se, invocando intensamente o perdão de Cristo" (Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, TMA 34).

Contudo, um facto nos conforta: o afastamento que se verificou entre católicos e ortodoxos nunca fez esvaecer neles o desejo de restabelecer a plena comunhão eclesial, para que fosse expressa com maior evidência aquela unidade pela qual o Senhor pediu ao Pai. Hoje podemos dar graças a Deus porque os vínculos existentes entre nós fortificaram-se visivelmente.

Já o Concílio Vaticano II realçava, a este propósito, que as Igrejas ortodoxas "têm verdadeiros sacramentos e sobretudo, em virtude da sucessão apostólica, o Sacerdócio e a Eucaristia" (Decreto Unitatis redintegratio, UR 15). O Concílio, além disso, recordava e reconhecia que "uma certa diversidade de usos e costumes... não se opõe de modo algum à unidade da Igreja, até lhe aumenta o decoro e muito contribui para o cumprimento da sua missão" (ibid., 16), e acrescentava: "A perfeita observância deste princípio tradicional, que na verdade nem sempre foi respeitado, pertence àquelas coisas que são absolutamente exigidas como condição prévia para o restabelecimento da unidade" (Ibid.).

4. Ao reflectir sobre este tema, não podemos deixar de dirigir o nosso olhar para o exemplo de unidade que no primeiro milénio ofereceram concretamente os Santos Irmãos Cirilo e Metódio, dos quais se conservam no vosso País uma viva memória e uma profunda herança. Para o seu testemunho podem olhar aqueles que, em âmbito político, se estão a empenhar no processo de unificação Europeia. De facto, na busca da própria identidade o Continente não pode deixar de voltar às suas raízes cristãs. Toda a Europa, a Ocidental e a Oriental, espera o comum empenho de católicos e de ortodoxos em defesa da paz e da justiça, dos direitos do homem e da cultura da vida.

O exemplo dos Santos Cirilo e Metódio é para nós muito emblemático, sobretudo para a unidade dos cristãos na Única Igreja de Cristo. Enviados ao Leste europeu pelo Patriarca de Constantinopla a fim de levarem a verdadeira fé aos povos eslavos na sua língua, face aos obstáculos apresentados à sua obra pelas dioceses ocidentais confinantes, que consideravam responsabilidade sua levar a Cruz de Cristo aos Países eslavos, foram recebidos pelo Papa para fazer autenticar a sua missão (cf. Carta Encíclica, Slavorum apostoli, 5). Por conseguinte, eles são para nós "como que os elos de união, ou como uma ponte espiritual entre a tradição oriental e a tradição ocidental, que convergem ambas na única grande Tradição da Igreja universal. Eles são para nós modelos e, ao mesmo tempo, os patronos do esforço ecuménico das Igrejas irmãs do Oriente e do Ocidente, para reencontrar, mediante o diálogo e a oração, a unidade visível na comunhão perfeita, "a união que... não é absorção nem sequer fusão"! A unidade é o encontro na verdade e no amor, que nos são dados pelo Espírito" (Ibid., 27).

5. Apraz-me recordar, durante este nosso encontro, os numerosos contactos entre a Igreja católica e a Igreja ortodoxa da Bulgária, iniciados com o Concílio Vaticano II, ao qual ela enviou observadores próprios. Estou confiante de que estes contactos directos, felizmente incrementados nos anos passados, incidirão positivamente também sobre o diálogo teológico, no qual católicos e ortodoxos estão empenhados através da Comissão mista internacional, instituída para esta finalidade.

Precisamente com a intenção de alimentar o conhecimento recíproco, a caridade mútua e a colaboração fraterna, sinto-me feliz por oferecer à comunidade ortodoxa búlgara de Roma o uso litúrgico da igreja dos Santos Vicente e Atanásio na Fonte de Trevi, segundo as modalidades que os nossos respectivos delegados deverão determinar.

Depois, fui informado de que o V Concílio da Igreja Ortodoxa Búlgara restabeleceu no passado mês de Dezembro a Metropolia de Silistra, a antiga Dorostol. Provinha daquela região o jovem soldado Dasio, de quem se celebra este ano o 1700° aniversário do martírio. Aceitando de bom grado o desejo que me foi manifestado, foi com alegria que trouxe comigo, graças à generosa disponibilidade da Arquidiocese de Ancona-Ósimo, uma insigne relíquia do santo para oferecer a esta igreja.

6. Santidade, para terminar gostaria de lhe exprimir, assim como a todos os Bispos da sua Igreja o meu sentido agradecimento pelo acolhimento que me foi reservado. Estou profundamente comovido.

Com sentimentos fraternos, garanto a minha constante oração, para que o Senhor conceda que a Igreja ortodoxa Búlgara realize com coragem, juntamente com a Igreja católica, a missão de evangelização que Ele lhe confiou neste País.

Deus se digne abençoar os esforços de Vossa Santidade, dos Metropolitas e dos Bispos, do Clero, dos Monges e das Monjas, concedendo uma abundante messe espiritual aos trabalhos apostólicos de cada um.

A Virgem Santíssima, ternamente venerada pelos fiéis da Igreja ortodoxa da Bulgária, vele sobre ela e a proteja hoje e sempre! Cristo ressuscitou!



MENSAGEM DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AO SUPERIOR-GERAL


DA CONGREGAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO


NO TERCEIRO CENTENÁRIO DE FUNDAÇÃO


Ao Padre PIERRE SCHOUVER
Superior-Geral da Congregação do Espírito Santo

Desejo transmitir-lhe as minhas ardentes saudações, enquanto se encontra reunido em Roma, juntamente com os membros do Conselho Geral da Congregação do Espírito Santo, para preparar as festividades que, durante este ano e o próximo, marcarão a vida da vossa Família religiosa. Alegro-me pelo espírito com que desejais viver estes aniversários e revigorar o vosso carisma e o vosso compromisso no campo da missão.

2. No póximo ano, celebrareis o terceiro centenário da Congregação, fundada no dia 27 de Maio de 1703, por um jovem diácono de vinte e quatro anos, Claude-François Poullart des Places. No início, tratava-se de um seminário dedicado ao Espírito Santo, que tinha a Virgem Maria como ponto de referência, aberto aos estudantes pobres que o vosso Fundador destinava para o serviço às paróquias mais esquecidas no Reino da França. A jovem Congregação encontrou imediatamente uma dimensão missionária, com o envio do primeiro sacerdote para a região do Quebeque e, depressa, outros partiram para a Cochinchina, o Senegal e a Guiana. Cerca de um século e meio mais tarde, em 1848, o Padre François Libermann, nascido numa família judaica da Alsácia e filho de um rabino, convertendo-se à fé cristã com a idade de vinte e quatro anos, tornou-se o segundo Fundador da Congregação, unindo-a à Congregação do Sagrado Coração de Maria, por ele mesmo fundada em 1841, e orientando-a de maneira prioritária para o serviço missionário no continente africano. Ainda durante o corrente ano, vós celebrastes também o segundo centenário do seu nascimento e o sesquicentenário da sua morte.

3. Enquanto dou graças a Deus pela importante obra que a vossa Congregação realiza há três séculos, sobretudo no campo da evangelização na África, nas Antilhas e na América do Sul, convido-vos a permanecer fiéis à dúplice herança dos vossos Fundadores: a atenção aos pobres, a todas as pessoas socialmente necessitadas ou desfavorecidas, e o serviço missionário, ou seja, o anúncio da Boa Nova de Cristo a todos os homens, de modo particular àqueles que ainda não acolheram a mensagem do Evangelho. Esta dupla fidelidade, reconfirmada pelas orientações do vosso último Conselho geral alargado, realizado em Pistburgo, levou-vos com frequência a começar a vossa obra missionária a partir da fundação de uma escola, em ordem a instruir os jovens e permitir-lhes que acedam ao conhecimento mas também, e sobretudo, que recebam uma educação autêntica, que dê a cada um o sentido da dignidade, dos direitos e dos deveres que lhes são próprios. Neste mesmo espírito, como deixar de recordar a Obra dos Órfãos Aprendizes, de Auteuil (1923), confiada à vossa Congregação? Depois do vigoroso impulso dado pelo Beato Padre Daniel Brottier, e agora sob a sua protecção, ela continua a viver o vosso carisma missionário junto dos jovens que passam por grandes dificuldades em virtude da pobreza, da desagregação da célula familiar, do mau êxito escolar e da marginalização social. Permanecei atentos aos apelos do Espírito, para chegar aos pobres de hoje e anunciar a Boa Notícia que lhes é destinada: trata-se do próprio sinal do advento dos tempos messiânicos, como Jesus ensinou na sinagoga de Nazaré (cf. Lc Lc 4,18).

4. No exemplo dos vossos Fundadores, reconhecestes na espiritualidade da consagração ao Espírito Santo uma escola de liberdade evangélica e de disponibilidade para a missão. "[Com efeito], é sempre o Espírito que actua, quer quando dá vida à Igreja, impelindo-a a anunciar Cristo, quer quando semeia e desenvolve os seus dons em todos os homens e povos, conduzindo a Igreja à descoberta, promoção e acolhimento destes dons, através do diálogo... Ele é o protagonista da missão!" (Redemptoris missio, RMi 29-30). Depois de ter descido sobre os Apóstolos no dia do Pentecostes, para fazer deles os primeiros missionários do Evangelho, o Espírito continua a animar a Igreja e a enviá-la para que anuncie a Boa Nova nos quatro cantos do mundo. Permanecei apegados a esta devoção ao Espírito Santo, que caracteriza a vossa Família religiosa.

O Espírito que une a Igreja e que em toda a parte a reúne para fazer dela o povo da nova Aliança, chamou-vos para a vida comunitária. Que possais ser atentos à vivência desta experiência na vossa vida quotidiana! Com efeito, a vida comum e fraternal é uma ajuda preciosa ao longo do caminho, às vezes difícil, dos conselhos evangélicos e do compromisso missionário. Além disso, para nós, contemporâneos, constitui um testemunho do amor de Cristo: "Este é o mandamento que recebemos dele: quem ama a Deus, ame também o seu irmão" (1Jn 4,21).

5. Não faltam dificuldades ao longo dos caminhos da evangelização. De modo especial nalguns países, vós sofreis em virtude da falta de vocações, que debilita o vosso dinamismo. Contudo, esta provação não é especificamente vossa: hoje em dia, ela diz respeito a muitas Dioceses e Famílias religiosas. Todavia, esta crise toca-vos de maneira particular, porque sempre atribuístes um lugar importante às vocações, no contexto da vossa própria pastoral missionária, criando seminários menores nas Igrejas jovens que vos eram confiadas. Esta atenção especial levou-vos também a receber a responsabilidade do Seminário pontifício francês de Roma. Trabalhai em ordem a ajudar os seminaristas a preparar-se para o seu ministério, mediante uma formação humana, intelectual, espiritual e pastoral que lhes permita inserir-se na vida eclesial das suas próprias Dioceses. Tudo isto pressupõe um conhecimento específico das Igrejas locais e um diálogo constante com os seus Pastores. Consequentemente, a diminuição do número dos seminaristas e das vocações missionárias não deve atenuar a qualidade do discernimento e nem sequer as exigências, sobretudo espirituais e morais, necessárias para o ministério presbiteral. Com efeito, o anúncio do Evangelho aos homens e às mulheres do nosso tempo exige testemunhas fiéis, animadas pelo Espírito de santidade, que sejam sinais para os seus irmãos mediante a força da sua palavra e, acima de tudo, a autenticidade da sua vida.

6. Caros Irmãos em Cristo, não esqueço o verdadeiro nome da vossa Ordem: "Congregação do Espírito Santo, sob a protecção do Coração Imaculado de Maria". Peço à Virgem, Mãe do Senhor e Rainha dos Missionários, a sua benévola intercessão para vós e inclusivamente para os numerosos membros da vossa Congregação, espalhados pelo mundo inteiro ao serviço do Evangelho. Que a Virgem bendita seja sempre um exemplo e um modelo espiritual para vós! Oxalá o seu "sim" ao Senhor constitua a regra da vossa vida! A todos concedo, do íntimo do coração, a Bênção apostólica.

Vaticano, 20 de Maio de 2002.



VIAGEM APOSTÓLICA AO AZERBAIJÃO E À BULGÁRIA


DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


DURANTE O ENCONTRO COM OS REPRESENTANTES


DO MUNDO DA CULTURA, DA CIÊNCIA E DA ARTE


Sófia 24 de Maio de 2002



Ilustres Senhores
Gentis Senhoras

É-me grato encontrar-me convosco, representantes das várias expressões da cultura e da arte. No contexto das vossas respectivas competências vós tornais aqui presentes, de certa maneira, todo o dilecto Povo búlgaro. Dirijo-me a vós com respeito e admiração, consciente da delicada e importante contribuição que ofereceis ao nobre empreendimento da construção de uma sociedade em que se possa realizar "a compreensão mútua e a disponibilidade para a cooperação, mediante o intercâmbio generoso dos bens culturais e espirituais" (Slavorum apostoli, 27).

Agradeço profundamente a quem interpretou com nobres expressões os sentimentos de todos os presentes, assim como a quantos, de várias maneiras, se fizeram promotores da minha visita ao vosso bonito País. Além disso, saúdo cordialmente os organizadores da iniciativa denominada "sinos para a paz", enquanto lhes confio de bom grado este "sino do Papa", formulando os bons votos a fim de que as suas badaladas recordem às crianças e aos jovens da Bulgária o dever e o compromisso que consiste em desenvolver a amizade e a compreensão entre as várias nações da terra.

2. Este encontro está a realizar-se num dia particularmente significativo: com efeito, hoje a Bulgária celebra a solenidade dos Santos Irmãos Cirilo e Metódio, intrépidos anunciadores do Evangelho de Cristo e fundadores da língua e da cultura dos povos eslavos. A sua memória litúrgica reveste um carácter particular e é, ao mesmo tempo, a "festa das letras búlgaras". Esta festividade empenha não apenas os crentes ortodoxos e católicos, mas faz com que todos possam reflectir sobre aquele património cultural, cujo início teve lugar graças à acção dos dois Santos Irmãos de Tessalonica.

Na coluna conservada na localidade de Veliko Tarnovo, na igreja dos Quarenta Santos Mártires, foi gravada uma inscrição do Khan protobúlgaro Omurtag, cujo conteúdo é o seguinte: "Mesmo que viva bem, um homem morre e outro nasce. Aquele que nascer mais tarde, quando vir esta inscrição, recorde-se de quem a escreveu" (AA.VV., As fontes da história búlgara, ed. Otechestwo, Sófia 1994, pág. 24). Por conseguinte, gostaria que este nosso encontro adquirisse a característica de um solene acto de veneração e de agradecimento ao Santos Cirilo e Metódio que, em 1980, proclamei Padroeiros da Europa, juntamente com São Bento de Núrsia, e que ainda hoje têm muito a ensinar a todos nós, tanto no Oriente como no Ocidente.

3. Introduzindo o Evangelho na cultura peculiar dos povos que evangelizavam, os Santos Irmãos - mediante a criação genial e original de um alfabeto próprio - adquiriram méritos singulares. Para corresponder às necessidades do seu serviço apostólico, eles traduziram os livros sagrados na língua local, tendo em vista finalidades litúrgicas e catequéticas, lançando assim as bases da literatura nas línguas destes povos. Por isso são considerados, justamente, não apenas os apóstolos dos eslavos, mas inclusivamente os pais da sua cultura. A cultura constitui a expressão da identidade de um povo, encarnada na história; ela forja a alma de uma nação, que se reconhece em determinados valores, se exprime em símbolos específicos e se comunica através dos sinais que lhe são próprios.

Mediante os seus discípulos, a missão de Cirilo e Metódio consolidou-se maravilhosamente na Bulgária. Aqui, graças a São Clemente de Ocrida, nasceram dinâmicos centros de vida monástica, e aqui o alfabeto cirílico encontrou um desenvolvimento deveras singular. Daqui também o cristianismo foi transmitido para outros territórios, a ponto de chegar, através da vizinha Roménia, à antiga Rus' de Kiev e de se estender, em seguida, a Moscovo e a outras regiões orientais.

A obra de Cirilo e Metódio constitui uma contribuição eminente para a formação das raízes cristãs conjuntas da Europa, aquelas raízes que, pela sua profundidade e vitalidade, representam um dos mais sólidos pontos de referência cultural, dos quais não pode prescindir qualquer tentativa séria de voltar a compor de modo novo e actual a unidade do Continente.

4. O critério inspirador da grandiosa obra levada a cabo por Cirilo e Metódio consistia na fé cristã.Efectivamente, cultura e fé não apenas não se encontram em contraste recíproco, mas têm entre si relações semelhantes às que existem entre o fruto e a árvore. Um facto inegável é que as Igrejas cristãs, tanto do Oriente como do Ocidente, favoreceram e propagaram entre os povos, ao longo dos séculos, o amor pela cultura que lhes é própria e também o respeito pela cultura dos outros.Foi assim que se edificaram igrejas e lugares de culto magníficos, repletos de riquezas arquitectónicas e de imagens sacras, como os ícones, fruto de oração e de penitência e, ao mesmo tempo, de gosto e de requintada técnica artística. E foi ainda por este motivo que se redigiram muitos documentos e escritos de índole religiosa e cultural, mediante os quais se exprimia e se modelava o génio dos povos, em crescimento rumo à obtenção de uma identidade nacional cada vez mais amadurecida.

O património cultural que os Santos de Tessalonica deixaram aos povos eslavos era o fruto da árvore da sua fé, profundamente enraizada na sua alma. Em seguida, desenvolveram-se renovados ramos desta árvore e produziram-se novos frutos, para um ulterior enriquecimento daquela extraordinária herança de pensamento e de arte que o mundo reconhece como pertencente às nações eslavas.

5. A experiência histórica demonstra que o anúncio da fé cristã não destruiu mas, pelo contrário, integrou e exaltou os valores humanos e culturais autênticos, típicos do génio dos países evangelizados, e inclusivamente chegou a contribuir para a sua abertura recíproca, ajudando-os a ultrapassar os antagonismos e a criar um património espiritual e cultural conjunto, que constitui um verdadeiro pressuposto para relacionamentos de paz estáveis e construtivos.

Quem quiser trabalhar efectivamente em favor da edificação de uma unidade europeia que seja autêntica, não pode prescindir destes dados históricos, que possuem uma eloquência incontrastável. Como já tive a oportunidade de afirmar, "a marginalização das religiões, que contribuiram e ainda contribuem para a cultura e o humanismo dos quais a Europa legitimamente se orgulha, parece-me, ao mesmo tempo, ser uma injustiça e um erro de perspectiva" (Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, 10 de Janeiro de 2002, em: ed. port. de L'Osservatore Romano de 19.1.2002, pág. 7, n. 2). Com efeito, o Evangelho não empobrece nem extingue aquilo que cada homem, povo ou nação reconhece como autêntico e que realiza como bem, verdade e beleza (cf. Slavorum apostoli, 18).

6. Olhando para trás, devemos reconhecer que, ao lado de uma Europa da cultura, com os seus grandes movimentos filosóficos, artísticos e religiosos que a caracterizam, ao lado de uma Europa do trabalho, com as suas conquistas tecnológicas e informáticas do século que há pouco chegou ao seu termo, infelizmente existe também uma Europa dos regimes ditatoriais e das guerras, uma Europa do sangue, das lágrimas e da crueldade mais assustadores. Talvez também em virtude destas amargas experiências do passado, na Europa contemporânea parece que se torna cada vez mais vigorosa a tentação do cepticismo e da indiferença, diante da fragmentação dos pontos de referência morais fundamentais da vida pessoal e social.

É necessário agir! No preocupante contexto contemporâneo, é urgente afirmar que, para voltar a encontrar a profunda identidade que lhe é própria, a Europa não pode deixar de regressar às suas raízes cristãs e, de maneira particular, à obra de homens como Bento, Cirilo e Metódio, cujo testemunho constitui um contributo de primeira importância para o relançamento espiritual e moral do Continente.

Assim, esta é a mensagem dos Padroeiros da Europa e de todos os místicos e santos cristãos que deram testemunho do Evangelho no meio das populações europeias: o "porquê" último da vida e da história do homem foi-nos oferecido no Verbo de Deus, que encarnou para redimir o homem do mal do pecado e do abismo da angústia.

7. Nesta perspectiva, é com profunda consideração que aprecio a iniciativa tomada pelos Bispos católicos, em ordem a prover à tradução do Catecismo da Igreja Católica em língua búlgara: com efeito, "a finalidade deste Catecismo é apresentar uma exposição orgânica e sintética do conteúdo essencial e fundamental da doutrina católica, tanto sobre a fé como sobre a moral, à luz do Concílio Vaticano II e do conjunto da Tradição da Igreja. As suas fontes principais são a Sagrada Escritura, os santos Padres, a Liturgia e o Magistério da Igreja" (Introdução ao CIC 11).

Gostaria de o entregar simbolicamente também àqueles de entre vós que, embora não sejam católicos, compartilham connosco o único Baptismo, a fim de que possam conhecer de perto aquilo em que a Igreja católica acredita e o que ela anuncia.

8. O monge Paisij, do Mosteiro de Chilandar, justamente observava que uma nação com um passado glorioso tem o direito a um futuro maravilhoso (cf. Istoria slavianobolgarskaia , pp. PP 1722-1773).

Ilustres Senhores e gentis Senhoras, o Papa de Roma olha com confiança para vós e repete diante de vós a sua convicção acerca do grandioso compromisso confiado aos homens e às mulheres de cultura, em ordem a conservar e a transmitir a ciência e a sabedoria que, ao longo dos tempos, inspiraram a vida dos seus respectivos povos.

Formulo à Bulgária, o bonito País das rosas, um "futuro maravilhoso" para que, continuando a ser uma terra de encontro entre o Oriente e o Ocidente, com a bênção de Deus Todo-Poderoso, possa prosperar na liberdade, no desenvolvimento e na paz!




Discursos João Paulo II 2002 - Baku, 22 de Maio de 2002