Discursos João Paulo II 2002

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CARDEAL ROGER ETCHEGARAY


POR OCASIÃO DO XVI ENCONTRO


INTERNACIONAL PELA PAZ





Ao venerado Irmão Cardeal ROGER ETCHEGARAY
Presidente emérito do Pontifício Conselho "Justiça e Paz"

Digne-se aceitar, Senhor Cardeal, a minha afectuosa saudação, que lhe peço para transmitir aos ilustres participantes no XVI Encontro Internacional de Oração pela Paz, programado em Palermo, com o tema "Religiões e Culturas entre conflito e diálogo".

Saúdo o Arcebispo de Palermo, o Senhor Cardeal Salvatore De Giorgi, as queridas Igrejas da Sicília e os seus Pastores. Tenho a certeza de que estes dias de reflexão e de oração ajudarão os habitantes da Sicília a fazer da sua Ilha, com maior consciência, uma terra de acolhimento e de solidariedade, de coabitação e de paz. De facto, a Sicília tem por vocação ser encruzilhada, no centro do Mediterrâneo, entre o Norte e o Sul, e entre o Oriente e o Ocidente.

2. O encontro de Palermo, já próximo, leva-me com o pensamento a Assis, àquele dia 27 de Outubro de 1996, quando convidei, pela primeira vez, os representantes das Igrejas, das Comunidades cristãs e das grandes religiões a rezar pela paz, uns ao lado dos outros. E Vossa Eminência, Senhor Cardeal, foi um dos principais artífices daquela memorável jornada, que assinalou o início de uma nova forma de se encontrar entre crentes de várias religiões: não na contraposição recíproca e muito menos no desprezo recíproco, mas na busca de um diálogo construtivo em que, sem cair no relativismo nem no sincretismo, cada um se abre aos outros com estima, estando todos conscientes de que Deus é a fonte da paz.

Desde então, e quase prolongando o "espírito de Assis", continuou-se, ano após ano, a organizar estes encontros de oração e de reflexão comum. Graças a Deus, não são poucos os casos em que o "espírito de Assis", favorecendo o diálogo e a compreensão recíproca, deu frutos concretos de reconciliação. Por conseguinte, estamos chamados a apoiá-lo e a difundi-lo, percorrendo os caminhos da justiça e contando com a ajuda de Deus, que sabe abrir caminhos de paz onde os homens não são capazes.

No nosso tempo, viver este espírito é ainda mais necessário. Por isso, no passado mês de Janeiro, quis voltar a Assis juntamente com os representantes das Igrejas cristãs e das grandes religiões, depois dos trágicos acontecimentos de 11 de Setembro do ano passado. Em Assis, que se tornou uma espécie de agorà da paz entre os povos, recordei que é preciso diminuir as nuvens da suspeita e da incompreensão. Mas as trevas não se dissipam com as armas; afastam-se acendendo faróis de luz (cf. Discurso em Assis, 24 de Janeiro de 2002, 1; L'Osserv. Rom., 25/01/2002, pág 6).

3. No dia 1 de Setembro, em Palermo, estes faróis de luz acenderam-se de novo para projectar os próprios raios luminosos em toda a área do Mediterrâneo, lugar de antiga coabitação entre religiões e culturas diversas, mas também teatro de graves incompreensões e de conflitos cruéis. Penso sobretudo na Terra Santa, que caiu numa espiral que parece ser de uma violência sem fim.

Quantos povos são oprimidos, não só por dolorosos conflitos, mas também pela fome e pela pobreza, especialmente na África, continente que parece encarnar o desequilíbrio existente entre o Norte e o Sul do planeta! Eleve-se, de Palermo, um novo apelo para que todos, responsavelmente, se empenhem pela justiça e solidariedade autêntica.

4. O tema do Congresso dá a oportunidade de fazer uma análise ampla da situação no planeta e para avaliar quais devam ser os esforços a realizar juntos.

"Quais os fundamentos sobre que é preciso construir a nova época histórica?". Esta pergunta, que provém das grandes transformações do século XX, interpela as nossas tradições religiosas e as diversas culturas. "É suficiente perguntei aos jovens reunidos em Toronto para a recente Jornada Mundial da Juventude confiar na revolução tecnológica, hoje em acto, que parece respeitar unicamente os critérios da produtividade e da eficiência, sem fazer referência à dimensão espiritual do indivíduo ou a quaisquer valores éticos universalmente compartilhados?" (Discurso na Vigília, 27 de Julho de 2002).

A urgência do momento recorda à humanidade que só no rosto de Deus podemos encontrar a razão da nossa existência e a raiz da nossa esperança. Oxalá o Congresso de Palermo favoreça esta tomada de consciência geral e contribua para edificar um mundo mais livre e fraterno.
Garanto a minha participação espiritual e peço de coração a Deus todas as bênçãos sobre os trabalhos do Congresso e sobre todos os participantes.

Castelgandolfo, 29 de Agosto de 2002.





MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO 175° ANIVERSÁRIO DE FUNDAÇÃO


DA "PEQUENA CASA DA PROVIDÊNCIA DIVINA"


: Ao Rev.do Senhor Padre ALDO SAROTTO
Superior-Geral da Sociedade dos Sacerdotes de São José Bento Cottolengo

1. Passaram 175 anos desde quando, no dia 2 de Setembro de 1827, São José Bento Cottolengo, chamado para a cabeceira do leito de morte de uma jovem mãe de três crianças que não tinha sido recebida nos hospitais da cidade teve a inspiração de fundar em Turim uma obra para os mais pobres e abandonados. Cinco anos mais tarde, no dia 27 de Abril de 1832, ele deu início efectivo à Pequena Casa da Providência Divina, que a sabedoria popular passou a definir como "cidadela do milagre". Segundo as palavras do Santo Fundador, nela encontrariam assistência os enfermos que, "de outra forma, pereceriam abandonados porque, sofrendo de males mórbidos, não podiam ser recebidos em qualquer venerando hospital", assim como "outras espécies de pessoas pobres e abandonadas", desejosas de serem encaminhadas "pela senda do trabalho e da saúde". Além disso, a cada um seria garantido "uma instância de educação santa", ou seja, a possibilidade de viver uma existência cristã comprometida e fervorosa.

Dez anos mais tarde, no dia 30 de Abril de 1842, São José Bento Cottolengo morreu, com apenas 56 anos de idade. Nessa década de intenso fervor apostólido, ele abriu as portas a todas as categorias de necessitados e fundou a comunidade das irmãs religiosas, dos irmãos religiosos e, além disso, alguns mosteiros de vida contemplativa.

A semente da Pequena Casa, com o passar do tempo, transformou-se numa frondosa árvore de caridade, que ainda hoje continua a produzir abundantes frutos de bem. Os diversos ramos desta Família religiosa, embora tenham sido aprovados de maneira distinta pela Santa Sé, trabalham em conjunto, sob a orientação do Padre da Pequena Casa, sucessor do Fundador. Em seguida, há cerca de quarenta anos, multiplicou-se o número dos voluntários que oferecem a sua colaboração enquanto, recentemente, um numeroso grupo de leigos deu vida à associação denominada "Amigos de Cottolengo".

As felizes efemérides, que se celebram no corrente ano de 2002, oferecem a providencial oportunidade de dar graças ao Senhor pelo crescente desenvolvimento da Pequena Casa que, actualmente, estende o seu campo de acção para além das suas próprias estruturas originais, alargando os braços aos pobres de outras cidades e nações, do Quénia aos Estados Unidos da América, à Suíça, à Índia, ao Equador e, a partir do ano passado, também à Tanzânia. O fogo que foi aceso por São José Bento Cottolengo já está a arder em muitas regiões da terra.

2. "Charitas Christi urget nos" (2Co 5,14), gostava de repetir, consciente de que cada actividade assistencial deve tirar a sua inspiração da página evangélica do juízo universal (cf. Mt Mt 25,31-40) e da admoestação de Jesus aos abandonados, com confiança na Providência celestial (cf. Mt Mt 6,25-34). Esta sua convicção manifesta-se com clareza, por exemplo, na fundação de uma Casa para portadores de deficiências mentais, chamados "bons filhos" e "boas filhas". Era a caridade cristã iluminada pela fé, que lhe dizia: "Quod uni ex minimis meis fecistis mihi fecistis".

Que significativo e rico património carismático São José Bento Cottolengo deixa aos seus filhos e filhas espirituais! Trata-se de um património que eles devem conservar ciosamente e que, aliás, hão-de realizar e renovar com coragem, tendo em conta os urgentes desafios que se apresentam no nosso tempo. É um serviço eclesial que alcança os mais miseráveis e os últimos; um serviço alimentado por uma confiança incessante na Providência divina. Numa época em que, não raro, a vida é desprezada e até mesmo espezinhada, e o egoísmo, o interesse e o lucro pessoal parecem ser os principais critérios de comportamento, a divisão entre os pobres e os ricos alarga-se perigosamente no planeta, e quem paga as suas consequências são de maneira especial os mais pequeninos, as pessoas mais frágeis e fracas; por isso, é urgente proclamar e testemunhar o Evangelho da caridade e da solidariedade. A caridade é um precioso tesouro da Igreja que, com as suas obras caritativas, fala também aos corações perversos, duros e aparentemente insensíveis.

Sem dúvida, muitas situações mudaram, em relação ao período em que foi fundada a Pequena Casa: melhorou o teor geral de vida das pessoas e observam-se maiores atenção e respeito pela dignidade da pessoa humana, como no-lo demonstram as normas em matéria de legislação assistencial.

No âmbito eclesial, a vida consagrada encontra desafios inéditos na época actual, depois de ter atravessado nos últimos tempos uma preocupante crise vocacional, que não poupou nem sequer os Institutos de São José Bento Cottolengo. Adquiriu maior importância o papel dos leigos, e o voluntariado tornou-se um recurso qualificante para a gestão de muitas iniciativas sócio-assistenciais.

Neste contexto, a intuição carismática de São José Bento Cottolengo, expressa de maneira oportuna no lema da Pequena Casa, parece ser mais actual do que nunca. Tanto agora como nessa época, São José Bento Cottolengo recorda que cada um do serviços aos irmãos deve nascer de um constante e profundo contacto com Deus. Para as pessoas que se encontram em dificuldade, não bastam respostas contingentes, e quantos as assistem não se devem contentar com satisfazer as suas exigências materiais, por mais legítimas que elas sejam. É necessário ter diante dos próprios olhos a salvação das almas, procurando sempre a glória de Deus, prontos a cumprir a sua vontade, abandondo-se com confiança nos seus misteriosos desígnios salvíficos. Numa palavra, é necessário tender para a santidade, "perspectiva em que deve inserir-se todo o caminho pastoral" (Novo millennio ineunte, 30).

É para "esta "medida alta" da vida cristã ordinária" (Ibid., n. 31), que devem tender todos os filhos e filhas de São José Bento Cottolengo, preocupando-se, como ele mesmo recomendava, em ter o coração e a mente centrados o mais possível em Deus e nas coisas que dizem respeito à salvação da alma. O exercício do amor seja como um único fogo com duas chamas, das quais uma se orienta para o Senhor e a outra para o homem pobre, a fim de que - observa ainda o Santo - "o zelo pela glória de Deus e a vantagem dos enfermos nunca sejam separados".

4. "Virgem Maria, Mãe de Jesus, faz com que sejamos todos santos!". Esta habitual invocação do Fundador constitua para cada membro da Família de São José Bento Cottolengo a profecia mais significativa que a Pequena Casa da Providência Divina pode oferecer à humanidade do terceiro milénio.

É de bom grado que retomo aqui aquilo que tive a oportunidade de dizer durante a minha visita à vossa instituição de Turim, autêntica cidadela do sofrimento e da piedade, no dia 13 de Abril de 1980: "Se ao vosso compromisso tivesse que faltar esta dimensão sobrenatural, o Cottolengo cessaria de existir" (Insegnamenti di Giovanni Paolo II, III, 1, 1980, pág. 875).

Para viver este elevado ideal ascético e apostólico, São José Bento Cottolengo fundou três Institutos que, apesar da diversidade da sua condição canónica, oferecem um testemunho singular e válido, agindo de maneira unitária no âmbito da Pequena Casa. Formulo votos a fim de que eles continuem a caminhar unidos, fiéis às opções caritativas e pastorais elementares, que ele levou a cabo, comprometendo nas suas acções - com sabedoria clarividente - os leigos e especialmente os jovens. Sejam incansáveis no serviço aos últimos, mas ao mesmo tempo, não esqueçam que "a oração é o nosso trabalho primário mais importante" - como afirmava o Fundador - "porque a oração faz viver a Pequena Casa". A este propósito, como foi providencial a sua intuição de instituir, no final da sua peregrinação terrestre, mosteiros de vida contemplativa! Enquanto alguns irmãos e irmãs velam, dia e noite, pelo serviço dos mais pobres, outros ardem silenciosos diante de Deus, consumindo-se como círios na contemplação e na oração.

Desta forma, que extraordinário exemplo se oferece ao mundo, daquela síntese harmoniosa entre acção e oração, que deve distinguir a existência de cada cristão!

A celestial Mãe de Deus e São José Bento Cottolengo ajudem cada uma das vossas comunidades a conservar com vigor esta intuição carismática das origens. Quanto a mim, é-me grato acompanhar-vos com profundo afecto, abençoando-vos a todos, juntamente com os hóspedes das várias Casas, as suas respectivas famílias e todos aqueles que, com generosidade, apoiam uma obra tão providencial, que nasceu do coração de um grande apóstolo da caridade do século XIX.


Castelgandolfo, 26 de Agosto de 2002.



CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO BÍBLICA CATÓLICA,


POR OCASIÃO DA VI ASSEMBLEIA PLENÁRIA DA FEDERAÇÃO


: Sua Ex.cia D. Vincenzo PAGLIA
Bispo de Terni-Narni-Amélia e Presidente da Federação Bíblica Católica

Por ocasião da VI Assembleia Plenária da Federação Bíblica Católica, que vai realizar-se em Beirute de 3 a 12 de Setembro, subordinada ao tema "Tu ensinar-me-ás o caminho da vida" (Ps 16 [15], 11; cf. Act Ac 2,28), dirijo a minha cordial saudação aos delegados e aos participantes, enquanto lhes asseguro a minha proximidade na oração, durante estes dias de trabalho e de reflexão.

Do Leste e do Oeste, do Norte e do Sul, reunistes-vos para compartilhar as vossas experiências e renovar os vossos compromissos no Apostolado Bíblico, sob a orientação do Espírito Santo, na convicção de que a Palavra de Deus, a verdadeira fonte de vida, constitui uma bênção para todas as nações. O próprio lugar do vosso encontro é particularmente significativo: o Líbano é uma das terras bíblicas de onde o Verbo, o cumprimento da promessa das bênçãos para todos os povos, partiu para a sua peregrinação através de um mundo diversificado e pluralista.

Confiando na força e no poder do Verbo de Deus, a Federação Bíblica Católica tem a grave responsabilidade que pertence à Igreja inteira de tornar a Palavra divina acessível aos povos que vivem em todas as regiões do mundo, de maneira que ela possa enraizar-se e desenvolver-se nos seus corações. Com efeito, "a Igreja venerou sempre as Sagradas Escrituras, como o próprio Corpo do Senhor... Sempre as considerou e considera [as Sagradas Escrituras], juntamente com a Sagrada Tradição, como a regra suprema da sua fé" (Dei Verbum, DV 21).

O vosso compromisso de promover uma escuta renovada da Palavra de Deus, que constitui um elemento necessário da nova evangelização, fortalece também os vínculos da unidade que já existem no meio dos cristãos. No próprio diálogo ecuménico, a Palavra sagrada "constitui... um instrumento excelente na poderosa mão de Deus, para que se alcance aquela unidade, que o Salvador oferece a todos os homens" (Unitatis redintegratio, UR 21).

Rezo para que a VI Assembleia Plenária da Federação Bíblica Católica vos ofereça uma fecunda oportunidade para avaliar aquilo que se realizou até agora e para definir o que ainda deve ser feito, em ordem a proclamar a Palavra de Deus, num mundo que tem sede de verdade.

Oxalá o Espírito Santo, o principal agente da nossa missão, que ensina a Igreja, sensibiliza o coração e o converte para Deus, abre os olhos da mente e faz com que todos aceitem e acreditem na verdade divina, oriente o vosso trabalho durante estes dias!

No amor de nosso Senhor Jesus Cristo, o Verbo que se fez carne, concedo-vos a todos a minha Bênção apostólica.

Castelgandolfo, 30 de Agosto de 2002.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA REGIÃO LESTE - 1 DO BRASIL


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Quinta-feira, 5 de setembro de 2002



Caros Irmãos no Episcopado

1. Neste tempo forte do vosso ministério episcopal que é a visita ad Limina, é para mim uma grande alegria acolher a vós que tendes o encargo pastoral da Igreja na Região Leste - 1 do Brasil, da qual fazem parte as Dioceses do Estado do Rio de Janeiro e a «União S. João Maria Vianney» que quis constituir em Campos como Administração Apostólica Pessoal. Viestes recolher-vos junto do túmulo dos Apóstolos Pedro e Paulo, para fazerdes crescer em vós o impulso apostólico que os animava e os conduziu até aqui para serem as testemunhas do Evangelho de Cristo, aceitando para isto fazer o dom total da sua vida. Ao encontrardes o Bispo de Roma e os seus colaboradores, quereis também manifestar a vossa comunhão com o Sucessor de Pedro e a Igreja universal. O Senhor abençoe a vossa iniciativa e seja o vosso apoio no serviço ao povo que vos foi confiado.

Ao agradecer o Cardeal Eugênio Sales pelas palavras que me foram dirigidas, para exprimir sentimentos de afeto e de devoção, saúdo a todos vós aqui presentes e, por vosso intermédio, dirijo meu pensamento aos sacerdotes, os religiosos, as religiosas, os catequistas e demais leigos das vossas Dioceses. O Senhor lhes dê força e audácia para serem, em todas as circunstâncias, vigilantes testemunhas do amor de Deus no meio dos seus irmãos!

2. Tanto a Arquidiocese de Niterói quanto a do Rio de Janeiro possuem uma rica e dinâmica tradição. Nesta última, desde a aurora da história do Brasil, quando meu venerável predecessor, o Papa Gregório III, criou em 19 de Julho de 1575 a Prelazia de São Sebastião, até hoje, a Igreja católica incentivou numerosas iniciativas pastorais, graças à generosa dedicação de eminentes figuras como as dos Cardeais Arcoverde, Sebastião Leme, Jaime de Barros Câmara e Eugênio Sales, por não citar a todos. Esta Sé de Pedro quer prestar homenagem a todos, prelados, Bispos e Arcebispos de ambas Arquidioceses, que serviram à causa do Reino de Deus entre o povo desta grande Nação, fazendo crescer as sementes do Verbo, até se transformar em árvore frondosa (cf. Mt Mt 13,31-32). Na esteira desta tradição, faço votos de que este Regional continue exercendo seu influxo positivo sobre toda a Igreja no Brasil, fomentando um intenso espírito de comunhão com o episcopado nacional e com a Santa Sé. A ocasião me é propícia para estender também os meus votos de felicidades ao Senhor Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Eusébio Oscar Scheid, agora que está a iniciar sua missão como novo Pastor da Arquidiocese.

3. É dentro do marco destes auspícios, que desejaria tecer algumas considerações a respeito dos Seminários na formação dos futuros presbíteros no Brasil, como absoluta prioridade para uma pastoral renovada e missionária.

Ainda permanece viva na memória o grande encontro de 1992 em Santo Domingo, com o Episcopado Latino-americano. Os temas abordados naquela ocasião abrangiam circunstâncias e situações da Igreja, que superavam os estreitos limites de uma ou poucas nações. Neles retomava um dos principais motivos que exigiram aquela grande assembléia. Dizia naquela ocasião que era «condição indispensável para a nova evangelização, poder contar com evangelizadores numerosos e qualificados. Por isso, a promoção das vocações sacerdotais e religiosas, bem como de outros agentes de pastoral, há de ser uma prioridade dos Bispos e um compromisso de todo o povo de Deus» (Discurso inaugural, 26).

Passados já quase dez anos, não há dúvida de que muito tem sido feito neste sentido, especialmente na vossa terra, onde o crescimento populacional segue em ritmo acelerado, e as exigências de delimitar as novas fronteiras eclesiásticas tem procurado acompanhar, às duras penas, tal evolução. Pensando na imensidade do território brasileiro e na carência de sacerdotes, imediatos colaboradores no ministério profético, sacerdotal e real, quero compartilhar convosco, como quem deve confirmar na fé os seus irmãos, este problema que é da Igreja universal. Nossos sentimentos devem ser os mesmos do Senhor que «vendo a multidão, comoveu-se de compaixão» e disse: «A messe é grande, mas os operários são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da messe que envie operários» (Mt 9,37-38). A fraqueza humana, pela oração, se transforma em potência divina, pois tudo podemos naquele que nos dá força (Ph 4,13).

Na força de Deus e no trabalho humano, feito com sabedoria, está o segredo para se obter bons resultados. São sábios os pastores que unem suas forças, ou através de seminários diocesanos abertos a alunos de outras dioceses, ou através de seminários interdiocesanos, desde que tenham uma orientação de clara e bem definida comunhão com as normas da Igreja universal. São sábios os Pastores que não hesitam em colocar na "sementeira de sacerdotes" seus melhores "agricultores" preparados intelectual, espiritual e pastoralmente, a fim de constituírem a equipe de formadores de que a Igreja necessita, em número adequado a cada seminário. É sabedoria potenciar os centros de formação, e louvável prudência não se descuidar da qualidade da formação ao buscar o aumento da quantidade, mesmo considerando a imensidade da messe.

4. Houve, sem dúvida, uma constante preocupação desta Sé Apostólica, em sintonia com os Pastores e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, para fazer frente às exigências de criação ou de revitalização de seminários em diversas Províncias Eclesiásticas. De fato, é na região norte-oriental do País, devido à precária situação econômica dos territórios e, como conseqüência, à dificuldade real dos Bispos de assegurar uma adequada e eficiente atividade e funcionalidade dos seminários, onde estão sendo concentrados os esforços mais prementes. Neste contexto, são certamente dignos de louvor o empenho em poder dispor de estruturas, pelo menos, mínimas, para o recrutamento, seleção e formação das vocações sacerdotais das quais teriam urgente necessidade. Por isso, tenho acompanhado a evolução do que poderia vir a ser uma verdadeira "campanha" em prol do Seminário no Brasil.

5. Na realidade, este problema não é totalmente alheio às regiões onde existem melhores estruturas não só formativas, mas, também materiais. Não basta, como dizia antes, potenciar os centros de formação, se não se procura insistir tanto no espírito eclesial que deve reger o seminário, como também na qualidade do ensino; a carência de meios econômicos foi sempre suprida, com o esforço e a boa vontade de todos, inclusive das forças vivas de cada Diocese; por isso, peço a Deus que queira recompensar a todos quantos não se pouparam, e não se poupam, por ajudar os seminários, que serão sempre deficitários em suas gestões.

Cabe, porém, fixar um olhar de fé sobre a situação das vocações sacerdotais. Por um lado, nos encontramos perante a confortadora realidade do aumento, em número e qualidade, de vocações sacerdotais. Existem muitas e válidas experiências novas, como jornadas vocacionais, discernimentos vocacionais, acompanhamento dos possíveis candidatos antes da sua entrada no seminário, e outras. Há também a consoladora experiência do aumento de vocações nas Dioceses, cujos seminários procuram seguir com rigor a orientação do Concílio Vaticano II e da Santa Sé, e de modo especial na aplicação da Exortação apostólica Pastores dabo vobis, que insiste no cultivo das dimensões humano-afetiva, espiritual, intelectual e pastoral; as mesmas Diretrizes Básicas da CNBB (nº 55), tem proporcionado válidos subsídios a tal fim.

Mas, por outro lado, o impacto que o mundo moderno, com sua tendência secularista e hedonista, exerce sobre os cristãos, mormente sobre os jovens, deverá ser enfrentado com maior decisão para evocar e cultivar nos vocacionados o profundo amor a Cristo e ao seu Reino. É fundamental uma sólida formação para a vida de oração e para a Liturgia pela qual, desde já, a Igreja participa da Liturgia na Glória do Céu.

Neste sentido, a fidelidade à doutrina sobre o celibato sacerdotal pelo Reino dos Céus deve ser encarada «com grande estima pela Igreja, especialmente na vida sacerdotal» (cf. Presbyterorum ordinis PO 16), quando se trata de discernir nos candidatos ao sacerdócio a chamada a uma entrega incondicionada e plena. É necessário lembrar-lhes que o celibato não é um elemento extrínseco e inútil - uma superestrutura - ao seu sacerdócio, mas uma conveniência íntima à participação na dignidade de Cristo e no serviço da nova humanidade que nEle e por Ele dá origem e conduz à plenitude.

É meu dever, portanto, encarecer uma renovada atenção na seleção das vocações para o Seminário, pondo todos os meios a disposição para um adequado conhecimento dos candidatos, mormente sob o ponto de vista moral e afetivo. Que nenhum Bispo se sinta excluído desse dever de consciência, do qual deverá prestar conta diretamente a Deus; seria lamentável que, por uma tolerância mal entendida, chegassem a ser ordenados jovens imaturos, ou com evidentes sinais de desvios afetivos, que, como é tristemente conhecido, poderiam causar graves anomalias nas consciências do povo fiel, com evidente dano para toda a Igreja.

A existência, em algumas escolas teológicas ou até seminários, de professores pouco preparados, inclusive vivendo em desacordo com a Igreja, causa profunda tristeza e preocupação. Confiamos na misericórdia de Deus que dirige as consciências dos jovens generosos, mas não é possível concordar que os formandos sejam expostos a desvios de formadores e professores sem explícita comunhão eclesial, e sem um testemunho claro de busca da santidade. As mesmas visitas apostólicas aos seminários ficariam sem efeito significativo e duradouro, se os Bispos não assumissem decididamente a imediata introdução das mudanças solicitadas pelo Visitador. Convem, enfim, que os Bispos que enviam seminaristas em seminários de outra Diocese ou Província conheçam bem o espírito do seminário, e o apóiem integralmente.

6. Nunca é demais repetir aqui que através da «teologia, o futuro sacerdote adere à palavra de Deus, cresce na vida espiritual e dispõe-se a desempenhar o seu ministério sacerdotal» (PDV 51). Daí a importância de que haja um acompanhamento atento e vigilante de toda a vida do seminarista, mas especialmente dos estudos teológicos, pois cabe ao Bispo zelar pela boa doutrina proporcionada no Seminário.

De modo especial, juntamente com a cristologia, a eclesiologia é hoje a pedra de toque duma formação sadia dos candidatos ao sacerdócio. O estudo e o ensino da teologia têm exigências hauridas da sua mesma natureza; uma delas, sem dúvida imprescindível, é que a teologia deve conservar na Igreja sua própria identidade, que não depende intrinsecamente do momento histórico que está a atravessar.

Os esforços, certamente legítimos e necessários, de unir a mensagem cristã à mentalidade e à sensibilidade do homem moderno, e de expor a verdade da fé com instrumentos extraídos da filosofia moderna, das ciências positivas, ou partindo da situação do homem e da sociedade contemporânea, podem, se não forem devidamente controlados, comprometer a mesma natureza da teologia, e até mesmo o conteúdo da fé. É necessário que a razão, movida pela Palavra de Deus e pelo seu maior conhecimento, seja conduzida a fim de evitar «percursos que poderiam conduzi-la fora da Verdade revelada» (Carta enc. Fides et Ratio FR 73).

Em algumas partes do mundo, e parece também no Brasil, em algumas Faculdades ou Institutos de Teologia foi defendida uma visão mutilada da Igreja, segundo determinadas ideologias reinantes, esquecendo-se o essencial: que a Igreja é participação no mistério de Cristo encarnado. Eis porque urge insistir na necessidade de a teologia conservar, na Igreja, a própria identidade.

Assumiu, portanto, verdadeiro profetismo o princípio alcançado na Assembléia conciliar segundo o qual o mistério de Cristo e a história da salvação devem constituir o centro de convergência das várias disciplinas teológicas (cf. Decr. Optatam totius OT 16). O tema da Igreja, como mistério divino, não é apenas o primeiro capítulo da Lumen gentium, mas é o que permeia todo o documento. Cabe aos Bispos uma atitude de vigilância, para que as aulas de teologia não se reduzam a uma visão humana da Igreja no meio dos homens.

Isto não impede de confirmar a finalidade pastoral dos estudos teológicos, a fim de que «todos os aspectos da formação espiritual, intelectual e disciplinar, sejam ordenados de forma harmônica para este fim pastoral, e todos os Superiores e professores, fielmente obedientes à autoridade do Bispo, se dêem à consecução deste fim, numa ação diligente e concorde» (ib., 4).

Isto leva, em última análise, ao elemento formal, que está no mesmo âmago da teologia, o da missionariedade. O Concílio foi muito explícito a este respeito, quando no Decreto ad Gentes sobre a atividade missionária, exortou os professores de Seminários e Universidades a pôr sempre em evidência, de modo especial nas disciplinas dogmáticas, bíblicas, morais e históricas, «aqueles aspectos missionários nelas contidos, para desse modo se ir formando a consciência missionária dos futuros sacerdotes» (n. 39). A adequada formação nos seminários será de grande benefício para a Igreja tanto para a ação evangelizadora, como para uma autêntica promoção humana.

7. Caros Irmãos no Episcopado, no final do nosso encontro, dirijo-me ainda para o vosso país bem amado e, de modo especial, para os filhos dessa terra do Estado do Rio e da sua capital, cada um no nível de responsabilidade que lhe é próprio, a empenhar-se com resolução a edificar o Reino de Deus neste mundo.

Neste início de milênio, desejo para todos um tempo de graça que está a anunciar uma nova primavera de vida cristã e lhes permita responder com audácia os apelos do Espírito. Confio à Virgem Maria, Mãe do Redentor, o vosso ministério e a vida das vossas comunidades eclesiais, a fim de que guie vossos passos para o seu Filho, Jesus. Do íntimo do coração, dou-vos a Bênção Apostólica, que faço extensiva aos sacerdotes e seminaristas, religiosos, religiosas, catequistas e todos os fiéis diocesanos.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO EMBAIXADOR DA ESLOVÉNIA JUNTO


À SANTA SÉ POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


Quinta-feira, 5 de setembro de 2002

: Senhor Embaixador

1. É-me grato receber das suas mãos as Cartas mediante as quais o Senhor Presidente da República o acredita como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da Eslovénia junto da Santa Sé. Ao dar-lhe as minhas boas-vindas, exprimo também o meu profundo reconhecimento pelas amáveis palavras de bons votos que Sua Ex.cia o Senhor Milan Kucan, Primeiro Magistrado da Nação, me transmitiu por intermédio da sua pessoa.

Recordo com emoção as duas visitas que a Providência Divina me concedeu realizar à Eslovénia. Juntamente com os encontros realizados no Vaticano, com o Presidente da República e com outros membros do Governo, elas contribuíram para revigorar o diálogo existente desde há muitos séculos, entre os Eslovenos e a Sé Apostólica.

A Santa Sé estima a acção que o seu País está a levar a cabo em benefício da paz e da colaboração entre as Nações, e vê com favor o esforço por ele levado a cabo em ordem a poder entrar plenamente na União Europeia. Com a sua independência, realçaram-se ainda mais o carácter europeu da Eslovénia e o papel que ela desempenha no encontro pacífico e fecundo dos vários povos do Continente.

O diálogo com as outras culturas é rico e frutuoso, na medida em que é sincero e respeitador. Embora esteja aberto ao encontro e ao confronto com diferentes tradições, modos de ser e valores inspiradores, o Povo esloveno tem a intenção de conservar com firmeza a sua própria identidade, de que é justamente orgulhoso. Os Eslovenos sabem que, se se debilita esta herança deixada pelos seus antepassados, a Nação poderia encontrar-se desorientada diante do processo de globalização, que está a caracterizar a nossa época.

A herança cristã, que durante séculos deu um fundamento e ainda agora impregna a existência civil do seu País, constitui uma válida contribuição a oferecer para a consolidação, na Europa, de uma civilização atenta à compreensão recíproca entre os povos. Por conseguinte, esta vocação de lançar pontes entre diversas culturas, favorecendo entre elas um intercâmbio útil, conta com o apoio e o encorajamento plenos da Santa Sé.

2. No momento em que se procura edificar a "casa comum europeia", através de instrumentos legislativos destinados a promover a unidade e a solidariedade entre os povos deste Continente, é necessário prestar atenção aos valores sobre os quais ela se fundamenta. Alguns destes valores formam o património do humanismo europeu e continuam a assegurar o seu enraizamento na história da civilização. É um dado inegável o facto de que a tradição bimilenária de cunho judaico-cristã foi capaz de harmonizar, consolidar e promover os princípios postos na base da civilização europeia e enraizados numa pluralidade de culturas. Ela pode continuar a oferecer um precioso quadro de referência ético aos povos europeus.

Por conseguinte, os ardentes bons votos da Santa Sé são para que, inclusivamente no que se refere ao futuro, sejam salvaguardados a identidade e o papel da Igreja, porque ela sempre revestiu uma função, sob muitos aspectos, determinante na educação para os princípios fundamentais da convivência civil, na oferta de respostas às interrogações essenciais relativas ao sentido da vida, na defesa e na promoção da cultura e da identidade dos diferentes povos.
É necessário reagir a toda a tentativa de excluir a contribuição do Cristianismo da construção da nova Europa, uma vez que isto privaria de importantes energias o processo de fundação ético-cultural da convivência civil neste Continente.


Discursos João Paulo II 2002