Discursos João Paulo II 2002 - Quinta-feira, 5 de setembro de 2002

3. A Igreja católica não procura obter privilégios, mas deseja unicamente realizar a sua missão em benefício de toda a sociedade eslovena. Por isso, sente-se reconhecida às Autoridades civis que, com espírito de diálogo, mantêm profundos relacionamentos com a Comunidade eclesial, no pleno respeito das suas respectivas competências específicas.

Um exemplo eloquente de cooperação recíproca é o Acordo entre a República da Eslovénia e a Santa Sé, assinado no dia 14 do passado mês de Dezembro. Aproveito esta ocasião para expressar os mais profundos bons votos a fim de que ele encontre, agora, o favor das instâncias a que foi submetido, para poder entrar em vigor em breve tempo. Trata-se de um pacto que garante o direito fundamental à liberdade religiosa. Como instrumento que regula de maneira particular, mas não exclusiva, as relações entre a Igreja e o Estado, ele serve o bem da Comunidade católica e representa uma meta e, ao mesmo tempo, um ponto de partida para ulteriores entendimentos.

4. Senhor Embaixador, estes são alguns dos pensamentos que desejo comunicar-lhe, no momento em que Vossa Excelência assume a tarefa que lhe foi confiada pelo seu Governo. Asseguro-lhe que poderá contar sempre com a ajuda dos meus Colaboradores para o fecundo cumprimento da sua missão.

Senhor Embaixador, tenha a amabilidade de transmitir ao Senhor Presidente da República, às Autoridades do Governo e do Povo, por Vossa Excelência aqui representados, a minha respeitadora saudação, juntamente com os meus ardorosos bons votos de prosperidade e de progresso da Eslovénia, na paz e na justiça. Reitero estes sentimentos com a certeza da oração, invocando as bênçãos de Deus Omnipotente sobre a sua pessoa e sobre todos os seus compatriotas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS DA EMBAIXADORA


DA GRÃ-BRETANHA JUNTO À SANTA SÉ


Sábado, 7 de Setembro de 2002

: Excelência

É-me grato dar-lhe as boas-vindas, neste dia em que Vossa Excelência apresenta as Cartas através das quais Sua Majestade a Rainha Isabel II a designou como sua Embaixadora Extraordinária e Plenipotenciária junto da Santa Sé. As saudações que Vossa Excelência me transmitiu da parte de Sua Majestade a Rainha são muito estimadas; enquanto me recordo da visita que Sua Majestade e o Príncipe Filipe me fizeram há dois anos, peço-lhe que tenha a amabilidade de lhe comunicar os meus sinceros bons votos durante este ano jubilar do seu Reino.

A referência que a Senhora Embaixadora quis fazer, tanto aos repreensíveis ataques terroristas do dia 11 do passado mês de Setembro, como às inúmeras e preocupantes situações de injustiça no mundo inteiro recorda-nos que o milénio há pouco começado apresenta enormes desafios. E exige um compromisso decidido e incondicional da parte das pessoas individualmente, dos povos e das nações em geral, em ordem a defender os direitos e a dignidade inalienáveis de cada um dos membros da família humana. Ao mesmo tempo, requer a edificação de uma cultura global de solidariedade, que encontre a sua expressão não simplesmente nos termos de uma organização económica ou política mais efectiva mas, o que é ainda mais importante, num espírito de respeito e de cooperação recíprocos, ao serviço do bem comum.

Ao longo dos últimos anos, o seu Governo tem realizado relevantes esforços em ordem a fazer com que esta cultura progrida e a fortalecer os fundamentos da paz internacional e do desenvolvimento humano. Penso, por exemplo, na generosidade demonstrada em reduzir ou até mesmo em cancelar a dívida exterior dos países mais pobres; no papel-guia desempenhado pelo exército britânico, em ordem à manutenção da segurança em favor do novo governo no Afeganistão; e na prioridade dada ao Continente africano, que se manifesta de maneira especial nos apelos pronunciados no recente encontro G-8 no Canadá, em favor do "Plano de Acção pela África". Quero expressar, outrossim, a minha estima pelos incessantes esforços realizados em ordem a instaurar a paz e a normalidade na Irlanda do Norte.

Na esteira dos ataques terroristas do passado mês de Setembro, a comunidade internacional reconheceu a urgente necessidade de lutar contra o fenómeno do sistema terrorista, financiado em vasta escala e altamente organizado, que representa uma ameaça enorme e imediata contra a paz no mundo. Estimulado pelo ódio, pelo isolamento e pela desconfiança, o terrorismo acrescenta violência à violência, numa trágica espiral que angustia e envenena as novas gerações. Em última análise, "o terrorismo baseia-se no desprezo da vida do homem. Precisamente por isso, dá origem não só a crimes intoleráveis, mas constitui em si, enquanto recorre ao terror como estratégia política e militar, um verdadeiro crime contra a humanidade" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2002, n. 4).

Como parte essencial da sua luta contra todas as várias formas de terrorismo, a comunidade internacional é chamada a tomar renovadas e criativas iniciativas políticas, diplomáticas e económicas, destinadas a resolver as escandalosas situações de enorme injustiça, opressão e marginalização, que continuam a oprimir inúmeros membros da família humana. Com efeito, a história demonstra que o recrutamento dos terroristas é mais facilmente realizável nas regiões em que os direitos humanos são espezinhados e onde a injustiça faz parte da vida quotidiana. Isto não significa que as desigualdades e os abusos que existem no mundo desculpam os actos de terrorismo: naturalmente, jamais pode haver qualquer justificação para a violência e o desprezo da vida do homem. Contudo, a comunidade internacional não pode mais ignorar as causas subjacentes que levam, especialmente os jovens, a perder a esperança na humanidade, na própria vida e no futuro, e a sucumbir tanto às tentações da violência e do ódio, como ao desejo de vingança custe o que custar.

Foi com preocupação pelas mais profundas questões humanas que convidei os líderes e os representantes das religiões do mundo inteiro para se reunirem comigo em Assis, no passado mês de Janeiro, para dar um testemunho clarividente e inquestionável das nossas convicções conjuntas no que diz respeito à unidade da família humana e à particular obrigação que os crentes religiosos têm de cooperar, juntamente com os homens e as mulheres de boa vontade em toda a parte, na edificação de um futuro de paz. Em última análise, é na conversão dos corações e na renovação espiritual das sociedades que se encontra a esperança de um futuro melhor. A construção desta cultura global da solidariedade é, talvez, a tarefa moral mais importante que se manifesta à humanidade contemporânea. Ela apresenta um singular desafio espiritual e cultural aos países desenvolvidos do Ocidente, onde os princípios e os valores da religião cristã se encontram, desde há muito tempo, mergulhados no próprio tecido da sociedade, mas que agora estão a ser postos em dúvida por modelos culturais alternativos, assentes num individualismo exagerado que, com demasiada frequência, leva ao indiferentismo, ao hedonismo, ao consumismo e ao materialismo prático, que podem minar e até mesmo subverter os fundamentos da vida social.

Diante deste desafio cultural e espiritual, estou persuadido de que a comunidade cristã na Grã-Bretanha há-de continuar a fazer com que a sua voz seja escutada nos mais importantes debates formadores do futuro da sociedade, e continuará a oferecer o testemunho credível das suas convicções, mediante os seus programas de alcance educativo, caritativo e social. Graças a Deus, na década passada houve um progresso significativo na construção das relações ecuménicas cordiais, que são mais autenticamente expressivas das nossas raízes espirituais (cf. Discurso a Sua Majestade, 17 de Outubro de 2000). O testemunho conjunto dos cristãos comprometidos pode contribuir em grande medida para a renovação da vida social, de maneira a respeitar e a construir sobre o incomparável património de ideais e de conquistas políticas, culturais e espirituais, que formaram a história da sua Nação e orientaram as suas contribuições no mundo inteiro.

A este propósito, o meu pensamento volta-se imediatamente para a necessidade da defesa incondicional dos direitos da família e da salvaguarda legal da instituição do matrimónio. A família desempenha um papel decisivo na promoção dos valores sobre os quais está edificada toda a civilização digna deste nome. Toda a sociedade humana se encontra profundamente enraizada na família; assim, qualquer enfraquecimento desta instituição indispensável não pode deixar de ser uma fonte potencial de graves dificuldades e problemas para a sociedade no seu conjunto.

Outro campo de preocupação, em que os cristãos podem oferecer um testemunho privilegiado, é o do respeito pela vida, diante das tentativas de legitimar o aborto, a produção dos embriões humanos com destino à investigação e os processos de manipulação genética, como a clonagem dos seres humanos. Nem a vida humana, nem a pessoa podem ser jamais legitimamente ameaçadas como objecto a ser manipulado ou como uma comodidade de que se dispõe; pelo contrário, cada ser humano - em todos os estádios da sua existência, desde a sua concepção até à morte natural - recebe do Criador a sublime dignidade que exige maiores respeito e vigilância da parte dos indivíduos, das comunidades, das nações e dos organismos internacionais.

Excelência, apresento-lhe os meus mais sinceros bons votos, no momento em que a Senhora Embaixadora assume as suas elevadas responsabilidades. Estou convicto de que o cumprimento dos seus deveres diplomáticos hão-de contribuir para o ulterior revigoramento dos relacionamentos amistosos já existentes entre a Grã-Bretanha e a Santa Sé, e asseguro-lhe a disponibilidade e a assistência constantes dos Departamentos da Santa Sé. A Vossa Excelência e a todas as pessoas que a Senhora Embaixadora está a servir, concedo cordialmente a Bênção de Deus Todo-Poderoso.





SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA FUNDAÇÃO


"MUNDO DA ARTE" DE MOSCOVO (RÚSSIA)



Domingo, 8 de Setembro de 2002






1. No encerramento desta sugestiva tarde musical, é-me grato dirigir-vos a todos uma cordial saudação, a vós Senhores e Senhoras, que participastes no Concerto promovido pela Fundação "Mundo da Arte", de Moscovo, no contexto do Programa "Mil Cidades do Mundo".

Saúdo Sua Ex.cia o Senhor Dimitry Medvedev, vice-chefe da Administração do Presidente da Federação Russa, assim como as outras autoridades aqui presentes. Faço extensiva a minha saudação a Sua Ex.cia o Senhor Embaixador Vitaly Litvin, Representante da Federação Russa junto da Santa Sé, enquanto lhe agradeço as respeitadoras expressões que acaba de me dirigir.

Alegro-me profundamente pela nobre mensagem que, por ocasião deste encontro, me foi enviada pelo Patriarca de Moscovo e de todas as Rússias, Sua Santidade Aleixo II. Em contrapartida, dirijo-lhe o meu pensamento cheio de respeito e de cordialidade.

Em seguida, saúdo o Presidente da Fundação "Mundo da Arte", Sua Ex.cia o Senhor Vladislav Teterin, e exprimo-lhe, tanto a ele como aos seus colaboradores, o meu profundo reconhecimento por esta gentileza, que muito me agradou. Formulo os meus melhores votos a fim de que, com as suas múltiplas actividades, a vossa benemérita Fundação possa contribuir para difundir os valores humanos e espirituais que constituem a base indispensável de todo o autêntico progresso moral, civil e cultural da Europa e de toda a humanidade.

Exprimo também a minha estima à Orquestra Sinfónica do Estado Russo, orientada pelo Maestro Marc Gorenshtein, que fez a sua execução com mestria apaixonada, assim como ao Coro da Academia de Artes e ao Coro Infantil da UNESCO, dirigidos pelo Maestro Victor Popov que, com extraordinários talento e eficácia, interpretaram alguns trechos musicais bastante difíceis.

Renovo, também em nome dos presentes, um cordial agradecimento tanto aos promotores desta tarde musical, como aos corajosos membros da Orquestra e aos cantores, especialmente à soprano Ângela Gheorghiu e ao tenor Roberto Alagna. Formulo votos a fim de que análogas iniciativas contribuam para favorecer a compreensão e o diálogo entre as pessoas e os povos.

3. Enquanto vos faço votos de pleno bom êxito para as iniciativas do Programa denominado "Mil Cidades do Mundo", imploro sobre cada um de vós aqui presentes a Bênção do Senhor.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO NOVO EMBAIXADOR DA ALEMANHA


JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


12 de Setembro de 2002

1. É com alegria que, hoje, recebo das suas mãos as Cartas Credenciais com que o Presidente da República Federal da Alemanha, Sua Ex.cia o Senhor Johannes Rau, o acredita como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário do seu País junto da Santa Sé. Ao mesmo tempo, dou-lhe as cordiais boas-vindas ao Vaticano e felicito-o pela sua nova e honrada missão. Ao mesmo tempo, exprimo o desejo e a confiança de que, também durante o seu mandato, os bons relacionamentos entre a Alemanha e a Santa Sé continuem a aprofundar-se.


2. Desde a histórica reunificação da Alemanha, ocorrida há 12 anos, a expressão que já se tornou corrente "união daquilo que é destinado a permanecer unido" adquiriu um significado concreto não só na República Federal, mas também no restante da Europa e, de certa forma, para muitas pessoas deste Continente, tornou-se uma visão programática, de cuja realização se espera um justo equilíbrio entre interesses, paz duradoura e bem-estar social. Desde o começo, a Santa Sé promoveu com os seus próprios instrumentos o processo de unificação europeia e nunca teve dúvidas sobre o facto de que a fé numa identidade espiritual e cultural comum dos povos europeus tinha que constituir o fundamento da sua reunificação política e institucional na União Europeia. A Europa não seria tal, sem o rico património dos seus povos que, semelhante aos genes humanos, formou e continua a modelar a personalidade deste Continente. Descuidar ou abandonar esta "herança" significaria pôr em perigo a sua identidade e, em última análise, perdê-la. Já tive a oportunidade de indicar que, hoje em dia, os europeus devem enfrentar o desafio de "construir uma cultura e uma ética da unidade, na falta das quais qualquer política da unidade está destinada, mais cedo ou mais tarde, a fracassar" (Carta Apostólica em forma de "Motu Proprio" para a proclamação das co-Padroeiras da Europa, Spes aedificandi, 1 de Outubro de 1999, n. 10).

3. Um factor que qualifica a identidade deste Continente é a Igreja fundada por Jesus Cristo. "Não há dúvida de que, na complexa história europeia, o cristianismo representa um elemento central e qualificador, consolidado sobre a firme base da herança clássica e das numerosas contribuições oferecidas pelas diversas correntes étnico-culturais que se produziram ao longo dos séculos. A fé cristã formou a cultura do Continente e entrelaçou-se inextricavelmente com a sua história, de tal forma que esta não seria compreensível se não se referisse aos acontecimentos que caracterizaram primeiro o grande período da evangelização e, depois, os longos séculos em que o cristianismo, apesar da dolorosa divisão entre Oriente e Ocidente, se confirmou como religião dos próprios europeus" (Ibid., n. 1). Neste contexto, não há dúvida de que uma clara referência a Deus e à fé cristã na Constituição europeia, em processo de definição, significa o reconhecimento de uma realidade histórica e cultural que actua no presente e na qual os europeus encontram a sua própria identidade.

Senhor Embaixador, para a necessária tomada de consciência destes factos, por parte da opinião pública alemã e europeia, a Santa Sé confia também na contribuição orientada dos estudiosos e dos responsáveis políticos do seu querido País, ao qual a cultura deste Continente deve muito.

4. Senhor Embaixador, é com satisfação que a Santa Sé toma conhecimento de que, depois da reunificação da Alemanha e dos enormes esforços económicos e sociais inerentes, a República Federal não hesitou em enfrentar os desafios da integração europeia. Apesar das grandes tarefas de edificação nas novas Estados federais, a Alemanha permaneceu fiel à sua vocação europeia, assim como ao seu conhecido compromisso de solidariedade para com os povos mais pobres do mundo. Embora tenham que enfrentar os seus próprios problemas, os alemães não se esqueceram das dificuldades dos outros.

Desta forma, a política alemã realça um aspecto não secundário do processo de integração continental: a unidade europeia, que se torna cada vez mais sólida, não se configura como um movimento de demarcação dos seus confins, mas acarreta consigo uma decisiva abertura ao mundo. Com efeito, os Estados europeus são chamados a cooperar activamente para a criação de uma Ordem mundial de justiça e de paz! Nesta perspectiva, a Santa Sé presta homenagem aos esforços constantes da República Federal da Alemanha, em ordem a promover o respeito dos direitos do homem em todas as regiões da terra, de tal maneira que, aonde chega a assistência alemã destinada ao desenvolvimento, as pessoas possam viver com dignidade e em liberdade.

Além disso, em virtude da sua grande tradição social, a Alemanha tem uma particular vocação para o alargamento e a consolidação do princípio do bem comum. Oxalá as notáveis ajudas que o povo alemão oferece em cada ano, para apoiar o desenvolvimento dos países mais pobres sejam, ao mesmo tempo, uma contribuição para a salvaguarda e o respeito dos direitos humanos fundamentais, de entre os quais desejo mencionar os principais: "O direito à vida, do qual é parte integrante o direito a crescer à sombra do coração da mãe, depois de ser gerado; o direito a viver numa família unida e num ambiente moral favorável ao desenvolvimento da própria personalidade; o direito a maturar a sua inteligência e liberdade na procura e no conhecimento da verdade; o direito a participar no trabalho para valorizar os bens da terra e a obter dele o sustento próprio e dos seus familiares; e o direito a fundar uma família e a acolher e educar os filhos, exercendo responsavelmente a sua sexualidade. Fonte e síntese destes direitos é, num certo sentido, a liberdade religiosa, entendida como direito a viver na verdade da própria fé e em conformidade com a dignidade transcendente da pessoa" (Centesimus annus CA 47).

5. Por fim, através da pessoa do Senhor Embaixador, desejo comunicar as minhas respeitadoras saudações ao Presidente da República Federal e transmitir os meus cordiais bons votos de bênção a todo o povo alemão. O bom relacionamento de cooperação entre a Igreja e o Estado na Alemanha está ao serviço do bem das pessoas e exige o seu aprofundamento e a sua continuação incessantes, tendo como fundamento os princípios, a liberdade e a determinação das funções e das finalidades de ambas as partes interessadas.

Excelência, enquanto lhe agradeço as cordiais palavras que me quis dirigir, asseguro-lhe que os meus colaboradores na Secretaria de Estado e nos outros Departamentos da Cúria Romana estão sempre disponíveis para lhe oferecer qualquer ajuda de que quiser valer-se no exercício do seu elevado múnus. É do íntimo do coração que lhe concedo, Senhor Embaixador, assim como aos queridos componentes da Embaixada da República Federal da Alemanha junto da Santa Sé e à sua estimada família, a minha Bênção apostólica.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DOS REGIONAIS NORTE - 1 E NOROESTE DO BRASIL


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sábado, 14 de setembro de 2002



Queridos Irmãos no Episcopado

1. Com prazer vos recebo hoje, Pastores da Igreja que está no Brasil, em representação dos Regionais Norte - 1 e Noroeste da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. A visita ad Limina oferece a ocasião para vos encontrardes com o Sucessor de Pedro e os seus colaboradores, e receberdes deles o apoio necessário para a vossa ação pastoral.

De todo o coração agradeço a D. Luiz Soares Vieira, Arcebispo de Manaus, as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos, para renovar as vossas expressões de afeto e estima e me fazer partícipe das preocupações e esperanças da Igreja que pastoreia naquela região. Por meio de vós, saúdo igualmente os sacerdotes, as religiosas, os religiosos e os fiéis das vossas Dioceses. Levai-lhes a recordação cheia de afeto do Papa, que os tem presentes na sua oração para que cresçam na fé em Cristo e na caridade com o próximo.

2. A nota distintiva da vossa missão de Pastores do povo que vos foi confiado é a de ser, antes de tudo, promotores e modelos de comunhão.Assim como a Igreja é una, assim também o episcopado é um só e, como afirma o Concílio Vaticano II, o Papa constitui «o princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade, não só dos Bispos mas também da multidão dos fiéis» (Lumen Gentium, LG 23). Por isso, a união colegial do episcopado entre si é um dos elementos constitutivos da unidade da Igreja.

Esta união entre os Bispos é particularmente necessária nos nossos dias, uma vez que as iniciativas pastorais têm múltiplas formas e transcendem os limites da própria Diocese. A comunhão deve concretizar-se, além disso, numa cooperação pastoral em programas e projetos comuns «em temas de maior relevo, sobretudo naqueles que se referem aos pobres» (Exor. ap. Ecclesia in America, 37). A região amazônica é sem dúvida sensível aos problemas de desenvolvimento ligado ao aproveitamento das riquezas do seu subsolo, e é também conhecida como o celeiro da biodiversidade. Por isso, há um conjunto de fatores ligados ao homem e ao seu habitat que requerem a devida atenção, para proporcionar o justo amparo de boa parte da sua gente, inclusive daquela que vive nos limites ínfimos da pobreza.

Por outro lado, as comunidades eclesiais necessitam de pastores que sejam homens de fé e estejam unidos entre si, capazes de enfrentar os desafios de uma sociedade cada vez mais propensa à secularização e ao consumismo. Com efeito, ainda que boa parte do povo tenha recebido o batismo na Igreja católica e pratique uma variada religiosidade popular, carece, às vezes, de uma fé sólida e esclarecida. Neste sentido, a falta de um vigor vivencial e eclesial da fé e a indiferença frente aos valores religiosos e aos princípios éticos são um forte obstáculo para a evangelização. Tudo isto se torna ainda mais difícil pela presença de seitas e de novos grupos pseudo-religiosos, cuja expansão tem lugar também em ambientes tradicionalmente católicos. Este fenômeno exige um profundo estudo «para se descobrir os motivos porque bastantes católicos abandonam a Igreja» (Ecclesia in America ).

Como mestres da sã doutrina, chamados a indicar o caminho seguro que leva ao Pai, e como servidores da luz que é Cristo, «imagem de Deus invisível» (Col 1,15), não deixeis de oferecer unidos, como sucessores dos Apóstolos, o ensinamento do Magistério eclesial.

3. «O cálice de bênção que benzemos não é ele a comunhão do sangue de Cristo? E o pão que partimos não é ele a comunhão do corpo de Cristo? Porque somos um só pão e um só corpo apesar de muitos, pois todos participamos desse único pão» (1Co 10,16-17). Esta afirmação do Apóstolo das Gentes, mesmo dirigida a todo o Povo de Deus, cobra maior relevo quando se trata de referir àquela espiritualidade da comunhão entre os bispos chamados a viver, com especial empenho, a colegialidade (cf. Carta ap. Novo Millennio Ineunte,44).

A Igreja é Una como o Corpo de Cristo é Uno. A unidade da Igreja não é só uma "nota" para ser reconhecida no mundo, mas «sua mesma natureza». Desta forma ela é o início da sua existência, seu fundamento e meta, dom original e tarefa para realizar e resolver. Os fiéis, «alimentados pelo Corpo de Cristo na Eucaristia, manifestam visivelmente a unidade do Povo de Deus, que neste augustíssimo sacramento é perfeitamente significada e admiravelmente realizada» (LG 11). Não é só a comunidade local dos fiéis quem se reune diante do altar, mas verdadeiramente a Igreja Católica, toda inteira e no seu conjunto, que faz-se presente em cada celebração do sacramento da unidade.

Unindo mais estreitamente os homens a Cristo, a Eucaristia faz deles um só Corpo, o Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja, a ponto de poder chamar a Eucaristia, sacramentum unitatis (cf. S. Tomás de Aquino, Supplementum, q. 71, a. 9). Recolhendo o ensinamento bíblico-patrístico, meu predecessor S. Pio X afirmará com vigor que a «Eucaristia é símbolo, princípio e raiz da unidade católica, fator de concórdia entre os espíritos» (Constitutio Apostolica de SS. Eucharistia promiscuo sumenda: AAS 1912, 675). O mesmo Concílio Vaticano II ressaltou, como sabemos, que ela é «sinal de unidade e vínculo de caridade» (SC 47).

Estas conclusões, que certamente não vos escapam, quis recordá-las, pensando precisamente naquelas imensas regiões que vos são bem familiares e que, por obra e graça do Espírito Consolador, foram confiadas ao vosso zelo pastoral. Não deveis sentir-vos distantes uns dos outros, apesar da vastíssima superfície que frequentemente deveis cobrir, não só para atingir as zonas mais remotas do Estado, mas para manter esse contato necessário, aliás indispensável, no exercício do múnus episcopal. Desejo manifestar aqui meu sincero apreço pelo grande esforço missionário realizado por vós e por tantos presbíteros, religiosos, religiosas e leigos nessas regiões do norte brasileiro. Que Deus vos recompense, com abundantes frutos de alegria e de paz.

4. Diz o Profeta Isaías , «non est abbreviata manus Domini» (59,1), não se tornou mais curta a mão de Deus. Ele não é hoje menos poderoso do que em outras épocas, nem é menos verdadeiro seu amor pelos homens. Sua ação, também hoje, é uma realidade que o fiel sabe reconhecer à luz dos sinais dos tempos, e à qual ele procura corresponder com júbilo e gratidão.

Cristo deu à sua Igreja a segurança da doutrina, cuidou que houvesse pessoas que orientassem com sua luz, que conduzissem e trouxessem constantemente à memória o caminho por Ele traçado. Dispomos de um tesouro infinito de ciência: a Palavra de Deus, conservada pela Igreja; a graça de Cristo, confiada a seus pastores, através da administração dos Sacramentos. E, como não recordar o testemunho e o exemplo dos que vivem com retidão ao nosso lado, e que souberam construir com suas vidas um caminho de fidelidade a Deus?

Esta é a Igreja de Cristo, veneráveis Irmãos no Episcopado, que nos gerou e que agora nos acompanha, perdoando nossos pecados e animando-nos a uma vida nova, confiantes nAquele que «ressuscitou verdadeiramente» (Mt 28,6).

A esta Igreja é inevitável demonstrar-lhe nosso amor e nossa veneração. É a atitude natural de filhos pela própria mãe. Aos seus pastores cabe um amor de predileção, uma dedicação sem limites, um serviço abnegado, sentido-se capazes de renunciar a qualquer interesse pessoal para viver a mesma obediência com que Cristo padeceu do alto da Cruz.

5. Além desta dimensão da koinonía eclesial afetiva, cumpre também recordar a dimensão efetiva pois, como sabemos, existe uma única Igreja, que subsiste na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele.

Retorna aqui, veneráveis Irmãos no Episcopado, a servir-nos de luz para este nosso encontro fraterno, a eclesiologia eucarística, de inegável transcendência, quando se trata de ressaltar que na unidade da Igreja está também radicada a unidade no Episcopado.

Ao aprovar a Carta que dirigi ao episcopado mundial precisamente sobre este tema, fazia minha a afirmação na qual «unidade da Eucaristia e unidade do Episcopado com Pedro e sob Pedro não são raízes independentes da unidade da Igreja, porque Cristo instituiu a Eucaristia e o Episcopado como realidades essencialmente vinculadas. O Episcopado é um só assim como uma só é a Eucaristia: o único Sacrifício do único Cristo morto e ressuscitado» (Congr. para a Doutrina da fé: Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre alguns aspectos da Igreja entendida como comunhão, 14). E mais adiante, concluia-se, «toda celebração válida da Eucaristia exprime esta comunhão com Pedro e com toda a Igreja...» (ib.).

Com patente objetividade S. Cipriano alertava: «devemos manter e defender com toda energia esta unidade, especialmente os bispos, que fomos colocados à frente da Igreja, para provar que o mesmo Episcopado é uno e indivisível» (Sobre a unidade da Igreja católica, 4-6). Por isso, esse vosso esforço em deslocar-vos a Roma, para, «em obediência à fé» (Rm 1,5), ir a Pedro e viver, no vosso ministério, sob Pedro, só poderá traduzir-se naquela unidade de espírito e de ação, que se convertirá em obras, para a maior edificação do Reino de Deus neste mundo.

6. Ao longo deste Pontificado, o Senhor permitiu-me, na esteira dos meus imediatos predecessores na Sé de Pedro, avaliar com maior profundidade aquelas verdades que sempre estiveram implícitas na consciência eclesial, como o papel dos leigos na Igreja, a origem sacramental da potestade de jurisdição dos bispos, a necessidade de uma cristianização das estruturas terrestres e de uma positivação das diretrizes sobre os direitos do homem, da família, o respeito à vida, a relevância extraordinária de todas as sinceras manifestações da liberdade, etc...

Poder-se-á dizer que são muitos os documentos publicados por esta Sé Apostólica, e, ante a urgência dos trabalhos pastorais, não há tempo para aprofundá-los, como seria de se esperar. Como já tive ocasião de dizer, «o Pontífice Romano cumpre a sua missão universal ajudado pelos organismos da Cúria Romana e em particular pela Congregação para a Doutrina da Fé, no que se refere à doutrina sobre a Fé e a Moral» (cf. Cons. ap. Pastor bonus, 28/06/1988, 48-55). Assim, compete aos Bispos explicitar autorizadamente, em próprio ou através dos presbíteros e da catequese, essa missão intransferível de ensinar a Verdade evangélica.

A ocasião me é propícia para recordar então a importância da prioridade na formação das vocações, através de uma adequada formação dos candidatos ao sacerdócio (cf. Exor. ap. Ecclesia in America, 40). Ao mesmo tempo, convem empenhar-se no acompanhamento dos presbíteros nas suas funções ministeriais, com uma apropriada formação permanente humana, espiritual, intelectual e pastoral, dentro dos limites das possibilidades de cada Diocese, ou com iniciativas a caráter regional ou nacional.

Enfim, às vezes, ouve-se dizer que o papa desconhece a realidade local, ou aquela mais ampla do continente Latino-americano. Ele, porém, procura pôr a máxima atenção naquilo que os seus irmãos bispos lhe dizem periodicamente nas visitas ad Limina. Além disso, as numerosas ocasiões em que, com a graça de Deus, foi-Lhe possível visitar a América Latina, e manter contacto direto com as populações daquela terra rica de promessas evangelizadoras, asseguraram uma vez mais a confiança que o Sucessor de Pedro deposita na vossa missão de Pastores. Faço votos, portanto, que as mensagens que vos são dirigidas possam colaborar na orientação dos fiéis daquele que é considerado o Continente da esperança.

7. Caros Irmãos no Episcopado, somos chamados a ouvir como um discípulo o que o Espírito está a dizer às Igrejas (Ap 2,7), a fim de falarmos como mestres em nome de Cristo, declarando repletos de alegria, como o fez S. João Damasceno: «E vós, nobre vértice da mais íntegra pureza, ilustre assembléia da Igreja, que esperais a ajuda de Deus, vós, em quem Deus habita, recebeis das nossas mãos a doutrina da fé, que fortifica a Igreja, tal como no-la transmitiram os nossos pais» (Exposição sobre a fé, 1). Peço a Deus que tenhais sucesso nesta importante tarefa pastoral, para que a Igreja no Brasil, e mais particularmente do Amazonas, resplandeça com toda a sua glória, como Esposa de Cristo, que Ele escolheu com amor infinito. Ao confiar vossa missão apostólica à intercessão da Virgem Maria, que em todas as épocas é a esplendente Estrela da Evangelização, concedo de coração a minha Bênção Apostólica a vós, aos sacerdotes, religiosas, religiosos e leigos das Dioceses.




Discursos João Paulo II 2002 - Quinta-feira, 5 de setembro de 2002