Discursos João Paulo II 2002 - Sábado, 12 de Outubro de 2002

DECLARAÇÃO CONJUNTA DE


SUA SANTIDADE JOÃO PAULO II E


DE SUA BEATITUDE TEOCTISTO






"Dei-lhes a glória que Tu me deste, para que sejam um como nós somos um. Eu neles e Tu em mim, para que eles sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que Tu me enviaste e os amaste, como me amaste a mim" (Jn 17,22-23).

Na profunda alegria de nos encontrarmos juntos na cidade de Roma, junto do túmulo dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, trocamos o ósculo da paz diante d'Aquele que vela sobre a nossa Igreja e orienta os nossos passos, e meditamos mais uma vez estas palavras que o evangelista João nos transmitiu e que constituem a premente oração de Cristo na vigília da sua Paixão.

1. Este nosso encontro situa-se no prosseguimento do abraço que trocámos em Bucareste no mês de Maio de 1999, enquanto ressoa ainda no nosso coração o apelo premente: "Unitate, unitate! Unidade, unidade!", que se elevou espontaneamente diante de nós, nessa ocasião, por uma grande multidão de fiéis. Ele fazia eco à oração de nosso Senhor "para que todos sejam um" (Jn 17,21).

O encontro de hoje fortalece o nosso empenho de rezar e trabalhar para alcançar a plena unidade visível de todos os discípulos de Cristo. A nossa finalidade e o nosso desejo fervoroso é a comunhão plena, que não é absorção, mas comunhão na verdade e no amor. É um caminho irreversível, que não tem alternativas. É o caminho da Igreja.

2. Ainda marcadas pelo triste período histórico durante o qual foi negado o Nome e o Poder do Redentor, as comunidades cristãs na Roménia têm ainda hoje, com frequência dificuldades em superar os efeitos negativos que aqueles anos produziram no exercício da fraternidade e da partilha e na busca da comunhão. O nosso encontro deve ser considerado um exemplo: os irmãos devem encontrar-se para construir a paz, para reflectir juntos, para descobrir formas de alcançar entendimentos, para, uns e outros, expôr e explicar as suas razões. Por conseguinte, exortamos quantos são chamados a viver lado a lado na mesma terra romena, a encontrar soluções de justiça e de caridade. É necessário superar, mediante o diálogo sincero, os conflitos, os mal-entendidos e as suspeitas que surgiram no passado, para que os cristãos na Roménia, neste período decisivo da sua história, possam ser testemunhas de paz e de reconciliação.

3. A nossa relação deve reflectir a comunhão verdadeira e profunda em Cristo que já existe entre nós, mesmo se ainda não é plena. De facto, reconhecemos com alegria que partilhamos a tradição da Igreja una, centrada no mistério da Eucaristia, da qual são testemunhas os santos que temos em comum nos nossos calendários. Por outro lado, as numerosas testemunhas da fé no tempo da opressão e da perseguição do século passado, que mostraram a sua fidelidade a Cristo, são uma semente de esperança nas dificuldades de hoje.

Para alimentar a busca da plena comunhão, mesmo nas divergências doutrinais que ainda permanecem, é necessário encontrar instrumentos concretos, estabelecendo consultas regulares, na convicção de que nenhuma situação difícil está destinada a permanecer irremediavelmente como tal, e que graças à atitude de escuta e de diálogo e ao intercâmbio regular de informações podem ser encontradas soluções satisfatórias para aplanar os atritos e alcançar uma solução equitativa para os problemas práticos. É necessário fortalecer este processo a fim de que a verdade plena da fé se torne património comum, partilhado por ambas as partes e capaz de suscitar uma convivência verdadeiramente pacífica, radicada e fundada na caridade.

Sabemos bem como havemos de nos regular no estabelecimento das orientações que devem guiar a obra de evangelização, tão necessária depois do período obscuro do ateísmo de Estado. Concordamos em reconhecer a tradição religiosa e cultural de cada povo, mas também a liberdade religiosa. A evangelização não pode basear-se num espírito de competitividade, mas no respeito recíproco e na cooperação, que reconhecem a cada um a liberdade de viver de acordo com as suas convicções, no respeito da própria pertença religiosa.

4. No desenvolvimento dos nossos contactos, desde as Conferências Pan-ortodoxas e do Concílio Vaticano II em diante, assistimos a uma promissora aproximação entre Oriente e Ocidente, fundada na oração, no diálogo, na caridade e na verdade, tão densa de momentos de comunhão profunda. Por isso vemos com preocupação as dificuldades que enfrenta actualmente a Comissão Mista Internacional de Diálogo entre a Igreja católica e a Igreja ortodoxa e, por ocasião deste nosso encontro, desejamos formular votos de que não seja descuidada nenhuma iniciativa para reactivar o diálogo teológico e para lançar de novo a actividade da Comissão. Temos o dever de o fazer, porque o diálogo teológico tornará mais forte a afirmação da nossa vontade partilhada de comunhão face ao actual estado de divisão.

5. A Igreja não é uma realidade fechada em si mesma: ela é enviada ao mundo e está aberta ao mundo. As novas possibilidades que se criam numa Europa já unida, e que está a alargar as suas fronteiras para abraçar os povos e as culturas da parte centro-oriental do Continente, constituem um desafio que os cristãos do Oriente e do Ocidente devem enfrentar juntos. Quanto mais eles estiverem unidos no seu testemunho do único Senhor, tanto mais contribuirão para dar voz, consistência e espaço à alma cristã da Europa: à santidade da vida, à dignidade e aos direitos fundamentais da pessoa humana, à justiça e à solidariedade, à paz, à reconciliação, aos valores da família, à tutela da criação. Toda a Europa tem necessidade da rica cultura forjada pelo Cristianismo.

A Igreja ortodoxa da Roménia, centro de contacto e de intercâmbio entre as fecundas tradições eslavas e bizantinas do Oriente, e a Igreja de Roma que evoca, na sua componente latina, a voz ocidental da única Igreja de Cristo, devem contribuir juntas para uma tarefa que caracteriza o terceiro milénio.

Segundo uma expressão tradicional e muito bonita, as Igrejas particulares gostam de se chamar Igrejas irmãs. Abrir-se a esta dimensão, significa colaborar para restituir à Europa o seu ethos mais profundo e o seu rosto verdadeiramente humano.

Com estas perspectivas e com estes propósitos, confiamo-nos juntos ao Senhor implorando-Lhe que nos faça dignos de edificar o Corpo de Cristo, "até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do filho de Deus ao estado de homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo" (Ep 4,13).

Vaticano, 12 de Outubro de 2002.



CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II


AO MONSENHOR LUIGI GIUSSANI




Ao Rev.mo Monsenhor Luigi GIUSSANI

Estimado Monsenhor, por ocasião do seu 80º aniversário, é de bom grado que me uno à sua pessoa e dou graças ao Senhor pelos inúmeros benefícios que lhe foram concedidos ao longo destas oito décadas de crescimento humano e espiritual.

Renovo-lhe os sentimentos mais cordiais da minha estima e do meu afecto e, em sua companhia, desejo abarcar com um único olhar estes 80 anos para os confiar a Maria, nossa Mãe celestial, que sua Reverência se preocupou em indicar a todos como o caminho privilegiado para encontrar Jesus e para O servir fielmente.

Com a alma reconhecida, voltamos a percorrer juntos os anos da sua infância, pensando novamente no exemplo e na ajuda dos seus pais; os anos do caminho para o sacerdócio, durante os quais encontrou mestres que muito contribuíram para a sua formação humana e espiritual; os anos do ensino liceal e universitário, com a fundação e o desenvolvimento do Movimento de Comunhão e Libertação; e os anos que viram a rápida difusão da obra fundada por Sua Reverência em muitos países. Mas detenho-me com singular participação nos anos mais recentes, provados pela enfermidade, enquanto lhe agradeço o testemunho de adesão confiante à Vontade divina, que o Rev.mo Monsenhor nunca cessou de oferecer ao Movimento e à Igreja. O Senhor, que é dador de todo o bem, lhe faça experimentar o conforto da sua presença e a alegria do seu amor.

Compartilho estes votos com os seus familiares e com os inúmeros amigos e filhos e filhas espirituais, que participam na sua festa. Asseguro-lhe as minhas preces e, do íntimo do coração, concedo-lhe uma especial Bênção que, de bom grado, faço extensiva a todas as pessoas que lhe são queridas.

Vaticano, 7 de Outubro de 2002.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DO CHILE EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Terça-feira, 15 de Outubro de 2002



Queridos Irmãos no Episcopado

1. Recebo-vos com profunda alegria, Pastores da Igreja que está no Chile, por ocasião desta visita ad Limina, durante a qual vos aproximais dos túmulos de São Pedro e de São Paulo, renovando a fé em Jesus Cristo, transmitida pelos Apóstolos, e que vos compete guardar como seus sucessores. Viestes a Roma inclusivamente para renovar os laços de comunhão com o Sucessor de Pedro e para confirmar a vossa "solicitude por todas as Igrejas" (Christus Dominus CD 6).

Agradeço as cordiais palavras que me foram dirigidas pelo Senhor Cardeal Francisco Javier Errázuriz, Arcebispo de Santiago e Presidente da Conferência Episcopal, com que se fez porta-voz dos vossos sentimentos de afecto e de adesão ao Bispo de Roma, "em cuja Sede sempre residiu o primado da Cátedra apostólica" (Santo Agostinho, Ep 43,3) transmitindo-me, ao mesmo tempo, as vossas principais inquietudes e esperanças pastorais.

Ao encontrar-me convosco para vos animar no incansável trabalho pastoral que levais a cabo, tenho sempre presente o povo chileno, de quem me sinto muito próximo e do qual conservo uma profunda lembrança dos encontros que tive com ele e o que pude visitar na sua própria terra, comprovando o profundo enraizamento da fé cristã das suas populações, assim como o afecto e a fidelidade dos Pastores e dos fiéis à Sé Apostólica. Uma bonita expressão disto são os numerosos frutos de santidade produzidos na vossa terra, como Santa Teresa dos Andes, a Beata Laura Vicuña ou o Beato Padre Alberto Hurtado, de cuja morte estais a celebrar o 50º aniversário.

2. Os mencionados aspectos são fonte de inspiração e de esperança na vossa tarefa no momento actual que, no alvorecer de um novo milénio, se caracteriza pelas rápidas transformações em muitos âmbitos da vida humana e pelo grande desafio apresentado pelo fenómeno da globalização. Nele, às vezes são visíveis algumas sérias ameaças para as nações que, sob os pontos de vista económico, técnico e cultural, são mais frágeis, mas contém também elementos que podem oferecer renovadas oportunidades de crescimento.

Há que esperar que os esforços do povo chileno, em ordem a inserir-se no mundo global, não o levem a perder a sua identidade cultural, evitando que tudo se reduza a um simples intercâmbio económico e oferecendo em toda a parte os melhores valores da sua alma pátria, vigorosamente vinculados à sua tradição católica. Isto enriquecerá o ambiente pluricultural, cada vez mais difundido, mediante atitudes de respeito recíproco e a manutenção de um diálogo que procure apaixonadamente a verdade, afastando-se da superficialidade e do relativismo, que promovem o desinteresse e deterioram a convivência.

Neste sentido, devem contribuir as Universidades e as Escolas católicas que, graças a Deus, são numerosas no Chile. Estou persuadido de que os Bispos vão continuar a ocupar-se delas com grande atenção, dado que estão destinadas a levar à sociedade chilena o fermento saudável do Evangelho de Cristo.

3. Hoje em dia, é necessário iluminar o caminho dos povos com os princípios cristãos, aproveitando as oportunidades que a situação actual oferece para desenvolver uma evangelização autêntica que, como uma renovada linguagem e com novos símbolos significativos, torne mais compreensível a mensagem de Jesus Cristo para os homens e as mulheres da nossa época. Por isso é importante, como vós mesmos quisestes salientar, que no alvorecer do novo milénio, a Igreja infunda esperança, a fim de que todas as mudanças do momento actual se transformem verdadeiramente num renovado encontro com Jesus Cristo vivo, ou estimule o vosso povo à conversão e à solidariedade.

Tendo em consideração o facto de que a Revelação cristã leva a uma "compreensão mais profunda das leis da vida social, que o Criador inscreveu na natureza espiritual e moral do homem" (Gaudium et spes GS 23) a Igreja, a partir da sua própria missão no seio da sociedade, não deve eximir-se de acompanhar e de orientar também os processos que se levam a cabo no vosso País, no campo da reforma de aspectos tão cruciais para o bem comum, como são, entre outros, a educação, a saúde ou a administração da justiça, velando a fim de que sirvam para a promoção dos cidadãos, particularmente dos mais frágeis e desfavorecidos.

4. Conheço e valorizo quanto já estais a realizar em favor da família, que deve enfrentar muitas dificuldades de várias índoles e que está submetida a ameaças que atentam contra os seus aspectos essenciais, segundo o projecto de Deus, como o matrimónio de carácter indissolúvel. Estes esforços, que constituem um serviço precioso à vossa Pátria, devem ser acompanhados também por uma pastoral familiar integral, que inclua uma adequada preparação dos cônjuges antes do matrimónio, os assista depois das núpcias, especialmente quando se apresentarem as dificuldades, e os oriente na educação dos seus próprios filhos.

Sob este aspecto, nada pode substituir uma verdadeira cultura da vida, uma profunda experiência da fidelidade ou um arraigado espírito de abnegação, sobre o qual a Palavra de Deus e o Magistério eclesial projectam uma forte luz na existência humana. Evangelizar as famílias significa apresentar aos cônjuges o amor incondicionado de Jesus Cristo pela sua Igreja, que eles devem reflectir neste mundo (cf. Ef Ep 5, 31 ss.). Há que inculcar também nos seus membros a vocação à santidade, a que todos são chamados, sem medo de propor ideais elevados que, embora em certas ocasiões possam parecer difíceis de alcançar, são os que correspondem ao plano divino de salvação.

5. A recente experiência vivida por ocasião da última Jornada Mundial da Juventude, celebrada em Toronto, leva-me também a evocar o Encontro continental dos jovens, que teve lugar há alguns anos em Santiago. Vós fostes os protagonistas daquela importante reunião, seguros da generosidade da sua resposta e do entusiasmo da sua colaboração. Neles, como lhes disse na minha mensagem para essa ocasião, "está fortemente latente um desejo de serviço ao próximo e de solidariedade" (Mensagem aos participantes no I Encontro Continental Americano dos Jovens, 10 de Outubro de 1998), que exige a orientação e a confiança dos Pastores, para que se transforme num encontro vivo com Cristo, num decidido projecto de seguir fielmente o seu Evangelho e de o propagar com alegria na sociedade chilena e no mundo inteiro.

Com efeito, não obstante as numerosas atracções que encorajam o hedonismo, a mediocridade ou o resultado imediato, os jovens não se deixam amedrontar com facilidade pelas dificuldades e, por conseguinte, são particularmente sensíveis às exigências radicais e ao compromisso incondicionado, quando se lhes apresenta o verdadeiro sentido da vida. Não os atemoriza o facto de que se trata de um caminho ladeira acima, quando descobrem que Cristo o percorreu primeiro e está disposto a fazer o mesmo itinerário em sua companhia (cf. Discurso por ocasião da festa de recepção, Toronto, 25 de Julho de 2002, n. 3). Para eles, cheios de iniciativa, o mais importante é fazer-se construtores e artífices da vida e do mundo em que vivem. Por isso, eles sentem a necessidade de conhecer de vós, sem qualquer equívoco e sem reservas, quais são os valores evangélicos, os deveres morais ou a necessidade da graça divina, implorada na oração e recebida nos sacramentos, como hão-de "pôr pedra sobre pedra para edificar, na cidade dos homens, a cidade de Deus" (Na Vigília de Oração,Toronto, 27 de Julho de 2002, n. 4).

6. Como vos recordei noutras ocasiões, recomendo-vos muito encarecidamente os sacerdotes, que são os vossos principais colaboradores no ministério pastoral. Eles têm necessidade de programas bem delineados de formação permanente, sobretudo nos âmbitos da teologia, da espiritualidade, da pastoral e da doutrina social da Igreja, que lhes permitam ser evangelizadores competentes e ministros dignos da Igreja contemporânea. Com efeito, para uma boa parte do Povo de Deus, eles são o canal principal através do qual lhes chega o Evangelho e constituem também a imagem mais imediata, mediante a qual chegam a compreender o mistério da Igreja.

Por isso, a sua preparação intelectual e doutrinal deve estar perenemente unida ao testemunho de uma vida exemplar, à íntima comunhão com os Bispos, à fraternidade com os seus irmãos sacerdotes, à afabilidade no relacionamento com os outros, ao espírito de comunhão com todos os sectores eclesiais das suas comunidade e ao estilo de paz espiritual e de ardor apostólico, que somente a relação constante com o Mestre pode proporcionar e manter sempre vivo. Como os discípulos de que fala o Evangelho de Lucas, eles devem sentir uma alegria irrefreável perante as maravilhas que Jesus Cristo realiza através deles mesmos (cf. Lc Lc 19,7), acrescentando desta forma o testemunho pessoal ao anúncio, e o exemplo de vida ao ensinamento.

Para que os sacerdotes sintam próxima a vossa presença, é da máxima importância que vos relacioneis com eles assiduamente e de maneira pessoal, "dispostos a escutá-los e a tratá-los com confiança" (Christus Dominus CD 16), prestando atenção às dificuldades quotidianas que muitas vezes os afligem e fazendo com que descubram como é precioso aos olhos de Deus e da Igreja este abnegado trabalho quotidiano, "por vezes escondido que, embora não apareça nas primeiras páginas, faz progredir o Reino de Deus nas consciências" (Carta aos Sacerdotes, por ocasião da Quinta-Feira Santa de 2001, n. 3).

Tudo isto redundará em benefício de uma pastoral vocacional, que deve ser empreendida com decisão, continuidade e rigor, mas que terá um ponto de apoio insubstituível na atracção que suscitam nos jovens aqueles que mostram a felicidade de ter consagrado inteiramente a sua vida a Deus e ao serviço da Igreja.

Além disso, a promoção das vocações deverá ser sempre um compromisso prioritário de cada um dos Bispos na sua diocese, mediante a oração e a acção especificamente orientada para esta finalidade, como eu mesmo quis realçar na minha Exortação Apostólica Pastores dabo vobis e em muitas outras circunstâncias.

7. O alvorecer do milénio aproxima o Chile do segundo centenário da sua independência, apresentando à Igreja e a todos os cidadãos o desafio crucial de alcançar uma convivência plenamente reconciliada em que, sem ocultar a verdade, deverá dar lugar ao perdão, "que cura as feridas e restabelece profundamente os relacionamentos humanos interrompidos" (Mensagem por ocasião da celebração da Jornada Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 2002, n. 3).

A Igreja, que tem a missão de ser instrumento de reconciliação dos homens com Deus e entre si, há-de ser "a casa e a escola da comunhão" (Novo millennio ineunte, 43), em que saberá estimar e aceitar o que existe de positivo no próximo e onde ninguém se deve sentir excluído.

Precisamente a atitude de marginalização, que leva as pessoas a passar ao largo, para evitar o encontro com o irmão em necessidade (cf. Lc Lc 10,31) porque talvez seja molesto ou improdutivo, constitui o aspecto negativo de determinadas pautas sociais do nosso mundo, perante o qual a Igreja há-de empenhar-se de maneira especial, recordando que precisamente os mais necessitados não devem ser considerados o resíduo insignificante de um progresso que só tem em conta o que traz resultados positivos, a acumulação deproporcionada de bens e posições de privilégio.

8. Na conclusão deste encontro, peço-vos que transmitais às vossas comunidades eclesiais o meu afecto e a minha proximidade espiritual. Levai o meu agradecimento aos sacerdotes e às comunidades religiosas masculinas e femininas que, com tanta generosidade, trabalham para anunciar e dar testemunho do Reino de Deus no Chile, assim como aos catequistas e aos outros colaboradores nas tarefas da evangelização. Comunicai o reconhecimento do Papa inclusivamente às pessoas e às institutições que se dedicam à caridade e à solidariedade para com os mais necessitados, dado que este é um dos grandes desafios para a vida da Igreja no novo milénio (cf. Novo millennio ineunte, 49-50).

Confio as vossas solicitudes pastorais à Santíssima Virgem Maria, pela intercessão de Nossa Senhora do Carmo de Maipu, a quem peço ardentemente que oriente os queridos filhos e filhas do Chile para o encontro com Jesus Cristo, fonte da vida e da verdade, que os ajude a viver em tão formosa terra como irmãos, intercedendo perante o seu Filho divino para que o País prospere na paz e na corcórdia, em conformidade com os melhores valores da sua tradição cristã.

A vós e aos fiéis de cada uma das Igrejas particulares a que presidis, concedo de coração a Bênção apostólica.





MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PRIOR-GERAL DA ORDEM DOS CARMELITAS


Ao Rev.do Pe. Joseph CHALMERS
Prior-Geral da Ordem dos Carmelitas

1. Foi com alegria que tomei conhecimento de que, neste ano, a sua Família religiosa está a comemorar o 550º aniversário do ingresso na Ordem das Claustrais de vida contemplativa e da instituição da Terceira Ordem, formada por leigos desejosos de viver a espiritualidade carmelitana no século.

Com a difusão da Ordem na Europa, algumas mulheres pediram para se unir a ela mediante os mesmos vínculos dos religiosos. Também muitos fiéis desejavam viver essa idêntica espiritualidade, mas vivendo em casa. O Beato João Soreth, Prior-Geral dessa época, intuiu que a vida de sacrifício, solidão e oração das monjas teria beneficiado os frades, exortando-os ao seu espírito primitivo e genuíno, e que seria útil oferecer também aos leigos, como tinha acontecido no caso das Ordens Mendicantes, a possibilidade de beber numa fonte espiritual conjunta.

Desta forma, no dia 7 de Outubro de 1452, foi pedida ao meu predecessor o Papa Nicolau V, a faculdade de instituir na Ordem as Claustrais de vida contemplativa e uma Associação de leigos no século, a Terceira Ordem dos Carmelitas. Foi o que o Papa concedeu através da Bula Cum nulla, que agora é comemorada.

Recordar esta autorizada intervenção pontifícia constitui, estou certo disto, um motivo de íntima satisfação para as Claustrais de vida contemplativa em clausura papal, enquanto impele a Terceira Ordem Secular a um compromisso espiritual cada vez mais intrépido, ao serviço da nova evangelização.

2. Mergulhadas no silêncio e na oração, as Monjas carmelitas recordam a todos os crentes e especialmente os seus irmãos comprometidos no apostolado concreto, a primazia absoluta de Deus. Consagrando-se totalmente à procura dele, dão testemunho do facto de que Deus é a fonte da plena realização da pessoa e o manancial de todas as obras espirituais. Quando se lhe abre o coração, Ele vem ao encontro dos seus filhos para os introduzir na sua intimidade, realizando com eles uma comunhão de amor cada vez mais perfeita. Para as Carmelitas a opção de viver em solidão, separadas do mundo, corresponde a este chamamento específico do Senhor. Por conseguinte, o Carmelo constitui uma riqueza para toda a comunidade cristã.

Desde o começo, esta forma de vida claustral mostrou os seus frutos, enriquecendo-se ao longo dos séculos com o luminoso testemunho de mulheres exemplares, algumas das quais oficialmente reconhecidas como Beatas ou Santas, e indicadas também hoje como modelos a imitar. Apraz-me citar aqui a Beata Francisca d'Amboise, considerada a fundadora das Monjas carmelitas na França, porque trabalhou em íntima sintonia e amizade com o Beato Soreth; a Beata Joana Scopelli, uma das principais representantes italianas desta experiência, e a Beata Girlani, que escolheu o nome de Arcângela porque desejava dedicar-se completamente ao louvor de Deus, como os anjos no Céu. Em Florença, Santa Maria Madalena de' Pazzi, foi um exemplo eminente de zelo apostólico e eclesial, e espelho de incessante busca de Deus e da sua glória.

Neste sulco de santidade encontramos, na Espanha, Santa Teresa de Jesus, a figura mais ilustre da vida claustral das Carmelitas, em quem as Monjas de todas as épocas se inspiraram constantemente. Teresa voltou a elaborar e renovou a tradição carmelitana, fomentando o desejo de viver cada mez mais perfeitamente em solidão com Deus, segundo o exemplo dos primeiros Padres eremitas do Monte Carmelo. Seguindo o seu exemplo, as Monjas carmelitas são chamadas, como está escrito nas suas Constituições, "à oração e à contemplação, porque esta é a nossa origem; somos filhas dos santos Padres do Carmelo que, em profunda solidão e no total desprezo do mundo, procuraram este tesouro e esta preciosa margarida" (Constituições das Monjas carmelitas, n. 61).

3. É de bom grado que me uno à acção de graças da Família carmelitana pelos inúmeros prodígios realizados por Deus ao longo dos séculos, através desta típica forma de vida consagrada que, como podemos ler na Regra de Santo Alberto de Jerusalém, "é santa e boa" (n. 20). No silêncio do Carmelo, em muitas regiões do mundo, continuam a desabrochar perfumadas flores de santidade, almas apaixonadas pelo Céu que, com o seu heroísmo evangélico, sustentaram e ainda contribuem eficazmente para a missão da Igreja.

No Carmelo recorda-se aos homens, tomados por numerosas preocupações, que a prioridade deve ser dada à procura "do Reino de Deus e da sua justiça" (Mt 6,33). Olhando para o Carmelo, onde a oração se torna vida, e a vida floresce em oração, as comunidades cristãs compreendem melhor como, segundo o que escrevi na Carta Apostólica Novo millennio ineunte, podem tornar-se "autênticas "escolas" de oração" (n. 33). Às queridas Religiosas carmelitas, orientadas exclusivamente para o louvor a Deus, peço que ajudem os cristãos do nosso tempo a assumirem este comprometedor empenho ascético e apostólico. Os seus mosteiros constituem faróis de santidde, especialmente para as paróquias e as dioceses que têm a sorte de os acolher.

4. Além disso, o 550º aniversário da Bula Cum nulla recorda a incorporação dos leigos na Família carmelitana, mediante a instituição da Terceira Ordem Secular. Trata-se de homens e de mulheres chamados a viver o carisma carmelitano no mundo inteiro, santificando toda a actividade quotidiana mediante a sua própria fidelidade às promessas baptismais. A fim de que possam realizar plenamente esta vocação, é necessário que aprendam a cadenciar os seus dias com a oração e, especialmente, com a Celebração eucarística e a Liturgia das Horas. Tomem o exemplo de Elias, cuja missão profética brotava de uma experiência ininterrupta de Deus; e imitem sobretudo Maria, que escutava a palavra do Senhor e, conservando-a no coração, a praticava.

Estes Irmãos e Irmãs, que o Escapulário vincula aos outros membros da Ordem carmelitana, sejam reconhecidos pelo dom recebido e se conservem fiéis, em todas as circunstâncias, aos deveres que derivam desta sua pertença carismática. Não se contentem com uma prática cristã superficial, mas correspondam ao apelo radical de Cristo, que chama os seus discípulos a serem perfeitos, como é perfeito o Pai celestial (cf. Mt Mt 5,48).

Com estes sentimentos, invoco sobre toda a Família carmelitana uma renovada efusão das dádivas do Espírito Santo, a fim de que ela caminhe com fidelidade à vocação que lhe é própria e transmita o amor misericordioso de Deus aos homens e às mulheres do nosso tempo. Para esta finalidade, imploro a protecção materna da Beata Virgem Maria, Mãe e Adorno do Carmelo, e concedo do íntimo do coração a Bênção apostólica aos Religiosos, às Claustrais e às Terciárias, animando todos a oferecerem o seu próprio contributo para a santificação do mundo.

Vaticano, 7 de Outubro de 2002, memória da Bem-Aventurada Virgem Maria do Rosário.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLÉIA PLENÁRIA


DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A FAMÍLIA


18 de Outubro de 2002

: Senhores Cardeais!
Venerados Irmãos no Episcopado!
Estimados Esposos!

1. Sinto-me feliz em receber-vos por ocasião da XV Assembleia Plenária do Pontifício Conselho para a Família.Dirijo a todos a minha cordial saudação! Agradeço de coração ao Senhor Cardeal Alfonso López Trujillo, Presidente do Pontifício Conselho, as gentis palavras, com as quais se fez intérprete dos sentimentos dos presentes. Faço extensivo o meu agradecimento a cada um de vós e a todos os que, de várias formas, trabalham neste Pontifício Conselho, desempenhando com generosidade e competência uma tarefa tão importante para a Igreja e para a sociedade, ao serviço da Família, santuário doméstico e berço da vida. Muito foi feito durante estes anos, mas há ainda muito para fazer. Encorajo-vos a não desanimar face às proporções dos desafios de hoje, mas a prosseguir incansavelmente no empenho de salvaguardar e promover o bem inestimável do matrimónio e da família. Depende deste esforço, em grande medida, o destino da sociedade e o próprio futuro da evangelização.

O tema proposto para esta Plenária é particularmente actual: Pastoral familiar e casais em dificuldade. Trata-se de um tema amplo e complexo, do qual desejais considerar apenas alguns aspectos, pois já tivestes a oportunidade de o enfrentar noutras ocasiões. A respeito disto, gostaria de vos oferecer algumas sugestões para a vossa reflexão e orientação.

2. Num mundo que se está a secularizar cada vez mais, é importante como nunca que a família crente tome consciência da própria vocação e da sua missão. O ponto de partida para ela, em qualquer contexto e circunstância, é salvaguardar e intensificar a oração, uma oração incessante ao Senhor, para que a própria fé cresça e seja cada vez mais vigorosa. Como escrevi na Carta apostólica Rosarium Virginis Mariae: "A família que reza unida, permanece unida" (n. 14).
É verdade que, quando se vivem determinados momentos, o subsídio da ciência pode oferecer uma boa ajuda, mas nada poderá substituir uma fé fervorosa, pessoal e confiante, que se abra ao Senhor, que disse: "Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e aliviar-vos-ei" (Mt 11,28).

O encontro com Cristo vivo, Senhor da Aliança, é a fonte indispensável de energia e de renovação, precisamente quando aumentam a fragilidade e a debilidade. Eis por que é necessário recorrer a uma vida espiritual intensa, abrindo o espírito à Palavra de vida. É necessário que no fundo do coração ressoe a voz de Deus, que, mesmo se por vezes parece calar-se, na realidade ressoa constantemente nos corações e acompanha-nos ao longo do caminho marcado pelo sofrimento, como aconteceu com os dois peregrinos de Emaús.

Deve reservar-se uma solicitude especial aos jovens casais, para que não se rendam face aos problemas e conflitos. A oração, a frequência constante do sacramento da Reconciliação, a direcção espiritual, nunca devem ser abandonadas com a intenção de as substituir por outras técnicas de apoio humano e psicológico. Nunca deve ser esquecido aquilo que é fundamental, isto é, viver em família sob o olhar terno e misericordioso de Deus.

A riqueza da vida sacramental, no âmbito de uma família que participa na Eucaristia todos os domingos (cf. Dies Domini, 81), é, sem dúvida, o melhor antídoto para enfrentar e superar obstáculos e tensões.

3. Isto torna-se ainda mais necessário quando proliferam estilos de vida e se difundem modas e culturas que fazem duvidar do valor do matrimónio, chegando até a considerar impossível o dom recíproco dos esposos até à morte, numa jubilosa fidelidade (cf. Carta às Famílias, LF 10). A fragilidade aumenta se predomina aquela mentalidade divorcista, que o Concílio denunciou com vigor, porque leva, muitas vezes, a separações e a rupturas definitivas. Também uma educação sexual mal concebida prejudica a vida da família. Quando falta uma preparação integral para o matrimónio, que respeite as etapas progressivas do crescimento dos namorados (cf. Familiaris consortio FC 66), reduzem-se na família as possibilidades de defesa.

Ao contrário, não existe uma situação difícil que não possa ser enfrentada de modo adequado quando se cultiva um clima de vida cristã coerente. O próprio amor, ferido pelo pecado, também é um amor redimido (cf. CIC, CIC 1608). É evidente que na ausência de vida sacramental, a família cede mais facilmente às insídias, porque permanece sem defesas.

Como é importante favorecer o apoio familiar para os casais, sobretudo jovens, por parte das famílias espiritual e moralmente sólidas! É um apostolado fecundo e necessário sobretudo neste momento histórico.

4. Gostaria de acrescentar, a este ponto, uma consideração sobre o diálogo que deve ser cultivado no processo formativo com os filhos. Falta, muitas vezes, o tempo para viver e dialogar em família.

Com frequência, os pais sentem-se impreparados e até receiam assumir, como é seu dever, a tarefa da educação integral dos seus filhos. Pode acontecer que eles, precisamente devido à falta de diálogo, encontrem obstáculos sérios em ver nos seus pais modelos autênticos a imitar e vão procurar noutras partes modelos e estilos de vida, que muitas vezes se manifestam falsos e lesivos da dignidade do homem e do verdadeiro amor. A banalização do sexo, numa sociedade saturada de erotismo, e a falta de referências de princípios éticos, podem arruinar a vida das crianças, dos adolescentes e dos jovens, impedindo a sua formação para um amor responsável, maduro, e para o desenvolvimento da sua personalidade.

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Obrigado pela atenção que dedicais nesta vossa Assembleia Plenária a um tema tão actual e que me é particularmente caro. Deus vos ajude a descobrir o que é mais útil para a família hoje. Prossegui, também, com entusiasmo na preparação do Encontro Mundial das Famílias, que se realizará em Manila em Janeiro do próximo ano.

De coração faço votos para que este encontro, que convoquei por ocasião do Jubileu das Famílias, e para o qual indiquei como tema: A família cristã: uma boa nova para o terceiro milénio, favoreça o incremento do impulso missionário das famílias no mundo.

Confio tudo isto a Maria, Rainha da Família. Que ela vos acompanhe e vos proteja sempre. Abençoo-vos a todos com afecto, assim como a quantos colaboram convosco no serviço do verdadeiro bem da família.




Discursos João Paulo II 2002 - Sábado, 12 de Outubro de 2002