DIscursos João Paulo II 2003

A liberdade religiosa, que constitui uma das características tradicionais da sociedade indonésia, é garantida pela vossa Constituição nacional. A Igreja deve permanecer sempre vigilante, a fim de assegurar que este princípio seja respeitado a níveis federal e local. A minha esperança é de que estes esforços ajudem a criar um clima em que o respeito pelo exercício da lei se torne a nova base para uma sociedade democrática tolerante e não violenta. Este importante primeiro passo começa com uma formação humana adequada. Como disse na minha Carta Encíclica Centesimus annus, ajudar "o indivíduo mediante a educação e a formação nos verdadeiros ideais" é um elemento necessário para a criação de uma ordem cívica caracterizada por uma autêntica solicitude pelo bem comum (cf. n. 46). A este propósito, deve prestar-se uma atenção especial aos pobres.

A Igreja está persuadida de que "o desenvolvimento dos pobres constitui uma grande oportunidade para o crescimento moral e cultural de toda a humanidade" (Ibid., n. 28). Dado que a mensagem de Cristo é de esperança, os seus seguidores devem assegurar sempre que os menos afortunados de entre nós, independentemente da religião ou da tradição étnica, sejam tratados com a dignidade e o respeito exigidos pelo Evangelho. A promoção dos direitos fundamentais da pessoa mais frágil é um caminho seguro para uma sociedade estável e produtiva. A Igreja é chamada "a pôr-se ao lado dos pobres, a discernir a justiça das suas exigências e a ajudar a realizá-las" (cf. Sollicitudo rei socialis SRS 39).

3. Uma das maneiras mais eficazes para a comunidade cristã ajudar os pobres é através da educação. É neste sector, assim como no seu impressionante sistema de agências caritativas, que a Igreja que peregrina na Indonésia é apreciada. Embora correspondam apenas a uma pequena parte da população total, os católicos desenvolveram um vasto e respeitado sistema escolar. O trabalho da Igreja no campo da educação é reconhecido como uma das maiores contribuições para a sociedade indonésia e, sem dúvida, continua a ser um modo efectivo de transmitir os valores evangélicos. A educação católica, como uma importante parte da missão catequética e evangelizadora da Igreja, deve fundamentar-se numa filosofia em que a fé e a cultura se encontrem numa unidade harmónica (cf. Congregação para a Educação Católica, A dimensão religiosa da educação na escola católica, n. 34). Os vossos esforços com vista a defender as escolas católicas, especialmente nas áreas pobres não católicas, atingidas pelas dificuldades financeiras, mostram o vosso firme compromisso na solidariedade multicultural e na exigência do amor evangélico por todos. Embora seja encorajador observar o elevado nível de alfabetização na população em geral, não se pode deixar de ficar alarmado com o grande número de jovens que não frequentam a escola secundária. Os vossos jovens devem ser encorajados a não descuidar a sua educação, fascinados pelo materialismo superficial e efémero. A este propósito, gostaria de realçar o trabalho essencial dos catequistas, em países como a Indonésia, onde os fiéis são uma pequena minoria. A falta de acesso à educação católica nalgumas regiões mais pobres, unida a um ambiente por vezes em conflito, ou mesmo hostil, ao Cristianismo, põe em evidência a necessidade de oferecer sérios programas de formação catequética para os jovens e os adultos. A comunidade eclesial tem a responsabilidade de assegurar que os seus membros sejam bem recebidos num "ambiente em que possam viver ao máximo nível possível aquilo que aprenderam" (Catechesi tradendae CTR 24). A catequese é tarefa de toda a comunidade de fé e uma extensão do ministério da palavra, confiado ao Bispo e ao seu clero. Trata-se de uma responsabilidade eclesiástica, que exige uma formação doutrinal e pedagógica. Encorajo-vos a oferecer todo o vosso apoio àqueles que assumiram de bom grado a difícil e exigente tarefa de prestar este serviço essencial, pelo qual toda a Igreja está agradecida.

4. Desde há algum tempo a vossa Conferência Episcopal reconheceu que a evangelização caminha paralelamente com o profundo, gradual e específico trabalho de inculturação. A verdade do Evangelho deve ser sempre proclamada de maneira persuasiva e relevante. E isto é especialmente importante numa sociedade complexa como a vossa onde, nalgumas áreas e no meio de certos grupos, às vezes o catolicismo é visto com suspeita. Vós tendes a delicada tarefa de fazer com que o Evangelho conserve o seu significado fundamental, válido para todos os povos e culturas comunicando-o, ao mesmo tempo, com a devida atenção aos valores tradicionais e à família. Como afirmei na minha Visita Pastoral à Indonésia, em 1989, "o exemplo de Cristo e o poder do seu Mistério pascal penetram, purificam e elevam toda a cultura e cada uma das culturas" (Homilia em Yogyakarta, 10 de Outubro de 1989).

O bom êxito da inculturação depende dos casais e das famílias que assumem a visão cristã da sua vocação e responsabilidade. Por conseguinte, encorajo-vos a continuar a promover os valores tradicionais da família, tão intimamente vinculados à cultura asiática (cf. Ecclesia in Asia ), imbuindo-os com a nova vida que provém do Evangelho. As sérias preocupações sobre as crescentes ameaças contra a vida familiar, que realçastes em inúmeras circunstâncias, não podem ser subestimadas. Uma verdadeira "conspiração contra a vida" (cf. Evangelium vitae EV 17) e a família está a manifestar-se de numerosas formas: aborto, permissividade sexual, pornografia, abuso de drogas e pressões em ordem à adopção de métodos de controlo demográfico moralmente inaceitáveis. Apesar das dificuldades que encontrais para combater estas tendências numa sociedade cristã, como Bispos vós sois "os primeiros chamados a constituir os mestres incansáveis do Evangelho da vida" (Ibid.,n. 82). Em todas as épocas, a voz profética da Igreja deve proclamar com vigor a necessidade de respeitar e promover a lei divina, inscrita em cada coração (cf. Rm Rm 2,15). Mediante a escuta, o diálogo e o discernimento, os Bispos devem ajudar a sua grei a viver o Evangelho de maneira plenamente compatível com o depósito da fé e os vínculos da comunhão eclesial (cf. Redemptoris missio RMi 54).

5. Como alguns de vós mencionaram, a Igreja que está na Indonésia vive e sofre com o povo, enfrentando os desafios que se apresentam no contacto diário com uma sociedade não cristã. Trata-se de uma comunidade que procura um caminho de desenvolvimento humano integral, num contexto de harmonia e tolerância religiosa, oferecendo e recebendo muito, num ambiente cultural complexo. Já se alcançou um louvável nível de diálogo inter-religioso no vosso país, em escala institucional. Este intercâmbio recíproco de experiências religiosas encontrou uma expressão prática nos projectos inter-religiosos de caridade e na colaboração, que se realizaram de maneria particular a seguir às calamidades naturais. Mesmo em regiões predominantemente muçulmanas, a Igreja está presente de maneira activa nos orfanatos, nas clínicas e instituições que se dedicam à assistência dos deserdados. É uma maravilhosa expressão da natureza incondicional do amor de Cristo, um amor que não é reservado a poucos, mas a todos.

Nesta altura, quero assegurar-vos a minha profunda solicitude pelo querido povo indonésio, neste momento de alta tensão em toda a comunidade internacional. Nunca se deve permitir que a guerra divida as religiões mundiais. Encorajo-vos a aproveitar este momento de confusão como uma ocasião para trabalhar em conjunto, como irmãos comprometidos em favor da paz, com o vosso próprio povo, com as pessoas de outros credos religiosos e com todos os homens e mulheres de boa vontade, a fim de assegurardes a compreensão, a cooperação e a solidariedade.

Não podemos permitir que uma tragédia humana se torne inclusivamente uma catástrofe religiosa (cf. Discurso a uma Delegação inter-religiosa da Indonésia, 20 de Fevereiro de 2003).
Ao mesmo tempo, estou perfeitamente consciente de que alguns sectores da comunidade cristã na vossa nação sofreram em virtude da discriminação e do preconceito, enquanto outros se tornaram vítimas de actos de destruição e de vandalismo. Em determinadas regiões, às comunidades cristãs foi negada a autorização de construir lugares de culto e oração. Há pouco tempo a Indonésia, juntamente com a comunidade internacional, foi atingida pela horrível perda de vidas num atentado terrorista perpetrado em Bali. Todavia, em tudo isto é preciso ter o cuidado de não cair na tentação de definir grupos inteiros de pessoas pelos actos de uma minoria extremista. A religião autêntica não defende o terrorismo, nem a violência, mas procura promover de todas as formas a unidade e a paz de toda a família humana.

6. Uma vez que constituem uma pequena minoria no vosso país, os cristãos são especialmente chamados a tornar-se "fermento na massa" (cf. Mt Mt 13,33). Apesar das dificuldades e dos sacrifícios, os vossos sacerdotes e religiosos continuam a dar testemunho diário da Boa Nova de Jesus Cristo, atraindo muitas pessoas ao Evangelho. Dado que "a Igreja que está na Ásia se encontra no meio de pessoas que mostram um forte anseio de Deus" (Ecclesia in Asia ), vós sois exortados a encontrar formas concretas de corresponder a esta necessidade. Com efeito, os vossos esforços em ordem a promover vocações ao sacerdócio e à vida religiosa reflectem a vossa consciência acerca deste dever. Admiro-vos pela vossa insistência em conservar os altos níveis de educação e formação nos seminários e nas casas religiosas. A solicitude e a atenção manifestadas na selecção e na formação dos candidatos ao sacerdócio e à vida religiosa redundam sempre em benefício da Igreja particular.

Considerando o facto de que a formação e o desenvolvimento espiritual são processos que duram a vida inteira, os Bispos têm a responsabilidade essencial de ajudar os seus sacerdotes, oferecendo-lhes programas de formação permanente, retiros e tempos de oração e confraternização. Um elemento importante nesta formação, tanto inicial como permanente, é uma adequada educação na teologia e na espiritualidade da liturgia."A liturgia é a fonte e o ápice de toda a vida e missão cristãs. É inclusivamente um decisivo instrumento de evangelização, sobretudo na Ásia, onde os seguidores das diferentes religiões são muito sensíveis ao culto, às festas religiosas e às devoções populares" (cf. Ecclesia in Asia ). Os vossos sacerdotes precisam de ter a oportunidade de ser alimentados por esta liturgia e de se tornar peritos no momento de transmitir a riqueza da liturgia aos outros, de forma a fazer resplandecer sempre a sua profundidade, beleza e mistério.

O apoio espiritual e moral que vós ofereceis aos religiosos e às religiosas nas vossas Dioceses constitui também uma parte significativa do vosso ministério episcopal. Os membros dos Institutos religiosos têm desempenhado um papel indispensável no anúncio da Boa Nova aos homens e mulheres da Indonésia e, de maneira especial, aos pobres e deserdados. Neste importante trabalho, eles devem ser sempre ajudados a fortalecer a sua consagração ao Senhor, através da sua vivência diária dos conselhos evangélicos. "Todos os que abraçaram a vida consagrada são chamados a tornar-se guias na busca de Deus, busca essa que sempre atormentou o coração humano e que é particularmente visível em muitas formas de espiritualidade e de ascetismo da Ásia" (Ecclesia in Asia ). Por este motivo, os religiosos podem ter um papel essencial no compromisso integral da Igreja no campo da evangelização.

7. Estimados Bispos, é num espírito de fé e de comunhão que compartilhei convosco estas reflexões sobre determinados aspectos do cuidado do querido povo de Deus que vive na Indonésia. Mediante a vossa presença, sinto-me muito próximo dos fiéis indonésios e, neste momento de incerteza, rezo ardententemente para que eles sejam fortalecidos em Cristo.

Confio-vos todos à intercessão de Maria, Rainha do Rosário, que abraça todos aqueles que a Ela recorrem na hora da angústia e que nunca deixam de pedir para ser libertados do mal. No amor de Jesus Cristo, concedo-vos a todos, bem como aos fiéis das vossas Dioceses, a minha Bênção apostólica.



                                                                                Abril de 2003

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SUPERIOR-GERAL DA ORDEM DOS MÍNIMOS


POR OCASIÃO DA "MARCHA DA PENITÊNCIA"





Ao Rev.do Pe. Giuseppe FIORINI MOROSINI
Superior-Geral da Ordem dos Mínimos

1. É com prazer que tomei conhecimento de que no dia 2 do próximo mês de Abril terá lugar na cidade de Paula, com a aprovação do Arcebispo diocesano, D. Giuseppe Agostino, a primeira "Marcha da Penitência", organizada pela Consulta de Pastoral Juvenil desta Ordem, para a qual são convidados de maneira particular os jovens. É-me grato dirigir-lhe, estimado Padre, a minha cordial e benfazeja saudação, assim como aos organizadores, aos seus confrades e a quantos participarem nesta válida iniciativa, que se repetirá todos os anos por ocasião do aniversário da morte de São Francisco de Paula.

2. No corrente ano, esta oportuna manifestação realiza-se num período marcado por muitas preocupações e sofrimentos, também em virtude da guerra em curso. Por conseguinte, ela constitui uma ocasião mais adequada do que nunca, em ordem a convidar à reflexão e pedido do dom fundamental da paz para a humanidade . De certa maneira, ela coloca-se em continuidade espiritual com o "Dia de oração e de jejum", com que começou a Quaresma. Estes fortes momentos espirituais ajudam a tomar consciência cada vez maior da urgente necessidade de construir a paz, também à custa de sacrifícios pessoais. É necessário estar disponível para renunciar também a algo de legítimo, com vista a um bem superior. Sobretudo, é preciso estar consciente de que tudo se pode obter de Deus através da oração. Ao mesmo tempo, a Marcha pode tornar-se uma escola de vida, porque permite fazer referência aos luminosos exemplos e ensinamentos do Santo de Paula, que não hesitou em pôr a sua opção de penitência evangélica ao serviço da Igreja e da sociedade.

3. Tendo vivido numa época não isenta de dificuldades e problemas, por causa da longa duração dos vários conflitos, ele comprometeu-se a trabalhar pela paz, fazendo penitência e também servindo de intermediário entre as partes em luta. Em 1494, enquanto se adensavam nuvens sombrias sobre a Itália, ele confessava: "Comprometo-me a rezar pela paz". E definia a paz como "o maior tesouro que os povos podem possuir" e "uma santa mercadoria, que merece ser adquirida a caro preço".

Quero encorajá-lo, Reverendo Padre, bem como os seus confrades e os jovens participantes na Marcha, a acolher suavemente, na escola do Santo de Paula, a "doce pedagogia" da penitência evangélica, para aprender o verdadeiro segredo da paz. Como o próprio Santo ensina, a consecução da paz a todos os níveis está vinculada à conversão do coração e a uma concreta mudança de vida.

Faço votos de coração, para que a "Marcha da Penitência" possa contribuir para fazer amadurecer nas consciências das novas gerações um sincero propósito de paz, que deve ser alimentado com um itinerário de abnegação pessoal, em espírito de penitência.

Com estes sentimentos, enquanto invoco a intercessão celestial da Virgem Maria, Rainha da Paz, e de São Francisco de Paula, concedo com afecto ao Pastor da Arquidiocese, assim como ao Reverendo Padre, a toda a Ordem dos Mínimos, aos organizadores, aos jovens e a todos os participantes na Marcha penitencial, uma especial Bênção Apostólica.

Vaticano, 29 de Março de 2003.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DA ESCANDINÁVIA EM VISITA


"AD LIMNA APOSTOLORUM"


Sábado, 5 de Abril de 2003




Queridos Irmãos Bispos

1. "Graça, misericórdia e paz vos sejam dadas da parte de Deus Pai e de nosso Senhor Jesus Cristo" (1Tm 1,2). É com afecto fraternal que vos dou as minhas cordiais boas-vindas, Bispos da Escandinávia. A vossa primeira visita ad limina Apostolorum deste novo milénio constitui uma ocasião para renovar o vosso compromisso em ordem a proclamar cada vez mais corajosamente o Evangelho de Jesus Cristo, na verdade e na caridade. Como peregrinos junto dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, vós "viestes para ver Pedro" (cf. Gl Ga 1,18) e os seus colaboradores no serviço à Igreja universal. Assim, confirmais "a unidade na mesma fé, esperança e caridade, reconhecendo e valorizando cada vez mais a imensa herança das riquezas espirituais e morais que toda a Igreja, unida ao Bispo de Roma pelo vínculo da comunhão, difundiu no mundo inteiro" (Pastor bonus, Apêndice I, 3).

2. Como Bispos, fostes revestidos da autoridade de Cristo (cf. Lumen gentium, LG 25) e recebestes a tarefa de dar testemunho do seu Evangelho salvífico. Os fiéis da Escandinávia, com grande expectativa, consideram-vos como sólidas testemunhas da fé, altruístas na vossa disponibilidade para proclamar a verdade "oportuna e inoportunamente" (2Tm 4,2). Mediante o vosso testemunho pessoal do mistério vivo de Deus (cf. Catechesi tradendae CTR 7), tornais conhecido o amor incondicional daquele que se revelou a si mesmo e manifestou o seu desígnio para a humanidade por intermédio de Jesus Cristo. Desta forma, dais um testemunho eloquente do extraordinário "sim" de Deus à humanidade (cf. 2Co 1,20) e vós mesmos sois revigorados na vossa pregação de Jesus Cristo, que é "o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jn 14,6).

Esta é a mensagem que, hoje, deve ser ouvida com clarividência e sem ambiguidades. Num mundo repleto de cepticismo e de confusão, poder-se-ia pensar que a luz de Cristo foi obscurecida. Com efeito, as sociedades e as culturas modernas caracterizam-se, muitas vezes, por um secularismo que leva facilmente à perda do sentido de Deus, e sem Deus, perde-se também o sentido próprio do homem. "Quando se esquece do Criador, a criação torna-se incompreensível" (cf. Gaudium et spes, GS 36): as pessoas já não são capazes de se ver a si mesmas como "misteriosamente diferentes" das outras criaturas terrestres, perdendo de vista a índole transcendente da existência humana. Este é o contexto em que há-de ressoar a mensagem libertadora de Cristo: "Conhecereis a verdade e a verdade libertar-vos-á" (Jn 8,32). Aqui, estamos a falar da plenitude de vida, que vai muito além da dimensão existencial humana, e que está na base do Evangelho por nós anunciado, o "Evangelho da vida". Com efeito, é o eco profundo e persuasivo desta verdade sublime no coração de cada pessoa - tanto crente como não-crente que "realiza de forma surpreendente todas as aspirações do coração, ultrapassando-as infinitamente" (cf. Evangelium vitae EV 2).

3. Um aspecto central da "nova evangelização, a que exortei toda a Igreja, é a evangelização da cultura. Porque "no centro de cada cultura está o comportamento que o homem assume diante do maior mistério: o mistério de Deus [...] quando esta questão é eliminada, corrompem-se a cultura e a vida moral das nações" (Centesimus annus CA 24). Queridos Bispos, o desafio que deveis enfrentar consiste em fazer com que a voz do cristianismo seja ouvida no contexto público, e que os valores do Evangelho dêem fruto nas vossas sociedades e culturas. A este propósito, é-me grato observar o impacto positivo das vossas cartas pastorais e das vossas declarações sobre as questões relativas às solicitudes contemporâneas nos vossos países.

Por exemplo, na vossa recente Carta Pastoral sobre O matrimónio e a vida familiar, realçastes as numerosas dificuldades que angustiam as famílias cristãs. Observando que a sacralidade do matrimónio é ofuscada pela sua equiparação a diversas formas de coabitação e frisando os efeitos negativos do divórcio nas vossas sociedades, encorajais os cônjuges a perseverar e a desenvolver o valor da indissolubilidade do matrimónio. Desta forma, ajudai-os a tornar-se um sinal precioso da fidelidade absoluta ao amor altruísta do próprio Cristo (cf. Familiaris consortio FC 20).

Com efeito, a instituição do matrimónio foi querida por Deus desde o princípio, e encontra o seu significado mais completo no ensinamento de Cristo. Que momento mais maravilhoso e surpreendente para os cônjuges, ao participarem no acto criativo de Deus, do que o nascimento dos seus próprios filhos? Que maior sinal de esperança para a humanidade, do que uma nova vida? A verdade da sexualidade humana torna-se plenamente visível no amor recíproco dos esposos e na sua aceitação da "máxima dádiva possível, através da qual [eles] se tornam cooperadores de Deus para o dom da vida a uma nova pessoa humana" (Familiaris consortio FC 14). Encorajar os vossos fiéis a promover a dignidade do matrimónio e ensiná-los a valorizar a sua natureza indissolúvel significa ajudá-los a participar no amor de Deus, que é perfeito, íntegro e perenemente vivificador.

4. Os povos da Escandinávia são bem conhecidos pela sua participação nas missões em favor da manutenção da paz, pelo seu profundo sentido de responsabilidade diante das crises ecológicas e também pela sua generosidade, quando se trata de oferecer assistência humanitária. Contudo, o humanismo autêntico sempre inclui Deus. Caso contrário, mesmo não intencionalmente, ele termina por negar aos seres humanos o lugar que lhes compete na criação, e não chega a reconhecer de maneira completa a dignidade que é própria de cada pessoa (cf. Christifideles laici CL 5). Por conseguinte, deveis ajudar as vossas respectivas culturas a fundamentar-se na sua rica herança cristã, na formação do seu entendimento da pessoa humana. Em Cristo, todas as pessoas são irmãos e irmãs, e os nossos gestos de solidariedade para com eles tornam-se actos de caridade e de fidelidade a Cristo, que disse: "Todas as vezes que fazeis isto a um destes pequeninos, é a mim que o fazeis" (cf. Mt Mt 25,45). Este é o fundamento da cultura da vida e da civilização do amor, que procuramos construir, e é inclusivamente a perspectiva que se enconra na base dos vossos esforços com vista a receber um número cada vez maior de migrantes nas vossas terras nórdicas.

5. Os vossos programas ecuménicos locais constituem também uma fonte de encorajamento, porque o testemunho conjunto de todos os cristãos contribuirá em grande medida para fazer com que os valores do Evangelho sejam fecundos na sociedade e o Reino de Deus progrida no meio de vós. A consciência da história conjunta dos cristãos deu vida a uma "renovada fraternidade", da qual deriva uma boa parte dos frutos do diálogo ecuménico: declarações conjuntas (entre as quais, não menos importante, a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação), orações compartilhadas e solidariedade no serviço à humanidade. Correctamente compreendido, o ecumenismo é uma parte integrante do compromisso de todos os cristãos, de dar testemunho da sua fé. Enquanto o caminho ecuménico, justamente, se concentra naquilo que nós temos em comum, sem dúvida não pode descuidar nem subestimar as dificuldades verdadeiramente concretas que ainda devemos enfrentar ao longo do caminho para a unidade. Embora ainda não subsista a plena unidade na nossa fé, isto não deve levar ao desespero mas, pelo contrário, fazer com que todos os crentes consigam aprofundar o seu compromisso de rezar com ardor e de trabalhar com determinação pela unidade que Cristo deseja para a sua Igreja (cf. Jo Jn 17,20-21).

6. Irmãos, o novo milénio exige um "renovado ímpeto na vida cristã" (Novo millennio ineunte NM 29). Os homens e as mulheres do mundo inteiro estão à procura de um significado para a sua vida; eles precisam de crentes que não só lhes "falem" de Cristo, mas também O mostrem. É na nossa contemplação do rosto de Cristo (cf. ibid., n. 16), que conseguimos fazer a sua luz resplandecer de maneira cada vez mais brilhante para os outros. A este propósito, é indispensável oferecer programas de formação para crianças, jovens e adultos. Estas iniciativas pastorais, adaptadas às circunstâncias particulares dos vossos povos, darão muitos frutos de santidade no meio deles, ajudando as pessoas que têm pouco conhecimento de Cristo e que, todavia, estão à procura de uma orientação na vida.

É fundamental para a vossa missão a formação permanente do clero diocesano e dos religiosos, assim como uma formação adequada dos seminaristas. Além disso, a promoção das vocações ao sacerdócio e à vida religiosa deve ser considerada também uma prioridade, ao enfrentardes os desafios apresentados pela evangelização no terceiro milénio cristão. Desta maneira, trabalhareis com vista a assegurar que um número suficiente de homens e de mulheres respondam ao chamamento de Cristo. Algumas das vossas Igrejas particulares estão a experimentar um aumento das vocações à vida consagrada. Trata-se de um sinal clarividente do renovado interesse pela espiritualidade e reflecte o desejo, que se manifesta especialmente no meio dos jovens, de aprofundar a consciência e a compreensão da fé. No vosso múnus de Pastores, encorajo-vos a fomentar este crescimento, fazendo tudo o que vos for possível para facilitar a presença dinâmica das comunidades religiosas e contemplativas no meio dos vossos povos, oferecendo aos vossos presbíteros a necessária ajuda humana e espiritual.

7. Estimados Irmãos no Episcopado, é com afecto fraternal e de bom grado que compartilho estas reflexões convosco e vos encorajo no exercício do carisma da verdade, que o Espírito derramou sobre vós. Asseguro-vos as minhas orações, enquanto continuais a orientar com amor os rebanhos confiados aos vossos cuidados. Unidos na vossa proclamação da Boa Nova de Jesus Cristo, renovados no entusiasmo dos primeiros cristãos e orientados pelo exemplo dos Santos, progridamos na esperança! Que neste Ano do Rosário Maria, Mãe da Igreja, seja a vossa Guia segura, ao "procurardes fazer aquilo que Jesus vos diz" (cf. Jo Jn 2,5). Enquanto vos confio à sua protecção maternal, é de bom grado que vos concedo, a vós e também aos sacerdotes, religiosos e fiéis leigos das vossas Dioceses, a minha Bênção apostólica.



SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UMA DELEGAÇÃO ECUMÉNICA


DE SÃO FRANCISCO (E.U.A.)


Segunda-feira, 7 de Abril de 2003





Estimado Arcebispo D. Levada
Queridos Irmãos e Irmãs em Cristo

Sinto-me feliz por dar as boas-vindas à vossa Delegação ecuménica de católicos, greco-ortodoxos e anglicanos da área de São Francisco. Esta peregrinação que coincide com o 150º aniversário da fundação da Arquidiocese de São Francisco, é um testemunho do vosso compromisso a favor do crescimento da unidade dos cristãos através do diálogo sincero, da oração comum e da colaboração fraterna no serviço do Evangelho. Faço votos para que a vossa visita a esta Cidade, abençoada pelos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo e pela recordação dos primeiros mártires, torne mais profundo o vosso amor a Jesus Cristo e o vosso zelo em favor da difusão do Seu Reino. Num tempo de conflito e de tensão no nosso mundo, rezo para que o vosso testemunho da mensagem evangélica da reconciliação, da solidariedade e do amor seja um sinal de esperança e uma promessa de unidade de uma humanidade nascida de novo e renovada na graça de Cristo. Invoco sobre vós e sobre as vossas comunidades abundantes bênçãos de Deus.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ARGENTINA


SENHOR EDUARDO ALBERTO DUHALDE


EM VISITA OFICIAL


Segunda-feira, 7 de abril de 2003





1. Agradeço profundamente o texto atencioso que, por ocasião da sua visita à Sede do Sucessor do Apóstolo São Pedro, antes de terminar o seu mandato presidencial, teve a amabilidade de me entregar para me dar a conhecer o reconhecimento e o afecto do querido povo argentino. Com a sua presença hoje aqui deseja, sem dúvida, expressar a sincera gratidão dos seus compatriotas pelo contributo da Santa Sé ao serviço do progresso, da paz, da justiça e da dignidade da pessoa humana.

2. A Igreja acompanhou sempre com a sua presença e proximidade o caminho dos argentinos. Sobretudo através do generoso compromisso apostólico dos Pastores dessa querida terra, estimulou-os, especialmente com o anúncio da Palavra do Senhor e com a propagação dos grandes valores evangélicos, a enfrentar com valor e confiança os desafios do momento presente.

Na minha solicitude por toda a Igreja, ao conhecer as grandes dificuldades que tendes que enfrentar todos os dias, sigo com interesse as vicissitudes da Nação argentina neste momento tão premente da história em que os dramáticos acontecimentos que estamos a viver nos fazem recordar a todos, principalmente aos que têm a difícil tarefa de reger o destino dos povos, a responsabilidade que têm diante de Deus e da história na construção de um mundo de paz e de bem-estar espiritual e material.

3. Olhando para a Argentina faço votos para que o património da Doutrina Social da Igreja continue a ser um valoroso instrumento de orientação para superar os problemas que impedem a edificação de uma ordem mais justa, fraterna e solidária. A Igreja, testemunha da esperança, está sempre disposta a servir de instrumento de conciliação e de entendimento entre os diversos sectores que compõem o tecido social, a fim de que todos eles possam cooperar eficaz e activamente para a superação das dificuldades. Trata-se de um diálogo que, excluindo qualquer tipo de violência nas suas diferentes manifestações, ajude a superar os problemas que afectam sobretudo os sectores mais desfavorecidos da sociedade, ajudando desta forma a construir, com a colaboração de todos, um futuro mais digno e humano. Por detrás de situações de injustiça existe sempre uma grave desordem moral, que não melhora empregando unicamente medidas técnicas, mais ou menos acertadas, mas sobretudo promovendo decididamente um conjunto de reformas que favoreçam os direitos e deveres da família como base natural e insubstituível da sociedade. De igual modo, devem estimular-se projectos de defesa e desenvolvimento em favor da vida que tomem em consideração a dimensão ética da pessoa, desde a sua concepção até ao seu fim natural.

4. A fé católica, cuja presença nesse território remonta ao começo do século XVI, é uma das suas riquezas. Ao longo da sua história, a Igreja que peregrina entre o vosso povo produziu frutos abundantes de vida através do trabalho de homens e mulheres de virtudes afirmadas, como a Beata Madre Cabanillas, que tive a honra de elevar aos altares no ano passado, e de tantos cristãos que trabalharam incansavelmente na proclamação do Evangelho como serviço ao bem integral do ser humano. De facto, as profundas raízes católicas que formam o património espiritual da Nação e modelam a sua cultura, a história e alguns enunciados da legislação, deixaram marcas nos princípios fundamentais da Constituição do vosso país, sem deixar de garantir o respeito legítimo da liberdade religiosa. A Argentina sempre demonstrou, o que merece todo o reconhecimento, que sabe acolher no seu seio povos de todas as raças e confissões, que encontraram de La Quiaca até à Terra do Fogo, e das grandes cidades e povo andino aos da costa atlântica, um lugar de convivência pacífica e harmoniosa.

5. Estimulo todos os argentinos sem excepção a continuar a busca do caminho que leva à concórdia, sem esquecer que ele não pode prescindir do respeito e da tutela dos direitos fundamentais da pessoa humana. De igual modo animo todos a continuar a trabalhar incansavelmente para a construção de uma sociedade que facilite a igualdade de oportunidades e afaste qualquer sombra de discriminação entre os seus membros, sem jamais sucumbir aos princípios materialistas que cegam as consciências e endurecem os corações. Neste momento difícil no âmbito das relações internacionais, devemos recordar que só a partir do Evangelho podem inspirar-se em princípios de paz autêntica e duradoura. Peço a Deus que a Nação Argentina, progredindo pelos caminhos da unidade e da solidariedade efectiva, alcance num futuro próximo a prosperidade a que os seus filhos aspiram, depois de terem vivido uma forte crise.

Oxalá quantos exercem responsabilidades de governo, na vida política, administrativa e judicial, assim como os especialistas nas diversas ciências sociais, concordem e se comprometam a realizar as reformas necessárias, para que a ninguém faltem os bens necessários para progredir como pessoa e como cidadão. Preste-se mais atenção aos sectores mais desfavorecidos da sociedade, os pobres em geral e os desempregados, os idosos, os jovens, sem esquecer aqueles que, por motivos óbvios são obrigados a passar as fronteiras, emigrando para outros países em busca de um futuro melhor. Os argentinos, pondo em Deus a sua confiança e contando também com a ajuda da comunidade internacional, devem ser os protagonistas principais e os artífices de uma história pátria serena e promissora para todos.

6. Senhor Presidente, ao regressar à sua Nação transmita aos seus compatriotas a saudação cordial do Papa, com a certeza da sua oração. Invocando a protecção da Mãe dos argentinos, Nossa Senhora de Luján, a todos abençoo com grande afecto.




DIscursos João Paulo II 2003