DIscursos João Paulo II 2003

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


À PROFESSORA GIULIANA CAVALLINI


DAS MISSIONÁRIAS DA ESCOLA



À gentil Professora

GIULIANA CAVALLINI

das Missionárias da Escola

Soube com agrado que o Senado Académico da Pontifícia Universidade de São Tomás, a pedido do Conselho da Faculdade de Teologia, deliberou conceder-lhe, na ocasião do Simpósio europeu sobre Santa Catarina de Sena, a Medalha de Honra do Angelicum pelos méritos adquiridos por Vossa Excelência no decurso da sua longa existência, gasta em grande parte a estudar e difundir o pensamento da Santa de Sena, Patrona da Europa.

Devota filha espiritual de Santa Catarina, honrou a sua riqueza doutrinal, graças também à ajuda da Congregação das Missionárias da Escola, fundada pela Serva de Deus Madre Luísa Tincani. Como membro activo desta Família religiosa, investiu as suas energias intelectuais e espirituais para a glória do Senhor, trabalhando generosamente pela causa da evangelização, na qualidade de Directora do Centro Nacional de Estudos de Santa Catarina.

A incansável actividade cultural e científica, por Si aprofundada, ultrapassou os confins da Itália, suscitando um eco grandioso e um crescente apreço em vários Países, onde é reconhecida como perita de fama internacional sobre Santa Catarina.

Uno-me de boa vontade a quantos lhe estão gratos e, de modo especial, tomo parte com alegria na iniciativa da Pontifícia Universidade de São Tomás ao honrar uma insigne estudiosa, que se empenhou sem desfalecimento em fazer amar e imitar Santa Catarina, insigne Doutora da Igreja.

Enquanto peço a Maria, Rainha do Santo Rosário, que continue a guiá-la no seu empenho de estudo e de vida espiritual, obtendo-lhe a graça de ser corroborada na alegria e na paz, do coração lhe envio uma especial Bênção Apostólica, extensiva aos participantes na celebração, assim como à Comunidade religiosa e a todas as pessoas que lhe são caras.

Vaticano, 26 de Abril de 2003.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PEREGRINOS QUE VIERAM A ROMA


PARA PARTICIPAR NA CERIMÓNIA DE BEATIFICAÇÃO


Segunda-feira, 28 de Abril de 2003





Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no sacerdócio
Caríssimos Religiosos e Religiosas
Irmãos e Irmãs no Senhor!

1. Sinto-me feliz por me encontrar convosco, que ontem participastes na solene cerimónia das Beatificações na Praça de São Pedro. Temos, esta manhã, a agradável possibilidade de nos determos mais uma vez a contemplar as maravilhas que Deus realizou nos novos Beatos, que vos são particularmente queridos. Saúdo com afecto cada um de vós e agradeço-vos a vossa presença.

2. Dirijo-me em primeiro lugar à numerosa e variada Família Paulina e a todos os que, do Piemonte, da Itália e do mundo, quiseram honrar o beato Tiago Alberione. No coração deste sacerdote eleito da Diocese de Alba viveu de novo o coração do apóstolo Paulo, conquistado por Cristo, que se dedicou a anunciá-lo como "Caminho, Verdade e Vida". Atento aos sinais dos tempos, Pe. Alberione não só abriu à evangelização os "púlpitos" modernos da comunicação social, mas concebeu a sua obra como uma acção orgânica no âmbito da Igreja e ao seu serviço. Desta intuição surgiram dez Institutos, que continuam com o mesmo espírito a obra por ele começada. Oxalá o Pe. Alberione, do Céu, ajude a sua Família a ser, como ele desejava, "São Paulo vivo hoje".

3. Saúdo agora os estimados Padres Capuchinhos e quantos exultam pela beatificação do Padre Marco d'Aviano, com um particular pensamento pelos peregrinos vindos da Áustria acompanhados pelo Arcebispo de Viena, o Cardeal Christoph Schönborn.

Marco d'Aviano é um exemplo pela corajosa acção apostólica, apreciada por todos, e pela oração, fiel à tradição franciscana e capuchinha mais genuína. As suas intervenções no âmbito social, sempre destinadas ao bem das almas, constituem um encorajamento também para os cristãos de hoje para difundirem e promoverem os valores evangélicos. O beato Marco d'Aviano proteja a Europa, para que possa construir a sua unidade não descuidando as comuns raízes cristãs.

4. Dirijo-me depois com afecto às Filhas espirituais de Maria Cristina Brando, que receberam da fundadora um empenhativo programa de vida e de serviço eclesial: isto é, o de se unirem a Cristo que se sacrifica pela humanidade na Eucaristia, e de transpor depois o seu amor a Deus no serviço humilde e quotidiano aos irmãos necessitados.

A Virgem Maria, a cuja protecção a nova Beata quis confiar as Irmãs Vítimas Expiadoras de Jesus Sacramentado, vele sempre sobre vós, caríssimas Religiosas, para que, ao manter íntegro o vosso carisma, possais partilhar a preciosa herança recebida com as novas gerações.

5. Além disso, uno-me às Filhas dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria e a todos os que se alegram pela beatificação da Madre Eugénia Ravasco. Tendo-se sentido chamada a "fazer o bem por amor do Coração de Jesus", a nova Beata transformou-se em apóstola fervorosa e incansável, em educadora zelosa dos jovens, sobretudo das moças, às quais não receou propor metas altas de vida cristã. Recomendava aos educadores que seguissem a "pedagogia do amor", e indicou como elementos que não devem ser descuidados na formação da juventude o máximo respeito do aluno e da sua liberdade, a discrição, a compreensão, a alegria e a oração. Gostava de repetir que ensinar é realizar uma missão evangélica. A Madre Eugénia continue do Céu a amparar todas as que dão continuidade à sua benéfica obra na Igreja.

6. Saúdo-vos a vós, com profunda cordialidade, caríssimas Pequenas Irmãs da Sagrada Família, que exultais pela elevação à glória dos altares da vossa co-fundadora, a Madre Maria Domenica Mantovani. Saúdo os fiéis da diocese de Verona, acompanhados pelo seu Pastor, D. Flávio Roberto Carraro, assim como os peregrinos provenientes de diversas regiões da Itália e de várias partes do mundo.

Na escola da Santa Família de Nazaré, Maria Domenica Mantovani, seguindo o fundador, o beato José Nascimbeni, quis fazer de si mesma um dom total a Deus pelo bem dos irmãos. Caríssimas, dela aprendei a responder com espontaneidade à voz de Deus, que chama cada baptizado a tender para a santidade nas circunstâncias ordinárias da vida de cada dia.

Por fim, dirijo o meu pensamento para vós, caríssimos Irmãos e Irmãs que exultais pela beatificação de Júlia Salzano, e sobretudo para as Irmãs Catequistas do Sagrado Coração, por ela fundadas. A beata Salzano soube orientar com coragem inabalável a sua acção educativa para todas as categorias de pessoas, sem distinção de idade, classe social ou profissão, antecipando num certo sentido as orientações da nova evangelização indicadas à Igreja pelo Concílio Vaticano II.

Desejo-vos a vós, seus filhos e filhas espirituais, que percorrais com alegria as pegadas por ela traçadas, prontas para enfrentar qualquer sacrifício para realizar todas as missões que Deus vos confia.

8. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Estes novos Beatos vos ajudem a todos vós a "fazer-vos ao largo" (cf. Lc Lc 5,4), confiando, como eles fizeram, nas palavras de Cristo. E a Virgem Maria, que cada um dos seis Beatos venerou ternamente, vos ajude a cumprir a obra começada em vós pelo Espírito Santo.

Com estes sentimentos e votos, abençoo-vos de coração, juntamente com as vossas comunidades, as vossas famílias e as pessoas que vos são queridas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO NOVO EMBAIXADOR DA REPÚBLICA CHECA


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


Segunda-feira, 28 de Abril de 2003



Excelência

É com alegria que o recebo no Vaticano, no momento em que apresenta as Cartas que o acreditam como Embaixador extraordinário e plenipotenciário da República Checa junto da Santa Sé. Apesar de ter sido realizada há vários anos, ainda conservo viva na minha memória a visita que fiz ao seu País e recordo com gratidão a amabilidade e a hospitalidade com que fui recebido.

Peço-lhe que se digne transmitir as minhas saudações e os meus sinceros bons votos ao novo Presidente, Sr. Václav Klaus, assim como ao governo e ao povo checo. Peço-lhe que lhes transmita a certeza das minhas orações pela paz e pela prosperidade da nação.

As relações diplomáticas da Igreja constituem uma parte da sua missão de serviço à família humana. Se é verdade que esta missão é sobretudo espiritual, e por isso separada da ordem política, o seu desejo sincero de promover relações frutuosas com a sociedade civil provém da sua longa experiência na promoção dos valores universais relativos à verdade e ao amor, à grande variedade de culturas e de nações que constituem o nosso mundo. De facto, é precisamente a tarefa de promover uma compreensão da dignidade da pessoa humana e a paz entre os povos condições fundamentais para o desenvolvimento autêntico dos indivíduos e das nações o motivo da actividade diplomática da Santa Sé. A respeito disto, congratulo-me com os grandes progressos já realizados no que se refere à regulamentação das relações recíprocas entre a Santa Sé e a República Checa, e aguardo com ansiedade a ratificação do relativo Acordo.

Como Vossa Excelência recordou, apesar da liberdade política da qual goza actualmente o povo checo, as consequências ainda visíveis dos regimes totalitários não deveriam ser subestimadas. A história ensina que a passagem da opressão à liberdade é difícil, muitas vezes marcada pela atracção das falsas formas de liberdade e de ilusórias promessas de esperança. Dado que numerosas pessoas tiraram proveito do desenvolvimento económico e da transformação social que o acompanhou, os membros mais débeis da sociedade, sobretudo os pobres, os excluídos, os doentes e as pessoas idosas, devem ser protegidas.

O desenvolvimento autêntico não pode ser obtido unicamente através dos meios económicos. De facto, aquilo que se conhece com o nome de "idolatria do mercado" uma consequência daquilo a que se chama "sociedade de consumo" tende a reduzir as pessoas a objectos e a submeter o ser ao ter (cf. Sollicitudo rei socialis SRS 28). Isto diminui a dignidade da pessoa humana e torna ainda mais difícil a promoção da solidariedade humana. Ao contrário, o reconhecimento da natureza espiritual da pessoa humana e o renovado valor concedido ao aspecto moral do desenvolvimento económico e social devem ser reconhecidos como condições para a transformação da sociedade numa verdadeira civilização do amor. Um projecto como este precisa da orientação das autoridades políticas e religiosas, se queremos que a alma da nação seja suficientemente forte para guiar os seus cidadãos para uma compreensão da fonte da verdade e do amor que dá a sua finalidade ao desenvolvimento e ao progresso de um país.

Outras nações na Europa enfrentam desafios com os quais também a República Checa se deve confrontar. Dado que todos os países no continente celebraram a passagem para o terceiro milénio cristão, numerosas pessoas e grupos reflectiram sobre o papel fundamental e determinante desempenhado pelo cristianismo nas suas culturas locais. De facto, Vossa Excelência realçou que as verdades e os valores do cristianismo estiveram por muito tempo na base do tecido da sociedade europeia, dando forma às suas instituições civis e políticas. Esta grande herança, que tem as suas raízes e forma no Evangelho, chama a nossa atenção para o facto de que a esperança de continuar a edificar um mundo mais justo deve incluir também o reconhecimento de que os esforços humanos separados da sua justa relação com a assistência divina não têm um valor duradouro: "Se não for o Senhor a edificar a casa, em vão trabalham os construtores" (Ps 127,1). É por este motivo que os ensinamentos cristãos afirmam e defendem vigorosamente a origem da dignidade do ser humano e o lugar que ocupa no desígnio de Deus: "O homem recebe de Deus a sua dignidade fundamental e, com ela, a capacidade de transcender qualquer organização da sociedade no sentido da verdade e do bem" (Centesimus annus CA 38).

A respeito disto, não podemos deixar de nos preocupar pelo facto de que o desaparecimento do sentido de Deus levou a uma perda do sentido do homem (cf. Evangelium vitae EV 21) e da sublime maravilha da vida à qual ele está chamado. Enquanto as trágicas catástrofes da guerra e da ditadura continuam a desfigurar em grande medida o desígnio de amor de Deus pela humanidade, a invasão mais subtil do materialismo e do utilitarismo aumenta, e a marginalização da fé prejudica progressivamente a verdadeira natureza da vida como dom de Deus. Quando as nações da Europa caminham para uma nova configuração, o desejo de responder aos desafios de uma ordem mundial em mudança deve estar fundada na proclamação eterna, por parte da Igreja, da verdade que liberta as pessoas e que permite que as instituições culturais e civis realizem verdadeiros progressos.

Por seu lado, a Igreja católica continuará a rezar e a empenhar-se por um maior desenvolvimento do povo e da nação Checa. Como Vossa Excelência realçou gentilmente, ela já participa de maneira activa na formação espiritual e intelectual dos jovens, sobretudo através das suas instituições educativas. Dentro das suas possibilidades, a Igreja alargará a sua missão caritativa sobretudo com o apoio à vida familiar, que constitui o futuro da humanidade (cf. Familiaris consortio FC 86), e com equipamentos médicos e sociais.

Senhor Embaixador, estou convencido de que a sua missão servirá para fortalecer ulteriormente os vínculos de amizade entre a República Checa e a Santa Sé. No momento em que assume o seu novo cargo, garanto-lhe que as diversas repartições da Cúria Romana lhe darão a assistência de que poderá precisar para o cumprimento da sua missão. Sobre Vossa Excelência e sobre os seus concidadãos, invoco cordialmente a abundância das Bênçãos divinas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA


DA PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA


Terça-feira, 29 de Abril de 2003



Senhor Cardeal
Estimados Membros
da Pontifícia Comissão Bíblica!

1. É com grande alegria que vos recebo neste encontro que se realiza na ocasião da vossa sessão romana anual de trabalho, na qual levais a um progressivo e orgânico amadurecimento as investigações que cada qual realizou. Agradeço ao Cardeal Joseph Ratzinger, que se fez intérprete dos sentimentos de todos vós.

Dois motivos tornam este encontro particularmente agradável: a celebração do centenário da instituição da vossa Comissão e o tema sobre o qual trabalhastes ao longo dos últimos anos.

A Pontifícia Comissão Bíblica serve a causa da Palavra de Deus segundo os objectivos que lhe foram fixados pelos meus predecessores Leão XIII e Paulo VI. Ela caminhou com os tempos, partilhando angústias e ansiedades, preocupando-se com detectar na mensagem da Revelação a resposta que Deus oferece aos graves problemas que, de época para época, perturbam a humanidade.

2. Um deles é o objecto da vossa actual pesquisa. Resumiste-lo no título "Bíblia e moral". Todos vemos diante de nós uma situação com características paradoxais: o homem de hoje, desiludido por tantas respostas que não satisfazem as interrogações fundamentais da vida, parece que se abre à voz que provém da Transcendência e se exprime na mensagem bíblica. Mas, ao mesmo tempo, ele mostra-se cada vez mais impaciente em relação às exigências de comportamentos em harmonia com os valores que, desde sempre, a Igreja apresenta como fundados no Evangelho. Assiste-se então a diversas tentativas de separar a revelação bíblica das propostas de vida mais comprometedoras.

A escuta atenta da Palavra de Deus tem respostas a dar a esta situação, que encontra a sua expressão plena no ensinamento de Cristo.

Queridos Professores e estudiosos, desejo confortar-vos na vossa fadiga, garantindo-vos que ela é útil como nunca para o bem da Igreja. Para que os frutos do vosso trabalho sejam abundantes, garanto-vos a minha oração e acompanho-vos com a Bênção apostólica.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PREPÓSITO-GERAL DA ORDEM


DOS CARMELITAS DESCALÇOS


NA OCASIÃO DO 89° CAPÍTULO GERAL


28 de Abril de 2003




Ao Reverendíssimo Padre Camilo Maccise
Prepósio-Geral dos Carmelitas Descalços


1. Desejo em primeiro lugar agradecer-lhe a amabilidade que teve de me informar da celebração do 89º Capítulo Geral Ordinário da Ordem dos Carmelitas Descalços, que será realizado em Ávila de 28 de Abril a 18 de Maio do corrente ano. Ao aproximar-se este acontecimento, é-me grato enviar-lhe esta mensagem, à qual junto uma cordial saudação para Vossa Reverência e para os Padres Capitulares, assegurando-lhes a minha proximidade espiritual na oração para que a luz do Espírito Santo guie a sua reflexão e discernimento durante os trabalhos dessa Assembleia.

A Família dos Carmelitas Descalços, formada por frades, monjas e leigos, nasce de um só carisma e está chamada a seguir uma vocação comum, respeitando contudo a autonomia e a índole específica de cada grupo. O tema escolhido para o Capítulo - A caminho com Santa Teresa e com São João da Cruz: voltar ao essencial - realça a firme vontade da Ordem de permanecer fiel ao carisma que, suscitado pelo Epírito num determinado contexto histórico e eclesial, se desenvolveu ao longo dos séculos e se destina a produzir também hoje frutos de santidade na Igreja "para proveito de todos" (1Co 12,7), respondendo aos desafios do terceiro milénio.

É vosso propósito "partir" do Evangelho, baseando-vos nos valores da vida consagrada, e nas vossas próprias origens. Quereis fazê-lo em Ávila, lugar que conserva viva a herança da experiência e da doutrina de Santa Teresa de Jesus e de São João da Cruz. Ali tive ocasião de admirar e venerar não só "os mestres espirituais da minha vida interior, como dois faróis luminosos da Igreja" (Homilia na missa de Santa Teresa de Jesus, Ávila, 1/XI/1982, 2).

2. O carisma da fundação compreende-se melhor à luz da parábola evangélica dos talentos (cf. Mt Mt 25,14-30), porque provém da magnanimidade do Senhor, juntamente com os outros, faz parte do tesouro da Igreja. Segundo esta conhecida parábola, o "servo bom e fiel" (Mt 25,21 Mt 25,23) sente-se honrado pela confiança que lhe foi concedida e usa os talentos de modo responsável, obedecendo à vontade do seu Senhor, porque sabe que lhe pertencem e que a Ele deverá prestar contas. Manifesta a sua sabedoria administrando sensatamente o dom recebido, que é fundamental em todas as suas dimensões, e procurando tirar dele o maior rendimento possível.

Os dons do Espírito são vivos e dinâmicos, como a semente que, se for lançada à terra, "germina e cresce" (Mc 4,27) perante a admiração do próprio agricultor. Na reflexão sobre os aspectos fundamentais do vosso carisma, é bom ter como ponto de partida os frutos já alcançados, pois eles, segundo o critério evangélico, permitem-nos reconhecer a validade da árvore da qual provêm (cf. Mt Mt 7,15-20). Este método exige respeito pela história do próprio carisma, que deu em todas as épocas frutos bons e abundantes. Por isso, "a fidelidade ao carisma da fundação" é também fidelidade ao seu "consequente património espiritual" (Vita consecrata VC 36). De facto, numerosos consagrados deram testemunho eloquente de santidade e realizaram empreendimentos de evangelização e de serviço particularmente generosos e difíceis (cf. ibid., 35).

Também a vós, como aos outros religiosos e religiosas, vos repito que "não tendes só uma história gloriosa para recordar e contar, mas uma grande história para construir" (Ibid., 110). Por isso é necessário empenhar-se por eliminar tudo o que impeça o crescimento do carisma. O melhor serviço que se pode prestar ao dom recebido é a purificação do coração mediante frutos dignos de conversão (cf. Mt Mt 3,8). "Com efeito, a vocação das pessoas consagradas de procurar em primeiro lugar o Reino de Deus é, principalmente, uma chamada à plena conversão, na renúncia de si mesmo para viver totalmente no Senhor" (Vita consecrata VC 35). Trata-se de uma tarefa contínua, dado que, como realçou a Congregação para a Vida consagrada e as Sociedades de Vida apostólica, não se pode ignorar a insídia da mediocridade na vida espiritual, do aburguesamento progressivo, e da mentalidade consumista, do afã pela eficiência ou a desmedida do activismo (cf. Instrução Caminhar a partir de Cristo, 12).

3. Para responder aos desafios da época actual, a Igreja realça o "dever permanente de perscrutar profundamente os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho" (Gaudium et spes, GS 4). Assim, ao convidar para seguir o exemplo dos "fundadores e fundadoras que, abertos à acção do Espírito Santo, souberam interpretar os sinais dos tempos e responder de maneira clarividente às exigências que pouco a pouco vão surgindo" (Vita consecrata VC 9), recomenda às pessoas consagradas que acolham no mais profundo os desígnios da Providência, guiados "pelo discernimento sobrenatural, que sabe distinguir entre o que provém do Espírito e o que lhe é contrário" (ibid., 73).

O Espírito guia os fiéis para Cristo, que é a "verdade total" (Jn 16,13). Portanto, é necessário prestar atenção ao que Jesus disse durante a sua vida terrena. Impressiona a resposta que Ele, enviado pelo Pai aos pobres, aos presos, aos cegos e aos oprimidos (cf. Lc Lc 4,18), deu às expectativas do seu tempo: permaneceu durante trinta anos numa vida oculta, no silêncio de Nazaré. Começou o seu ministério público passando quarenta dias no deserto, no fim dos quais afastou as tentações do maligno. Depois manteve-se distante dos nazarenos, que pretendiam ser privilegiados nos prodígios que Jesus fazia (cf. Mc Mc 1,38) ou da multidão que queria fazer dele um rei: "retirou-se de novo para o monte" (Jn 6,15). Respondeu às perguntas da humanidade tanto com a condescendência como com a contradição, mas em todo o caso com a firmeza própria do "sinal de contradição" (Lc 2,34).

Devido ao carácter profético da vida consagrada, também vós, queridos Irmãos Descalços de Nossa Senhora do Monte Carmelo, deveis estar atentos para discernir e preparados para responder às expectativas do momento actual, por vezes descendo do monte pelos caminhos do mundo e continuando a servir o Reino de Deus (cf. Vita consecrata VC 75), e outras vezes voltando à solidão para velar com o Senhor em lugares afastados (cf. Mc Mc 1,45).

Partir do essencial significa caminhar a partir de Cristo e do seu Evangelho, lido com a óptica do próprio carisma. Assim fizeram os fundadores e fundadoras sob a acção do Espírito Santo. Devemos preservar a sua experiência e, lentamente, aprofundá-la e desenvolvê-la com a mesma abertura e docilidade à acção do Espírito, pois assim salvaguarda-se quer a fidelidade à experiência primordial quer o modo de responder adequadamente às exigências em mudança de cada momento histórico.

Nesta perspectiva compreende-se bem a importância que tem uma "referência renovada à Regra" (Vita consecrata VC 37), que indica um itinerário para seguir Jesus, caracterizado por um carisma específico reconhecido pela Igreja. As pessoas consagradas têm nela um critério certo para procurar formas de testemunho capazes de responder às necessidades de hoje sem perder de vista a inspiração original (cf. ibid., 37).

4. Todos vós, queridos irmãos, ao abraçar a vida consagrada empreendestes "um caminho de conversão contínua, de entrega exclusiva ao amor de Deus e dos irmãos" (ibid., 109). É uma opção que não se baseia apenas nas forças humanas, mas, antes de mais, na graça divina, que transforma o coração e a vida. A humanidade tem sede de testemunhas autênticas de Cristo. Mas, para o ser, é necessário caminhar para a santidade, que já floresceu abundantemente na vossa família religiosa. Penso nos santos e santas forjados no Carmelo e, de maneira particular, na herança inestimável que São João da Cruz e Santa Teresa de Jesus deixaram à vossa Ordem e a toda a Igreja.

"Aspirar à santidade: é este, em síntese, o programa de toda a vida consagrada" (ibid., 93); um caminho que exige que se abandone tudo por Cristo para participar plenamente do seu mistério pascal. O crescimento da vida espiritual deve ser sempre a primeira finalidade das Famílias de vida consagrada, porque é precisamente a qualidade espiritual da vida consagrada que incide sobre as pessoas do nosso tempo, sedentas também de valores absolutos (cf. ibid.).

Partilho com afecto estas reflexões e exortações com todos vós, queridos membros do Capítulo, e invoco a efusão de abundantes dons do Espírito sobre os vossos trabalhos, a fim de que a Ordem dos Carmelitas Descalços prossiga o seu caminho de fidelidade dinâmica à própria vocação e missão.

Que a Santíssima Virgem Maria, Mãe do Carmelo, e os santos Teresa de Jesus e João da Cruz obtenham para vós e para toda a Família dos Carmelitas Descalços abundantes graças divinas, em penhor das quais concedo de coração a implorada Bênção apostólica.

Vaticano, 21 de Abril de 2003.



                                                                                 Maio de 2003

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA


DA PONTIFÍCIA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


Sexta-feira, 2 de Maio de 2003





Senhor Presidente
Distintos Membros da Pontifícia
Academia das Ciências Sociais

Sinto-me feliz por vos saudar por ocasião da vossa Nona Sessão Plenária e faço os meus melhores votos para o vosso trabalho durante estes dias de debate, centrados sobre o tema do "governo da globalização". Tenho confiança em que a competência e a experiência com que cada um de vós contribui para este encontro ajudarão a esclarecer o modo melhor de orientar e disciplinar a globalização em benefício de toda a família humana.

De facto, os processos através dos quais os capitais, os bens, as informações, as tecnologias e os conhecimentos são hoje permutados e circulam em todo o mundo, muitas vezes evitam os mecanismos tradicionais de controlo realizados pelos governos nacionais e pelas agências internacionais. Os interesses particulares e os requisitos do mercado muitas vezes prevalecem sobre a preocupação pelo bem comum. Isto leva a deixar os membros mais débeis da sociedade sem uma protecção adequada e pode obrigar populações inteiras e culturas a uma difícil luta pela sobrevivência.

Além disso, é preocupante assistir a uma globalização que agrava as condições dos necessitados, que não contribui de maneira suficiente para resolver situações de fome, pobreza e desigualdade social, que não salvaguarda o ambiente natural. Estes aspectos da globalização podem suscitar reacções extremas, levando ao nacionalismo excessivo, ao fanatismo religioso e até a actos de terrorismo.

Tudo isto se afasta bastante do conceito de uma globalização eticamente responsável, capaz de tratar todos os povos como interlocutores paritários e como instrumentos passivos. Por conseguinte, não pode haver dúvidas sobre a necessidade de orientações-guia que ponham a globalização firmemente ao serviço do desenvolvimento humano autêntico o desenvolvimento de cada pessoa e de todas as pessoas no pleno respeito dos direitos e da dignidade de cada um.
É então evidente que o problema não é a globalização em si. Mas antes, as dificuldades surgem da falta dos mecanismos eficazes para lhe dar uma justa direcção. A globalização deve estar inserida no contexto mais amplo de um programa político e económico que tenha em vista o progresso autêntico de toda a comunidade. Desta forma, servirá toda a família humana, sem beneficiar apenas poucos privilegiados, mas promovendo o bem comum de todos. Assim, o verdadeiro sucesso da globalização será avaliado na medida em que permitirá a cada pessoa gozar dos bens fundamentais que são a alimentação e a casa, a educação e o trabalho, a paz e o progresso social, o desenvolvimento económico e a justiça. Não é possível alcançar este objectivo sem a orientação da comunidade internacional e sem uma regulamentação adequada por parte das instituições políticas de todo o mundo.

Com efeito, na minha Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2003, anotei que chegou o momento "em que todos devem colaborar para a constituição de uma nova organização de toda a família humana" (n. 6), uma organização que esteja numa posição que possa enfrentar as novas exigências de um mundo globalizado. Isto não significa criar um "super-Estado global", mas continuar o processo já em acto para aumentar a participação democrática e promover a transparência e a responsabilidade política.

A Santa Sé está plenamente consciente das dificuldades de estudar mecanismos concretos para a justa regulamentação da globalização, não apenas devido à resistência que esta regulamentação encontraria em certos ambientes. Contudo, é fundamental que se realize um progresso nesta direcção, e que cada esforço se baseie nas imutáveis virtudes sociais da verdade, da liberdade, da justiça, da solidariedade, da subsidiariedade e, sobretudo, da caridade, que é a mãe e a perfeição de todas as virtudes cristãs e humanas.

Queridos Membros da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, agradeço-vos antecipadamente o discernimento que o vosso encontro dará à questão examinada, e rezo para que o Espírito Santo guie e ilumine as vossas decisões. Concedo a todos com alegria a minha Bênção apostólica em penhor de graça e força no Senhor Ressuscitado.



VIAGEM APOSTÓLICA À ESPANHA


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NA CERIMÔNIA DE CHEGADA


NO AEROPORTO DE MADRID-BARAJAS


3 de Maio de 2003





Majestades
Senhores Cardeais
Senhor Presidente
e distintas Autoridades
Senhores Bispos
Queridos Irmãos e Irmãs

1. É com grande emoção que venho de novo à Espanha na minha quinta Viagem Apostólica a esta nobre e querida Nação. Saúdo-vos muito cordialmente a todos vós que vos encontrais aqui, e a quantos seguem este acto através da rádio ou da televisão, dirigindo-vos com muito carinho as palavras do Senhor ressuscitado: "A paz seja convosco".

Desejo para cada um de vós a paz que só Deus, por meio de Jesus Cristo, nos pode dar; a paz que é obra da justiça, da verdade, do amor, da solidariedade; a paz de que os povos gozam quando seguem as orientações da lei de Deus; a paz que faz com que os homens e os povos se sintam irmãos uns dos outros.

A paz seja contigo, Espanha!

2. Agradeço a Sua Majestade o Rei Dom João Carlos I a sua presença aqui, juntamente com a Rainha, e de modo particular as palavras que me dirigiu ao dar-me as boas-vindas em nome do povo espanhol. Agradeço também a presença do Presidente do Governo e das outras Autoridades civis e militares, manifestando-lhes o meu apreço pela colaboração prestada para a realização dos diversos actos desta visita.

Saúdo com afecto o Senhor Cardeal Antonio María Rouco Varela, Arcebispo de Madrid e Presidente da Conferência Episcopal Espanhola, os Senhores Cardeais, os Arcebispos e Bispos, os sacerdotes, as pessoas consagradas e os restantes fiéis que formam a comunidade católica, quase duas vezes milenária, deste País: Sois o povo de Deus que peregrina na Espanha! Um povo que ao longo da sua história deu tantas provas de amor a Deus e ao próximo, de fidelidade à Igreja e ao Papa, de nobreza de sentimentos, de dinamismo apostólico. Obrigado a todos vós por este cordial acolhimento.

3. Amahã terei a honra de canonizar cinco filhos desta terra. Eles souberam aceitar o convite de Jesus Cristo: "Sereis minhas testemunhas" anunciando-o com a sua vida e com a sua morte. Neste momento histórico eles são luz no nosso caminho para viver com vigor a fé, para infundir amor ao próximo e para prosseguir com esperança a construção de uma sociedade baseada na convivência pacífica e na dignidade moral e humana de cada cidadão. Sigo sempre com profundo interesse as vicissitudes da Espanha. Vejo com satisfação o seu progresso para o bem-estar de todos. O processo de desenvolvimento de uma nação deve basear-se nos valores autênticos e permanentes, que procuram o bem de cada pessoa, sujeito com direitos e deveres, desde o primeiro momento da sua existência e acolhimento na família, e nas etapas sucessivas da sua inserção e participação na vida social.

Esta tarde, encontrar-me-ei com os jovens e espero esse momento com entusiasmo, o qual me permitirá entrar em contacto com aqueles que estão chamados a ser os protagonistas dos novos tempos. Tenho total confiança neles e estou certo de que é grande a sua vontade de não desiludir a Deus, a Igreja nem a sociedade a que pertencem.


4. Neste momento transcendental para a consolidação de uma Europa unida, desejo recordar as palavras com as quais me despedi, em Santiago de Compostela, ao terminar a minha primeira viagem apostólica em terras de Espanha em Novembro de 1982. Dali exortei a Europa com um grito cheio de amor, recordando-lhe as suas raízes cristãs ricas e fecundas: "Europa, volta a encontrar-te. Sê tu mesma. Reaviva as tuas raízes!". Tenho a certeza de que a Espanha contribuirá com a rica herança cultural e histórica das suas raízes católicas e dos seus valores para a integração de uma Europa que, a partir da pluralidade das suas culturas e respeitando a identidade dos seus Estados membros, procura uma unidade baseada nos critérios e princípios nos quais prevaleça o bem integral dos seus cidadãos.

5. Imploro do Senhor para a Espanha e para todo o mundo uma paz fecunda, estável e duradoura, bem como uma convivência na unidade, no quadro da maravilhosa e variada diversidade dos seus povos e cidades.

Que pela intercessão da Virgem Imaculada e do Apóstolo Santiago, Deus abençoe a Espanha!




DIscursos João Paulo II 2003