DIscursos João Paulo II 2003

4. A questão do cuidado pastoral dos católicos orientais, tanto na Índia como no estrangeiro, continua a constituir uma preocupação da Conferência dos Bispos Católicos da Índia e do Sínodo das Igreja Sírio-Malabar. Neste circunstância, desejo realçar a "urgente necessidade de ultrapassar medos e equívocos que foram surgindo ao longo do tempo quer nas Igrejas Católicas Orientais entre si, quer entre elas e a Igreja Latina, especialmente no que diz respeito ao cuidado pastoral dos seus fiéis, mesmo fora dos seus próprios territórios" (Ecclesia in Asia ). É encorajador observar os passos que já destes, procurando encontrar uma solução para este problema. Estou convencido de que vós haveis de continuar a trabalhar em estreita união com os vossos Irmãos Bispos de Rito Latino e com a Santa Sé, com vista a assegurar que os sírio-malabares de toda a Índia e do mundo inteiro recebam a assistência espiritual que merecem, no respeito estrito das disposições canónicas que são, como sabemos, instrumentos apropriados para a preservação da comunhão eclesial (cf. Christus Dominus, CD 23 Código de Direito Canónico, cân. CIC 383 par. CIC 2 Código de Direito Canónico das Igrejas Orientais, cân. CIC 916 par. CIC 4). É necessário que se façam distinções clarividentes entre o trabalho da evangelização e o do cuidado pastoral dos católicos orientais. E isto deve ser feito sempre com respeito pelos Bispos locais, que são destinados pelo Espírito Santo para governar a santa Igreja de Deus, em união com o Pontífice Romano, o Pastor da Igreja universal.

5. A caridade impele cada um dos cristãos a ir e anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo até aos confins da terra. Como o Apóstolo afirma, "se anuncio o Evangelho, não me devo vangloriar. É uma necessidade que me é imposta. Ai de mim se não anunciar o Evangelho!" (1Co 9,16). A evangelização encontra-se no centro da fé cristã. A Índia, abençoada com culturas tão diferentes, e uma terra em que o povo tem sede de Deus; e isto faz da vossa liturgia distintamente indiana uma excelente via de evangelização (cf. Ecclesia in Asia ).

A evangelização autêntica é sensível à cultura e aos costumes locais, sempre respeitando o "direito inalienável" de todas e de cada uma das pessoas à liberdade religiosa. Aqui, permanece válido este princípio: "A Igreja propõe, ela não impõe nada" (Redemptoris missio RMi 39). Por conseguinte, nos relacionamentos com os vossos irmãos e irmãs das outras religiões, encorajo-vos a "procurar discernir e promover tudo aquilo que é bom e santo nos outros, de tal maneira que, em conjunto, possais reconhecer, preservar e fomentar as verdades espirituais e morais, as únicas que podem garantir o futuro do mundo" (cf. Discurso aos líderes religiosos da Índia, 7 de Novembro de 1999, n. 3). Contudo, esta abertura nunca pode diminuir a obrigação de proclamar Jesus Cristo como "o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jn 14,6). Pois a Encarnação de nosso Senhor enriquece todos os valores humanos, tornando-os capazes de dar frutos novos e melhores.

6. Uno-me a vós em acção de graças pelo facto de as vossas Eparquias terem sido abençoadas com tantos sacerdotes e religiosos. A todos eles transmito a certeza das minhas orações pelo bom êxito do seu ministério e pela constante fidelidade à sua vocação. O peso da vossa missão pastoral não poderia ser carregado sem o clero, que são os vossos cooperadores no ministério sagrado. A vossa necessidade indispensável dos sacerdotes impele-vos a promover um vigoroso vínculo com eles. Eles são os vossos filhos e amigos. Como seus pais e confidentes, vós deveis estar sempre "prontos para os ouvir e para cultivar uma atmosfera de espontânea familiaridade com eles, facilitando assim o trabalho pastoral de toda a Diocese" (Christus Dominus, CD 16).

Do mesmo modo, os religiosos confiados aos vossos cuidados são membros da vossa família. O testemunho oferecido por tantos homens e mulheres consagrados numa vida de castidade, pobreza e obediência sobressai como um verdadeiro sinal de contradição numa nação que está a tornar-se cada vez mais secularizada. "Num mundo onde frequentemente fica ofuscado o sentido da presença de Deus, as pessoas consagradas hão-de dar um testemunho profético convicto da primazia de Deus e da vida eterna" (Ecclesia in Asia ). O Bispo deveria ajudar a assegurar que os candidatos à vida religiosa fossem preparados para enfrentar este desafio, através de uma apropriada formação espiritual e teológica. Estou convicto de que vós haveis de encorajar os religiosos das vossas Eparquias a continuarem a rever, aperfeiçoar e melhorar os seus programas de formação, de tal modo que possam corresponder às necessidades específicas sentidas pela comunidade sírio-malabar.

7. A visita ad Limina oferece-vos uma oportunidade, como Pastores de Igrejas particulares, de compartilhar comigo um ponto de vista sobre o modo como o Espírito Santo está a agir nas vossas Eparquias. Em união fraternal com o vosso Venerável Arcebispo-Mor, vós compartilhastes os desafios e as realizações que caracterizam a Igreja Sírio-Malabar e os seus fiéis leigos que, diariamente, procuram cumprir as suas promessas baptismais. Neste ano do Rosário, confio-vos, assim como o vosso clero, os religiosos e os fiéis leigos à protecção de Nossa Santíssima Senhora e concedo-vos a todos a minha Bênção apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PRELADOS DA IGREJA SÍRIO-MALANCAR


DE RITO ORIENTAL DA ÍNDIA


13 de Maio de 2003




Vossa Graça
Dilectos Irmãos Bispos

1. "Christo pastorum Principi". Repetindo as palavras que o meu ilustre Predecessor, o Papa Pio XI, pronunciou quando recebeu os vossos predecessores na plena comunhão, há pouco mais de setenta anos, é-me grato dar-vos as boas-vindas a vós, Bispos da Igreja Sírio-Malancar, por ocasião da vossa visita "ad Limina". Reunindo-me convosco, aproximo-me ainda mais dos sacerdotes, dos religiosos, das religiosas e dos fiéis leigos das vossas Eparquias. Com efeito, enquanto a vossa comunidade está a celebrar o quinquagésimo aniversário da morte do Arcebispo Mar Ivanios, um incansável apóstolo da unidade, é oportuno que vos encontreis junto dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, rezando com Cristo "ut unum sint". Aproveito este ensejo para saudar de maneira especial o Arcebispo D. Cyril Mar Baselios. Estou-lhe agradecido pelos bons votos que me dirigiu em nome de cada um e de todos os membros do clero, dos religiosos e dos fiéis leigos da Igreja Sírio-Malancar.

Enquanto damos graças, em conjunto, por estas importantes pedras angulares da nossa vida eclesial, recordamos também as múltiplas bênçãos que a vossa Igreja recebeu num período relativamente breve. Tornastes-vos uma das comunidades católicas de mais rápido crescimento no mundo inteiro e agora podeis contar com numerosas vocações para o sacerdócio e a vida religiosa, e o vosso pusillus grex é a casa de muitas instituições educativas e assistenciais. O novo mandato de Cristo, que nos exorta a ultrapassar os confins da família, da raça, da tribo ou da nação, manifesta-se de maneira concreta através da vossa generosidade para com o próximo (cf. Mt Mt 5,44).

2. Um compromisso corajoso no amor cristão, manifestado de maneira tão clarividente na comunidade sírio-malancar, é o resultado de uma espiritualidade vigorosa e vibrante. O povo da Índia sente-se, justamente, orgulhoso da sua rica herança cultural e espiritual, expressa nas características inatas da "contemplação, simplicidade, harmonia, desapego, não-violência, disciplina, vida frugal, sede de conhecimentos e investigação filosófica", que caracterizam as pessoas que vivem nesse subcontinente. Estas mesmas características fazem parte da comunidade sírio-malancar, permitindo que a Igreja "comunique o Evangelho de modo a ser fiel tanto à sua própria tradição como à sua alma asiática" (cf. Ecclesia in Asia ).

A herança mística do vosso continente não se exprime somente na vida espiritual dos vossos fiéis, mas observa-se inclusivamente nos vossos antigos ritos. A antiga e respeitada tradição litúrgica sírio-malancar constitui um tesouro que reflecte a natureza universal da obra salvífica de Jesus Cristo, no contexto peculiar indiano. Na vossa celebração eucarística, assim como em todas as celebrações do Sacrifício pascal, ""está encerrado todo o bem espiritual da Igreja, ou seja, o próprio Cristo, nossa Páscoa e nosso Pão vivo [...]" Por isso, o olhar da Igreja está continuamente voltado para o seu Senhor, presente no Sacramento do altar, onde ela descobre a plena manifestação do seu imenso amor" (Ecclesia de Eucharistia EE 1).

3. Num momento de crescente secularismo e, por vezes, de aberto desprezo pela santidade da vida humana, os Bispos são chamados a recordar ao povo, através da sua pregação e dos seus ensinamentos, a necessidade de uma reflexão cada vez mais profunda sobre as questões morais e sociais. A presença sírio-malancar nos âmbitos da educação e dos serviços sociais põe-vos numa posição excelente, com vista a preparar todos os homens e mulheres de boa vontade para enfrentar tais questões de maneira verdadeiramente humana. Com efeito, todos os cristãos têm a obrigação de participar nesta missão profética, assumindo uma posição firme contra a actual crise de valores e recordando constantemente aos outros as verdades universais que se devem manifestar na vida de todos os dias. Com muita frequência, esta lição é ensinada mais através das acções do que mediante as palavras. Como afirma o Apóstolo Paulo: "Procurai a caridade. Aspirai também aos dons do Espírito, sobretudo à profecia" (1Co 14,1).

Para enfrentar este desafio de maneira adequada, é necessária uma inculturação da ética cristã a todos os níveis da sociedade humana; trata-se de uma tarefa difícil e delicada. "Por meio da sua própria missão, a Igreja caminha juntamente com toda a humanidade e experimenta com o mundo a mesma sorte terrestre; e é como que o fermento e a alma da sociedade humana, destinada a renovar-se em Cristo e a transformar-se em família de Deus" (Catecismo da Igreja Católica, CEC 854). A vossa longa experiência como pequena comunidade de cristãos numa terra, onde a maioria é não-cristã, preparou-vos para ser este "fermento", este oportuno instrumento de transformação. Tal processo nunca é simplesmente "exterior", mas exige uma mudança interior dos valores culturais, através da integração no cristianismo e a sua consequente inserção nas diversas culturas humanas. Contudo, esta tarefa complicada não pode ser realizada sem uma reflexão e uma avaliação adequadas, assegurando que a mensagem salvífica de Cristo nunca se desvirtue ou fique alterada, na tentativa de a tornar mais cultural ou socialmente aceitável (cf. Ecclesia in Asia ).

4. O vosso ministério especial, como Pastores de rebanhos que estão a crescer, exige uma cooperação estreita com os vossos colaboradores. Como escrevi na minha Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, "os presbíteros existem e agem para o anúncio do Evangelho ao mundo e para a edificação da Igreja em nome e na pessoa de Cristo, cabeça e pastor" (n. 15).

São necessários embaixadores bem preparados para este ministério de "edificar a Igreja". Por este motivo, os Bispos devem trabalhar incessantemente para ir ao encontro dos jovens e para os encorajar a responder à vocação ao sacerdócio e à vida religiosa. A este respeito, rezo a fim de que continueis a fazer tudo o que é possível para assegurar que, quantos têm uma vocação sacerdotal ou religiosa, recebam uma boa formação. Isto significa assegurar que os seminários que estão sob os vossos cuidados sejam sempre modelos de formação, em conformidade com o exemplo de Jesus Cristo e segundo o seu mandamento do amor (cf. Jo Jn 15,12). A formação deve estar centrada de modo específico em Cristo, através da proclamação das Sagradas Escrituras e da celebração dos Sacramentos.

O mesmo é válido para a formação dos candidatos à vida consagrada. "A todos devem ser assegurados uma formação e um treino apropriados, que estejam centrados em Cristo [...] realçando-se a santidade pessoal e o testemunho; a sua espiritualidade e o seu estilo de vida deveriam prestar atenção à herança religiosa das pessoas entre as quais eles estão a viver e servir" (Ecclesia in Asia ). Como Bispos, sois uma fonte de orientação e de fortaleza para as comunidades religiosas das vossas Eparquias. Através da cooperação estreita com os superiores religiosos, deveis contribuir para garantir que a formação recebida pelos candidatos transforme o seu coração, a sua mente e a sua alma, de tal maneira que possam dar-se a si mesmos sem reservas, ao serviço da Igreja. A vossa orientação convicta contribuirá em grande medida para encorajar as comunidades religiosas a perseverar no seu exemplo edificante, como testemunhas da alegria de Cristo.

5. Caros Irmãos e Irmãs, estas são algumas das reflexões suscitadas pela vossa visita. A solenidade da Páscoa, que acabámos de celebrar, exorta-vos a permitir que o Senhor ressuscitado renove constantemente as Igrejas confiadas à vossa solicitude. Confiando-vos a Maria, Rainha do Rosário, rezo a fim de que, através da sua intercessão, o Espírito Santo vos cumule de alegria e de paz, enquanto vos concedo a minha Bênção apostólica a vós, aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas e aos fiéis leigos das vossas Eparquias.



DISCURSO DO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO NOVO EMBAIXADOR DA AUSTRÁLIA


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


15 de Maio de 2003



Excelência

É com prazer que, hoje, lhe dou as boas-vindas e aceito as Cartas Credenciais mediante as quais Vossa Excelência é designado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da Austrália junto da Santa Sé. Embora já tenham passado vários anos, as minhas visitas pastorais ao seu país permanecem claramente gravadas na minha mente. Recordo de maneira especial a beatificação de Maria MacKillop, aquela filha leal da Igreja que, de forma particular para os australianos, se tornou um modelo de discipulado cristão. Excelência, estou-lhe grato pelas saudações que me transmitiu da parte do governo e do povo da Austrália. Peço-lhe a amabilidade de lhes comunicar os meus melhores votos e de lhes assegurar as minhas preces pela paz e o bem-estar da nação.

Os ideais e os valores humanos de todos, com os quais tanto a Santa Sé como a Austrália procuram resolver os problemas que se apresentam à humanidade contemporânea devem continuar a encontrar a justa ressonância, mesmo nas sociedades caracterizadas por um profundo individualismo e pelo aumento do secularismo. A este respeito, a missão diplomática da Santa Sé procura apresentar uma visão de esperança a um mundo cada vez mais dividido. O compromisso da Igreja com vista a esta finalidade, considerando a sua defesa da dignidade da vida humana e da promoção dos direitos do homem, da justiça social e da solidariedade, deriva do reconhecimento da origem comum de todas as pessoas e visa o destino comum das mesmas. Nesta perspectiva, a dimensão transcendente da vida actua em ordem a opor as tendências à fragmentação e ao isolamento sociais, tão tristemente marcantes em muitas sociedades contemporâneas.

A solidariedade para com as nações em vias de desenvolvimento constitui uma característica bastante conhecida e elogiável do seu povo. O compromisso dos australianos nas missões de manutenção da paz, a sua assistência generosa aos programas de ajuda e, mais recentemente, o seu apoio a Timor Leste, uma Nação que acaba de conquistar a sua independência, tudo isto põe em justa evidência o desejo que eles têm de contribuir para a segurança internacional e a estabilidade necessária para o autêntico progresso social e económico. Fundamentando-se na força dos numerosos anos de sólida diplomacia da Austrália, o seu papel emergente como líder na região da Ásia e do Pacífico oferece à sua Nação a oportunidade de se tornar um promotor de paz cada vez mais importante para aqueles países que procuram alcançar a devida maturidade no campo da solidariedade internacional. Isto pôde ser particularmente observado quando foi perpetrada toda uma série de atentados terroristas que, tragicamente, abalaram as esperanças de paz no mundo.

Os actos de solidariedade são mais do que simples acções humanitárias unilaterais de boa vontade. O verdadeiro humanitarismo reconhece e expressa o plano universal de Deus para toda a humanidade. É somente em conformidade com esta visão de solidariedade mundial que os complexos desafios da justiça e da liberdade dos povos e da paz da humanidade poderão ser eficazmente enfrentados (cf. Familiaris consortio FC 48). No centro desta perspectiva está a convicção de que todos os homens e todas as mulheres recebem de Deus tanto a sua dignidade essencial e comum, como a capacidade de transcender toda a ordem social, com vista à verdade e à generosidade (cf. Centesimus annus CA 38). É nesta óptica que os diálogos e os acordos da Austrália com aqueles países que se encontram ao norte do seu continente, e que não compartilham a herança cristã, encontrarão o seu fundamento apropriado e estável. Do mesmo modo, é somente nesta perspectiva de unidade essencial da humanidade que as grandes dificuldades associadas à recepção dos refugiados e à antiga questão dos direitos às terras por parte dos Aborígenes, encontrarão soluções justas e verdadeiramente humanitárias.

Como Vossa Excelência observou, a tolerância é uma nova característica do povo da Austrália. Efectivamente, esta característica atraiu muitas pessoas para essa terra e reflecte-se na integração das comunidades multiétnicas que actualmente ali vivem. Contudo, o respeito devido a todas as pessoas não encontra a sua origem exclusivamente na existência das diferenças entre os povos. Da compreensão da verdadeira natureza da vida como dádiva deriva a exigência de que os homens e as mulheres devem respeitar a estrutura natural e moral que Deus lhes concedeu (cf. Centesimus annus CA 38). Enquanto a importância política dada à subjectividade humana tem certamente realçado os direitos dos indivíduos, por vezes as tendências do que é "politicamente correcto" parecem esquecer que "os homens e as mulheres são chamados a orientar os seus passos para uma verdade que os transcende" (Fides et ratio FR 5). Longe desta verdade, que constitui a única garantia de liberdade e de felicidade, os indivíduos encontram-se à mercê do capricho e do pluralismo indiferenciado e, pouco a pouco, perdem a capacidade de elevar o seu olhar para o ápice do significado da vida humana.

Na Austrália, assim como em numerosos outros países, o esforço em ordem a interpretar as opções de estilos de vida em relação ao plano de Deus para a humanidade manifesta-se nas pressões que se apresentam à vida matrimonial e familiar. A sacralidade do matrimónio deve ser promovida tanto pelos organismos religiosos como pelas entidades civis. Os desvios seculares e pragmáticos da realidade do matrimónio jamais podem obscurecer o esplendor de uma aliança permanente, que se fundamenta no amor abnegado, altruísta e incondicional. Esta maravilhosa visão do matrimónio e da vida familiar estáveis oferece à sociedade em geral um fundamento em que as aspirações da nação se podem apoiar.

Por sua vez, a Igreja católica que está na Austrália continuará a oferecer a sua assistência à vida familiar, através da qual passa o futuro da humanidade (cf. Familiaris consortio FC 86). Ela já se encontra profundamente comprometida na formação espiritual e intelectual dos jovens, de forma especial através das suas escolas. Além disso, o seu apostolado social inclui aquelas pessoas que estão a enfrentar alguns dos sérios problemas da sociedade moderna comportamentos de dependência do álcool e das drogas e estou persuadido de que a Igreja há-de continuar a enfrentar com generosidade os novos desafios sociais que vierem a apresentar-se.

Excelência, estou certo de que a sua missão servirá para fortalecer ainda mais os vínculos de amizade que já existem entre a Austrália e a Santa Sé. No momento em que o Senhor Embaixador assume as suas novas responsabilidades, asseguro-lhe que os diversos departamentos da Cúria Romana estarão prontos para o assistir no cumprimento dos seus deveres. Sobre Vossa Excelência, a sua família e os seus concidadãos, invoco do íntimo do coração as abundantes bênçãos de Deus Todo-Poderoso.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO NOVO EMBAIXADOR DO ZIMBÁBUE


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


15 de Maio de 2003




Senhor Embaixador

Dou-lhe as minhas calorosas boas-vindas ao Vaticano e aceito as Cartas credenciais através das quais Vossa Excelência é nomeado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República do Zimbábue junto da Santa Sé. É com prazer que recebo as saudações e os bons votos que Vossa Excelência me transmitiu da parte do Senhor Presidente, do governo e do povo da sua Nação, e peço-lhe que tenha a cordialidade de lhes comunicar os meus mais sinceros votos de bem. Embora tenham passado muitos anos desde a minha visita ao seu País, ainda conservo boas memórias do dias felizes que passei no meio dos seus queridos compatriotas zimbabuanos, experimentando a sua afabilidade e hospitalidade, compartilhando a sua alegria e as suas aspirações. Por ocasião daquela visita, falei da África como de "um continente de esperança e de promessas para o futuro da humanidade" (Discurso na cerimónia de chegada a Harare, 10 de Setembro de 1988, n. 1): o meu desejo ardente é de que, neste novo milénio, aquelas promessas e aquela esperança se tornem uma realidade para a população zimbabuana e para todos os povos do Continente africano.

É com muita estima que reconheço a homenagem que Vossa Excelência quis fazer ao Arcebispo D. Patrick Chakaipa, que faleceu há um mês, e estou profundamente grato também pelo seu reconhecimento da significativa contribuição oferecida pelas instituições da Igreja católica à sociedade do Zimbábue em geral, de maneira particular nos campos da educação, da assistência à saúde e dos serviços sociais. Efectivamente, a Igreja considera o seu apostolado nestes sectores como um elemento essencial da sua missão religiosa, e ela deseja cumprir esta missão em harmonia com as outras pessoas que trabalham nestes mesmas áreas. A cooperação entre a Igreja e o Estado é de grande importância no desenvolvimento da formação intelectual e moral dos cidadãos em geral que, desta maneira, serão melhor preparados para construir uma sociedade verdadeiramente justa e estável. Esta é a parte da contribuição que a Igreja procura oferecer ao desenvolvimento humano dos indivíduos e dos povos, de maneira especial daqueles que vivem em maior necessidade.

É o mesmo compromisso que motiva a Santa Sé na sua actividade diplomática. Trabalhando juntamente com os outros membros da comunidade internacional, a Santa Sé procura promover a paz e a harmonia entre os povos, visando sempre o bem comum e o desenvolvimento integral dos indivíduos e das nações. A tarefa da diplomacia, hoje em dia, está a ser cada vez mais determinada pelas exigências da globalização e pelos novos desafios à paz mundial, que isto apresenta. As questões-chave não dizem mais respeito à soberania territorial fronteiras e jurisdição sobre certas áreas embora em determinadas regiões do mundo isto ainda represente um problema. De maneira geral, as ameaças contra a estabilidade e a paz no mundo contemporâneo são a pobreza extrema, as desigualdades sociais, a corrupção política, o abuso da autoridade, as tensões étnicas, a ausência da democracia e o desrespeito dos direitos do homem. Estas são algumas das situações que a diplomacia é chamada a resolver.

Não existe país no mundo que não esteja a enfrentar um ou mais destes problemas. Por este motivo, os valores da democracia, do bom governo, dos direitos do homem, do diálogo e da paz devem estar próximos do coração dos líderes e dos povos em geral. Quanto mais estes valores formarem uma parte fundamental do "etos" de uma nação, tanto maior é a capacidade que esta nação terá para construir um futuro digno dos seus cidadãos. Além disso, a globalização destes valores representa a globalização da solidariedade, que visa assegurar que os benefícios económicos e sociais sejam aproveitados por todos, a nível planetário. Este é um caminho seguro rumo à paz no mundo contemporâneo. Por outro lado, quando estes valores são negligenciados ou, pior ainda, activamente violados, nenhum programa de reforma económica ou social alcançará um bom êxito duradouro. Pelo contrário, a violência social e política poderá crescer, o fosso entre os ricos e os pobres aumentará e a própria liderança governamental será incapaz de criar um ambiente que promova a verdade, a justiça, o amor e a liberdade.

Por conseguinte, é necessária uma maior vigilância na salvaguarda dos direitos e na protecção do bem comum de todos os cidadãos. As autoridades públicas devem evitar o exercício da parcialidade, do tratamento preferencial ou selectivo da justiça em favor de determinados indivíduos ou grupos; em última análise, é isto que debilita a credibilidade das pessoas responsáveis pelo governo. Na sua famosa Carta Encíclica Pacem in terris, o Beato Papa João XXIII, citando o Papa Leão XIII, resumiu esta situação com os seguintes termos: "De modo algum se deve usar para vantagem de um ou de poucos a autoridade civil constituída para o bem comum de todos" (par. 56). Com efeito, quando todos são tratados da mesma maneira um elemento sine qua non para uma sociedade solidamente fundamentada na prática da lei o valor, os dons e os talentos de cada um dos membros são mais reconhecidos com maior facilidade e podem ser mais eficazmente utilizados para a construção da comunidade. Como a sabedoria tradicional, transmitida por um provérbio africano, afirma: Gunwe rimwe haritswanyi inda ("Muitas mãos aliviam o trabalho").

Com referência ao programa de reforma agrária, realizado pelo programa do seu País, Vossa Excelência recordou que se trata de um instrumento para aperfeiçoar o nível de vida do seu povo, alcançando a equidade e o estabelecimento da justiça social. Em numerosos países, esta reforma agrária é necessária, como observou o documento "Rumo a uma melhor distribuição da terra", publicado em 1997 pelo Pontifício Conselho "Iustitia et Pax", mas é também um processo complexo e delicado. Com efeito, como este mesmo documento realça, é um erro pensar que qualquer benefício ou êxito concreto pode ser alcançado simplesmente através da expropriação dos grandes proprietários de terras, dividindo-as em unidades de produção menores e distribuindo-as aos outros (cf. n. 45). Em primeiro lugar, existem episódios de violência a serem considerados, com o devido respeito às diversas reivindicações de propriedades de terra, ao direito ao uso da terra e ao bem comum em geral. Além disso, se a nova distribuição das terras quiser oferecer uma resposta concreta e sustentável aos sérios problemas económicos e sociais num determinado país, o processo deve continuar a desenvolver-se ao longo do tempo, assegurando a existência das necessárias infra-estruturas. Por fim, mas não menos importante, "é indispensável para o bom êxito de uma reforma agrária, que ela esteja em plena sintonia com as políticas nacionais e dos organismos internancionais" (Ibidem).

Sentimentos de privação dos direitos civis ou tratamentos injustos somente servem para fomentar a tensão e a discórdia. A justiça deve ser oferecida a todos, se quisermos que os prejuízos do passado sejam esquecidos para construir um futuro mais luminoso. Se o bem comum autêntico prevalecer, as causas fundamentais da luta civil hão-de desparecer. A Igreja católica garante o seu pleno apoio a todos os esforços em ordem a construir uma cultura de diálogo e não do embate, de reconciliação e não do conflito. Com efeito, esta constitui uma parte integral da sua missão de fazer progredir o bem autêntico de todos os povos e de toda a pessoa.

Senhor Embaixador, no momento em que Vossa Excelência entra na família dos diplomatas acreditados junto da Santa Sé, asseguro-lhe a pronta assistência dos vários Departamentos e Agências da Cúria Romana. Estou convicto de que a sua missão fortalecerá os vínculos de compreensão e de amizade entre nós. Sobre Vossa Excelência e o querido povo zimbabuano, invoco cordialmente as abundantes bênçãos de Deus Omnipotente.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À SENHORA SIBA NASSER NOVA EMBAIXADORA


DA SÍRIA JUNTO DA SANTA SÉ


15 de Maio de 2003




Senhora Embaixadora

1. Sinto-me feliz por receber Vossa Excelência no Vaticano nesta ocasião solene da apresentação das Cartas que a acreditam como Embaixadora extraordinária e plenipotenciária da República Árabe da Síria junto da Santa Sé. Agradeço-lhe as gentis saudações que acaba de me transmitir da parte de Sua Excelência o Senhor Bachar Al Assad, Presidente da República, e agradeço-lhe a amabilidade de lhe transmitir os meus cordiais bons-votos pela sua pessoa, assim como pelo bem-estar e pela prosperidade do povo sírio.

2. Vossa Excelência recordou a visita que realizei ao seu país por ocasião da minha peregrinação jubilar seguindo os passos de São Paulo. Dou graças a Deus por me ter permitido ir a Damasco, onde o Apóstolo Paulo foi acolhido pela primeira vez pela comunidade cristã depois da sua conversão e onde se conserva também a memória do martírio de São João Baptista. Nesta ocasião, pude encontrar-me com os representantes do Islão, manifestando desta forma a importância do diálogo entre as religiões para servir a causa da paz, como fiz de maneira mais profunda alguns meses mais tarde, por ocasião do Dia de oração pela paz em Assis, a 24 de Janeiro de 2002, afirmando solenemente que não se pode legitimar a violência em nome de Deus e que as religiões desejam servir o bem do homem e da paz.

3. Como não recordar a grave situação de tensão que caracteriza as actuais relações internacionais? O desencadeamento obstinado da violência terrorista, manifestada a 11 de Setembro de 2001, levou todos os responsáveis a fazer um exame de consciência atento do estado do mundo e a uma tomada de consciência renovada da fragilidade dos equilíbrios. A guerra, que prevaleceu de novo, não pode ser considerada o meio para resolver os conflitos; ela atenta gravemente contra as pessoas e encaminha o mundo para desequilíbrios profundos. Como Vossa Excelência sabe, Senhora Embaixadora, a Santa Sé não deixou de recordar que a busca das causas profundas do terrorismo são um dever de todos, a fim de permitir que lutemos eficazmente contra este fenómeno, que põe em perigo de maneira intolerável o bem comum da paz, da dignidade das pessoas e dos povos. A Santa Sé manifestou também o seu apego indefectível à concórdia entre as nações, no âmbito dos organismos internacionais legítimos, a fim de evitar qualquer forma de acção unilateral que corre o risco de levar a um enfraquecimento do direito internacional e que debilita o pacto existente entre as nações. A busca da paz exige, disto estamos convencidos, um diálogo franco e profundo entre responsáveis, pela preocupação de obter, com a participação das instituições internacionais, o maior consenso possível, para evitar qualquer espírito de vingança e a tentação de novas violências, susceptíveis de desencadear um mal maior. Este diálogo requer também que as partes envolvidas se saibam pôr em causa, para combater efectivamente as situações de injustiça ou de domínio que geram nas populações sentimentos de hostilidade ou de ódio, que depois são difíceis de desenraizar.

4. O seu país, Senhora Embaixadora, está directamente envolvido no conflito que ensanguenta há anos o Médio Oriente e a Terra Santa, esta região do mundo que é tão querida a todos os crentes e com tanta frequência é objecto de conflitos no decurso da história. Como não prestar atenção às legítimas aspirações de todos os povos, que ali residem hoje, de serem senhores de si mesmos, de viver finalmente no seu solo na dignidade e na segurança, na independência e na soberania verdadeiras, para ocupar o seu lugar no conjunto das nações, e contribuindo com as suas próprias riquezas? É desejável que todos os dirigentes desta região do mundo tenham um espírito corajoso e audacioso para não se deixarem desencorajar pelos fracassos já suportados e para alcançar finalmente uma paz verdadeira, no respeito da justiça. Ao manifestar a atenção dedicada pelo seu governo aos esforços da Santa Sé em favor da paz, que Vossa Excelência acaba de recordar, garanto-lhe que ela continuará a trabalhar incansavelmente neste sentido, pedindo, para o bem dos povos, que a comunidade internacional incremente os esforços e assuma as suas responsabilidades em relação a este conflito, que já dura há demasiado tempo, ajudando de modo mais eficaz os protagonistas a reencontrar o caminho indispensável para um verdadeiro diálogo, com vista à paz (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2003, n. 7). Não duvido de que o seu País, actualmente membro do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, também trabalha de modo activo para esta finalidade, segundo os princípios que Vossa Excelência justamente acaba de recordar.

5. A sua presença aqui proporciona-me a ocasião de saudar a comunidade católica da Síria, que tive a alegria de encontrar durante a minha peregrinação jubilar. Sei que os seus membros, apesar de serem pouco numerosos, têm a preocupação de participar no progresso económico e social do seu país, e de ocupar o seu lugar na vida da nação, testemunhando os valores de responsabilidade, de liberdade e de dignidade da pessoa que o ideal evangélico lhes inspira. Que eles saibam que o Sucessor de Pedro os encoraja a todos, pastores e fiéis, a perseverar no seu desejo de relações fraternas com os seus irmãos cristãos de outras confissões e na preocupação de diálogo fraterno com os muçulmanos!

6. Senhora Embaixadora, Vossa Excelência começa hoje a nobre missão de representar o seu país junto da Santa Sé. Queira aceitar os votos que lhe faço para o seu bom êxito e tenha a certeza de que, nos meus colaboradores, encontrará sempre um acolhimento atento e uma compreensão cordial!

Invoco de todo o coração sobre Vossa Excelência, sobre os seus colaboradores, assim como sobre o povo da Síria a abundância das Bênçãos do Altíssimo.




DIscursos João Paulo II 2003