Discursos João Paulo II 2002 - Quinta-feira, 5 de Dezembro de 2002

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA UNIÃO CATÓLICA


INTERNACIONAL DA IMPRENSA


6 de Dezembro de 2002






Queridos amigos em Cristo

Sinto-me feliz por ter esta oportunidade de me encontrar convosco, membros da União Católica Internacional da Imprensa, que estais a celebrar o 75º aniversário da vossa Organização. Dirijo as minhas calorosas saudações e os meus melhores votos a todos vós, nesta feliz ocasião, enquanto agradeço a D. John Foley, Presidente do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos vós.

Desde a fundação da vossa União até à presente data, houve muito desenvolvimento e progresso. E isto pode ver-se também no facto de que o vosso primeiro Congresso mundial, realizado em 1930, reuniu 230 jornalistas católicos de 33 países diferentes, enquanto o último, que teve lugar no ano passado, reuniu 1.080 jornalistas católicos de 106 países do mundo inteiro. Este aumento numérico é, sem dúvida, acompanhado de uma consciência cada vez mais perspicaz da importância da vossa identidade católica no campo do jornalismo, de forma particular no contexto deste mundo em tão rápida transformação.

Poderíamos perguntar: o que é que significa ser jornalista profissional católico? Significa, simplesmente, ser uma pessoa íntegra, um indivíduo cuja vida pessoal e profissional reflicta os ensinamentos de Jesus Cristo e do Evangelho. Significa lutar pelos ideais mais elevados de excelência profissional, ser uma pessoa amante da oração, que procura sempre oferecer o melhor que tem de si mesma. Significa possuir a coragem de procurar e de anunciar a verdade, mesmo quando a verdade é inconveniente ou não é considerada "politicamente correcta". Significa ser sensível aos aspectos morais, religiosos e espirituais da vida humana, aspectos estes que são muitas vezes mal-interpretados ou deliberadamente ignorados. Significa anunciar não apenas os crimes e as tragédias, mas também as acções positivas e edificantes, realizadas em favor dos necessitados: os pobres, os portadores de deficiência, aqueles que, de outra forma, seriam esquecidos pela sociedade. Significa oferecer exemplos de esperança e de heroísmo a um mundo que tem desesperada necessidade de ambos.

Estimados amigos, existem algumas coisas que devem caracterizar a vossa vida profissional de jornalistas católicos. Este é o espírito que a União Católica Internacional da Imprensa deve procurar viver nas suas actividades e nos seus membros. Enquanto vos transmito os meus sinceros parabéns pelos 75 anos do vosso honroso serviço a estes ideais, rezo a fim de que a vossa Organização continue a ser uma fonte de fraternidade e de apoio para os católicos que trabalham no mundo do jornalismo. Que isto vos ajude a revigorar o vosso compromisso em favor de Cristo na e mediante a vossa profissão! Com afecto no Senhor, concedo-vos do íntimo do coração, a vós e às vossas famílias, a minha Bênção apostólica.



HOMENAGEM DE JOÃO PAULO II


À IMACULADA CONCEIÇÃO NA PRAÇA DE ESPANHA


Domingo, 8 de Dezembro de 2002




Ave Maria, gratia plena!
Virgem Imaculada, eis-me aqui,
mais uma vez aos teus pés
com a alma comovida e reconhecida.

Volto a esta histórica Praça de Espanha
no dia solene da tua festa
para rezar pela dilecta cidade de Roma,
pela Igreja, pelo mundo inteiro.

Em Ti, "a mais humilde e excelsa das criaturas",
a graça divina conseguiu a vitória plena
sobre o mal.

Preservada de toda a mancha de culpa,
Tu és para nós,
peregrinos nos caminhos do mundo,
modelo luminoso de coerência evangélica
e penhor valiosíssimo de esperança segura.

Virgem Mãe, Salus Populi Romani!
Vela, eu Te peço,
sobre a amada Diocese de Roma:
sobre Pastores e fiéis,
sobre paróquias e comunidades religiosas.

Vela especialmente sobre as famílias:
que entre os cônjuges reine sempre
o amor, selado pelo Sacramento,
que os filhos caminhem sobre as sendas do bem
e da verdadeira liberdade,
os anciãos se sintam envolvidos
por atenção e afecto.

Suscita, Maria, em muitos corações jovens
respostas radicais à "chamada para a missão",
tema sobre o qual a Diocese
vem reflectindo nestes anos.

Graças a uma intensa pastoral vocacional,
que Roma seja rica de novas forças jovens,
que se entreguem com entusiasmo
ao anúncio do Evangelho
na Cidade e no mundo.

Virgem Santa, Rainha dos Apóstolos!
Assiste quem, com o estudo e a oração,
se prepara para trabalhar
nas múltiplas fronteiras
da nova evangelização.

Hoje confio-Te, de modo especial,
a comunidade do Pontifício Colégio Urbano,
cuja sede histórica se encontra
mesmo em frente desta Coluna.

Que esta benemérita instituição,
fundada já há 375 anos
pelo Papa Urbano VIII
para a formação dos missionários,
possa continuar eficazmente
o seu serviço eclesial.

Quantos aqui são acolhidos,
seminaristas e sacerdotes,
religiosos, religiosas e leigos,
estejam prontos a pôr as suas energias
à disposição de Cristo no serviço do Evangelho
até aos últimos confins da terra.

Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis!
Roga, ó Mãe, por todos nós.
Pede pela humanidade
que sofre a miséria e a injustiça,
a violência e o ódio, o terror e as guerras.

Ajuda-nos a contemplar com o Santo Rosário
os mistérios daquele que "é a nossa paz",
a fim de que nos sintamos todos envolvidos
num compromisso preciso de serviço à paz.

Volve um olhar de particular atenção
para a terra em que deste à luz Jesus,
terra que amastes em comum
e que hoje é ainda muito provada.

Reza por nós, Mãe da esperança!
"Dá-nos dias de paz, vela sobre o nosso caminho.

Faz que vejamos o teu Filho,
cheios de glória no céu". Amen!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DO REGIONAL NORDESTE III


DO BRASIL EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


10 de dezembro de 2002



Venerados Irmãos no Episcopado,

1. É para mim motivo de grande alegria acolher-vos hoje, em conclusão do encontro pessoal que tive convosco. Saudo-vos a todos com cordialidade fraterna e dou graças ao Senhor pela plena comunhão que vos liga às vossas Igrejas locais e ao Sucessor de Pedro.

A ainda recente divisão da Província Eclesiástica de Salvador, com a constituição de duas novas Províncias de Feira de Santana e Vitória da Conquista, destina-se a facilitar o trabalho organizativo e de acompanhamento desse território que, a par da Província Eclesiástica de Aracajú, interpela e representa um desafio à criatividade e à capacidade evangelizadora de toda a Igreja.

Tendes diante dos olhos, como um livro aberto, essa grande região, com toda a sua realidade histórica, social e religiosa. A fé do povo brasileiro teve origem prevalentemente nestas paragens. Em 1676 ficou constituída a Província Eclesiástica do Brasil, com a metrópole na Bahia, em torno a qual agruparam-se depois, como sufragâneas, as dioceses do Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão e, no século seguinte, as do Grão-Pará, São Paulo e Mariana, com as Prelazias de Cuiabá e Goiás. O tempo não pode cancelar a memória de tantos pastores originários dali e muitos vindos do exterior, que se dedicaram generosamente a plantar as Sementes do Verbo.

Agradeço a D. Ricardo José Weberberger, Bispo de Barreiras e Presidente do vosso Regional, por ter-se feito de intérprete dos vossos sentimentos ao descrever as esperanças e as dificuldades, os projetos e as expectativas das Dioceses que vos foram confiadas. Quero aproveitar esta circunstância para enviar a minha afetuosa recordação aos sacerdotes, religiosos, religiosas e a todo povo cristão das vossas Comunidades diocesanas, nas quais penso com estima e simpatia.

2. Um lugar especial está reservado no coração do Papa e - tenho a certeza - também no coração de todos vós, amados Bispos, aos consagrados na Igreja.O carisma de cada um é um sinal eloqüente de participação na multiforme riqueza de Cristo, cuja «largura, comprimento, altura e profundidade» (cf. Ef Ep 3,18) sempre ultrapassa em muito tudo quanto nós possamos sorver da sua plenitude. E a Igreja, que é o rosto visível de Cristo no tempo, acolhe e nutre no seu próprio seio Congregações e Institutos com estilos tão diferentes, porque todos contribuem para revelar a variegada presença e o polivalente dinamismo do Verbo de Deus encarnado e da Comunidade dos que nEle crêem.

Num tempo em que se palpa o risco de construir o homem com uma só dimensão, que inevitavelmente acaba por ser a historicista e imanentista, os consagrados são chamados a manter de pé o valor e o sentido da oração adoradora, não separada mas unida ao compromisso vivo de um generoso serviço prestado aos homens, que precisamente daí recebe impulso e eficácia: oração e trabalho, ação e contemplação são binômios que em Cristo nunca se deterioram em contraposições antitéticas, antes maturam em mútua complementaridade e fecunda integração.

A sociedade atual precisa de ver nos homens nas mulheres consagrados quanta harmonia existe entre o humano e o divino, entre as coisas visíveis e as invisíveis (cf. 2Co 4,18) e o quanto as segundas superam as primeiras, sem nunca as banalizar nem humilhar, mas vivificando-as e elevando-as ao nível do plano eterno de salvação. Tal é o testemunho que eles devem dar hoje ao mundo: mostrar quanta bondade e amor estão contidos no mistério de Cristo (cf. Tt Tt 3,4) e simultaneamente quanto de transcendente e de sobrenatural se requer no empenho entre os homens.

3. Desejo fazer constar novamente o mérito de tantas Congregações religiosas, por terem enviado a fina flor das suas vocações para formar e educar esse povo com tanto amor e dedicação. Podemos acaso esquecer-nos dos franciscanos, dos dominicanos, dos agostinianos, dos beneditinos, dos jesuítas, dos salesianos, dos lazaristas, dos combonianos, dos presbíteros "fidei donum"? O que hoje vemos por toda a geografia nacional, é fruto do trabalho escondido, silencioso e benemérito de muitos leigos e leigas e de tantos religiosos e religiosas que contribuíram e contribuem para a edificação dessa alma cristã do brasileiro. Reconheçá-mo-lo e demos graças a Deus, porque no silêncio e na entrega desinteressada a Cidade de Deus cresceu, e a árvore frondosa da Igreja deu os seus frutos de bem e de graça.

Constituem, sem dúvida, uma grande riqueza das Igrejas que presidis as numerosas Comunidades religiosas, de vida tanto ativa quanto contemplativa. Cada uma delas é um dom para a diocese, que contribui para edificar, oferecendo a experiência do Espírito própria do seu carisma, e a atividade evangelizadora característica da sua missão. Precisamente por ser um dom inestimável para toda a Igreja, recomenda-se ao Bispo «apoiar e ajudar as pessoas consagradas, para que, em comunhão com a Igreja, se abram às perspectivas espirituais e pastorais que correspondam às exigências do nosso tempo, na fidelidade à inspiração originária» (Vita consecrata VC 49). Nesta importante tarefa, o diálogo respeitoso e fraterno será o caminho privilegiado para unir esforços e assegurar a indispensável coerência pastoral em cada diocese, sob a guia do seu Pastor.

4. As Comunidades religiosas que se inserem na vida da própria Diocese merecem todo apoio e estímulo. É uma contribuição preciosa que oferecem pois, apesar da «diversidade de dons, o Espírito é o mesmo» (1Co 12,4). Neste sentido o Concílio Vaticano II afirmava: «Procurem os religiosos com empenho que, por seu intermédio, a Igreja revele cada vez mais, Cristo orando sobre o monte, anunciando às multidões o Reino de Deus, curando os enfermos e feridos, convertendo os pecadores» (Lumen gentium, LG 46).

A Igreja não pode senão manifestar alegria e apreço por tudo aquilo que os Religiosos vêm realizando mediante Universidades, escolas, hospitais e outras obras e instituições. Este vasto serviço em favor do povo de Deus é fortalecido por todas as Comunidades religiosas que responderam de modo adequado à exortação do Concílio, mediante a fidelidade ao carisma fundacional e o empenho renovado no que se refere aos elementos essenciais da vida religiosa (cf. Decr. Perfectae Caritatis PC 2). Peço a Deus que recompense abundantemente todas as Comunidades religiosas pela colaboração que prestam na pastoral diocesana, tanto na vida escondida e silenciosa de um mosteiro, como no empenho em atender e formar na fé todos os segmentos da sociedade, inclusive as populações indígenas.

As atividades pastorais, sejam orientadas por um dinamismo sadio, em vista da expansão, por todos os ambientes, da fé revelada; aí estão também, por exemplo, os meios de comunicação social a interpelar por uma correta difusão da verdade. Os religiosos no mundo inteiro, e o Brasil não é exceção, fazem da imprensa escrita e falada um grande meio de difusão da Boa Nova. Daí a importância de uma boa orientação, a fim de que não se deixem arrastar por ideologias contrárias ao Magistério da Igreja, e se empenhem por manterem a unidade com a Sé de Pedro.

Na sua grande diversidade, a vida consagrada constitui uma riqueza da Igreja no vosso país. A qualidade espiritual dos seus membros, que beneficia os fiéis e é, inclusive, uma preciosa ajuda para os sacerdotes, torna cada vez mais presente na consciência do povo de Deus «a exigência de responder com a santidade de vida ao amor de Deus, derramado nos corações pelo Espírito Santo, refletindo na conduta a consagração sacramental realizada por obra de Deus no Batismo, na Confirmação ou na Ordem» (Vita consecrata VC 33).

Na fidelidade ao carisma que lhes é próprio, em comunhão e em diálogo com os outros componentes da Igreja, em primeiro lugar com os Bispos, as Comunidades religiosas responderão com generosidade aos apelos do Espírito e terão a solicitude de buscar caminhos novos para a missão, a fim de que Cristo seja anunciado a todas as culturas, até às regiões mais longínquas.

5. Num ambiente profundamente secularizado é determinante a proclamação do Reino de Deus, mediante o testemunho dos religiosos e das religiosas. Por isso, desejo convidar-vos a prestar uma renovada atenção à promoção e ao cuidado da vida consagrada no vosso país. A prática dos conselhos evangélicos testifica «a vida nova e eterna adquirida pela redenção de Cristo, e preanuncia a ressurreição futura e a glória do Reino celeste» (Lumen gentium LG 44). O papel distintivo da mensagem evangélica justifica plenamente o aumento de iniciativas, tanto no âmbito diocesano quanto através da Conferência Episcopal, a fim de estimular ainda mais os jovens a responderem com generosidade à vocação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica.

Se levarmos em conta que, em menos de duas décadas, no Brasil as vocações sacerdotais de diocesanos superaram as de religiosos, compreenderemos o peso do esforço que deveria-se dispensar, também entre estes últimos, para promover novos operários para a messe do Senhor.

Trata-se de um problema de grande importância para a vida da Igreja em todo o mundo. É «urgente estruturar uma vasta e capilar pastoral das vocações, que envolva as paróquias, suscitando uma reflexão mais atenta sobre os valores essenciais da vida, cuja síntese decisiva está na resposta que cada um é convidado a dar ao chamamento de Deus, especialmente quando se pede a total doação de si mesmo e das próprias forças à causa do Reino» (Novo Millennio Ineunte, 46).

Encorajo os responsáveis das Congregações e Institutos presentes nas vossas Dioceses a oferecerem aos novícios e às novícias uma formação humana, intelectual e espiritual, que permita uma conversão de todo o seu ser a Cristo, a fim de que a consagração configure sempre mais sua oblação ao Pai.

As atividades e os programas da Conferência Nacional dos Religiosos devem, antes de tudo, «primar pelo reverente acatamento e pela especial obediência ao Sucessor de Pedro e às diretrizes» emanadas por esta Sé Apostólica. Mais ainda, volto a recordar aqui que «todas as iniciativas, tanto as que são promovidas pela Conferência Nacional dos Religiosos, como as demais, empreendidas pelas outras estruturas de coordenação regional ou local, devem estar sob a supervisão e a responsabilidade concreta dos Superiores Maiores e do Bispo Diocesano. Estes têm uma responsabilidade objetiva e devem ter a possibilidade de um controle e de um efetivo acompanhamento» (Discurso, 11/07/1995, n. 6).

Por outro lado, ouve-se falar, às vezes, de re-fundação de Congregações, descurando-se, porém, - para além da insegurança e do transtorno causado em muitas pessoas de boa fé -, que se trata sobretudo de partir de novo e integralmente de Cristo, e de examinar com humildade e generosidade o sentire cum Ecclesia. Em seguida, é urgente que, com o remanejamento, não se vise somente a competência humana, mas a explícita formação cristã e católica. Uma vida religiosa que não expressa a alegria de pertencer à Igreja e, com ela, a Jesus Cristo, já perdeu a primeira e fundamental oportunidade de uma pastoral vocacional.

6. Como Conferência e também como Pastores individualmente, examinareis sem dúvida, com objetividade e respeito, a crescente escassez de vocações, que se está verificando em muitos Institutos, enquanto outros florescem continuamente.

É parte constitutiva do vosso ministério apoiar e orientar a observância dos conselhos evangélicos, mediante os quais os religiosos são consagrados a Deus, em Jesus Cristo, para Lhe pertencerem exclusivamente.

O cuidado da vida religiosa é particularmente urgente quando se discute acerca da identidade vocacional. Num espírito de profunda humildade, e tendo como ponto de referência Aquele «que, pela virtude que opera em nós, pode fazer infinitamente mais do que tudo quanto podemos ou entendemos» (Ep 3,20), os religiosos e as religiosas interroguem-se sobre o renovamento proposto pelo Concílio Vaticano II: procuram seguir fielmente e foram produzidos os frutos de santidade e de zelo apostólico que se esperavam? Alguns documentos publicados em anos posteriores, com a minha aprovação, sobre a formação nos Institutos religiosos e sobre a vida contemplativa (v.g. a Instr. Verbi sponsa de 1999), foram postos em prática?

A renovação da vida religiosa dependerá do crescimento no amor de Deus, tendo sempre presente que «a contemplação das coisas divinas e a união com Deus pela oração assídua sejam o primeiro e principal dever de todos os Religiosos» (C.I.C., cân. 663,1). O único modo efetivo de descobrir sempre mais a própria identidade é o árduo, mas consolador, caminho da conversão sincera e pessoal, com um humilde reconhecimento das próprias imperfeições e pecados; e a confiança na força da ressurreição de Cristo (cf. Fil Ph 3,10) ajudará a superar toda aridez e fraqueza, ao eliminar o sentido de desilusão experimentado em certas ocasiões.

7. O homem e a mulher consagrados a Deus na castidade perfeita, defrontam-se às vezes com o abandono ou a indiferença dos que lhes rodeiam e, consequentemente, com a solidão no sentido amargo e duro do vocábulo. Nesse momento, o desejo de apoio e consolo humanos podem levar a recordação daquilo que ficou para trás na vida: a natural ansia de perpetuação através dos filhos, o desejo do afeto de alguém e a consolação do calor familiar. São aspirações humanamente compreensíveis mas, na perspectiva da fé, é possível transcendê-las em vista do Reino de Deus.

Quem deu o passo decisivo para a consagração, o fez assegurado pela promessa de Cristo que «não há ninguém que tenha abandonado, por amor do Reino de Deus, sua casa, sua mulher, seus irmãos, seus pais, ou seus filhos, que não receba muito mais neste mundo e no mundo vindouro a vida eterna» (Lc 18,29-30). Nas horas de provação é necessário imitar a Jesus que, na noite da Paixão, abandonou-se sem reservas à vontade do Pai, dando assim o exemplo de uma verdadeira obediência, que não é servil nem limitadora da própria autonomia, mas caminho da verdadeira liberdade dos filhos de Deus. Por isso, é preciso reafimar a serena convicção de que Aquele que iniciou nos consagrados esta obra, a levará a cabo até o dia de Cristo Jesus (cf. Fil Ph 1,6).

A história ensina que certos casos de declínio no fervor e na vitalidade da vida religiosa estão ligados a um correspondente declínio na compreensão e na prática da pobreza evangélica, apesar de que o incumprimento dos demais conselhos evangélicos incida certamente, num grau maior ou menor, na fidelidade à vida consagrada. Ao imitarem a Cristo, que «se tornou pobre» pela nossa salvação (cf. 2Co 8,9), os religiosos são chamados a «fazer uma sincera revisão da própria vida, na perspectiva da solidariedade com os pobres» (Redemptoris missio RMi 60). Caso contrário, cairão na tentação de ser pregadores de uma pobreza que não encontra modelo na própria vida quando reivindica a pobreza alheia, e não a própria. É fácil cair nas malhas de ideologias materialistas, quando o testemunho pessoal não serve de conduta para os demais.

Enfim, mediante o livre e total dom de si mesmos a Cristo e à Igreja, as religiosas e os religiosos podem testemunhar de modo surpreendente, que o espírito das Bem-aventuranças é caminho por excelência para a transformação do mundo e para a restauração de todas as coisas em Cristo (cf. Lumen gentium LG 31).

8. Venerados Irmãos, ao concluir este meu colóquio fraterno convosco, quero reafirmar todo o afeto e estima que nutro por cada um. Ao escutar-vos, dei-me conta da dedicação com que guiais as vossas Dioceses e apreciei a comunhão que vos une uns aos outros. Maria, sublime modelo de consagração, sustente o vosso empenho e unidade, que eu de todo o coração confirmo com uma ampla Bênção Apostólica, extensiva aos sacerdotes e seminaristas, aos consagrados, noviços e noviças e demais membros das vossas Comunidades cristãs.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO CINQUENTENÁRIO


DA MISSÃO PERMANENTE DA SANTA SÉ


JUNTO DA UNESCO



A Mons. Francesco FOLLO
Observador Permanente da Santa Sé junto da UNESCO

1. O 50º aniversário da Missão permanente da Santa Sé junto da UNESCO reveste uma importância particular e sinto-me feliz por me unir em pensamento a esta celebração, saudando cordialmente todos os participantes no Encontro que distingue este acontecimento. Sinto prazer em recordar nesta ocasião a luminosa recordação do seu predecessor, Monsenhor Angelo Roncalli, o Beato Papa João, que foi o primeiro Observador permanente desta Missão da Santa Sé.

2. Criada logo depois do segundo conflito mundial do século XX, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura surgiu do desejo das Nações de viver em paz, na justiça e na liberdade, e de dispor dos meios para promover activamente esta paz, mediante uma cooperação internacional nova, caracterizada por um espírito de assistência recíproca e fundada na solidariedade intelectual e moral da humanidade. Era natural que a Igreja católica se unisse a este grande projecto, devido à soberania específica da Santa Sé, mas também e sobretudo, como declarei diante desta assembleia em 1980, devido "ao vínculo orgânico e constitutivo que existe, por um lado, entre a religião em geral e o cristianismo em particular e, por outra, entre a cultura" (Discurso à UNESCO, n. 9).

3. As intuições que levaram à fundação da UNESCO há mais de cinquenta anos, tinham presente a importância da educação para a paz e para a solidariedade dos homens, recordando que "as guerras, tendo origem no espírito dos homens, é no espírito dos homens que se devem construir as defesas da paz" (Acto constitutivo da UNESCO, 16 de Novembro de 1945). Instituições como esta hoje são amplamente confirmadas: o fenómeno da mundialização tornou-se uma realidade que caracteriza a esfera da economia e da política, assim como a da cultura, com uns aspectos positivos e outros negativos; todos eles são âmbitos que exigem a nossa responsabilidade para organizar uma verdadeira solidariedade mundial, a única capaz de dar à nossa terra um futuro de segurança e de paz duradoura. Em nome da missão que recebeu do seu fundador de ser sacramento universal da salvação, a Igreja não deixa de se pronunciar e de agir em favor da justiça e da paz, convidando as nações ao diálogo e ao intercâmbio, sem descuidar factor algum. Assim, ela dá testemunho da verdade que recebeu em relação ao homem, à sua origem, à sua natureza e ao seu destino. Sabe que esta busca da verdade é a busca mais profunda de cada pessoa, que não se define antes de mais por aquilo que possui mas pelo que é, pela sua capacidade de se superar a si mesma e de crescer em humanidade. A Igreja também sabe que ao convidar os nossos contemporâneos a procurar de maneira exigente e com paixão a verdade sobre si mesmos, beneficia a sua autêntica liberdade, enquanto outras vozes, levando-os por caminhos aparentemente fáceis, contribuem, ao contrário, para os subjugar ao fascínio e ao poder dos ídolos que se renovam sempre.

4. A Igreja católica, enviada a todos os povos da terra, não está ligada a nenhuma raça ou nação, nem a uma maneira particular de viver. Ao longo da sua história, utilizou sempre os recursos das diversas culturas para dar a conhecer aos homens a Boa Nova de Cristo, bem consciente de que a fé da qual é portadora nunca se limita a um elemento da cultura, mas é fonte de uma salvação que se refere a todas as pessoas humanas e a todas as suas actividades. Mas é através da diversidade e da multiplicidade das línguas e das culturas, assim como das tradições e das mentalidades, que a Igreja exprime a sua catolicidade e a sua unidade, juntamente com a sua fé. Por conseguinte, esforça-se por respeitar todas as culturas humanas dado que se empenha, na sua actividade missionária e pastoral, a fazer com que "tudo o que há de bom no coração e na mentalidade dos homens, ou nos ritos próprios e culturas dos povos, não só não pereça, mas se purifique, se eleve e aperfeiçoe, para glória de Deus, confusão do demónio e felicidade do homem" (Lumen gentium, LG 17).

Por todos estes motivos, a Igreja católica sente uma grande estima pela Nação, que é o crisol onde se forja o sentido do bem comum, onde se aprende a pertença a uma cultura, através da língua, da transmissão dos valores familiares e da adesão à memória comum. Ao mesmo tempo, a expertiência multiforme das culturas dos homens que a caracteriza, porque ela é "católica", isto é, universal no espaço e no tempo, faz com que deseje também a necessária superação de qualquer forma de particularismo e nacionalismo limitado e exclusivo. Devemos conservar a consciência de que "todas as culturas, sendo um produto tipicamente humano e historicamente condicionado, também implica necessariamente limites" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2001, 7).

Por isso, "para que o sentido de pertença cultural não se transforme em fechamento, um antídoto eficaz é o conhecimento sereno, sem estar condicionado por preconceitos negativos, das outras culturas" (Ibidem, 7).

A nobre missão da UNESCO é precisamente solicitar este conhecimento recíproco das culturas e promover o seu diálogo institucional, com todas as formas de iniciativas a nível internacional, de encontro, intercâmbio e programa de formação. Construir pontes entre os homens, e por vezes também reconstruí-las quando a loucura da guerra as destruiu, constitui um trabalho muito empenhativo, que deve ser sempre retomado, que requer a formação das consciências e, por conseguinte, a educação dos jovens e a evolução das mentalidades. É uma das apostas importantes da mundialização, que não deve conduzir a uma nivelação dos valores nem a uma submissão unicamente às leis do mercado único, mas antes à possibilidade de pôr em comum as riquezas legítimas de todas as Nações ao serviço do bem de todos.

5. Por seu lado, a Igreja católica alegra-se pelo trabalho já desempenhado, mesmo se conhece os seus limites, e deseja continuar a encorajar com determinação o encontro pacífico entre os homens, através das suas culturas e da consideração da dimensão religiosa e espiritual dos indivídiuos, que pertence à sua história. Eis o sentido que é preciso dar à presença de um Observador permanente da Santa Sé junto da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, testemunha atenta há cinquenta anos da especificidade católica da Igreja e do seu empenho resoluto ao serviço da comunidade dos homens.

Oxalá a celebração deste aniversário reforce o empenho de todos a trabalhar incansavelmente ao serviço de um verdadeiro diálogo entre os povos, através das suas culturas, para que a consciência de pertencer à mesma família humana se torne cada vez mais viva e a paz do mundo seja garantida cada vez melhor!

Concedo de todo o coração a vossa Reverência e a todos os participantes no Encontro uma particular Bênção Apostólica.

Vaticano, 25 de Novembro de 2002.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS DE SANTA CATARINA


POR OCASIÃO DO 400° ANIVERSÁRIO


DA APROVAÇÃO PONTIFÍCIA


12 de Dezembro de 2002



Caríssimas Irmãs

1. É com uma cordial saudação que vos acolho a todas no Palácio Apostólico. Uno-me a vós na alegria pelo 400º aniversário da aprovação pontifícia da Congregação das Irmãs de Santa Catarina, Virgem e Mártir e pelo 450º aniversário do nascimento da vossa fundadora. Este duplo aniversário convida-nos, na fidelidade ao carisma da Beata Regina Protmann, a renovar a dedicação à missão dela herdada, para levar o amor de Deus a quantos o procuram e sofrem.
2. A espiritualidade de uma comunidade religiosa deve inspirar-se sempre no carisma da fundação, deixar-se interpelar e confrontar-se com ele. Regina Protmann nasceu em Braunsberg do Ermland, na época da Reforma. Ela própria viveu o espírito da autêntica reforma religiosa no seguimento de Cristo. Ocupou-se dos pobres, doentes e crianças para lhes dar testemunho da bondade divina. Considerava como seu dever sagrado confortar os aflitos e cuidar dos doentes (cf. Mt Mt 25, 35 ss.) e dar às crianças uma boa educação.

3. Estreitamente ligada a este serviço de amor, a principal preocupação da Beata Regina Protmann era a relação viva com o seu Senhor e Esposo, Jesus. "Rezava na verdade e incessantemente", diz o seu primeiro biógrafo. A oração prepara o terreno para a acção. "Ao abrir o coração ao amor de Deus, abre-o também ao amor dos irmãos, tornando-nos capazes de construir a história segundo o desígnio de Deus" (Novo millennio ineunte, 33).

4. Caríssimas Irmãs! Como filhas da Madre Regina sois chamadas a amar Cristo nos pobres. A Regra (de 1602) exorta-vos a "servir com diligência a Cristo, Senhor e Esposo, segundo o Seu conselho divino" (art. 1). Esta disponibilidade para o serviço continua a adoração de Cristo na vida de cada dia. "Venerai Cristo Senhor nos vossos corações", diz Pedro. Estai sempre prontas a dar testemunho a todos "dando razões da esperança que há em vós" (1P 3,15). Assim podereis, verdadeiramente, levar o Salvador aos homens.

Com a intercessão da Beata Virgem e Mártir Catarina, da Beata Madre Regina e de todos os Santos, concedo-vos do coração a vós, queridas Irmãs, e a todos os que estão confiados aos vossos cuidados, a Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO EMBAIXADOR DA REPÚBLICA DE SERRA LEOA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


13 de Dezembro de 2002





Excelência

Dou-lhe as minhas calorosas boas-vindas e aceito as Cartas Credenciais, mediante as quais Vossa Excelência é nomeado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República de Serra Leoa junto da Santa Sé. Enquanto lhe agradeço as saudações que me transmitiu da parte do Presidente, Sua Ex.cia o Senhor Ahmad Tejan Kabbah, e também do governo, é de bom grado que formulo os meus bons votos às autoridades e ao povo do seu País e recordando as grandes dificuldades por que a população está a passar, em virtude dos longos anos de conflito peço-lhe que transmita à sua Nação a certeza das minhas orações.

No século passado, realizou-se um grande progresso nos campos social, económico e científico. Contudo, durante este mesmo período, a humanidade testemunhou também a violência, a destruição e a morte, que são provocadas quando os povos e as nações recorrem às armas e não ao diálogo, quando a guerra é preferida ao mais difícil caminho da compreensão e do respeito recíprocos. E o que é ainda mais triste, o começo deste nosso novo milénio tem sido marcado por uma violência mais terrível, que se apresenta sob a forma do terrorismo internacional. Assim, apesar dos numerosos progressos culturais e tecnológicos, que se alcançaram ao longo dos últimos cem anos, ainda há importantes áreas que foram pouco beneficiadas pelo desenvolvimento ou que chegaram a piorar.

Nas situações em que surgem tensões e conflitos, tanto dentro de um país como entre as nações, a resposta justa nunca é a violência nem o derramamento de sangue, mas o diálogo, com vista à solução pacífica das crises. O diálogo autêntico pressupõe a procura honesta daquilo que é verdadeiro, bom e justo para cada pessoa, grupo e sociedade; é um esforço sincero, em ordem a identificar o que as pessoas têm em comum, apesar da tensão, da oposição e do conflito: com efeito, este é o único caminho seguro para a paz e para o progresso autêntico. Além disso, o verdadeiro diálogo ajuda as pessoas e as nações da terra a reconhecer a sua interdependência mútua nos campos da economia, da política e da cultura. Precisamente nos nossos tempos modernos, em que as pessoas se sentem bastante familiarizadas com as últimas tecnologias de morte e de destruição, existe a urgente necessidade de edificar uma consistente cultura da paz que há-de ajudar a prevenir e a contrapor a irrupção da violência armada, que se julga inevitável. Isto exige que se dêem passos concretos em ordem a pôr termo ao tráfico das armas.

Nisto, o dever dos vários governos e da comunidade internacional continua a ser essencial, porque é a eles que compete contribuir para a instauração da paz através de estruturas sólidas que, apesar das incertezas da política, hão-de garantir a liberdade e a segurança a cada um dos povos, em todas as circunstâncias.


Discursos João Paulo II 2002 - Quinta-feira, 5 de Dezembro de 2002