AUDIÊNCIAS 2003


PAPA JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-Feira 19 de março de 2003

São José, Padroeiro universal da Igreja






1. Hoje celebramos a solenidade de São José, Esposo de Maria (cf. Mt Mt 1,24 Lc 1,27). A Escritura indica-no-lo como "pai" de Jesus (cf. Lc Lc 2,27 Lc Lc 2,33 Lc Lc 2,41 Lc ), pronto para realizar os desígnios divinos, mesmo quando fogem à compreensão humana. Foi a ele, "filho de David" (Mt 1,20 Lc 1,27), que Deus confiou a guarda do Verbo eterno feito homem, por obra do Espírito Santo, no seio da Virgem Maria. No Evangelho, São José é definido como um "homem justo" (Mt 1,19) e, para todos os fiéis, é um modelo de vida na fé.

2. A palavra "justo" recorda a sua rectidão moral, a sua sincera adesão ao exercício da lei e a sua atitude de abertura total à vontade do Pai celestial. Também nos momentos difíceis e às vezes dramáticos, o humilde carpinteiro de Nazaré nunca arroga para si mesmo o direito de pôr em discussão o projecto de Deus. Espera a chamada do Alto e em silêncio respeita o mistério, deixando-se orientar pelo Senhor. Quando recebe a tarefa, cumpre-a com dócil responsabilidade: escuta solicitamente o anjo, quando se trata de tomar como esposa a Virgem de Nazaré (cf. Mt Mt 1,18-25), na fuga para o Egipto (cf. Mt Mt 2,13-15) e no regresso para Israel (cf. Mt Mt 2,19-23). Com poucos mas significativos traços, os evangelistas descrevem-no como cuidadoso guardião de Jesus, esposo atento e fiel, que exerce a autoridade familiar numa constante atitude de serviço. As Sagradas Escrituras nada mais nos dizem sobre ele, mas neste silêncio está encerrado o próprio estilo da sua missão: uma existência vivida no anonimato de todos os dias, mas com uma fé segura na Providência.

3. Quotidianamente, São José tinha de prover às necessidades da família, com o duro trabalho manual. Justamente por isso, a Igreja indica-o como Padroeiro dos Trabalhadores.
Portanto, a solenidade do dia de hoje constitui uma ocasião propícia para reflectir também sobre a importância do trabalho na existência do homem, na família e na comunidade.

O homem é sujeito e protagonista do trabalho e, à luz desta verdade, pode compreender-se o nexo fundamental existente entre pessoa, trabalho e sociedade. A actividade humana recorda o Concílio Vaticano II deriva do homem e está orientada para o homem. Segundo o desígnio e a vontade de Deus, ela deve servir o verdadeiro bem da humanidade e permitir "ao homem, como indivíduo ou como membro da sociedade, cultivar e realizar a sua vocação integral" (cf. Gaudium et spes, GS 35).

Para cumprir esta tarefa, deve cultivar-se uma "provada espiritualidade do trabalho humano" ancorada, com raízes sólidas, no "Evangelho do trabalho", e os fiéis são chamados a proclamar e dar testemunho do significado cristão do trabalho nas suas diversas actividades de trabalho (cf. Laborem exercens, LE 26).

4. São José, santo tão grande e tão humilde, seja exemplo em que se inspirem todos os trabalhadores cristãos, invocando-o em todas as circunstâncias. Ao providente guardião da Sagrada Família de Nazaré, gostaria de confiar, hoje, os jovens que se preparam para a futura profissão, os desempregados e aqueles que sofrem em virtude da falta de trabalho, as famílias e todo o mundo do trabalho, com as expectativas e os desafios, os problemas e as perspectivas que o caracterizam.

São José, Padroeiro universal da Igreja, vele sobre toda a Comunidade eclesial e, como homem de paz que era, obtenha para toda a humanidade, especialmente para os povos nestas horas ameaçados pela guerra, o precioso dom da concórdia e da paz.

Saudações

Caríssimos Irmãos e Irmãs de língua portuguesa

Nesta quarta-feira, Solenidade de São José, Esposo da Beatíssima Virgem Maria e Padroeiro da Igreja Universal, nossa Catequese considerou o trabalho na vida quotidiana dos homens e mulheres de todos os tempos. Ao confiar vossas actividades à intercessão deste homem "justo" (Mt 1,19), peço a Deus que os trabalhadores cristãos saibam inspirar-se no exemplo de laboriosidade, paz e humildade do Santo Patriarca. Com a minha Bênção Apostólica, extensiva às vossas famílias e comunidades.

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua francesa, nomeadamente os jovens dos centros Madeleine Daniélou, de Neuilly e de Rueil. Que o tempo da Quaresma possa ser uma nova ocasião de conversão!

Saúdo afectuosamente os peregrinos de língua espanhola. De modo especial, saúdo D. Cipriano Calderón, juntamente com os seus condiscípulos aqui presentes, que hoje celebram as suas Bodas de Ouro de Ordenação sacerdotal; saúdo também os Membros do "Encontro Mundial Cristão", de Palência, e a Irmandade do Rocio, de Triana, assim como os alunos do Centro Cultural Italiano, de Buenos Aires. Que São José, tão grande e tão humilde, seja exemplo para todos e vos proteja.

"Feliz o homem que teme o Senhor
e anda nos seus caminhos.
Viverás do trabalho das tuas mãos,
serás feliz e gozarás de todos os bens".

Estas palavras do Salmo acompanham-nos no dia em que recordamos São José. Descrevem-nos bem a espiritualidade do Esposo da Santíssima Virgem Maria e Guarda do Senhor Jesus.

Verdadeiramente, ele foi um homem temente ao Senhor e sempre pronto para fazer a vontade de Deus. Com dedicação e amor, trabalhava como carpinteiro, procurando assegurar à família a serenidade de todos os dias.

Desejo aos meus concidadãos a constante protecção de São José. Que ele ajude quantos podem beneficiar dos frutos do trabalho das suas mãos. Ajude sobretudo os que sofrem por causa da falta de trabalho e da incerteza para o futuro. Por intercessão do Esposo de Maria, peço ao bom Deus que todas as famílias na Polónia possam participar da felicidade da Sagrada Família.
Deus vos abençoe!

Dirijo uma especial saudação de boas-vindas aos peregrinos de língua italiana. Em particular, saúdo o grupo mariano de Recanati-Loreto. Caríssimos, encorajo-vos a testemunhar o Evangelho em todos os âmbitos da sociedade, inspirando-vos no exemplo da Virgem Maria, modelo de perfeição cristã.

Estão presentes numerosos fiéis vindos com a Chama beneditina da paz, acesa em Nova Núrsia, na Austrália, e que hoje se detém junto dos túmulos dos Apóstolos, para continuar, depois, até Núrsia. São acompanhados por D. Riccardo Fontana, Arcebispo de Espoleto-Núrsia. Caros Irmãos e Irmãs, enquanto vos agradeço a visita de hoje, faço votos para que a tradicional visita, nestas horas de inquietação pela paz, contribua para reavivar nos corações uma decidida vontade de concórdia e de reconciliação.

Dirijo, agora, o meu pensamento para os participantes no Congresso nacional da "Sociedade Italiana de Medicina materno-fetal" e, encorajando-os no empenho de pesquisa científica e médica, exorto-os a ter sempre presente na sua actividade a centralidade da pessoa, sem nunca perder de vista a finalidade do verdadeiro bem do homem.

Saúdo, além disso, os representantes da Associação Cristã dos Artesãos Italianos e desejo que a festa de hoje, de São José, lhes ofereça a oportunidade de aprofundar ainda mais a sua missão na Igreja e na sociedade.

Saúdo, por fim, os jovens, os doentes e os novos esposos.

Caros jovens, que vejo em grande número, especialmente vós, estudantes que vindes de várias localidades, invocai São José para que vos ajude a corresponder em cada dia aos desejos do Senhor. Vós, queridos doentes, rezai-lhe para que seja força no sofrimento acolhido como meio de cooperar na salvação do mundo. E vós, amados novos esposos, na escola do casto Esposo da Virgem Maria, alimentai o vosso coração com a oração e a docilidade de cada dia à vontade de Deus.



PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 26 de março de 2003

Desça sobre nós a bondade do Senhor




Queridos irmãos e irmãs,

1. Os versículos que agora ressoaram aos nossos ouvidos e aos nossos corações constituem uma meditação sábia que tem, contudo, também uma entoação de súplica. De facto, o orante do Salmo 89 coloca no centro da sua oração um dos temas mais explorados da filosofia, mais cantados pela poesia, mais sentidos pela experiência da humanidade de todos os tempos e de todas as regiões do nosso planeta: a caducidade humana e a fluência do tempo.

Pensamos em certas páginas inesquecíveis do Livro de Job nas quais é focada a nossa fragilidade. De facto, nós somos como "os que habitam moradas de barro e que têm sua origem no pó! São esmagados como um verme, entre a noite e a manhã são aniquilados. Desaparecem para sempre e ninguém se recorda deles" (4, 20-21). A nossa vida na terra é "como uma sombra" (cf. Job Jb 8,9). É ainda Job quem confessa: "os meus dias passaram mais rápidos que um corcel, fugiram sem terem visto a felicidade. Passaram como barcas de junco. Como a águia que se precipita sobre a presa" (9, 25-26).

2. No começo do seu cântico, que se parece com uma elegia (cf. Sl Ps 89,2-6), o Salmista opõe com insistência a eternidade de Deus ao tempo efémero do homem. Eis a declaração mais explícita: "Mil anos, diante de vós, são como o dia de ontem que já passou, ou como uma vigília da noite" (v. 4).

Como consequência do pecado original, de uma ordem divina, volta a cair na poeira da qual foi tirado, como já se afirma na narração do Génesis: "Recorda-te que és pó e em pó te tornarás!" (3, 19; cf. 2, 7). O Criador, que dá forma em toda a sua beleza e complexidade à criatura humana, é também aquele que "reduz o homem ao pó" (Ps 89,3). E "pó" na linguagem bíblica é expressão simbólica também da morte, do inferno, do silêncio sepulcral.

3. Nesta súplica é forte o sentido da limitação humana. A nossa existência tem a fragilidade da erva que brota ao alvorecer; imediatamente ouve o barulho da foice que a reduz a um feixe de erva. Muito depressa, o viço da vida é substituído pela aridez da morte (cf. vv. 5-6; cf. Is Is 40,6-7 Jb 14,1-2 Ps 102,14-16).

Como acontece com frequência no Antigo Testamento, a esta debilidade radical o Salmista associa o pecado: existe em nós a limitação, mas também a culpa. Por isso, a cólera e o juízo do Senhor parecem ameaçar também a nossa existência: "Somos consumidos pela Vossa ira, estarrecidos pelo Vosso furor. Pusestes as nossas culpas diante de Vós... Todos os nossos dias se esvanecem perante o Vosso desagrado" (Ps 89,7-9).

4. Com o aparecimento do novo dia a Liturgia das Laudes desperta-nos, com este Salmo, das nossas ilusões e do nosso orgulho. A vida humana é limitada "a soma da nossa vida é de setenta anos, os mais fortes chegam aos oitenta" afirma o orante. Além disso, o passar das horas, dos dias e dos meses é marcado pela "canseira e pelo sofrimento" (cf. v. 10) e os mesmos anos revelam-se ser semelhantes a "um sopro" (cf. v. 9).

Eis, então, a grande lição: o Senhor ensina-nos a "contar os nossos dias" porque, "aceitando-os com realismo sadio, "alcançaremos a sabedoria do coração" (v. 12). Mas o orante pede a Deus algo mais: a sua graça ampare e dê alegria aos nossos dias, apesar de serem escassos e marcados pelas provações. Faça com que saboreemos a esperança, mesmo se o passar do tempo parece arrastar-nos. Só a graça do Senhor pode dar consistência e perenidade às nossas acções quotidianas: "Venham sobre nós as graças do Senhor, nosso Deus; consolidai em nós a obra das nossas mãos, fazei que prospere a obra das nossas mãos" (v. 17).

Pedimos a Deus com a oração que um reflexo da eternidade penetre a nossa vida breve e as nossas acções. Com a presença da graça divina em nós, uma luz brilhará com o passar dos dias, a miséria tornar-se-á glória, o que parece estar privado de sentido adquirirá significado.

5. Concluímos a nossa reflexão sobre o Salmo 89 deixando a palavra à antiga tradição cristã, que comenta o Saltério tendo como base a figura gloriosa de Cristo. Assim, para o escritor cristão Orígenes, no seu Tratado sobre os Salmos, que chegou até nós com a tradução latina de São Jerónimo, é a ressurreição de Cristo que nos dá a possibilidade, pressentida pelo Salmista, de "exultar e rejubilar todos os dias da nossa vida" (cf. v. 14). E isto porque a Páscoa de Cristo é a fonte da nossa vida para além da morte: "Depois de nos termos alegrado com a ressurreição de nosso Senhor, mediante a qual já acreditamos que fomos redimidos e que um dia também nós ressuscitaremos, agora, transcorrendo na alegria os dias da nossa vida que ainda nos falta viver, exultamos por esta confiança, e com hinos e cânticos espirituais louvamos Deus através de Jesus Cristo nosso Senhor" (Orígenes Jerónimo, 74 homilias sobre o livro dos Salmos, Milão 1993, pág. 652).

Saudações

Queridos Irmãos e Irmãs

De coração saúdo os peregrinos de língua portuguesa, em particular o grupo de Lisboa, com votos de que esta peregrinação quaresmal faça de vós fervorosas testemunhas da esperança eterna, que Cristo depôs em cada um no dia do baptismo. Sobre vós e vossas famílias desçam as bênçãos de Deus.

Saúdo cordialmente os peregrinos da América Latina e da Espanha, em particular as Irmãs Dominicanas da Anunciação, que realizam um curso de formação permanente, a Fundação "Iruarritz Lezama", de Madrid, e o Colégio Santo António, de Carcaixent. A vida de oração e conversão da Quaresma vos prepare para a Páscoa, triunfo da vida sobre o pecado e a morte.
Muito obrigado!

Dou as boas-vindas aos sacerdotes do Instituto para a Educação teológica permanente, do Pontifício Colégio Norte-Americano, e aos Pastores luteranos de Helsínquia. Sobre todos os peregrinos de língua inglesa, especialmente da Inglaterra, Dinamarca, Finlândia e Estados Unidos da América, invoco a graça e a paz de nosso Senhor Jesus Cristo.

Recebo com alegria os peregrinos de expressão francesa, de modo especial o grupo de sacerdotes da Diocese de Montreal e os jovens do Centro "Madalena Daniélou", de Rueil-Malmaison, e a escola Santa Maria, de Neuilly. A vossa peregrinação a Roma reavive a vossa fé e vos prepare para as celebrações pascais!

Agora, saúdo todos os peregrinos dos Países Baixos e da Bélgica.

Elevemos a Deus a nossa oração para que o ódio possa ser vencido pelo amor, e a paz, a justiça e a solidariedade consigam crescer em todos os quadrantes da terra, no espírito do Evangelho.
De coração, concedo-vos a todos a Bênção apostólica.
Louvado seja Jesus Cristo!

Dirijo as minhas cordiais boas-vindas aos peregrinos de língua italiana e, de modo particular, aos confirmandos da Diocese de Áscoli Piceno, aqui reunidos com o seu Bispo, D. Silvano Montevecchi. Depois, saúdo o numeroso grupo de fiéis provenientes de Villa Raspa di Spoltore, chefiados pelo seu Arcebispo, D. Francesco Cuccarese, bem como os alunos da Escola Elementar de Veroli, acompanhados pelo seu Pastor, D. Salvatore Boccaccio.

Caríssimos, ontem celebrámos a solenidade da Anunciação, primeiro dos "mistérios gozosos", que recorda a encarnação do Filho de Deus, Príncipe da Paz. Recitando o Santo Rosário, meditamos sobre este mistério com o coração aflito pelas notícias que chegam do Iraque em guerra, sem esquecer os outros conflitos que ensanguentam a Terra. Como é importante que, durante este Ano do Rosário, se persevere na sua recitação, para implorar a paz! Peço que se continue a recitá-lo, especialmente nos Santuários marianos. A Maria, Rainha do Rosário, confio desde agora o propósito de ir em peregrinação ao seu Santuário em Pompeia, no dia 7 do próximo mês de Outubro, precisamente por ocasião da Festa de Nossa Senhora do Rosário. A intercessão maternal de Maria obtenha justiça e paz para o mundo inteiro.

Peço-vos também a vós, caríssimos jovens, doentes e novos casais, que vos unais a mim na recitação do Rosário pela paz.

A contemplação do mistério da Anunciação vos torne, caros jovens, prontos e disponíveis para a chamada do Pai, para serdes fermento de autêntica paz na sociedade. Renove em vós, estimados doentes, a aceitação serena e confiante da Cruz, fonte de redenção da humanidade. O sim de Maria à vontade divina constitua para vós, dilectos novos casais, um encorajamento contínuo no compromisso em benefício da construção de uma família onde reinem a solidariedade e a paz.



                                                                               Abril de 2003

PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 2 de abril de 2003

Hinos ao Senhor vitorioso e salvador




Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. No livro que tem o nome do profeta Isaías, os estudiosos identificaram a presença de vozes diferentes, todas colocadas sob o patrocínio do grande profeta que viveu no oitavo século a.C. É o caso do hino vigoroso de alegria e de vitória que agora foi proclamado como parte da Liturgia das Laudes da quarta semana. Os exegetas relacionam-no com o chamado Segundo Isaías, um profeta que viveu no sexto século a.C., no tempo da vinda dos Hebreus do exílio da Babilónia. O hino abre com um apelo a "cantar ao Senhor um cântico novo" (cf. Is Is 42,10), precisamente como aconteceu noutros Salmos (cf. 95, 1 e 97, 1).

A "novidade" do cântico para o qual o profeta convida inspira-se certamente na abertura do horizonte da liberdade, como mudança radical na história de um povo que conheceu a opressão e a permanência em terra estrangeira (cf. Sl Ps 136).

2. A "novidade" tem com frequência na Bíblia o sabor de uma realidade perfeita e definitiva. É quase o sinal do começo de uma era de plenitude salvífica que sela a história atormentada da humanidade. O Cântico de Isaías apresenta esta nobre tonalidade, que se adapta bem à oração cristã.

O mundo, na sua globalidade que inclui a terra, o mar, as ilhas, os desertos e as cidades (cf. Is Is 42,10-12), é convidado o elevar ao Senhor um "cântico novo". Todo o espaçço está envolvido com os seus extremos confins horizontais, que compreendem também o desconhecido, e com a sua dimensão vertical, que parte da planície deserta, onde se encontram as tribus nómadas de Kedar (cf. Is Is 21,16-17), e sobe até aos montes: ali pode-se colocar a cidade de Sela, identificada por muitos com Petra, no território dos Edomitas, uma cidade situada entre picos rochosos.
Todos os habitantes da terra são convidados a formar um coro imenso para aclamar o Senhor com alegria e lhe dar glória.

3. Depois do solene convite ao cântico (cf. vv. 10-12), o profeta faz entrar em cena o Senhor, representado como o Deus do Êxodo, que libertou o seu povo da escravidão egípcia: "O Senhor avança, como um herói, como um guerreiro" (v. 13). Ele semeia o terror entre os adversários, que oprimem os outros e cometem a injustiça.

Também o cântico de Moisés descreve o Senhor durante a travessia do Mar Vermelho como um "herói em guerra", pronta para estender a sua direita poderosa e aniquilar os inimigos (cf. Êx Ex 15,3-8). Com o regresso dos Hebreus da deportação da Babilónia está para se cumprir um novo êxodo e os fiéis devem ter a certeza de que a história não está entregue ao destino, ao caos, ou às potências opressoras: a última palavra compete ao Deus justo e forte. Já o Salmista cantava: "Prestai-nos auxílio na angústia, porque é vão qualquer socorro humano" (Ps 59,13).

4. Tendo entrado em cena, o Senhor fala e as suas palavras veementes (cf. Is Is 42,14-16) falam de juizo e salvação. Ele começa por recordar que "durante muito tempo" esteve "em silêncio", ou seja, não interveio. O silêncio divino é com frequência, para o justo, motivo de perplexidade e até de escândalo, como afirma o longo brado de Job (cf. 3, 1-26). Contudo, não se trata de um silêncio que indica uma ausência, como se a história estivesse abandonada nas mãos dos perversos e o Senhor permanecesse indiferente e impassível. Na realidade, aquele silêncio leva a uma reacção semelhante à angústia de uma mulher que está para dar à luz e, ofegante, grita. É o juizo divino sobre o mal, representado com imagens de aridez, destruição, deserto (cf. v. 15), que tem como meta um resultado vivo e fecundo.

Com efeito, o Senhor faz surgir um mundo novo, uma era de liberdade e de salvação. A quem era cego são-lhe abertos os olhos, para que possa gozar da luz resplandecente. O caminho torna-se plano e a esperança floresce (cf. v. 16), tornando possível continuar a confiar em Deus e no seu futuro de paz e de felicidade.

5. Todos os dias o crente deve saber distinguir os sinais da acção divina, mesmo quando ela está escondida pela passagem, aparentemente monótona e sem meta, do tempo. Como escrevia um apreciado autor cristão moderno, "a terra está invadida por um êxtase cósmico: existe nela uma realidade e uma presença eterna que, contudo, normalmente dorme sob o véu da rotina. A realidade eterna deve revelar-se agora, como numa revelação de Deus, através de tudo o que existe" (R. Guardini, Sabedoria dos Salmos, Bréscia, 1976, pág. 52).

Descobrir com os olhos da fé, esta presença divina no espaço e no tempo, mas também em nós próprios, é fonte de esperança e de confiança, mesmo quando o nosso coração está perturbado e abalado "como se agitam as árvores das florestas impulsadas pelo vento" (Is 7,2). De facto, o Senhor entra em cena para reger e julgar "o mundo com justiça e todos os povos com verdade" (cf. Sl Ps 95,13).

Saudações

Caríssimos Irmãos e Irmãs

Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, que porventura aqui se encontrem. Faço votos por que a vossa visita a Roma traga frutos espirituais a cada um e às vossas famílias.
Deus vos abençoe.

Dirijo uma cordial saudação aos fiéis húngaros, vindos de Miskolc. Peço-vos que rezeis pela paz no mundo. Concedo-vos de coração, a Bênção apostólica.
Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua polaca.

Na catequese de hoje, reflectimos sobre as palavras do Cântico do Profeta Isaías. Trata-se de um hino de acção de graças em honra de Deus que, ininterruptamente, está presente e age na história humana. O Profeta torna-nos conscientes do facto de que Deus, mesmo quando parece calar-se diante da opressão, da injustiça ou de qualquer outro mal que incumbe sobre o homem, não deixa de o amar e vem sempre ao seu encontro, quando o homem recorre a Ele com confiança.

Também o crente, sobretudo quando carrega o peso de uma experiência dolorosa, tem a impressão que Deus se cala. Mesmo grandes santos místicos viveram esta condição, que São João da Cruz definia como "a obscura noite da alma". O Profeta Isaías ensina que quem apesar de tudo acredita confiadamente que Deus está próximo e presente, poderá sobreviver ao período de provação e, com alegria, agradecerá a Deus o seu amor constante, que liberta de todo o mal.
Esta confiança, que brota da fé, vos acompanhe sempre e vos ajude a superar todas as dificuldades na vida.

Deus vos abençoe!

Dirijo uma cordial saudação aos peregrinos de língua italiana. Em particular, saúdo os membros da Confraria "Santa Bona" de Pisa, acompanhados do Arcebispo D. Alessandro Plotti; os representantes do Banco de Crédito Cooperativo de Montecorvino Rovella, que recordam o 90º aniversário de fundação do seu Instituto bancário; e os militares da Escola de Artilharia do Exército, com sede em Bracciano.

Caríssimos, formulo votos a fim de que este encontro suscite em cada um de vós um renovado fervor espiritual, no compromisso de dar testemunho de Cristo e do seu Evangelho na sociedade.

Por fim, o meu pensamento dirige-se aos jovens, aos doentes e aos novos casais.

O caminho quaresmal, que estamos a percorrer rumo à Páscoa, vos estimule, queridos jovens, a uma consciente maturidade de fé em Cristo; aumente em vós, dilectos doentes, a esperança em Jesus crucificado, nossa ajuda e conforto na provação; e vos ajude, queridos novos casais, a fazer da vossa vida uma escola diária de amor fiel e generoso.



PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 9 de abril de 2003

Louvai ao Senhor que faz maravilhas

1. A Liturgia das Laudes, que estamos a seguir no seu desenvolvimento através das nossas catequeses, propõe-nos a primeira parte do Salmo 134, que acabou de ressoar no cântico dos coristas. O texto revela uma série densa de alusões a outros trechos bíblicos e a atmosfera que o envolve parece ser pascal. Não é sem motivo que a tradição judaica uniu este Salmo com o seguinte, o 135, considerando o conjunto como o "grande Hallel", isto é, o louvor solene e jubiloso que se deve elevar ao Senhor por ocasião da Páscoa.


De facto, o Salmo, coloca em grande relevo o Êxodo, com a menção das "chagas" do Egipto e com a evocação da entrada na terra prometida. Mas sigamos agora as etapas seguintes, que o Salmo 134 revela no desenvolvimento dos primeiros 12 versículos: é uma reflexão que queremos transformar em oração.

2. Na abertura, deparamos com o característico convite ao louvor, um elemento dos hinos dirigidos ao Senhor no Saltério. O apelo a cantar o aleluia é dirigido aos "servos do Senhor" (cf. v. 1), que no original hebraico são apresentados como "ritos" no espaço sagrado do templo (cf. v. 2), ou seja, na atitude ritual da oração (cf. Sl Ps 133,1-2).

Estão envolvidos no louvor, antes de mais, os ministros do culto, sacerdotes e levitas, que vivem e trabalham nos "átrios da casa do nosso Deus" (cf. Sl Ps 134,2). Contudo, a estes "servos do Senhor" são associados espiritualmente todos os fiéis. De facto, imediatamente a seguir é mencionada a eleição de todo o Israel para que seja aliado e testemunha do amor do Senhor: "Ele elegeu Jacob para si e Israel para seu domínio preferido" (v. 4). Nesta perspectiva, celebram-se duas qualidades fundamentais de Deus: ele é "bom", ele é "amável" (cf. v. 3). O vínculo que existe entre nós e o Senhor está marcado pelo amor, pela intimidade, pela adesão jubilosa.

3. Depois do convite ao louvor, o Salmista prossegue com uma solene profissão de fé, que começa com a expressão típica "Eu sou", isto é, eu reconheço, eu creio (cf. v. 5). São dois os artigos de fé proclamados por um solista em nome de todo o povo, reunido em assembleia litúrgica. Antes de mais exalta-se a obra de Deus em todo o universo: Ele é por excelência o Senhor da criação: "O Senhor criou tudo quanto quis: nos céus e sobre a terra" (v. 6). Domina também os mares e todos os abismos que são o emblema da confusão, das energias negativas, das limitações e do nada.

É sempre o Senhor quem forma as nuvens, os relâmpagos, a chuva e os ventos, recorrendo aos seus "reservatórios" (cf. v. 7). Com efeito, o homem antigo do Próximo Oriente imaginava que os factores climáticos estivessem conservados em recipientes especiais, semelhantes a cofres celestes, onde Deus os ia buscar para os distribuir na terra.

4. Outro componente da profissão de fé refere-se à história da salvação. O Deus criador é reconhecido agora como o Senhor redentor, recordando os acontecimentos fundamentais da libertação de Israel da escravidão egípcia. O Salmista cita antes de mais o "flagelo" dos primogénitos (cf. Êx Ex 12,29-30), que resume todos os "sinais e prodígios" realizados pelo Deus libertador durante a epopeia da Êxodo (cf. Sl Ps 134,8-9). Imediatamente a seguir desfilam na recordação as clamorosas vitórias que permitiram que Israel vencesse as dificuldades e os obstáculos encontrados no seu caminho (cf. vv. 10-11). Por fim, eis que se apresenta no horizonte a terra prometida, que Israel recebe "em herança" do Senhor (cf. v. 12).

Pois bem, todos estes sinais de aliança que serão mais amplamente professados no Salmo seguinte, o 135, confirmam a verdade fundamental, proclamada no primeiro mandamento do Decálogo. Deus é único e é pessoa que realiza e fala, ama e salva: "Reconheço que é grande o Senhor e o nosso Deus é maior que todos os deuses" (v. 5; cf. Êx Ex 20,2-3 Ps 94,3).

5. Na esteira desta profissão de fé, também nós elevamos o nosso louvor a Deus. O Papa São Clemente I na sua Carta aos Coríntios faz-nos este convite: "Olhemos para o Pai e Criador de todo o universo. Afeiçoemo-nos aos dons e benefícios da paz, magníficos e sublimes.

Contemplemo-l'O com o pensamento e olhemos com os olhos da alma a sua grande bondade! Consideremos como é imparcial em relação a todas as criaturas. Os céus que se movem segundo a Sua ordem obedecem-lhe na harmonia. O dia e a noite realizam o curso por Ele estabelecido e não são impedimento um para o outro. O sol e a lua e os coros das estrelas segundo a Sua direcção movem-se harmoniosamente sem desvios nas órbitas que lhe foram destinadas. A terra, fecunda pela Sua vontade, produz alimento abundante para os homens, para as feras e para todos os animais que vivem nela, sem relutância e sem nada mudar dos Seus ordenamentos" (19, 2-20, 4: Os Padres Apostólicos, Roma 1984, págs. 62-63). Clemente I conclui observando: "O Criador e Senhor do universo dispôs que todas estas coisas acontecessem em paz e na concórdia, bondoso para com tudo e, de modo particular, para connosco que recorremos à sua piedade por intercessão de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Ele seja dada honra e glória por todos os séculos. Amen" (20, 11-12): ibidem, pág. 63).




APELO EM FAVOR DA ÁFRICA

"Enquanto em Bagdade e noutros centros do Iraque continuam os combates com destruições e mortes, chegam notícias não menos preocupantes do continente africano, de onde, nos últimos dias, chegaram informações acerca de massacres e execuções sumárias. Foi teatro destes crimes a atormentada região dos Grandes Lagos e, em particular, uma zona da República Democrática do Congo.

Ao elevar a Deus uma fervorosa oração de sufrágio pelas vítimas, dirijo um apelo angustioso aos responsáveis políticos, assim como a todos os homens de boa vontade, a fim de que se empenhem em fazer cessar as violências e as prepotências, pondo de parte egoísmos pessoais e interesses de grupo, com a colaboração eficaz da comunidade internacional.

Por isso, é de encorajar todo o esforço de reconciliação entre as populações congolesas, ugandesas e ruandesas, assim como os esforços semelhantes que estão em curso no Burundi e no Sudão, esperando que deles possa nascer depressa a tão desejada paz".

Saudações

Amados peregrinos de língua portuguesa

"Louvai o nome do Senhor, (...) vós que estais nos átrios da casa do nosso Deus"! Vede seus braços que vos acolhem e oferecem a paz. A cada um de vós e aos vossos entes queridos desejo, sobretudo na Semana Santa que se aproxima, este abraço de Deus que dá a paz e abençoa a vida.

Dou as minhas cordiais boas-vindas a todos os peregrinos da Espanha e da América Latina, particularmente aos grupos paroquiais que vêm de Saragoça. Elevemos a Deus o nosso louvor, seguindo o modelo da profissão de fé proclamado pelo Salmo que hoje cantámos.

A minha cordial saudação vai para os peregrinos ucranianos.

Caríssimos, agradeço-vos a vossa visita e, enquanto invoco de boa vontade sobre vós e sobre as vossas famílias a contínua assistência divina, do coração vos concedo um Bênção especial.
Seja louvado Jesus Cristo!

Uma cordial saudação para os peregrinos de Brno e arredores e para os fiéis da Paróquia de Kralupy!

Caríssimos, neste santo tempo da Quaresma, tenhamos bem presente a necessidade da nossa conversão no pensar, no amar e no agir.

Com estes votos vos abençoo de todo o coração a vós e aos que vos são queridos!
Seja louvado Jesus Cristo!

O salmo 134 é o tema da catequese de hoje: introduz-nos nos grandes mistérios da nossa redenção. Deus liberta o povo eleito da escravidão da terra do Egipto e introdu-lo na Terra Prometida.

A plena libertação do homem realiza-se em Jesus Cristo nosso Senhor, mediante a sua morte e ressurreição.

Aproxima-se a Semana Santa, durante a qual revivemos estes grandes mistérios da nossa Redenção. Sigamos, pois, Jesus Cristo, nosso Rei e Senhor, na procissão do Domingo de Ramos.

Entremos com Ele no Cenáculo, com Ele subamos ao Calvário, para chegar à glória da Ressurreição.

Desejo a todos uma profunda reflexão sobre estes mistérios e a graça da conversão. Seja louvado Jesus Cristo.

Saúdo os peregrinos de língua italiana. Em particular o numeroso grupo de fiéis da diocese de Nola, acompanhados pelo seu Arcebispo, D. Beniamino Depalma. Caríssimos, a vossa visita aos lugares sagrados, que lembram os inícios do cristianismo, vos fortaleça na adesão a Cristo e faça creser a caridade nas vossas famílias e comunidades eclesiais.

Saúdo-vos, depois, queridas Noviças de diversas Congregações religiosas, que frequentais os cursos promovidos pela União Superior Maior da Itália. Exorto-vos a fazer deste tempo de formação um tesouro para bem vos preparardes para a missão que vos espera.

Dirijo-vos uma grata saudação também a vós, representantes do "Centro salesiano Dom Bosco", de Treviglio, vindos a fazer-me uma visita na celebração dos 110 anos de vida do Instituto. Faço votos para que este aniversário suscite em cada um de vós um renovado entusiasmo de fé e de alegre consciência de que Cristo é a resposta às esperanças e expectativas de cada homem.
Dirijo, agora, uma cordial saudação para vós, jovens, doentes e novos casais. Nestes últimos tempos da Quaresma, exorto- vos a prosseguir com empenho o caminho espiritual para a Páscoa.

A vós, caros jovens, peço que intensifiqueis o vosso testemunho de amor à cruz de Cristo; a vós, queridos doentes, peço que vivais a prova da dor como acto de amor a Jesus Cristo crucificado e ressuscitado; e a vós, amados novos casais, peço-vos que imiteis na vossa união esponsal a contínua fidelidade do Senhor para com a Igreja, sua esposa.




AUDIÊNCIAS 2003