AUDIÊNCIAS 2003

PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 21 de maio de 2003

A oração do rei pela vitória e a paz

Amados irmãos e irmãs:


1. Ouvimos agora a primeira parte do Salmo 143. Ela tem as características de um hino real, enriquecido com outros textos bíblicos, de forma a dar vida a uma nova composição orante (cf. Sl Ps 8,5 Ps 17,8-15 Ps 32,2-3 Ps 38,6-7). Quem fala em primeira pessoa é o próprio rei David, que reconhece a origem divina dos seus sucessos.

O Senhor é representado com imagens marciais, segundo o antigo uso simbólico: de facto, é visto como um instrutor militar (cf. Sl Ps 143,1), uma fortaleza invencível, um escudo protector, um triunfador (cf. v. 2). Desta maneira, pretende-se exaltar a personalidade de Deus, que se compromete contra o mal da história: ele não é um poder obscuro ou uma espécie de destino, nem um soberano impassível e indiferente em relação às vicissitudes humanas. As citações e as tonalidades desta celebração divina sentem o efeito do hino de David conservado no Salmo 17 e no capítulo 22 do Segundo Livro de Samuel.

2. Face ao poder divino o rei hebraico reconhece a sua fragilidade e debilidade como todas as criaturas humanas. Para exprimir esta sensação, o orante real recorre a duas frases presentes nos Salmos 8 e 38, e relaciona-as conferindo-lhes uma nova e mais intensa eficiência: "Que é o homem, Senhor, para que te ocupes dele, e o Filho do homem para que penses nele? O homem é semelhante a um sopro, os seus dias são como a sombra que passa" (vv. 3-4). É realçada aqui a firme convicção de que nós somos inconsistentes, semelhantes a um sopro de vento, se o Criador não nos conserva vivos, Ele que como diz Job "tem nas suas mãos a alma de cada ser vivo e o sopro de cada vida humana" (12, 10).

Só com o apoio divino podemos superar os perigos e as dificuldades que nos acompanham todos os dias da nossa vida. Só contando com a ajuda do Céu poderemos comprometer-nos, como o antigo rei de Israel, em libertar-nos de qualquer forma de opressão e a caminhar para a liberdade.

3. A intervenção divina é apresentada com as tradicionais imagens cósmicas e históricas, com a finalidade de ilustrar o domínio divino sobre a criação e sobre as vicissituides humanas. Eis, então, montes que fumegam em erupções vulcânicas (cf. Sl Ps 143,5). Eis que os raios parecem lanças atiradas pelo Senhor destinadas a aniquilar o mal (cf. v. 6). Por fim, eis as "grandes águas" que, na linguagem bíblica, são símbolo da desordem, do mal e do nada, em síntese, das presenças negativas na história (cf. v. 7). A estas imagens cósmicas associam-se outras de índole histórica: são "os inimigos" (cf. v. 6), os "estrangeiros" (cf. v. 7), os mentirosos e quem jura falso, isto é, os idólatras (cf. v. 8).

Trata-se de uma forma muito concreta e oriental para representar a maldade, as perversões, a opressão e a injustiça: realidades tremendas das quais o Senhor nos liberta, enquanto nos encontramos no mundo.

4. O Salmo 143, que a Liturgia das Laudes nos propõe, termina com um breve hino de agradecimento (cf. vv. 9-10). Ele surge da certeza de que Deus não nos abandonará na luta contra o mal. Por isso o orante entoa uma melodia acompanhando-a com a sua arpa de doze cordas, com a certeza de que o Senhor "aos reis concede a vitória, e liberta David, seu servo" (cf. vv. 9-10).

A palavra "consagrado" em hebraico significa "Messias": por conseguinte, estamos na presença de um Salmo real que se transforma, já no uso litúrgico do antigo Israel, num cântico messiânico. Nós, cristãos repetimo-lo tendo o olhar fixo em Cristo, que nos liberta de qualquer forma de mal e nos ampara na batalha contra os perversos poderes escondidos. De facto, ela não tem de lutar "contra a carne e o sangue, mas contra os Principados, Potestades, contra os Dominadores deste mundo de trevas, contra os espíritos malignos espalhados pelos ares" (Ep 6,12).

5. Concluímos então com uma consideração que nos é sugerida por São João Cassiano, monge do IV-V século, que viveu na Gália. Na sua obra A Encarnação do Senhor, ele, inspirando-se no versículo 5 do nosso Salmo "Senhor, inclinai os vossos céus e descei" vê nestas palavras a expectativa da entrada de Cristo no mundo.

E continua assim: "O Salmista suplicava que... o Senhor se manifestasse na carne, aparecesse visivelmente no mundo, fosse assumido visivelmente na glória (cf. 1Tm 3,16) e que finalmente os santos pudessem ver, com os olhos do corpo, tudo o que eles espiritualmente tinham previsto" (A Encarnação do Senhor, V, 13, Roma 1991, pág. 208-209). É deste modo que todos os baptizados dão testemunho, na alegria da fé.

Saudações

Amados irmãos e irmãs

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua portuguesa com votos de paz e de alegrias pascais. De modo especial, desejo saudar o grupo de portugueses da paróquia de Nossa Senhora do Rosário do Barreiro e um grupo de visitantes, inclusive alguns brasileiros de Petrópolis, do Estado do Rio de Janeiro. Faço votos de que o Ressuscitado seja sempre o fundamento das mais nobres aspirações para uma autêntica vida cristã e, como penhor de abundantes dons divinos, concedo de bom grado a minha Bênção apostólica.

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua francesa presentes nesta audiência. Que o Senhor vos dê a confiança e a paz para testemunhar o Evangelho da Páscoa através dos acontecimentos de todos os dias. Boa peregrinação a todos!

Dou especiais boas-vindas aos peregrinos de língua inglesa hoje aqui presentes, provenientes da Inglaterra, Irlanda, Escócia, Suécia e dos Estados Unidos da América. Sobre todos vós invoco a graça e a paz de Nosso Senhor, e desejo-vos boa estadia em Roma.

Dirijo uma cordial saudação aos peregrinos e visitantes provenientes da Alemanha, Áustria e Suíça, em particular aos numerosos jovens. Sede bem-vindos à Praça de São Pedro! Deus vos oriente na luta contra as forças do mal. Só com Ele o bem consegue vencer em nós próprios e no mundo em que vivemos. Confiai no seu poder e deixai agir a sua graça! Deus vos proteja!

Saúdo com afecto os peregrinos de língua espanhola, sobretudo os peregrinos de Riobamba, Equador, com o seu Bispo, D. Víctor Corral Mantilla; saúdo também os vários peregrinos da Espanha e de outros países da América Latina. Exorto-vos a todos a renovar a vossa confiança total no Senhor. Muito obrigado.

Queridos peregrinos de Veselí nad Moravou, de Valec e de Dalecice na República Checa!

Na passada sexta-feira celebramos a festa do Santo mártir Joao Nepomuceno. Oxalá o seu exemplo de fidelidade a Deus desperte a magnanimidade em todos os pastores e fiéis, para que saibam agir sempre com espontaneidade segundo a exortação de Sao Pedro: "É preciso obedecer a Deus e não aos homens" (cf. Act Ac 5,29).
Abençoo-vos a todos de coração! Louvado seja Jesus Cristo!

Dou as boas-vindas de coração aos peregrinos provenientes de Nitra e de Bratislava, de Kosice e de Nové Zámky, de Trstená e Ihl'any, assim como aos jovens da Sociedade dos amigos das crianças no orfanato "Sorriso como Dom".

Carissimos, desejo-vos que a vossa estadia em Roma seja um encorajamento para a vossa vida cristã e de bom grado vos concedo a Bençao apostólica.
Louvado seja Jesus Cristo!

Dirijo uma cordial saudaçao ao grupo das Forças Armadas da Ucrânia, acompanhado pelo seu capelao, D. Mychajl Koltun.

Caríssimos, agradeço-vos a vossa visita e, ao invocar de bom grado sobre vós e sobre as vossas famílias a continua assistência divina, concedo-vos cordialmente uma especial Bênçao, extensiva a todo o povo ucraniano.
Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente os peregrinos de lingua polaca.

Na catequese de hoje meditámos as palavras do Salmo 143. É um hino real, no qual David confessa que todos os seus sucessos sao obra de Deus. Se um homem reconhece a sua debilidade e a impotencia diante do mal, e ao mesmo tempo se confia ao poder de Deus, vencerá. Deus misericordioso será a sua "fortaleza", "rocha", "escudo" e "refùgio" (cf. Sl Ps 143,2).

Um exemplo desta atitude da confiança para com Deus Omnipotente, é-nos dado pelos santos também pelos novos santos polacos que tive a alegria de canonizar no domingo passado: o Bispo José Sebastiao Pelczar e a Madre Úrsula Ledóchowska. Pela sua intercessão confio à bondade de Deus todos os meus concidadãos. Deus vos abençôe!

Por fim, saúdo os jovens, os doentes e os novos casais. Neste Ano dedicado ao Rosário, o mês de Maio constitui uma ocasião de um encontro mais intenso com Nossa Senhora. Maria, que no Cenáculo aguardou com os Apóstolos a descida do Espirito Santo, vos ajude, queridos jovens, a realizar com espontaneidade a missão que Deus vos confiar. Vos ampare a vós, queridos doentes, a aceitar os vossos sofrimentos em união com Cristo. Interceda por vós, amados novos casais, para que a vossa familia seja uma autêntica igreja doméstica, animada pela luz da fé, da esperança e da caridade.


PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 28 de maio de 2003

Louvor a Deus e pedido de auxílio

Queridos irmãos e irmãs,


1. O Salmo 107 que agora nos foi proposto faz parte da sequência dos Salmos da Liturgia das Laudes, objecto das nossas catequeses. Ele apresenta uma característica, à primeira vista, surpreendente. A composição não é mais do que a fusão de dois fragmentos de salmos pré-existentes, um tirado do Salmo 56 (vv. 8-12) e outro do Salmo 59 (vv. 7-14). O primeiro fragmento tem uma tonalidade hínica, o segundo uma marca suplicante, mas com um oráculo divino que confere ao orante serenidade e confiança.

Esta fusão dá origem a uma nova oração e isto torna-se exemplar para nós. Na realidade, também a liturgia cristã muitas vezes funde trechos bíblicos diferentes de forma que os transforma num texto novo, destinado a iluminar situações inéditas. Contudo, permanece o vínculo com a base originária. Na prática, o Salmo 107 (mas não é o único; veja-se, só para mencionar outro testemunho, o Ps 143) mostra como já Israel no Antigo Testamento utilizava de novo e actualizava a Palavra de Deus revelada.

2. O Salmo que deriva desta combinação é, portanto, algo mais do que a simples soma ou justaposição dos dois trechos pré-existentes. Em vez de começar com uma humilde súplica como o Salmo 56, "Tende piedade de mim, ó Deus" (v. 2), o novo Salmo começa com um anúncio resoluto de louvor a Deus: "O meu coração, Senhor, está contente, quero cantar-Vos e Louvar-Vos" (Ps 107,2). Este louvor ocupa o lugar da lamentação que formava o começo do outro Salmo (cf. Sl Ps 59,1-6), e torna-se assim a base do oráculo seguinte (Ps 59,8-10 = Ps 107,8-10) e da súplica que o rodeia (Ps 59,7 Ps 59,11-14 Ps 107,7 Ps 107,11-14).

Esperança e pesadelo fundem-se e tornam-se substância da nova oração, completamente orientada para dar confiança também no tempo da prova vivida por toda a comunidade.

3. Por conseguinte, o Salmo começa com um hino jubiloso de louvor. É um cântico matutino acompanhado da harpa e da cítara (cf. Sl Ps 107,3). A mensagem é límpida e tem no centro a "bondade" e a "verdade" divina (cf. v. 5): em hebraico, hésed e 'emèt, são as palavras típicas para definir a fidelidade amorosa do Senhor em relação à aliança com o seu povo. Com base nesta fidelidade, o povo tem a certeza de que nunca será abandonado por Deus no abismo do nada e do desespero.

A nova leitura cristã interpreta este Salmo de maneira particularmente sugestiva. No v. 6 o Salmista celebra a glória transcendente de Deus: "Elevai-Vos (ou seja, "sê exaltado"), Senhor, sobre os céus!". Ao comentar este Salmo, Orígenes, remete para a frase de Jesus: "E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim" (Jn 12,32) que se refere à crucifixão. Ela tem como resultado o que afirma o versículo seguinte: "Sejam livres os Vossos amigos" (Ps 107,7). Então Orígenes conclui: Que significado maravilhoso! O motivo pelo qual o Senhor é crucificado e exaltado é que os seus amados sejam livres... Realizou-se tudo o que pedimos: ele foi exaltado e nós fomos libertados" (Orígenes-Jerónimo, 74 homilias sobre o livro dos Salmos, Milão 1993, pág. 367).

4. Passamos agora à segunda parte do Salmo 107, citação parcial do Salmo 59, como foi dito. Na angústia de Israel, que sente Deus ausente e distante ("Vós, Deus, que nos repelistes": v. 12), ergue-se a voz do oráculo do Senhor que ressoa no templo (cf. vv. 8-10). Nesta revelação Deus apresenta-se como árbitro e senhor de toda a terra santa, da cidade de Siquém ao vale da Transjordânia, Sukkot, das regiões orientais de Galaad e Manassés às centro-meridionais de Efraim e Judá, alcançando também os territórios vassalos, mas estrangeiros, de Moab, Edom e Filisteia.

Com palavras vivas de inspiração militar ou com marcas jurídicas proclama-se o domínio divino sobre a terra prometida. Se o Senhor reina, não devemos temer: não somos atirados para aqui e para ali pelas forças obscuras do destino ou da confusão. Há sempre, também nos momentos tenebrosos, um projecto superior que rege a história.

5. Esta fé acende a chama da esperança. Contudo, Deus indicará uma solução, ou seja, uma "cidade fortificada" colocada na região de Edom. Isto significa que, apesar da prova e do silêncio, Deus voltará a revelar-se, a apoiar e orientar o seu povo. Só d'Ele pode vir a ajuda decisiva e não das alianças militares externas, ou seja, da força das armas (cf. v. 13). E só com Ele se obterá a liberdade e se farão "obras grandiosas" (cf. v. 14).

Recordamos com São Jerónimo a última lição do Salmista, interpretada em chave cristã: "Ninguém se deve perder por este caminho. Tens Cristo e tens receio? Será Ele a nossa força, o nosso pão, o nosso guia" (Breviarium in Psalmos, Ps. CVII: PL 26, 1224).

Saudações

Amados peregrinos de Portugal e doutros países de língua portuguesa, sede bem-vindos! A todos saúdo, com votos de paz e unidade nas vossas famílias e comunidades que Jesus Cristo ama e guarda, seguras, na sua mão direita. Na sua intimidade, na oração, achareis aquela vida em abundância que Ele, sentado à direita do Pai, derrama sobre vós com o dom do Epírito Santo.

Sinto-me feliz em receber os peregrinos de língua francesa aqui presentes esta manhã, sobretudo os membros da comunidade dos Pequenos Irmãos do Cordeiro e o Coro de homens da Bretanha. Oxalá a vossa peregrinação a Roma vos prepare para receber o Espírito Santo e fazer crescer em vós o desejo da santidade!

Dou as boas-vindas ao grupo internacional de alunos que assistem à Conferência organizada pelo Instituto Medieval da Universidade de Nossa Senhora. Dirijo respeitosas saudações ao "Rissho Kosei-kai de Budistas" do Japão. Agradeço aos dois coros a sua oração a Deus com o cântico. Sobre todos os peregrinos de língua inglesa presentes nesta Audiência, sobretudo os que provêm da Inglaterra, Irlanda, e dos Estados Unidos, invoco de Deus a Bênção da paz e da alegria.
Saúdo cordialmente os peregrinos e visitantes provenientes dos países de língua alemã, assim como o grupo de estudantes do Colégio Ambrosiano da Diocese de Rotemburgo-Estugarda. Ponde-vos todos os dias sob a orientação de Deus, que está próximo de nós em Jesus Cristo. Que Ele vos mantenha e vos guie nos vossos empreendimentos! A paz de Cristo esteja convosco!

Saúdo cordialmente os peregrinos da Espanha e da América Latina, sobretudo os seminaristas do Seminário Menor de Santiago de Compostela, a Associação de reformados de A Coruña, a Associação médica da Cidade Satélite de Naucalpan, os peregrinos de Arandas, México, e o grupo da Academia Militar do Equador. Não obstante as provas e o silêncio, mantende sempre viva a chama da esperança! Unicamente de Deus vem a ajuda decisiva. Só com Ele, e não com a força das armas, se obterá a liberdade! Deus vos abençoe!

Saúdo com alegria os peregrinos lituanos!

Depois da Páscoa, os Apóstolos eram assíduos e unânimes na oração com a Mãe de Jesus. Sede vós também sempre perseverantes na oração do Rosário, pela família e pela paz no mundo.
O Senhor vos abençoe a vós e aos vossos familiares! Louvado seja Jesus Cristo!

Dirijo uma cordial saudação aos fiéis húngaros, sobretudo ao grupo da Paróquia de Santo António de Pádua, de Budapeste. Concedo-vos de coração a todos vós, e aos objectos de devoção que trazeis convosco, a Bênção apostólica.
Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente todos os peregrinos croatas aqui presentes. Sede bem-vindos!
Caríssimos, a Bem-Aventurada Virgem Maria, tão venerada pelo vosso Povo, vos acompanhe no caminho da vida e vos conduza a Cristo Jesus.
Concedo a Bênção Apostólica a vós e às vossas famílias.
Louvados sejam Jesus e Maria!

Por fim, dirijo-me a vós, queridos jovens, queridos doentes e estimados novos casais. Está a chegar ao fim este mês de Maio, e o pensamento dirige-se espontaneamente para Maria Santíssima, Estrela luminosa do nosso caminho cristão. Façamos-lhe uma referência constante e encontraremos na sua materna intercessão e no seu exemplo luminoso de fidelidade à vontade de Deus a inspiração e amparo na peregrinação quotidiana rumo à Pátria eterna.



                                                                             Junho de 2003

PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 4 de junho de 2003

O quadragésimo aniversário da morte do Beato João XXIII




Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Faleceu há quarenta anos o querido e venerado Papa João XXIII, que tive a alegria de proclamar Beato, juntamente com Pio IX, a 3 de Setembro do ano 2000.

O pensamento volta espontaneamente para a segunda-feira, 3 de Junho de 1963: naquela tarde, os fiéis de Roma e os peregrinos acorreram em milhares à Praça de São Pedro, para estarem o mais próximo possível do querido Padre e Pastor, que, depois de uma prolongada e dolorosa doença, deixou este mundo.

Às 19 horas, no átrio da Basílica de São Pedro, o Pró-Vigário de Roma, Cardeal Luigi Traglia, dava início à Santa Missa, enquanto ele, na seu leito que se tornou altar, consumava o seu sacrifício espiritual, o sacrifício de toda a sua vida.

Da Praça de São Pedro, apinhada, elevou-se em unanimidade ao Céu a oração da Igreja. Parece que vivemos de novo aqueles momentos de grande emoção: os olhares de toda a humanidade estavam dirigidos para a janela do terceiro andar do Palácio Apostólico. O fim daquela Missa coincidiu com a morte do Papa bom.

2. "Este leito é um altar; o altar quer uma vítima: eis-me pronto. Ofereço a minha vida pela Igreja, pela continuação do Concílio Ecuménico, pela paz no mundo, pela unidade dos cristãos" (Discorsi, Messaggi, Colloqui del Santo Padre Giovanni XXIII, pág. 618).

Ecce adsum! Eis-me pronto! O pensamento sereno da morte tinha acompanhado o Papa João em toda a sua vida, o qual, no momento da despedida definitiva, projectava o seu olhar no futuro e nas expectativas do Povo de Deus e do mundo. Com um tom comovido ele afirmava que o segredo do seu sacerdócio estava no Crucifixo, guardado sempre ciosamente em frente do seu leito. "Nas longas e frequentes conversas nocturnas observava o pensamento da redenção do mundo pareceu-me urgente como nunca". "Aqueles braços estendidos acrescentava dizem que Ele morreu por todos, para todos; não recusa a ninguém o seu amor, o seu perdão" (ibid., 618).

Não é difícil compreender nestas breves palavras o sentido do seu ministério sacerdotal totalmente dedicado a dar a conhecer e a amar "o que mais conta na vida: Jesus Cristo bendito: a sua Santa Igreja, o seu Evangelho" (ibid., 612). Palpitou nele, até ao fim, este anseio. "A minha jornada terrena concluía o Beato João XXIII acaba; mas Cristo vive e a Igreja continua a sua tarefa; as almas, as almas: ut unum sint, ut unum sint..." (ibid., 619).

3. Quase dois meses antes, a 11 de Abril, João XXIII tinha publicado o documento mais célebre do seu magistério: a Encíclica Pacem in terris, que este ano tive a ocasião de recordar várias vezes. Toda a vida do inesquecível Pontífice foi um testemunho de paz. O seu Pontificado revelou-se uma elevadíssima profecia de paz, que encontrou na Pacem in terris a sua manifestação realizada, quase um testamento público e universal.

"Cada crente, neste nosso mundo escrevia ele deve ser uma centelha de luz, um centro de amor, um fermento vivificador na massa: e tanto mais o será, quanto mais, na sua própria intimidade, viver em comunhão com Deus. De facto, não haverá paz entre os homens se não há paz em cada um deles" (Parte V: AAS, LV [1963], pág. 302).

Para ser centelha de luz é preciso viver em contacto permanente com Deus. Este meu venerado Predecessor, deixou uma marca na história, recorda também aos homens do terceiro milénio que o segredo da paz e da alegria se encontra na comunhão profunda e constante com Deus. O Coração do Redentor é a fonte do amor e da paz, da esperança e da alegria.

A nossa recordação do amado Papa João transforma-se assim numa oração: que ele se digne interceder, do Paraíso, para que também nós, como ele, possamos confessar no fim da nossa existência, que nada mais procuramos do que Cristo e o seu Evangelho.

Ajude-nos Maria que ele gostava de invocar com a bonita frase Mater mea, fiducia mea! a perseverar com a palavra e com o exemplo no compromisso de testemunhar a paz para contribuir para a edificação da civilização do amor.

Saudação

Queridos Irmãos e Irmãs

Com particular afecto, saúdo e abençoo os peregrinos de língua portuguesa, desejando a todos felicidades em Jesus Cristo Senhor. E que Ele vos ajude a viver segundo o seu Espírito, pelos caminhos da justiça, da fraternidade e da paz.

Agora, saúdo os peregrinos dos Países Baixos e da Bélgica.

Faço votos a fim de que a vossa peregrinação enriqueça espiritualmente cada um de vós e vos torne mais conscientes de ser filhos do único Pai celeste e, portanto, irmãos uns dos outros.
Concedo-vos de coração a Bênção Apostólica. Louvado seja Jesus Cristo!

Dou as cordiais boas-vindas aos peregrinos de Praga! A piedade dos católicos dedica o mês de Junho à devoção ao Sagrado Coração de Jesus. O amor do Pai manifestou-se aos homens no Coração do seu Filho Jesus. Invoquemo-lo assim: "Jesus, manso e humilde de coração, transformai os nossos corações; ensinai-nos a amar a Deus e o próximo".

É de bom grado que vos abençoo a todos. Louvado seja Jesus Cristo!

Dirijo-vos as minhas cordiais boas-vindas, a vós, queridos peregrinos croatas!

Como bem sabeis, amanhã vou visitar a vossa terra. Enquanto manifesto a minha alegria por esta Viagem Apostólica, onde encontrarei a população croata, confio na vossa oração e, do íntimo do coração, concedo-vos a todos a Bênção apostólica. Até à vista, na Croácia!

Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente todos os polacos!

Dediquei a catequese de hoje à comemoração da pessoa do Papa João XXIII. Com efeito, ontem recordou-se o 40º aniversário da sua morte. Este meu Predecessor na Sé de Pedro, que tive a alegria de beatificar no Ano jubilar 2000, inscreveu-se na história da Igreja sobretudo como iniciador do Concílio Vaticano II. Porém, esta obra nasceu do seu profundo cuidado pastoral pelas vicissitudes da Igreja, que caracterizou toda a sua vida. Como lema, ele tinha estas palavras: Ecce adsum! Eis-me pronto! Foi precisamente neste espírito de total dedicação a Cristo e à Igreja que ele edificou a sua santidade, levando também os outros à mesma santidade. A sua protecção e intercessão vos acompanhem sempre! Amanhã começa a minha Viagem Apostólica à Croácia. Peço-vos que rezeis segundo as intenções desta peregrinação, a fim de que dê bons frutos. Louvado seja Jesus Cristo!

Agora, dirijo as cordiais boas-vindas aos peregrinos de língua italiana. Em particular, saúdo os fiéis da Paróquia de Santa Maria das Graças, em Barile, acompanhados do seu Bispo, D. Gianfranco Todisco, o grupo da Diocese de Vale da Lucânia, e os Seminaristas de Ravena. Além disso, saúdo os conterrâneos do Beato João XXIII, vindos para venerar os restos mortais deste grande Pontífice, no 40º aniversário da sua morte.

Com particular afecto, dirijo o meu pensamento às pessoas portadoras de deficiência, vindas a Roma no contexto do Ano Europeu do Deficiente, em particular aos participantes nos Jogos Mundiais de Verão Special Olympics, ao numeroso grupo dos Institutos da Obra de Dom Orione, provenientes de diversas Regiões.

Caríssimos, obrigado pela vossa participação; faço votos cordiais para que este encontro constitua para todos uma ocasião providencial para confirmar a vossa ardente adesão a Cristo e ao seu Evangelho.

Por fim, penso nos jovens, nos doentes e nos recém-casados. Enquanto nos preparamos para a solenidade do Pentecostes, exorto-vos, caros jovens, a ser sempre dóceis à acção do Espírito; encorajo-vos, queridos doentes, a invocar a sua Luz e a sua ajuda no sofrimento e na provação; e desejo-vos, recém-casados, que cresçais no amor que o Espírito de Deus derrama nos corações.

É com grande esperança que estou a preparar-me para realizar, amanhã, a minha terceira Viagem à Croácia, terra marcada pelo testemunho de intrépidas testemunhas do Evangelho. A finalidade é confirmar na fé os irmãos e as irmãs da comunidade católica que, no período da perseguição religiosa, permaneceram fiéis a Cristo, e não têm medo de enfrentar os desafios do momento presente, para continuar a anunciá-lo com coragem.

Nestes treze anos, desde a reconquista da independência, eles consolidaram as estruturas eclesiais e, agora, dedicam-se a uma acção evangelizadora cada vez mais marcante.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, convido-vos a acompanhar-me com a oração. Confio esta minha centésima Viagem Apostólica à Virgem Santa, tão venerada na Croácia, para que Ela oriente os meus passos e obtenha para o povo croata uma renovada primavera de fé e de progresso civil.



PAPA JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-Feira 11 de junho de 2003

A Croácia construa a sua unidade

e estabilidade assente no Cristianismo




Queridos Irmãos e Irmãs,


1. Gostaria hoje de percorrer de novo com o pensamento, juntamente convosco, a viagem na Croácia, que pude realizar nos últimos dias, e que tinha como tema "A família: caminho da Igreja e do povo". Foi a minha centésima viagem apostólica! Elevo do fundo do coração a mais sentida acção de graças ao Senhor, que cem vezes me abriu os caminhos do mundo e das nações para que eu pudesse dar testemunho d'Ele.

Voltei à nobre Terra croata para confirmar os irmãos na fé; quis levar a todos uma mensagem de paz e de reconciliação, e foi-me concedida a alegria de elevar à honra dos altares a Irmã Maria Propetoga Isusa Petkovic.

Desejo exprimir um reconhecimento cordial ao Episcopado por me ter convidado e recebido com carinho e afecto. Dirijo o meu reconhecimento também ao Presidente da República e às outras Autoridades civis e militares, pela cordial adesão e solícita colaboração. Por fim, agradeço à Arquidiocese de Rijeka e ao seu Seminário, que me hospedou, bem como aos meus colaboradores.

2. A primeira etapa foi a antiga e gloriosa cidade de Dubrovnik, orgulhosa da sua história e das suas tradições de liberdade e de justiça. Ali celebrei uma santa Missa, durante a qual foi beatificada a Irmã Maria de Jesus Crucificado Petkovic, insigne filha da Igreja na Terra croata. Mulher dotada de um heróico desejo de servir Deus nos irmãos mais pobres, fundou as Irmãs Filhas da Misericórdia da Terceira Ordem Regular de São Francisco para propagar, mediante as obras de misericórdia espiritual e corporal, o conhecimento do Amor divino.

À luz desta admirável figura, dirigi uma mensagem especial às mulheres croatas, que encorajei a oferecer à Igreja e à sociedade o seu contributo espiritual e moral: pedi, de modo especial, às consagradas que sejam um sinal eloquente da presença amorosa de Deus entre os homens.

3. No dia seguinte, em Osijek, na extrema zona norte-oriental do País, diocese de Djakovo e Srijem, tive a alegria de presidir à solene conclusão do segundo Sínodo diocesano e de comemorar o 150° aniversário de fundação da Província eclesiástica de Zagábria.

Nesta ocasião, detive-me a reflectir sobre a santidade como vocação de cada cristão: este é um dos ensinamentos centrais do Concílio Vaticano II. Em particular, convidei os fiéis leigos a valorizar plenamente a graça do Baptismo e da Confirmação. Só quem é animado por uma fé robusta e por um amor generoso pode ser apóstolo de reconciliação e de reconstrução moral, onde permanecem abertas as feridas de um passado doloroso e difícil.

Em Djakovo pude deter-me brevemente na bonita Catedral, onde saudei os seminaristas e os seus professores, juntamente com um grande número de religiosas.

4. No domingo, 8 de Junho, festa do Pentecostes, em Rijeka, durante a Santa Missa invoquei uma renovada efusão dos dons do Espírito Santo sobre as famílias cristas da Croácia e do mundo.

Desejei recomendá-las a todas à protecção da Sagrada Família de Nazaré. Além disso, pareceu-me útil recordar o fundamental valor social da instituição familiar, solicitando para ela a atenção privilegiada e medidas concretas, que favoreçam a sua constituição, o desenvolvimento e a estabilidade.

Durante a tarde, fui ao Santuário de Trsat, situado sobre uma colina da cidade de Rijeka, para me unir espiritualmente aos peregrinos que ali veneram a Mãe de Deus. De facto, segundo uma tradição piedosa parece que naquele lugar se deteve a santa Casa de Nazaré antes de chegar a Loreto.

5. A última etapa da minha viagem foi Zadar na Dalmácia, cidade rica de história. À sombra da Catedral de Santa Anastásia, mártir de Sirmio, celebrei a Hora Sexta, na festa da Bem-Aventurada Virgem Maria Mãe da Igreja. Esta festa mariana, que prolonga a solenidade do Pentecostes, fez-nos reviver o clima do Cenáculo. Como então, também hoje Maria continua a estar presente na Comunidade eclesial: uma presença humilde e discreta, mas animadora da oração e da vida segundo o Espírito; uma presença contemplativa, capaz de chamar pastores e fiéis à primazia da interioridade, da escuta e da assimilação da Palavra de Deus, condição indispensável para um anúncio evangélico convicto e eficaz.

Caríssimos Irmãos e Irmãs! Também durante esta viagem pude verificar como o Cristianismo contribuiu para o desenvolvimento artístico, cultural, mas sobretudo, espiritual e moral, da Croácia e do seu povo. É sobre esta base sólida que agora, no começo do terceiro milénio, a querida Nação croata poderá continuar a construir a sua unidade e a sua estabilidade, para se integrar harmoniosamente no conjunto dos povos europeus.

Deus continue a abençoar e a proteger a Croácia! Ela terá sempre um lugar privilegiado no meu afecto e na minha oração.

Queridos Irmãos e Irmãs

Amados peregrinos de língua portuguesa, com grande afecto saúdo todos os presentes, nomeadamente o grupo de famílias de Lisboa, que beneficiam do apostolado dos "Custódios de Maria" e os sacerdotes de Braga, Viana do Castelo e Timor Leste que vieram, com familiares e amigos, celebrar os 25 anos da sua Ordenação presbiteral. Imitando a Virgem Maria, continuai a gerar e a cuidar do Corpo de Cristo, que o Pai do Céu confiou às vossas mãos, ungidas com o Espírito Santo.

Ide e semeai a bênção divina sobre a terra!

É com alegria que saúdo os peregrinos lituanos.

Com o coração cheio das imagens da minha viagem à Croácia, convido-vos a meditar sempre sobre o acontecimento do Pentecostes. O Espírito Santo chama cada fiel à santidade e ao anúncio incansável do Evangelho. A oração seja a vossa força para responder plenamente a esta vocação. O Senhor vos abençoe a todos!
Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente os peregrinos francófonos, presentes nesta Audiência, em particular o grupo da Comunidade do Verbo da Vida.
Abri o vosso coração a Cristo ressuscitado, para que o Evangelho vos inspire todas as vossas obras!

Saúdo especialmente os visitantes de língua inglesa, hoje aqui presentes. Sobre todos vós, de forma particular os que vieram da Inglaterra, das Índias Ocidentais e dos Estados Unidos da América, invoco a graça e a paz de nosso Salvador Jesus Cristo.

Saúdo com afecto os peregrinos de expressão espanhola, particularmente os "Amigos dos Castelos", da Espanha, e os peregrinos vindos do Equador. Exorto-vos a todos a ser promotores de paz e de reconciliação no ambiente que vos é próprio.
Muito obrigado!

Saúdo com cordialidade os meus compatriotas.
Durante esta Audiência, voltamos com a memória às recentes experiências ligadas à minha viagem apostólica à Croácia. O lema dos encontros com os fiéis que moram nesse lindo País foram as palavras: "Família, caminho da Igreja e da Sociedade". Além disso, a peregrinação constituiu uma ocasião para reflectir sobre a realidade da família e o seu papel no contexto mais amplo da vocação dos leigos ao testemunho do Evangelho.

Esta foi uma ocasião profícua para o intercâmbio dos dons da fé, pelo qual estou cordialmente grato ao povo croata! Louvado seja Jesus Cristo!

Agora, saúdo os peregrinos de língua italiana.

De maneira especial, os fiéis de Rapagnano, que recordam o milénio da eleição do seu ilustre compatriota, o Papa João XVII. Caríssimos, faço votos a fim de que esta significativa data suscite em cada um de vós uma renovada adesão a Cristo e um autêntico amor à Igreja.

Além disso, saúdo os participantes na corrida do "Corpus Domini", entre Orvieto e Praga, bem como os atletas com a Tocha da Paz, que iluminará a peregrinação nocturna entre Macerata e Loreto.

Por fim, desejo saudar o XXXII Esquadrão do Aeroporto Militar de Amendola.

E agora, dirijo um pensamento particular aos jovens aos doentes e aos recém-casados.

O testemunho do Apóstolo São Barnabé, cuja festa celebramos no dia de hoje, seja para vós, caros jovens, um encorajamento a caminhar sempre segundo o Espírito de Jesus ressuscitado, que celebrámos na solenidade do Pentecostes; seja para vós, queridos doentes, um sustentáculo para aderir à vontade de Deus; e vos ajude a vós, dilectos recém-casados, a ser testemunhas generosas do amor de Cristo.

AUDIÊNCIAS 2003