AUDIÊNCIAS 2003

PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 16 de julho de 2003

Consolação e alegria na cidade de Deus



1. Foi tirado da última página do Livro de Isaías o hino que acabámos de escutar, um cântico de alegria dominado pela figura maternal de Jerusalém (cf. 66, 11) e, além disso, pela solicitude amorosa do próprio Deus (cf. v. 13). Os estudiosos da Bíblia consideram que esta secção final, aberta a um futuro esplêndido e festivo, seja o testemunho de uma voz posterior, a de um profeta que celebra o renascimento de Israel depois do intervalo obscuro do exílio na Babilónia. Estamos, pois, no século VI a.C., dois séculos após a missão de Isaías, o grande profeta sob cujo nome se encontra toda a obra inspirada.

Agora, nós seguiremos o fluir jubiloso deste breve cântico, que começa com três imperativos que são precisamente um convite à felicidade: "alegrai-vos", "exultai" e "regozijai-vos" (cf. v. 10). Trata-se de um fio luminoso que percorre frequentemente as últimas páginas do Livro de Isaías: os aflitos de Sião são confortados, coroados e cobertos com o "óleo da alegria" (61, 3); o próprio profeta "com grande alegria rejubila no Senhor, e o seu coração exulta no seu Deus" (61, 10); "assim como a esposa faz a felicidade do seu marido, assim Deus vai alegrar-se" pelo seu povo (cf. 62, 5). Na página precedente à que agora é objecto do nosso cântico e da nossa oração, é o próprio Senhor que participa na felicidade de Israel, que está prestes a nascer como nação: "Antes se gozará em alegria e felicidade eterna naquelas coisas que vou criar. Olhai, vou criar uma Jerusalém destinada à alegria, e o seu povo ao júbilo. E Jerusalém será a minha alegria, e o meu povo o meu júbilo" (65, 18-19).

2. A fonte e a razão desta alegria interior estão na reencontrada vitalidade de Jerusalém, renascida das cinzas da ruína, que se tinha abatido sobre ela quando o exército babilónico a demoliu. Com efeio, fala-se do seu "luto" (66, 10), já deixado para trás.

Como acontece com frequência em várias culturas, a cidade é representada com imagens femininas, aliás, maternais. Quando uma cidade está em paz, é semelhante a um seio protegido e seguro; aliás, é como uma mãe que amamenta os seus filhos com abundância e ternura (cf. 66, 11). Nesta perspectiva, a realidade que a Bíblia chama, com uma expressão feminina, "a filha de Sião", ou seja, Jerusalém, volta a ser uma cidade-mãe que acolhe, nutre e alegra os seus filhos, isto é, os seus habitantes. Em seguida, sobre este cenário de vida e de ternura desce a palavra do Senhor, que tem a tonalidade de uma bênção (cf. 66, 12-14).

3. Deus recorre a outras imagens ligadas à fecundidade: com efeito, fala de rios e de córregos, ou seja, de águas que simbolizam a vida, da exuberância da vegetação, da prosperidade da terra e dos seus habitantes (cf. 66, 12). A prosperidade de Jerusalém, a sua "paz" (shalom), dádiva generosa de Deus, assegurará aos seus filhos uma existência rodeada de ternura maternal: "Os seus filhinhos serão levados ao colo e acariciados sobre o seu regaço" (ibid.) e esta ternura maternal será a ternura do próprio Deus: "Como uma mãe consola o seu filho, assim Eu vos consolarei" (66, 13).

Assim, o Senhor recorre à metáfora maternal para descrever o seu amor pelas suas criaturas.
Também antes, no Livro de Isaías, se lê um trecho que atribui a Deus um perfil maternal: "Acaso pode uma mãe esquecer-se do menino que amamenta, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria" (49, 15). No nosso cântico, as palavras do Senhor, dirigidas a Jerusalém, terminam por retomar o tema da vitalidade interior, expresso com outra imagem de fertilidade e de energia: a da relva fresca, imagem aplicada aos ossos, para indicar o vigor do corpo e da existência (cf. 66, 14).

4. Nesta altura, diante da cidade-mãe, é fácil alargar o nosso olhar a ponto de contemplar o perfil da Igreja, virgem e mãe fecunda. Terminemos a nossa meditação sobre a Jerusalém renascida, com uma reflexão de Santo Ambrósio, tirada da sua obra As virgens: "A Santa Igreja, é imaculada na sua união marital: fecunda pelos seus partos, é virgem pela sua castidade, mas mãe pelos filhos que gera. Por conseguinte, nós nascemos de uma virgem, que concebeu não por obra do homem, mas por obra do Espírito. Portanto, nascemos de uma virgem, não entre as dores físicas, mas no meio do júbilo dos anjos. Somos alimentados por uma virgem, não com o leite do corpo, mas com o leite de que fala o Apóstolo, quando diz ter amamentado, na idade frágil, o adolescente povo de Deus".

"Que mulher desposada tem mais filhos do que a Santa Igreja? Ela é virgem pela santidade que recebe nos sacramentos e é mãe dos povos. A sua fecundidade é confirmada também pelas Escrituras, que dizem: "São mais numerosos os filhos da desamparada, do que os da mulher casada" (Is 54,1 Ga 4,27); a nossa mãe não tem marido, mas um esposo, porque tanto a Igreja nos povos como a alma nos indivíduos imunes a qualquer infidelidade, fecundas na vida do espírito sem que faltem ao pudor, desposam o Verbo de Deus como um esposo eterno" (I, 31: SAEMO 14/1, PP 132-133).



Saudações

Caríssimos Irmãos e Irmãs de língua portuguesa

Saúdo, com votos de felicidades, paz e graça no Senhor, quantos me escutam. Levai a certeza da minha estima e oração, e que Nossa Senhora do Carmo, cuja festa hoje celebramos, vos acompanhe e proteja. Que Deus vos abençoe!

Acolho com alegria os peregrinos de língua francesa, em particular o grupo da diocese de Obala, nos Camarões. Possa a vossa peregrinação a Roma fortalecer a vossa fé; e que este tempo de férias seja para cada um de vós ocasião de um verdadeiro repouso e o momento favorável para refazer as vossas forças físicas e espirituais!

Dirijo uma especial saudação de boas-vindas aos visitantes e peregrinos de língua inglesa, incluindo os grupos vindos da Escócia, Irlanda, Arábia Saudita e dos Estados Unidos. Que a vossa visita a Roma e Castel Gandolfo possa aprofundar o vosso amor à Igreja. Sobre cada um de vós, invoco a graça e a paz de nosso Senhor Jesus Cristo. Boas férias!

Saúdo com afecto os peregrinos de língua espanhola. Em especial os fiéis de Pedro Abad (Córdova) e os peregrinos de Jaén, assim como as Jovens de quinze anos do México e os visitantes de Guadalajara. A todos desejo felizes férias tempo propício para fortalecer também a vida interior. Obrigado pela vossa atenção.

Saúdo cordialmente os fiéis húngaros que vieram de Budapeste e Pusztaszabolcs. De coração vos concedo a Vós e às vossas famílias a Benção Apostólica.
Seja louvado Jesus Cristo!

Saúdo com alegria os peregrinos lituanos!
Cada tempo é tempo de graça para quem confia em Deus. Sede constantes na oração a fim de ser fortes para manter sólida a vossa esperança no Senhor!
De coração rezo por todos vós e vos abençoo!
Seja louvado Jesus Cristo!

Saúdo o coro juvenil da Paróquia dos Santos Cirilo e Metódio, em Maribor.
A peregrinação à Sé Apostólica de São Pedro reforce e aprofunde a vossa fé, esperança e caridade. A Mãe celeste Maria, que vós, Eslovenos, tanto amais e honrais, conduza a Cristo todo o vosso empenho juvenil.
Para vós, para o vosso Pároco e todos os vossos familiares a minha especial Bênção Apostólica.

Saúdo cordialmente todos os meus compatriotas aqui presentes.

Hoje, na Liturgia, ocorre a Memória da Bem-aventurada Virgem do Monte Carmelo. Esta memória é particularmente querida a todos os devotos de Nossa Senhora do Carmo. Também eu, desde a minha juventude, trago ao pescoço o Escapulário da Virgem e me refugio com confiança sob o manto da Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Jesus.

Desejo que o Escapulário seja para todos, especialmente para os fiéis que o usam, ajuda e defesa nos perigos, garantia da paz e sinal da protecção de Maria.
Seja louvado Jesus Cristo!

Dirijo uma cordial saudação de boas-vindas aos peregrinos de língua italiana. Saúdo de modo particular as Irmãs Franciscanas do Coração de Jesus, que estão a realizar a sua Assembleia Geral. Queridas Irmãs, abençoo de coração os vossos trabalhos para que como diz o tema da assembleia possais recomeçar a partir de Cristo com fé orante, esperança firme e amor operoso.

Saúdo, também, os peregrinos da Família carmelita e o grupo de crianças Sahrawi, hóspedes da Associação Jaima Sahrawi, de Régio Emília.

Saúdo, enfim, os jovens, os doentes e os novos casais.





PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 23 de julho de 2003

O poder e a bondade do Senhor


1. O Salmo que acabamos de cantar é a primeira parte de uma composição que inclui também o Salmo seguinte, 147, e que o original hebraico conservou na sua unidade. Foram as antigas versões grega e latina que dividiram o cântico em dois Salmos diferentes.

O Salmo começa com um convite a louvar a Deus e depois enumera uma longa série de motivos de louvor, todos expressos no presente. Trata-se de actividades de Deus, consideradas características e sempre actuais; mas são de géneros muito diferentes: algumas referem-se às intervenções de Deus na existência humana (cf. Sl Ps 146,3 Sl Ps 146,6 Sl Ps 146,11) e sobretudo em favor de Jerusalém e de Israel (cf. v. 2); outras referem-se ao universo criado (cf. v. 4) e mais especialmente à terra com a sua vegetação e com os animais (cf. vv. 8-9).

Por fim, dizendo de quem o Senhor se apraz, o Salmo convida-nos a ter uma dúplice atitude: de temor religioso e de confiança (cf. v. 11). Nós não estamos abandonados a nós mesmos ou às energias cósmicas, mas estamos sempre nas mãos do Senhor, devido ao seu projecto de salvação.

2. Depois do convite festivo ao louvor (cf. v. 1), o Salmo desenvolve-se em dois movimentos poéticos e espirituais. No primeiro (cf. vv. 2-6) introduz-se antes de mais a acção histórica de Deus, sob a imagem de um construtor que está a edificar novamente Jerusalém, que recuperou a vida depois do exílio na Babilónia (cf. v. 2). Mas este grande artífice, que é o Senhor, revela-se também como um pai que se inclina sobre as feridas interiores e físicas, presentes no seu povo humilhado e oprimido (cf. v. 3).

Demos espaço a Santo Agostinho que, na Exortação do Salmo 146, feita em Cartagena em 412, comentava do seguinte modo a frase: "O Senhor cura todos os que têm o coração atribulado": "Quem não tem o coração atribulado não é curado... Quem são aqueles de coração atribulado? Os humildes. E os que não atribulam o coração? Os soberbos. Contudo, o coração atribulado é curado, o coração repleto de orgulho é derrubado. Aliás, provavelmente, se é derrubado é precisamente para que, depois da atribulação, possa ser restabelecido, curado... "Ele cura os que têm o coração atribulado, e cura as suas rupturas"... Por outras palavras, cura os humildes de coração, os que confessam, que se punem, que julgam com severidade para poder experimentar a sua misericórdia. Eis quem cura. Mas a saúde perfeita será alcançada no fim do presente estado mortal, quando o nosso ser corruptível for revestido de incorruptibilidade e o nosso ser mortal estiver revestido de imortalidade" (5-8: Exposições sobre os Salmos, IV, Roma 1977, PP 772-779).

3. Mas a obra de Deus não se manifesta apenas através da cura dos sofrimentos do seu povo. Ele, que circunda os pobres de ternura e cuidados, eleva-se como juiz severo em relação aos soberbos (cf. v. 6). O Senhor da história não permanece indiferente perante a fúria dos prepotentes, que se julgam os únicos árbitros das vicissitudes humanas: Deus reduz ao pó da terra todos aqueles que desafiam o céu com a sua soberba (cf. 1S 2,7-8 Lc 1,51-53).

Mas a acção de Deus não se esgota no seu senhorio sobre a história; ele é também o rei da criação, todo o universo responde à sua chamada de Criador. Ele não só pode contar a grande quantidade das estrelas, mas é capaz também de chamar cada uma pelo nome, definindo, por conseguinte, a sua natureza e as suas características (cf. Sl Ps 146,4).

Já o profeta Isaías cantava: "Levantai os olhos ao céu e olhai: quem criou todos estes astros? Aquele que os conta e os faz marchar como um exército, e a todos chama pelos seus nomes" (40, 26). Por conseguinte, os "exércitos" do Senhor são as estrelas. O profeta Baruc continuava assim: "As estrelas brilham nos seus postos e alegram-se. Ele chama-as e elas respondem: "Aqui estamos". E, jubilosas, dão luz ao seu Senhor" (3, 34-35).

4. Depois de um novo convite jubiloso ao louvor (cf. Sl Ps 146,7), eis que se abre o segundo movimento do Salmo 146 (cf. vv. 7-11). Continua em primeiro plano ainda a acção criadora de Deus na criação. Numa paisagem muitas vezes árida, como a oriental, o primeiro sinal do amor divino é a chuva que fecunda a terra (cf. v. 8). Neste seguimento, o Criador prepara uma mesa para os animais. Aliás, ele preocupa-se em dar alimento também aos seres vivos mais pequeninos, como os filhinhos dos corvos que bradam devido à fome (cf. v. 9). Jesus convida-nos a olhar "para as aves do céu: não semeiam, nem ceifam, nem recolhem em celeiros; e o vosso Pai celeste alimenta-as" (Mt 6,26 cf. também Lc 12,24 com referência explícita aos "corvos").

Mas, uma vez mais, a atenção vai da criação para a existência humana. E assim o Salmo conclui-se mostrando o Senhor que se inclina sobre quem é justo e humilde (cf Ps 146,10-11), como já se tinha declarado na primeira parte do hino (cf. v. 6). Através de dois símbolos de poder, o cavalo e as pernas do homem quando corre, delineia-se a atitude divina que não se deixa conquistar ou atemorizar pela força. Mais uma vez, a lógica do Senhor ignora o orgulho e a arrogância do poder, mas defende quem é fiel e "espera na sua graça" (v. 11), ou seja, deixa-se orientar por Deus no seu agir e no seu pensar, nos seus projectos e na própria vivência quotidiana.

É entre eles que se deve colocar também quem reza, baseando a sua esperança na graça do Senhor, com a certeza de ser envolvido pelo manto do amor divino: "O Senhor é quem vigia sobre os Seus fiéis, sobre aqueles que esperam na sua bondade, libertando-os da morte e fazendo-os viver no tempo da fome... n'Ele se alegra o nosso coração e em Seu santo nome confiamos" (Ps 32,18-19 Ps 32,21).

Saudações

Saúdo os portugueses do Porto e da "Rádio Renascença" e, junto com um grupo de visitantes do Brasil, saúdo também as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, provindas de diversos países para um período de aprofundamento da espiritualidade franciscana. A todos dou as boas-vindas, com os votos por que a vossa passagem por Roma sirva de estímulo para um compromisso mais autêntico com a própria fé, e dispostos a proclamar a grandeza do amor de Deus pelos homens. Que Deus vos abençoe e vos assista.

Saúdo cordialmente os meus compatriotas aqui presentes e os diversos grupos de peregrinos. Saúdo, sobretudo, os jovens e as crianças: o grupo de dança proveniente de Rzeszow e o grupo de crianças, membros do movimento "Luz e Vida" de Warka e Aleksandrow Kujawski. Estou muito feliz pela vossa presença aqui em Castel Gandolfo. Confio a Maria, Mãe de Deus, o período das vossas férias. Neste tempo de descanso, retomai as forças para o trabalho que vos aguarda. A todos aqueles que não puderam partir para as férias, desejo serenidade e alegria entre os amigos e nas suas famílias. Também no período de repouso devemos recordar-nos de Deus; eis que o Salmo meditado hoje, na catequese, nos faz rezar assim: "Deleita-se o Senhor naqueles que O temem, naqueles que esperam pelas suas graças" (Ps 146,11).

É com alegria que recebo os peregrinos de língua francesa. Queridos amigos, que o encontro deste dia seja uma ocasião para cada um, de aumentar a sua fé e confiança em Cristo, que nos anima e nos faz participar na sua vida!

Dirijo uma cordial saudação aos peregrinos búlgaros, provenientes da Paróquia de São Miguel Arcanjo, na cidade de Rakovski. Caríssimos, a visita a Roma vos confirme na fé e no testemunho do Evangelho. Com afecto vos abençoo, juntamente com os vossos entes queridos.

Transmito as minhas especiais saudações aos visitantes de expressão inglesa, hoje aqui presentes, de modo especial aos da Irlanda, Malta, Nigéria, Japão e Estados Unidos da América. Que o Deus da paz vos cumule sempre com os seus dons de alegria e de fortaleza!

Dirijo uma saudação cordial aos fiéis húngaros, que vieram de Nyíregyháza. De coração concedo-vos, bem como às vossas famílias, a Bênção Apostólica.
Louvado seja Jesus Cristo!

Dirijo uma cordial saudação aos peregrinos de língua italiana, em particular aos organizadores do Festival Folclórico que tem lugar nesses dias em Cori, e estendo-a aos grupos participantes, provenientes de diversos países.

Alegro-me ainda por acolher os Religiosos Escolápios, reunidos para o Capítulo Geral. Caríssimos, agradeço-vos o testemunho e o serviço que a vossa Ordem oferece à Igreja e à sociedade. Confio os frutos da Assembleia capitular à intercessão de Maria Santíssima e de São José de Calasanz, vosso Fundador. Enfim, a minha lembrança vai aos jovens, aos doentes e aos recém-casados. Caríssimos, aproveitai o período de verão para aprofundar a vossa relação pessoal com Cristo. Que para vós, jovens, Ele seja um guia; para vós, doentes, o conforto; e para vós, recém-casados, um vínculo de amor.



PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 30 de julho de 2003

Tende piedade de mim, Senhor


1. É a quarta vez que ouvimos, durante estas nossas reflexões sobre a Liturgia das Laudes, a proclamação do Salmo 50, o célebre Miserere. De facto, ele é proposto de novo na sexta-feira de cada semana, para que se torne um oásis de meditação, onde descobrir o mal que se esconde na consciência e invocar do Senhor a purificação e o perdão. Com efeito, como confessa o Salmista noutra súplica, "nenhum vivente é justo na Vossa presença", ó Senhor (Ps 142,2). No Livro de Job lê-se: "Como, pois, pode justificar-se o homem diante de Deus? Como será puro o homem nascido da mulher? Até a própria luz não brilha e as estrelas não são puras aos Seus olhos! Quanto menos o homem, simples verme, e o filho do homem, mero vermezinho!" (25, 4-6).

Estas são frases fortes e dramáticas, que querem mostrar em toda a seriedade e gravidade o limite e a fragilidade da criatura humana, a sua capacidade perversa de semear o mal e a violência, a impureza e a mentira. Contudo, a mensagem de esperança do Miserere, que o Saltério coloca nos lábios de David, pecador convertido, é esta: Deus pode "apagar, lavar, purificar" a culpa confessada com o coração contrito (cf. Sl Ps 50,2-3). Diz o Senhor através da voz de Isaías: "Mesmo que os vossos pecados fossem como escarlate, tornar-se-iam brancos como a neve" (1, 18).

2. Deter-nos-emos desta vez brevemente no fim do Salmo 50, um fim cheio de esperança porque o orante é consciente de ter sido perdoado por Deus (cf. vv. 17-21). Agora, os seus lábios preparam-se para proclamar ao mundo o louvor ao Senhor, confirmando desta forma a alegria que experimenta a alma purificada do mal e, por isso, libertada dos remorsos (cf. v. 17).

O orante testemunha de modo claro outra convicção, relacionando-se com o ensinamento reiterado pelos profetas (cf. Is Is 1,10-17 Am 5,21-25 Os 6,6): o sacrifício mais agradável que se eleva ao Senhor como perfume e fragrância agradável (cf. Gn Gn 8,21) não é o holocausto de touros ou de cordeiros mas, antes, o "coração quebrantado e humilhado" (Ps 50,19).

A Imitação de Cristo, texto tão querido à tradição espiritual cristã, repete a mesma admoestação do Salmista: "A humilde contrição dos pecados é um sacrifício que te é agradável, um perfume muito mais suave do que o fumo do incenso... Ali purifica-se e lava-se qualquer iniquidade" (III, 52, 4).

3. O Salmo conclui-se de maneira inesperada, com uma perspectiva completamente diferente, que até parece contraditória (cf. vv. 20-21). Da última súplica de um só pecador passa-se a uma oração pela reconstrução de toda a cidade de Jerusalém, o que nos leva da época de David à da destruição da cidade, alguns séculos mais tarde. Por outro lado, depois de ter expresso no v. 18 a recusa divina das imolações de animais, o Salmo anuncia no v. 21 que estas mesmas imolações serão agradáveis a Deus.

É evidente que esta passagem final é um acréscimo posterior, feito no tempo do exílio, que quer, num certo sentido, corrigir ou pelo menos completar a perspectiva do Salmo de David. E isto, sob dois aspectos: por um lado, não se quis que todo o Salmo se limitasse a uma oração individual; era necessário pensar também na situação piedosa de toda a cidade. Por outro lado, quis-se reduzir a recusa divina dos sacrifícios rituais; esta recusa não podia ser completa nem definitiva, porque se tratava de um culto prescrito pelo próprio Deus na Tora. Quem completou o Salmo teve uma intuição válida: compreendeu a necessidade em que se encontravam os pecadores, a necessidade de uma mediação sacrifical. Os pecadores não são capazes de se purificarem sozinhos; não bastam bons sentimentos. É preciso uma mediação externa eficaz. O Novo Testamento revelará o sentido pleno desta intuição, mostrando que, com a oferta da sua vida, Cristo realizou uma mediação sacrifical perfeita.

4. Nas suas Homilias sobre Ezequiel, São Gregório Magno compreendeu bem a diferença de perspectiva que existe entre os vv. 19 e 21 do Miserere.Ele propõe uma interpretação da mesma, que podemos acolher também, concluindo assim a nossa reflexão. São Gregório aplica o v. 19, que fala de espírito contrito, à existência terrena da Igreja e o v. 21, que fala de holocausto, à Igreja no céu.

Eis as palavras daquele grande Pontífice: "A santa Igreja tem duas vidas: uma que conduz no tempo, outra que recebe eternamente; uma com a qual fadiga na terra, outra que é recompensada no céu; uma com a qual reúne os méritos, outra que já goza dos méritos recolhidos. E tanto numa como noutra vida oferece o sacrifício: aqui o sacrifício da contrição e lá no céu o sacrifício do louvor. Está escrito acerca do primeiro sacrifício: "O meu sacrifício, Senhor, será o meu espírito contrito" (Ps 50,19); acerca do segundo está escrito: "Então agradecereis as ofertas puras, sacrifícios e holocaustos" (Ps 50,21)... Os dois oferecem a carne, porque aqui a oblação da carne é a mortificação do corpo, no céu a oblação da carne é a glória da ressurreição no louvor a Deus.

No céu oferecer-se-á a carne como que em holocausto quando, transformada na incorruptibilidade eterna, não haverá mais conflito algum e nada será mortal, porque perdurará totalmente acesa de amor por ele, no louvor sem fim" (Homilias sobre Ezequiel/2, Roma 1993, pág. 271).

Saudações

Queridos peregrinos de língua portuguesa, possam as vossas boas obras e orações elevarem-se diariamente ao Pai pela santificação e unidade da grande família humana, em Jesus Cristo. Sirva-vos de apelo e de encorajamento a Bênção que, de bom grado, vos concedo a vós, aos familiares e conterrâneos.

Saúdo os peregrinos de língua espanhola, em particular os fiéis da Paróquia de Santa Maria de Águas Santas. Desejo a todos que esta peregrinação a Roma confirme a vossa fé, mediante a conversão do coração. Levai também a saudação do Papa às vossas famílias e comunidades. Obrigado pela vossa atenção.

Dou as minhas boas-vindas aos visitantes e peregrinos de expressão inglesa, presentes hoje aqui, inclusivamente aos grupos da Escócia, da Terra Santa, de Santa Lúcia e dos Estados Unidos da América. Oxalá a vossa visita a Castel Gandolfo e a Roma vos incuta paz e esperança. Sobre todos vós, invoco a graça e a paz de nosso Senhor Jesus Cristo. Boas férias!

É com alegria que dou as boas-vindas aos peregrinos de língua francesa, de modo particular às Religiosas do Menino Jesus, de Chauffailles, ao grupo de jovens franceses da Diocese de Tulle e aos peregrinos de Ilha da Reunião. Queridos amigos, possa este período de férias e de descanso ser um momento favorável que vos há-de permitir fazer a experiência da doçura e da força do perdão recebidos do Senhor.

Saúdo cordialmente os compatriotas, o Arcebispo D. Józef Michalik de Przemysl, e o Bispo D. Zygmunt Zimowski de Radom. É a quarta vez que, durante a catequese de quarta-feira, dedicada à Liturgia da Palavra, meditamos sobre o Salmo do Miserere.Este Salmo é recitado durante a oração das Laudes em cada sexta-feira, quando recordamos a Paixão e a Morte de Jesus na Cruz.
Nesta oração, pedimos a Deus o perdão dos nossos pecados e a sua misericórdia: "Tende piedade de mim, ó Deus, pelo vosso amor! Pela vossa grande compaixão, apagai a minha culpa! Lavai-me da minha injustiça e purificai-me do meu pecado!" (Ps 51 [50] 3-4).

Peço a Deus para que conceda a cada um de nós o verdadeiro arrependimento e a sincera confissão dos nossos pecados, todas as vezes que recebemos o sacramento da penitência: "O meu sacrifício é um espírito contrito. Vós não desprezais um coração contrito e esmagado" (Ibid., v. 19).

Saúdo cordialmente os peregrinos húngaros de Eger e Nyíregyháza. Por intercessão dos Santos húngaros, concedo-vos a todos, de coração, a Bênção Apostólica. Louvado seja Jesus Cristo!
Dirijo as minhas cordiais boas-vindas aos peregrinos lituanos! O Senhor convida-vos a escutar com confiança a sua Palavra, que inspira e dá força à nossa fé. Rezo por vós, a fim de que sejais sempre dóceis discípulos de Cristo. Acompanhe-vos todos a minha Bênção!
Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo os peregrinos de língua italiana, em especial o grupo paroquial de São Marcos Abade, em Aci Castello, a quem encorajo a encontrar no Evangelho a força para superar com esperança também as situações mais difíceis. Além disso, saúdo os fiéis da paróquia de São Pedro Mártir, em Jesi, juntamente com as crianças bielo-russas que são os seus hóspedes.

É-me grato acolher três grupos de Religiosos, por ocasião dos Capítulos Gerais dos seus Institutos: os Oblatos de Maria Virgem, as Irmãs de Santa Marta e as Religiosas Reparadoras do Sagrado Coração. Para vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, e para as vossas Famílias religiosas, asseguro uma particular lembrança na oração.

Por fim, saúdo os jovens, os doentes e os recém-casados. Saúdo também o "Regnum Christi". Convido-vos, caros jovens, a dedicar uma parte das vossas férias de verão a significativas experiências de solidariedade. A vós, caros doentes, faço votos para que tireis benefício deste tempo de descanso. E vós, recém-casados, possais saborear nas férias a serenidade da vossa união.



                                                                                 Agosto de 2003

PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 6 de agosto de 2003



São Pio X: exemplo de fidelidade total a Cristo

Paulo VI: testemunha sempre atenta do Senhor


1. Há cem anos, no dia 4 de Agosto de 1903, foi eleito o meu Predecessor São Pio X. Nascido em Riese, pequeno centro da região que precede os Alpes vénetos, numa terra que permaneceu profundamente cristã, José Sarto transcorreu toda a sua vida, até à eleição a Papa, no Véneto. Saúdo com afecto o numeroso grupo de peregrinos provenientes de Treviso que, acompanhados do seu Bispo, vieram prestar homenagem à memória do seu ilustre conterrâneo.

A vossa presença, caríssimos Irmãos e Irmãs, oferece-me a oportunidade de realçar o papel importante que este Sucessor de Pedro teve na história da Igreja e da humanidade no começo do século XX. Quando o elevou às honras dos altares, em 29 de Maio de 1954, Ano Mariano, Pio XII definiu-o "campeão invencível da Igreja e Santo providencial do nosso tempo", cuja obra assumiu "o aspecto de uma luta comprometida de um gigante em defesa de um tesouro inestimável: a unidade interior da Igreja no seu íntimo fundamento: a fé" (Acta Apostolicae Sedis XLVI [1954], 308). Oxalá este santo Pontífice, que nos deixou um exemplo de fidelidade total a Cristo e de amor apaixonado à sua Igreja, continue a velar sobre a Igreja.

2. Gostaria de recordar outro grande Papa. De facto, completam-se hoje 25 anos desde aquele dia 6 de Agosto de 1978 quando, nesta residência de Castelgandolfo, falecia o Servo de Deus, o Papa Paulo VI. Era a tarde do dia em que a Igreja celebra o mistério luminoso da Transfiguração de Cristo, "sol que não conhece ocaso" (Hino litúrgico). Era domingo, Páscoa semanal, Dia do Senhor e do dom do Espírito (cf. Carta Apost. Dies Domini, 19).

Já tive ocasião de falar acerca da figura de Paulo VI durante uma recente Audiência geral, no quadragésimo aniversário da sua eleição a Bispo de Roma. Hoje, no mesmo lugar onde ele concluiu a sua peregrinação terrestre, desejo voltar a escutar de forma ideal, juntamente convosco, caríssimos Irmãos e Irmãs, o seu testamento espiritual, aquela sua derradeira e suprema palavra, que foi precisamente a sua morte.

Na última Audiência geral, a quatro dias da morte, quarta-feira 2 de Agosto, ele tinha falado aos peregrinos da fé, como força e luz da Igreja (cf. Insegnamenti di Paolo VI, XVI 1978, pág. 586). E no texto preparado para o Angelus de 6 de Agosto, que ele não pôde pronunciar, voltando o olhar para Cristo transfigurado, escreveu: "Aquela luz que o inunda é e será também a nossa parte de herança e de esplendor. Somos chamados a compartilhar tanta glória, porque somos "partícipes da natureza divina" (2P 1,4)" (Ibid., pág. 588).

3. Paulo VI sentia a importância de medir os gestos e as opções de cada dia com a "grande passagem", para a qual gradualmente se ia preparando. É prova disto aquilo que ele escreveu, por exemplo, no Pensamento da morte. Ali lemos, entre outras coisas, uma expressão que faz pensar precisamente na festa de hoje, a Transfiguração: "Eis escrevia ele que, terminando, gostaria de estar na luz... Neste último olhar, compreendo que este cenário fascinante e misterioso [do mundo] é um eco, é um reflexo da primeira e única Luz... um convite à visão do Sol indivisível, quem nemo vidit umquam (cf. Jn 1,18): unigenitus Filius, qui est in sinu Patris, Ipse enarravit. Assim seja, assim seja" (Ibid. , pp. PP 24-25).

Para os crentes, a morte é como o "amen" final da sua existência terrestre. Assim foi, sem dúvida, para o Servo de Deus Paulo VI que, na "grande passagem", tornou manifesta a sua mais elevada profissão de fé. Ele que, no encerramento do Ano da Fé, tinha proclamado com solenidade o "Credo do Povo de Deus", selou-o com o último "amen", extremamente pessoal, como coroação de um compromisso por Cristo, que tinha dado sentido à sua vida.

4. "A luz da fé não conhece ocaso". Assim entoamos num hino litúrgico. Hoje damos graças a Deus, porque estas palavras se realizaram neste meu amado Predecessor. À distância de vinte e cinco anos da sua morte, manifesta-se-nos de maneira cada vez mais fúlgida a sua elevada estatura de mestre e defensor da fé, numa hora dramática da história da Igreja e do mundo. Reflectindo sobre aquilo que ele mesmo escreveu a propósito da nossa época, ou seja, que nela têm mais crédito as testemunhas do que os mestres (cf. Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi EN 41), queremos recordá-lo com devoto reconhecimento, como autêntica testemunha de Cristo Senhor, apaixonado pela Igreja e sempre atento a perscrutar os sinais dos tempos na cultura contemporânea.

Possa cada um dos membros do Povo de Deus e gostaria de dizer, cada homem e cada mulher de boa vontade honrar a sua veneranda memória com o compromisso de uma sincera e constante busca da verdade. Aquela verdade que resplandece plenamente no rosto de Cristo e que a Virgem Maria, como gostava de recordar Paulo VI, nos ajuda a compreender e a viver melhor, com a sua intercessão maternal e solícita.

Amados peregrinos de língua portuguesa

Ao recordar os aniversários da eleição de São Pio X e do 25º ano da morte do Servo de Deus Papa Paulo VI, envio uma afectuosa saudação aos peregrinos do Instituto Politécnico de Leiria e aos brasileiros provindos de Campo Limpo, em São Paulo, rogando a Deus para que este encontro com o Sucessor de Pedro os leve a um sempre maior compromisso, com a Igreja reunida na caridade. Que Deus abençoe vossas famílias e comunidades locais.
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Saúdo cordialmente os peregrinos francófonos, em particular o grupo mariano de Abijão. Cristo transfigurado faça resplandecer sobre vós a sua luz, a fim de que, escutando a sua voz, lhe deis testemunho por toda a vida!

Saúdo com carinho os peregrinos de língua espanhola. Em especial, o Grupo de "Jovens pelo Reino de Cristo", que celebram o 25º aniversário de fundação. Exorto-vos todos, assim como os demais, a progredir na fé, contemplando o rosto de Jesus e caminhando unidos com os pastores.
Boas férias a todos! Muito obrigado pela vossa atenção!

Saúdo cordialmente todos os meus compatriotas aqui presentes. Saúdo sobretudo os participantes na IV Peregrinação dos Ciclistas, provenientes de toda a Polónia, que partiram da longínqua cidade de Rzeszów.

Hoje recordamos dois grandes Papas, que foram meus Predecessores na Cátedra de Pedro: São Pio X e o Servo de Deus Papa Paulo VI. O primeiro, São Pio X, foi o Papa da Eucaristia, eleito ao Sólio Pontifício há 100 anos, no dia 4 de Agosto. O segundo, o Servo de Deus Papa Paulo VI, foi o Papa do Concílio Vaticano II, e precisamente no dia 6 de Agosto de há 25 anos, em Castel Gandolfo, foi chamado pelo Senhor ao encontro com Ele para receber o prémio do "servo bom e fiel".

Ambos, cada um com o seu próprio carisma, foram Papas que se comprometeram em prol da renovação da Igreja. Louvado seja Jesus Cristo. E o Senhor vos abençoe a todos!

Dirijo as cordiais boas-vindas aos peregrinos de língua italiana. Em particular, saúdo os participantes no Encontro de Verão para os Seminaristas de várias dioceses italianas e os fiéis da localidade de Cologno al Serio.

Dirijo uma saudação aos fiéis presentes na Praça de Castel Gandolfo, que não encontraram lugar neste Pátio.

Por fim, saúdo-vos a vós, caros jovens, doentes e recém-casados, enquanto vos formulo votos a fim de que a luz de Cristo transfigurado, que hoje contemplamos, ilumine a vossa existência e encha o vosso coração da alegria que se fundamenta na esperança cristã.




AUDIÊNCIAS 2003