AUDIÊNCIAS 2003

PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 8 de outubro de 2003

Introdução à Liturgia das Vésperas (1)




Caríssimos Irmãos e Irmãs de língua portuguesa:

1. Dado que "todos os dias da nossa peregrinação na terra são um dom sempre novo" do amor de Deus (Prefácio dos Domingos, VI), a Igreja sentiu sempre a exigência de dedicar ao louvor divino os dias e as horas da existência humana. Assim, a aurora e o pôr do sol, típicos momentos religiosos de todos os povos, que já se tornaram sagrados na tradição bíblica da oferta matutina e vespertina do holocausto (cf. Êx Ex 29,38-39) e do incenso (cf. Êx Ex 30,6-8), representam para os cristãos, desde os primeiros séculos, dois momentos particulares de oração.

O surgir e o pôr-do-sol não são momentos insignificantes do dia. Assumem uma fisionomia inconfundível: a beleza radiante de um alvorecer e o esplendor triunfal de um pôr do sol marcam os ritmos do universo, nos quais está profundamente envolvida a vida do homem. Além disso, o mistério da salvação, que se realiza na história, tem os seus momentos relacionados com diversas fases do tempo. Por isso, juntamente com a celebração das Laudes no começo do dia, foi-se consolidando na Igreja a celebração das Vésperas ao cair da tarde. As duas Horas litúrgicas possuem uma carga evocativa que recorda os dois aspectos fundamentais do mistério pascal: "À noite o Senhor está na Cruz, de manhã ressuscita... À noite eu narro os sofrimentos por Ele suportados na morte; de manhã anuncio a Sua vida que ressuscita" (Santo Agostinho, Exposições sobre os Salmos, XXVI, Roma 1971, pág. 109).

Precisamente porque estão relacionadas com a memória da morte e da ressurreição de Cristo, as duas Horas, das Laudes e das Vésperas devem considerar-se, "como os dois pólos do Ofício quotidiano por uma venerável tradição da Igreja universal" (Const. Sacrosanctum Concilium, SC 89).
2. Na antiguidade, depois do pôr do sol, com o acender do candeeiro levava-se às casas uma característica de alegria e de comunhão. Também a comunidade cristã, acendendo a lâmpada ao anoitecer, invocava com o coração agradecido o dom da luz espiritual. Era o chamado "lucernário", isto é, o ritual acender a lâmpada, cuja chama é símbolo de Cristo, "Sol que não conhece ocaso".

De facto, ao cair das trevas os cristãos sabem que Deus ilumina também a noite obscura com o esplendor da sua presença e com a luz dos seus ensinamentos. Devemos recordar, a este propósito, o antiquíssimo hino lucernal Fôs hilarón, acolhido na liturgia bizantina arménia e etíope: "Luz jubilosa da santa glória do Pai imortal, celeste, santo, bem-aventurado, ó Jesus Cristo! Tendo chegado o pôr do sol e, vendo a luz vespertina, cantamos hinos ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, Deus. É digno cantar-te em todos os tempos com vozes harmoniosas, ó Filho de Deus, tu que nos deste a vida: por isso o universo proclama a tua glória". Também o Ocidente criou muitos hinos para celebrar Cristo-luz.

Inspirando-se no simbolismo da luz, a oração das Vésperas desenvolveu-se como um sacrifício vespertino de louvor e de reconhecimento pelo dom da luz física e espiritual e pelos demais dons da criação e da redenção. São Cipriano escreve: "Tendo-se posto o sol e tendo desaparecido o dia devemos necessariamente rezar de novo. De facto, dado que Cristo é o sol verdadeiro, ao ocaso do sol e do dia deste mundo, nós rezamos e pedimos que venha de novo sobre nós a luz e invocamos a vinda de Cristo que nos trará a graça da luz eterna" (De oratione dominica, 35: PL 4, 560).

3. O fim da tarde é um tempo propício para considerar diante de Deus, em oração, o dia transcorrido. É o momento "para dar graças por quanto nos foi concedido ou que cumprimos com rectidão" (São Basílio, Regulae fusius tractatae, Resp. 37, 3: ). É também o tempo propício para pedir perdão por tudo o que cometemos de mal, implorando da misericórdia divina que Cristo volte a resplandecer nos nossos corações.

Contudo, o chegar da noite recorda também o "mysterium noctis". As trevas são sentidas como a ocasião de frequentes tentações, de particular debilidade, de cedimento às incursões do maligno. Com as suas insídias, a noite apresenta-se como o símbolo de todas as perversidades de que Cristo nos veio libertar. Por outro lado, em cada anoitecer, a oração torna-nos partícipes do mistério pascal, em que "a noite resplandece como o dia" (Exsultet). Assim a oração faz ressurgir a esperança na passagem do dia transitório para o dies perenis, da luz ténue da lâmpada para a lux perpetua, da expectativa vigilante do alvorecer para o encontro com o Rei da glória eterna.
4. Para o homem antigo, ainda mais do que para nós, a sucessão da noite e do dia regulava a existência, originando a reflexão sobre os grandes problemas da vida. O progresso moderno alterou em grande parte a relação entre a vida humana e o tempo cósmico. Mas o ritmo denso das actividades humanas não libertou totalmente os homens de hoje dos ritmos do ciclo solar.

Por isso, os dois fulcros da oração quotidiana conservam todo o seu valor, estando ligados a fenómenos imutáveis e a simbolismos imediatos. A manhã e a tarde constituem momentos sempre oportunos para dedicar à oração, tanto comunitária como individual. Relacionadas com momentos importantes da nossa vida e dos nossos compromissos, as Horas das Laudes e das Vésperas revelam-se, assim, um meio eficaz para orientar o nosso caminho quotidiano e para o dirigir para Cristo, "Luz do mundo" (Jn 8,12).



Saudações


Caríssimos Irmãos e Irmãs de língua portuguesa

Inspirada pelo simbolismo da luz, a Igreja canta a liturgia da Hora canónica das Vésperas, como sacrifício vespertino de louvor e de acolhida da luz física e espiritual pelos dons da criação e da redenção. Elevemos nossas súplicas, ajudados pelo enlevo da prece da Virgem Maria no Hino do Magnificat, para que nosso espírito exulte em Deus, nosso Salvador e conceda a todos paz e concórdia. Que Deus vos abençoe.

Hoje, é-me grato saudar de modo especial os candidatos ao diaconato, do Pontifício Colégio Norte-Americano, acompanhados dos seus familiares. A luz de Cristo brilhe sempre na vossa vida! Sobre todos os visitantes de expressão inglesa aqui presentes, particularmente os da Inglaterra, Escócia, Irlanda, Nigéria, Indonésia, Formosa, Coreia e Estados Unidos da América, invoco a graça e a paz do Senhor Jesus!

Saúdo de modo cordial os peregrinos francófonos, em particular os jovens da Diocese de Belley-Ars, acompanhados do seu Bispo, D. Guy Bagnard. O testemunho dos Apóstolos Pedro e Paulo vos ilumine a todos, a fim de serdes, por vossa vez, testemunhas de Cristo ressuscitado!

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua húngara, provenientes de Marosvásárhely. Hoje celebrais a festa de Maria, Rainha da Hungria. Invocando a sua intercessão concedo-vos de bom grado a Bênção Apostólica.
Louvado seja Jesus Cristo!

Transmito uma cordial saudação aos peregrinos eslovacos, vindos de Bratislava e Michalovce. Caros Irmãos e Irmãs, a recitação do Rosário é uma oração de comunhão. Inspirai-vos no exemplo orante de Jesus e Maria para reforçar o vosso espírito de comunhão nos momentos de oração. Com estes votos, abençoo-vos a todos.

Caros peregrinos croatas, saúdo-vos a todos e, de coração, abençoo-vos. Com a sua materna intercessão, a Rainha do Santo Rosário vos acompanhe sempre a vós, as vossas famílias e todo o vosso Povo.

Louvados sejam Jesus e Maria!

Saúdo cordialmente os meus compatriotas. A catequese de hoje inicia um novo ciclo das meditações dedicadas aos Salmos e aos cânticos das Vésperas. A Igreja, juntamente com Maria, repete todos os dias: "O Todo-Poderoso realizou grandes obras em meu favor: o seu nome é santo" (Lc 1,49).

A capacidade de louvar a Deus e admirar a sua grandeza e bondade seja a dimensão quotidiana da oração de cada um de vós. Louvado seja Jesus Cristo.

Dirijo uma cordial saudação de boas-vindas aos peregrinos de língua italiana. Em especial, saúdo os participantes na Assembleia extraordinária do Instituto da Caridade (Rosminianos), os Seminaristas do Colégio "Maria Mater Ecclesiae", os Dirigentes e os Funcionários da Delegacia de Polícia de Frosinone, e os Representantes da Federação Nacional dos Círculos Livres. Saúdo também com afecto os jovens, os doentes e os novos casais.

Dou graças a Nossa Senhora que me concedeu a oportunidade de realizar ontem a visita ao Santuário de Pompeia, a Ela dedicado.



PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 15 de outubro de 2003

Introdução à Liturgia das Vésperas (2)




1. Sabemos de numerosos testemunhos que, a partir do IV século, as Laudes e as Vésperas já são uma instituição estável em todas as grandes Igrejas orientais e ocidentais. Como, por exemplo, Santo Ambrósio testemunha: "Dado que todos os dias, indo à Igreja ou dedicando-nos à oração em casa, começamos de Deus e n'Ele terminamos, também o dia todo da nossa vida aqui na terra e o decurso de cada dia individualmente, tenha sempre o seu começo n'Ele e n'Ele termine" (De Abraham, II, 5, 22).

Assim como as Laudes se situam ao amanhecer, assim também as Vésperas têm o seu lugar ao pôr do sol, no momento em que, no templo de Jerusalém, era oferecido o holocausto com o incenso. Naquele momento Jesus, depois da sua morte na Cruz, repousava no sepulcro, tendo-se oferecido a Si mesmo ao Pai pela salvação do mundo.

As várias Igrejas, seguindo as respectivas tradições, organizaram de acordo com uma ritualidade própria o Ofício divino. Tomemos aqui em consideração o rito romano.

2. A oração é iniciada pela invocação Deus in adiutorium, segundo versículo do Salmo 69, que São Bento prescreve para cada Hora. O versículo recorda que unicamente de Deus podemos receber a graça de O louvar dignamente. Segue-se o Glória ao Pai, porque a glorificação da Trindade exprime a orientação essencial da oração cristã. Por fim, excluindo a Quaresma, acrescenta-se o Alleluia, expressão hebraica que significa "Louvai ao Senhor", e que se tornou, para os cristãos, uma jubilosa manifestação de confiança na protecção que Deus reserva para o seu povo.

O cântico do Hino faz ressoar os motivos do louvor da Igreja em oração, evocando com inspiração poética os mistérios realizados para a salvação do homem na hora vespertina, sobretudo no sacrifício realizado por Cristo na Cruz.

3. A salmodia das Vésperas consta de dois Salmos adequados para esta hora e de um cântico tirado do Novo Testamento. A tipologia dos Salmos destinados às Vésperas apresenta vários aspectos. Existem Salmos das luzes, em que é explícita a menção da noite, da lâmpada ou da luz; Salmos que manifestam a confiança em Deus, refúgio estável na precariedade da vida humana; Salmos de agradecimento e de louvor; Salmos dos quais transparece o sentido escatológico recordado pelo fim do dia, e outros de carácter sapiencial ou de entoação penitencial. Além disso, encontramos os Salmos do Hallel, com referência à Última Ceia de Jesus com os discípulos. Na Igreja latina foram transmitidos elementos que favorecem a compreensão dos Salmos e a sua interpretação cristã, como os títulos, as orações sálmicas e, sobretudo, as antífonas (cf. Princípios e normas para a Liturgia das Horas, 110-120).

Tem um lugar de relevo a leitura breve, que é tirada, nas Vésperas, do Novo Testamento. Ela tem a finalidade de propor com vigor e insistência algumas sentenças bíblicas e imprimi-las nos corações para que sejam transferidas para a vida (cf. ibid., 45, 156, 172). A fim de facilitar a interiorização de quanto foi ouvido, a leitura é seguida de um silêncio conveniente e de um responsório, que tem a função de "responder", com o cântico de alguns versículos, à mensagem da leitura, favorecendo o seu acolhimento cordial da parte dos participantes na oração.

4. Com grande honra, introduzido pelo sinal da cruz, é entoado o Cântico evangélico da Bem-aventurada Virgem Maria (cf. Lc Lc 1,46-55). Tendo sido já confirmado pela Regra de São Bento (cap. 12 e 17), o costume de cantar nas Laudes o Benedictus e nas Vésperas o Magnificat "é confirmado pela tradição secular e popular da Igreja Romana" (Princípios e normas para a Liturgia das Horas, 50). De facto, estes Cânticos são exemplares para exprimir o sentido do louvor e do agradecimento a Deus pelo dom da Redenção.

Na celebração comunitária do Ofício divino, o gesto de incensar o altar, o sacerdote e o povo, enquanto se fazem os Cânticos evangélicos, pode sugerir à luz da tradição hebraica de oferecer o incenso de manhã e à noite no altar dos perfumes o carácter oblativo do "sacrifício de louvor" expresso na Liturgia das Horas. Estreitando-nos a Cristo na oração, podemos viver pessoalmente quanto está escrito na Carta aos Hebreus: "Por meio d'Ele ofereçamos, sem cessar, a Deus um sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o Seu nome" (13, 15; cf. Sl Ps 49,14 Sl Ps 49,23 Os 14,3).

5. Depois do Cântico, as intercessões dirigidas ao Pai ou por vezes a Cristo, exprimem a voz suplicante da Igreja, lembrada da solicitude divina pela humanidade, obra das suas mãos. Com efeito, a característica das intercessões vespertinas é pedir a ajuda divina para cada categoria de pessoas, para a comunidade cristã e para a sociedade civil. Por fim, encontra-se a recordação dos fiéis defuntos.

A liturgia das Vésperas tem o seu coroamento na oração de Jesus, o Pai-Nosso, síntese de qualquer louvor e súplica dos filhos de Deus regenerados pela água e pelo Espírito. Na conclusão do dia, a tradição cristã relacionou o perdão implorado de Deus no Pai-Nosso e a reconciliação fraterna dos homens entre si: que o sol não se ponha sobre a ira de ninguém (cf. Ef Ep 4,26).

A oração vespertina conclui-se com uma oração que, em sintonia com Cristo crucificado, exprime a entrega da nosa existência nas mãos do Pai, conscientes de que a sua bênção nunca há-de faltar.

Saudações

Desejo saudar o numeroso grupo do Navio-Escola "Brasil", com o seu comandante, oficiais e demais membros da tripulação. Faço votos de que, na véspera do Jubileu do meu Pontificado, sejais portadores do apreço e da esperança que o Papa tem pela vossa Nação, levando a todos o estímulo por uma maior vivência da fé, com uma propiciadora Bênção, extensiva a todos os demais peregrinos de língua portuguesa.

Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!

Saúdo os peregrinos lituanos, em particular quantos chegaram aqui a pé, carregando a cruz! O Senhor vos abençoe a todos copiosamente!
Louvado seja Jesus Cristo!

Com afecto, saúdo os fiéis croatas da Paróquia de Nossa Senhora dos Anjos de Trogir e as participantes no Capítulo Geral da Congregação das Filhas da Misericórdia. Concedo-vos a todos a Bênção apostólica.
Louvados sejam Jesus e Maria!

Saúdo os meus compatriotas, vindos da Polónia e do mundo. De coração, a todos agradeço a presença hoje aqui e durante estes 25 anos, as orações e todas as expressões de benevolência e de comunhão. Fico feliz por poder contar com o vosso apoio espiritual. Levai a minha saudação às vossas famílias e aos vossos entes queridos.
Deus vos abençoe.

Antes de mais nada, gostaria de dirigir uma afectuosa e grata saudação aos venerados Irmãos Cardeais e Bispos presentes nesta Audiência.

E a vós, queridos jovens, doentes e novos casais, faço votos para que imiteis o exemplo de Santa Teresa de Ávila, cuja memória celebramos hoje: esforçai-vos, como ela, para viver de modo autêntico a vocação cristã.

Enfim, gostaria de expressar a todos o meu agradecimento pelos votos recebidos e pelas orações que me foram dirigidas por ocasião do meu 25º aniversário de Pontificado. Convido os romanos e os peregrinos a unirem-se a mim, aqui na Praça de São Pedro, amanhã às 18 horas, para louvar o Senhor e para lhe dar graças nesta feliz circunstância.

Apelo em prol da paz na Bolívia

As notícias que provêm da Bolívia, onde se está a verificar uma grave crise, com mortos e feridos, suscitam muita preocupação.

Desejo expressar a minha solidariedade espiritual àqueles que sofrem, enquanto exorto todos a rezar a fim de que o Senhor inspire as partes interessadas a privilegiarem o diálogo civilizado e, no respeito pela legalidade, a procurar soluções equitativas para os problemas que afligem a Nação.



PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 29 de outubro de 2003

No caminho da santidade, com o olhar fixo

em Jesus e com o Rosário nas mãos



1. Com o mês de Outubro conclui-se o Ano do Rosário. Estou profundamente grato a Deus por este tempo de Graça, no qual toda a Comunidade eclesial pôde aprofundar o valor e a importância do Rosário, como oração cristológica e contemplativa.

"Contemplar com Maria o rosto de Cristo" (Carta apost. Rosarium Virginis Mariae RVM 3). Estas palavras, que se repetem na Carta apostólica Rosarium Virginis Mariae, tornaram-se por assim dizer, o "mote" do Ano do Rosário. Em síntese, elas exprimem o significado autêntico desta oração ao mesmo tempo simples e profunda. Simultaneamente, elas realçam a continuidade entre a proposta do Rosário e o caminho indicado ao Povo de Deus na minha precedente Carta apostólica Novo millennio ineunte.

2. De facto, se no início do terceiro milénio os cristãos estão chamados a crescer como "contempladores do rosto de Cristo" (Novo millennio ineunte NM 16), e as Comunidades eclesiais estão chamadas a tornar-se "autênticas escolas de oração" (ibid., 33), o Rosário constitui o "caminho mariano", e por isso privilegiado, para alcançar este dúplice objectivo. Desejosa de ser cada vez mais transparente ao "mistério" de Cristo, a Igreja, para meditar os "mistérios" do seu Evangelho, põe-se na escola de Maria. Eis "o caminho de Maria" (cf. ibid., 24), o caminho pelo qual ela cumpriu a sua peregrinação de fé exemplar, como primeira discípula do Verbo encarnado. É, ao mesmo tempo, o caminho de uma autêntica devoção mariana centrada totalmente no vínculo existente entre Cristo e a sua Mãe Santíssima (cf. ibid.).

3. Durante este Ano, quis confiar ao Povo de Deus duas grandes intenções de oração: a paz e a família.

O século XXI, que nasceu sob o sinal da grande reconciliação jubilar, infelizmente herdou do passado numerosos e persistentes focos de guerra e de violência. Os terríveis atentados de 11 de Setembro de 2001 com o que se verificou a seguir no mundo, aumentaram a tensão a nível planetário. Face a estas preocupantes situações, recitar o Rosário não significa um fechamento interior, mas uma consciente escolha de fé: ao contemplar o rosto de Cristo, nossa Paz e nossa reconciliação, queremos implorar de Deus o dom da paz, pela intercessão de Maria Santíssima. A ela pedimos a força necessária para ser construtores de paz, começando pela vida quotidiana em família.

A família! Deveria ser precisamente o núcleo familiar o primeiro ambiente no qual a paz de Cristo é acolhida, cultivada e guardada. Contudo, nos nossos dias, torna-se cada vez mais difícil para a família realizar esta sua vocação. Eis por que seria verdadeiramente útil recuperar o bonito costume de recitar o Rosário em casa, como acontecia nas gerações passadas. "A família que reza unida, permanece unida" (Rosarium Virginis Mariae RVM 41).

4. Confio estas intenções a Nossa Senhora, para que ela proteja as famílias e obtenha a paz para os indivíduos e para todo o mundo.

Faço votos para que todos os crentes, juntamente com a Virgem, se encaminhem decididamente pelas vias da santidade, mantendo o olhar fixo em Jesus e meditando, com o Rosário, os mistérios da salvação. Eis o fruto precioso deste ano dedicado à oração do Rosário.

Saudações

Faço extensivas as minhas boas-vindas aos visitantes e peregrinos de expressão inglesa, hoje aqui presentes, incluindo os grupos vindos da Inglaterra, Irlanda, Finlândia, Japão e Estados Unidos da América. Maria, Rainha do Rosário, vos proteja e vos aproxime cada vez mais do seu Filho.

Saúdo cordialmente os meus Compatriotas. A Maria, Rainha do Rosário, confio todas as famílias polacas. Na minha oração, rezo pela paz na Polónia e no mundo inteiro. A todos aqueles que se unem às minhas preces com esta intenção, concedo de coração a Bênção apostólica. Louvado seja Jesus Cristo!

É com cordialidade que saúdo os visitantes da Espanha e da América Latina, em especial o grupo de Advogados, os fiéis de Getafe, Sevilha, Cieza e Barcelona, e também os peregrinos mexicanos de Guadalajara. Peçamos à Virgem Maria que possamos ser construtores de paz, a partir da nossa própria família.

Quero saudar de todo o coração os peregrinos francófonos, em particular os jovens. Orientando-vos pelo "caminho de Maria" (Rosarium Virginis Mariae RVM 24), caminhai com determinação pelas sendas da santidade, conservando o vosso olhar fixo em Jesus e meditando, com a ajuda do Rosário, os mistérios da salvação!

É-me grato saudar os peregrinos de língua italiana, em particular a Federação das Escolas Infantis do Molise, os meninos da Acção Católica de San Benedetto del Tronto e os Representantes da Academia de História da Arte no Campo da Saúde.

Transmito também a minha afectuosa saudação aos jovens, aos doentes e aos novos casais.

Exorto-vos todos a fundamentar a vossa vida sobre a Palavra de Deus, a fim de serdes construtores da civilização do amor, cujo símbolo eloquente é a cruz de Cristo, fonte de luz, de conforto e de esperança para os homens de todos os tempos.



                                                                         Novembro de 2003

PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 5 de novembro de 2003

A oração em tempo de perigo

1. Nas catequeses anteriores lançamos um olhar de conjunto à estrutura e ao valor da Liturgia das Vésperas, a grande oração eclesial da tarde. Hoje pretendemos analisar o seu interior. Será como realizar uma peregrinação naquela espécie de "terra santa" constituída por Salmos e Cânticos.


Deter-nos-emos perante cada uma daquelas orações poéticas, que Deus selou com a sua inspiração. São as invocações que o próprio Senhor deseja que lhe sejam dirigidas. Por isso, ele gosta de as ouvir, sentindo vibrar nelas o coração dos seus amados filhos.

Iniciaremos com o Salmo 140, que abre as Vésperas do domingo da primeira das quatro semanas em que, depois do Concílio, foi articulada a oração nocturna da Igreja.

2. "Suba até Vós como incenso, a minha oração, as minhas mãos estendidas como a oferenda da tarde". O v. 2 deste Salmo pode ser considerado o sinal distintivo de todo o cântico e a justificação evidente do facto de ele ter sido colocado dentro da Liturgia das Vésperas. A ideia expressa reflecte o espírito da teologia profética que une intimamente o culto à vida, a oração à existência.

A mesma oração feita com um coração puro e sincero torna-se um sacrifício oferecido a Deus. Todo o ser da pessoa que reza se torna um acto sacrifical, aludindo assim a quanto sugere São Paulo quando convida os cristãos a oferecer os seus corpos como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o sacrifício espiritual que Ele aceita (cf. Rm Rm 12,1).

As mãos elevadas na oração são uma ponte de comunicação com Deus, assim como a fumaça que sobe como perfume suave da vítima durante o rito sacrifical vespertino.

3. O Salmo continua assumindo a tonalidade de uma súplica, que nos foi transmitida por um texto que no original hebraico apresenta não poucas dificuldades e obscuridões interpretativas (sobretudo nos vv. 4-7).

Contudo, o sentido geral pode ser identificado e transformado em meditação e oração. Antes de mais, o orante suplica ao Senhor para que impeça que os seus lábios (cf. v. 3) e os sentimentos do seu coração sejam atraídos e seduzidos pelo mal e o induzam a realizar "acções criminosas" (cf. v. 4). De facto, palavras e obras são a expressão da opção moral da pessoa. É fácil que o mal exerça tanta atracção, a ponto de estimular o fiel a saborear "as delícias" que os pecadores podem oferecer, sentando-se à sua mesa, ou seja, participando das suas acções pervertidas.

O Salmo adquire quase o sabor de um exame de consciência, ao qual segue o compromisso de escolher sempre os caminhos de Deus.

4. Mas a este ponto, o orante tem um sobressalto que o faz sair de uma declaração apaixonada de recusa de qualquer cumplicidade com o ímpio: ele não deseja absolutamente ser hóspede do ímpio, nem permitir que o óleo perfumado reservado aos convidados de honra (cf. Sl Ps 22,5) confirme a sua conivência com quem pratica o mal (cf. Sl Ps 140,5). A fim de exprimir com maior veemência o seu afastamento radical do malvado, o Salmista proclama em relação a ele uma condenação indignada, expressa com o recurso colorido a imagens de juízo veemente.

Trata-se de uma das típicas imprecações do Saltério (cf. Sl ), que têm por finalidade afirmar de maneira plástica e até pitoresca a ostilidade ao mal, a opção pelo bem e a certeza de que Deus intervém na história com o seu juízo de condenação severa da injustiça (cf. vv. 6-7).

5. O Salmo termina com uma última invocação confiante (cf. vv. 8-9): trata-se de um cântico de fé, de gratidão e de alegria, na certeza de que o fiel não será envolvido no ódio que os pervertidos lhe reservam e não cairá na cilada que lhe preparam, depois de ter notado a sua decidida opção pelo bem. Desta forma, o justo poderá superar incólume qualquer engano, como está escrito noutro Salmo: "A nossa vida escapou como um pássaro do laço do caçador; ao romper-se o laço nós pudemos escapar" (Ps 123,7).

Concluimos a nossa leitura do Salmo 140 voltando à imagem inicial, a da oração da noite como sacrifício agradável a Deus. Um grande mestre espiritual que viveu entre o IV e o V século, João Cassiano, o qual, provindo do Oriente transcorreu na Gália meridional a última parte da sua vida, relia aquelas palavras em chave cristológica: "Nelas, de facto, podemos compreender de modo mais espiritual uma alusão ao sacrifício da noite, realizado pelo Senhor e Salvador durante a sua última ceia e entregue aos apóstolos, quando ele sancionava o início dos santos mistérios da Igreja, ou (podemos entrever uma menção) ao próprio sacrifício que ele, no dia seguinte, ofereceu à noite, em si mesmo, com a elevação das próprias mãos, sacrifício que se prolongará até ao fim dos séculos para a salvação do mundo inteiro" (As instituições cenobíticas, Abadia de Praglia, Pádua 1989, pág. 92).



Saudações

Saúdo os peregrinos de língua portuguesa que porventura aqui se encontrem. Desejo a todos felicidades, paz e graça no Senhor e vos convido a rezar pelo Papa e pelas suas intenções. Com uma propiciadora Bênção Apostólica.

Saúdo cordialmente os dirigentes, os jogadores e os "torcedores" croatas do "Hajduk" de Espálato, invocando sobre todos a bênção de Deus. Louvados sejam Jesus e Maria!

Dirijo uma cordial saudação aos peregrinos húngaros, especialmente aos provenientes de Somlóvásárhely. Celebrais hoje a memória de São Emerico, Padroeiro da juventude húngara. Pedindo a sua intercessão, concedo-vos de bom grado a Bênção Apostólica.

É com cordialidade que saúdo os peregrinos de língua polaca. De modo especial, dou as boas-vindas aos fiéis provenientes de Danzigue com o Arcebispo Tadeusz Goclowski, de Gniezno; com o Arcebispo Henryk Muszynski; e de Tarnów, com o Bispo Wiktor Skworc. Quero aproveitar a oportunidade para apresentar os distintos cumprimentos e as boas-vindas também ao Conselho, aos Membros e aos amigos da Fundaçao "João Paulo II". Saúdo ainda a delegação de Grudziadz e os Padres Franciscanos Bernardinos de Kalwaria e de Cracóvia. Dirijo um pensamento cordial a todos os presentes, enquanto os abençôo de coração.

Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo com afecto os missionários e as missionárias que participam no curso de formação organizado pela Pontifícia Universidade Salesiana. Juntamente com todos os peregrinos italianos, saúdo os novos Diáconos da Arquidiocese de Milão, os numerosos fiéis da Diocese de Terni-Narni-Amélia, vindos com o Bispo D. Vincenzo Paglia; assim como o grande grupo da Paróquia de Sao Nicolau Bispo, em São Salvo, acompanhados do Arcebispo de Chieti-Vasto, D. Edoardo Menichelli. É-me grato saudar também os Alunos Oficiais da Academia Militar, os dirigentes das Associações italianas dos cardiopáticos e a Associação Italiana "Amigos do Presépio".

Aos jovens, aos doentes e aos novos casais faço votos a fim de que sintam cada vez mais viva a presença de Cristo, para O seguir com alegria no caminho da santidade.



PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 12 de Novembro de 2003

"Vós sois o meu refúgio"



1. Na tarde do dia 3 de Outubro de 1226, São Francisco de Assis estava prestes a falecer: a sua última oração foi precisamente a recitação do Salmo 141, que acabamos de ouvir. São Boaventura recorda que Francisco "irrompeu com a exclamação do Salmo: "Em alta voz clamo o Senhor, em alta voz imploro ao Senhor" e recitou-o até ao versículo final: "os justos farão círculo à minha volta porque fostes bondoso para comigo"" (Leggenda Maggiore, XIV, 5, in Fonti Franciscane, Padova Assisi 1980, p. 958).

O Salmo é uma súplica intensa, marcada por uma série de verbos de imploração dirigidos ao Senhor: "clamo", "imploro ao Senhor", "ponho diante d'Ele a minha inquietação", "exponho-lhe a minha angústia" (vv. 2-3). A parte central do Salmo está dominada pela confiança em Deus que não é indiferente ao sofrimento do fiel (cf. vv. 4-8). Com esta atitude São Francisco encaminhou-se rumo à morte.

2. Deus é interpelado com o "Vós", como uma pessoa que dá segurança: "Vós sois o meu refúgio" (v. 6). "Sois o meu quinhão na terra", isto é, o itinerário da minha vida, um percurso marcado pela opção pela justiça. Mas naquele percurso, os ímpios armaram uma cilada (cf. v. 4): é a imagem típica que se deduz dos cenários de caça e que é frequente nas súplicas dos Salmos para indicar os perigos e as insídias às quais o justo é submetido.

Perante este pesadelo, o Salmista lança quase um sinal de alerta para que Deus veja a sua situação e intervenha: "Olho para a minha direita e vejo" (v. 5). Mas, na tradição oriental, à direita de uma pessoa colocava-se o defensor ou a testemunha favorável em sede processual, ou então, no caso de guerra, o guarda-costas. Por conseguinte, o fiel está só e abandonado, "mais ninguém o reconhece". Por isso ele exprime uma constatação angustiante: "não há quem se importe de mim; não tenho onde refugiar-me" (v. 5).

3. Imediatamente a seguir, um brado revela a esperança que habita o coração do orante: agora a única protecção e proximidade eficaz é a de Deus: "Vós sois o meu refúgio, sois o meu quinhão na terra dos vivos" (v. 6). O "quinhão" ou "porção", na linguagem bíblica é o dom da terra prometida, sinal do amor divino em relação ao seu povo. Agora, o Senhor permanece o último e o único fundamento sobre o qual basear-se, a única possibilidade de vida, a esperança suprema.

O Salmista invoca-o com insistência, porque está "extremamente consumido" (v. 7). Suplica-o para que intervenha para romper as cadeias da sua prisão de solidão e de hostilidade (cf. v. 8) e arrancá-lo do abismo da provação.

4. Como noutros Salmos de súplica, a perspectiva final é a de uma acção de graças, que será oferecida a Deus depois do atendimento: "Tirai-me desta prisão, para que dê graças ao Vosso nome" (ibid.). Quando tiver sido salvo, o fiel irá agradecer ao Senhor no meio da assembleia litúrgica (cf. ibid.). Circundá-lo-ão os justos, que sentirão a salvação do irmão como um dom feito também a eles.

Esta atmosfera também deveria exalar nas celebrações cristãs. O sofrimento do indivíduo deve encontrar eco no coração de todos; do mesmo modo, a alegria de cada um deve ser vivida por toda a comunidade orante. De facto, "como é bom, como é agradável viverem os irmãos em unidade (Ps 132,1) e o Senhor Jesus disse: "Pois onde estiverem reunidos, em Meu nome, dois ou três, Eu estou no meio deles" (Mt 18,20).

5. A tradição cristã aplicou o Salmo 141 a Cristo perseguido e sofredor. Nesta perspectiva, a meta luminosa da súplica sálmica transfigura-se num sinal pascal, com base no êxito glorioso da vida de Cristo e do nosso destino de ressurreição com ele. Afirma isto Santo Hilário de Poitiers, famoso Doutor da Igreja do quarto século, no seu Tratado sobre os Salmos.

Ele comenta a tradução latina do último versículo do Salmo, que fala de recompensa para o orante e de expectativa dos justos: "Me expectant iusti, donec retribuas mihi". Santo Hilário explica: "O Apóstolo ensina-nos qual a recompensa que o Pai deu a Cristo: "Deus exaltou-o e deu-lhe o nome que está acima de qualquer nome; para que, no nome de Jesus, todos os joelhos se dobrem nos céus, na terra e sob a terra; e todos os lábios proclamem que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai" (Ph 2,9-11). A recompensa é esta: ao corpo, que assumiu, é oferecida a eternidade da glória do Pai.

O significado da expectativa dos justos, é-nos ensinado pelo próprio Apóstolo, quando diz: "Nós, porém, somos cidadãos do Céu e de lá esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo miserável, tornando-o conforme ao Seu corpo glorioso" (Ph 3,31-21). Com efeito, os justos esperam-no para que os recompense, isto é, para que os conforme com a glória do seu corpo, que é abençoado por toda a eternidade. Amém!" (PL 9, 833-837).



Saudações

Queridos Irmãos e Irmãs

De coração saúdo e abençoo todos os peregrinos de língua portuguesa, cujos passos se detêm nesta cidade que guarda o testemunho dos Apóstolos São Pedro e São Paulo sobre o êxito glorioso da vida de Cristo e o nosso destino de ressurreição com Ele. Retomando a vossa caminhada, mantende esta esperança acesa com a candeia da oração por vós e pelos vossos entes queridos, vivos e defuntos.

Saúdo os meus compatriotas presentes nesta audiência. Ontem, 11 de Novembro, celebrámos a Festa de Independência da Polónia. Como em todos os anos, de modo particular nesta data, agradecemos a Deus este grande dom: o dom da liberdade da Pátria. A solicitude para conservar a liberdade é uma tarefa que cada um de nós deve desempenhar, não só no momento presente mas também no futuro. Na oração, confio-vos todos, bem como toda a nossa Nação à Misericórdia Divina.

Por fim, quero dirigir a minha saudação aos jovens, aos doentes e aos novos casais.

A graça do Senhor vos dê coragem, caros jovens, no vosso esforço em vista de vos tornardes artífices de justiça e de reconciliação; vos assista a vós, queridos doentes, para não perderdes a esperança no momento das provações; e vos ilumine a vós, dilectos novos casais, a fim de que possais ser, assim, testemunhas generosas do Evangelho da vida.




AUDIÊNCIAS 2003