DIscursos João Paulo II 2003




                                                                                Janeiro de 2003

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS "NETTURBINI" E SEUS DIRIGENTES


5 de Janeiro de 2003





Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Bem-vindos à casa do Papa! Saúdo-vos a todos cordialmente, assim como às vossas famílias. Dirijo um respeitoso pensamento para as autoridades presentes, em particular o Senhor Presidente da Câmara e o Presidente da AMA, a quem agradeço as palavras amáveis com que interpretaram os sentimentos de todos vós.

É já tradição, há diversos anos, que o Papa vá visitar o característico presépio, conhecido como O Presépio dos "Netturbini", aperfeiçoado todos os anos pelo realizador, o Senhor José Ianni. Desta vez, não fui pessoalmente visitá-lo na vossa sede da "Via dei Cavalleggeri"; contento-me em apreciá-lo, num certo sentido, através da fotografia que dele me fizestes chegar, juntamente com um pequeno presépio construído com os mesmos materiais.

Quis, porém, na conclusão das Festividades natalícias, convidar-vos, como que para retribuir a gentileza que sempre tivestes para comigo. Aqui, no Palácio apostólico e noutros lugares do Vaticano, foram levantados vários presépios, com estátuas, personagens e paisagens que reflectem a universalidade da Igreja. Podeis admirar um muito bonito nesta sala. Outro, maior, está na Praça de São Pedro e outro ainda na Basílica Vaticana. Os presépios congregam à sua volta os peregrinos e visitantes e ajudam a comemorar o mistério da Noite Santa.

2. Caríssimos, obrigado do coração, por haverdes aceitado o meu convite. Este encontro, que pretende ser simples e familiar, oferece-me a oportunidade de renovar o meu grato apreço ao Presidente, aos Dirigentes e a todo o pessoal da AMA pelo importante serviço que, dia e noite, a vossa Empresa presta à Cidade e aos seus habitantes. Deus vos ajude a exercê-lo com cuidado e dedicação.

Estamos já no início do novo ano e, por isso, formulo afectuosamente os meus fervorosos votos de felicidades: que o 2003 seja um ano de serenidade e de paz para todos. A solenidade da Epifania, que amanhã celebraremos, recorda-nos a manifestação de Jesus ao mundo.

Maria Santíssima, que apresentou Jesus à adoração dos Magos, vos proteja, assim como os que vos são queridos, as vossas actividades e os vossos projectos. Com estes sentimentos, concedo a todos, do coração, a minha Bênção.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


PARA OS 160 ANOS DE HISTÓRIA


DA PONTIFÍCIA OBRA DA INFÂNCIA MISSIONÁRIA




Caríssimas crianças missionárias!

1. Na primeira metade de 1800, a Europa conheceu uma grande expansão missionária, e a Igreja, consciente do poder missionário da infância, começou a pedir às crianças para se fazerem protagonistas do anúncio do Evangelho aos seus coetâneos.

A 9 de Maio de 1843, o Bispo de Nancy, D. Charles de Forbin-Janson, desejoso de apoiar as actividades dos católicos na China, propôs às crianças de Paris que apoiassem os seus coetâneos recitando uma Ave Maria por dia e oferecendo um vintém por mês. Em pouco tempo, esta iniciativa missionária de apoio material e espiritual ultrapassou as fronteiras da França e difundiu-se noutros Países.

A 30 de Setembro de 1919, escrevia o meu venerado Predecessor, Bento XV: "Nós recomendamos vivamente a todos os fiéis a Obra da Santa Infância, que tem por objectivo garantir o baptismo às crianças não cristãs. Recomendamos que todas as crianças cristãs possam aderir a esta Obra, para que, graças a ela, aprendam a ajudar a evangelização do próximo e compreendam já na sua idade o valor precioso da fé" (Maximum illud).

A festa da Epifania deste ano reveste um valor singular, porque se celebram os 160 anos de história da Obra da Santa Infância, que actualmente está presente em 110 Nações. Ela propõe às crianças de todas as dioceses do mundo um programa, que tem como fundamento a oração, o sacrifício e gestos de solidariedade concreta: assim elas podem tornar-se evangelizadoras dos seus coetâneos.

2. Queridas crianças missionárias, sei com que cuidado e generosidade procurais prosseguir este empenho apostólico. Esforçais-vos de tantas formas por partilhar o destino das crianças obrigadas a trabalhar antes do tempo e por socorrer a indigência das mais pobres; sede solidárias com os anseios e os dramas das crianças envolvidas nas guerras dos adultos, sendo muitas vezes vítimas da violência bélica; rezai todos os dias para que o dom da fé, que vós recebestes, seja transmitido a milhões de pequenos amigos vossos que ainda não conhecem Jesus.

Estais justamente persuadidas de que todo aquele que encontra Jesus e aceita o seu Evangelho se enriquece de muitos valores espirituais: a vida divina da graça, o amor que irmana, a dedicação ao próximo, o perdão dado e recebido, a disponibilidade para acolher e ser acolhidos, a esperança que nos projecta na eternidade, a paz como dom e como compromisso.

Neste tempo natalício, em muitas Igrejas locais, as crianças da Obra da Santa Infância, vestidas de Magos ou de pastores, passam de casa em casa para anunciar jubilosamente o Natal. É um costume simpático dos Cantores da Estrela, que teve início por iniciativa da Obra dos Países Germânicos e, depois, se espalhou em muitas outras Nações: meninos e meninas batem às portas, cantam hinos natalícios, recitam orações, apresentam às famílias projectos de solidariedade. Assim os pequeninos evangelizam também os grandes.

3. Este compromisso de evangelização e de solidariedade vós sabei-lo bem não se limita a algumas semanas e unicamente ao período de Natal, mas prolonga-se por toda a vida. Eis por que vos encorajo a responder generosamente aos numerosos pedidos de ajuda que chegam dos Países pobres.

Quantas crianças na Europa, na América, na Ásia, na África e na Oceânia rezam e trabalham por este mesmo ideal! Foi instituído um Fundo Mundial de solidariedade, incrementado por ofertas que chegam de todas as partes da Terra. Ele é usado para financiar pequenos e grandes projectos destinados à infância.

Existem bonitas histórias de crianças que, para adoptar à distância os seus pequenos amigos, se tornaram vendedoras de estrelas ou coleccionadoras de selos; para libertar os seus coetâneos obrigados a combater, renunciaram a um brinquedo ou a um divertimento caro; para financiar os livros de catequese ou para construir escolas em zonas de missão, comprometeram-se em várias formas de poupança. E os exemplos poderiam continuar. São mais de três mil os projectos que as crianças missionárias estão a financiar com os seus contributos. Não é um verdadeiro milagre do amor de Deus, vasto e silencioso, que deixa uma marca no mundo?

Deveis participar todas neste milagre, queridas crianças missionárias! E quem não possui mesmo nada, pode oferecer o contributo da oração juntamente com as dificuldades da sua pobreza.

4. Queridos meninos e meninas, o compromisso missionário ajuda-vos a vós mesmos a crescer na fé e torna-vos discípulos alegres de Jesus.

A solidariedade para com os menos afortunados abre o vosso coração às grandes exigências da humanidade. Nas crianças pobres e necessitadas podeis reconhecer o rosto de Jesus. Agiram assim insignes missionários como Francisco Xavier, Mateus Ricci, Carlos de Foucauld, Madre Teresa de Calcutá e muitos outros em todas as regiões do mundo.

Desejo de coração que os vossos Pastores, Bispos e sacerdotes, assim como os vossos catequistas e animadores, os vossos pais e professores se interessem pela Obra da Infância Missionária. Desde a sua fundação, ela deu frutos de heroísmo missionário, e escreveu páginas muito bonitas na história da Igreja. As primeiras crianças chinesas, salvas pelas "crianças missionárias", tornaram-se professores, catequistas, médicos e sacerdotes. O dom do Baptismo transformou-se em luz para eles e para as suas famílias.

Entre as crianças ajudadas pela oferta e pela oração de outras crianças, encontram-se o mártir Paulo Tchen e o primeiro Arcebispo de Pequim, o Cardeal Tien Kenhsin. Depois, ao longo dos anos, desabrochou em muitos meninos e meninas a vocação à total consagração à evangelização.

Como não recordar a pequena Teresa de Lisieux que, aos sete anos, a 12 de Maio de 1882, se inscreveu na Obra da Santa Infância e, aos 14, já tinha decidido doar-se a Jesus pela salvação do mundo? Hoje, esta fecundidade espiritual não se extinguiu. Oremos para que um número cada vez maior de crianças ponha à disposição do Evangelho, não só um período da sua vida, mas toda a sua existência. Peçamos também a Deus que se difunda em toda a parte a acção benéfica da Infância Missionária.

5. As necesidades das crianças do mundo são tão numerosas e complexas que não existe um mealheiro ou um gesto de solidariedade, por maior que seja, capaz de as resolver. É necessária a ajuda do Alto. Vós, queridas crianças missionárias, inscrevendo-vos na Obra da Santa Infância, assumis como primeiro compromisso a recitação de uma Ave Maria por dia. De facto, sabeis que a eficiência da missão se baseia antes de mais na oração e, por isso, vos dirigis a Nossa Senhora, Estrela da evangelização.

Há 160 anos que a invocais em nome das crianças de todo o mundo. Exorto-vos a perseverar nesta bonita prática com um compromisso renovado neste "Ano do Rosário". As mais crescidas poderiam tentar, pelo menos algumas vezes, recitar uma dezena do Rosário ou até todo o Terço. É muito sugestivo o Terço missionário: uma dezena, a branca, é pela velha Europa, para que seja capaz de voltar a apropriar-se da força evangelizadora que gerou tantas Igrejas; a dezena amarela é pela Ásia, que explode de vida e de juventude; a dezena verde é pela África, provada pelo sofrimento, mas disponível para o anúncio; a dezena vermelha é pela América, promessa de novas forças missionárias; a dezena azul é pelo Continente da Oceânia, que espera uma difusão do Evangelho mais profunda.

Queridas crianças missionárias, Nossa Senhora vos acompanhe no vosso compromisso!

Confio-vos a ela juntamente com os vossos familiares e com as comunidades cristãs a que pertenceis. Abençoo-vos a todas com afecto.

Vaticano, 6 de Janeiro de 2003, Solenidade da Epifania do Senhor.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À COMUNIDADE DO COLÉGIO PORTUGUÊS DE ROMA


11 de Janeiro de 2003




Senhor Cardeal Patriarca
Queridos sacerdotes do Pontifício Colégio Português
Amados irmãos e irmãs,

Com grande alegria, dou-vos as boas-vindas à casa de Pedro, recordando a visita que fiz à vossa, há 18 anos. Saúdo-vos um a um, incluindo na minha saudação as vossas famílias e países de origem que trago no coração.

Na pessoa do senhor Cardeal - que amavelmente me apresentou a família do Colégio e, na qualidade de presidente, representa a Conferência dos Bispos Portugueses - quero congratular-me pela aposta que eles fizeram e pela solicitude e confiança investidas nestes cem anos de vida da Instituição; aproveito o ensejo para agradecer aos responsáveis pelos serviços da casa e pela formação a diligência e competência que demonstram; e aos alunos, a seriedade e entusiasmo postos em corresponder às expectativas das respectivas dioceses.

Pela minha parte, associo-me de bom grado ao vosso louvor a Deus pelos cem anos desta Instituição e renovo a esperança nela deposta pelos meus Predecessores, a começar do Papa Leão XIII que, pelo Breve Rei Catholicae apud Lusitanos de 20 de Outubro de 1900, instituiu o Pontifício Colégio Português, provendo-o também de residência e direcção estável, a fim de «proporcionar - lê-se no documento - aos que se dedicam ao sacerdócio uma educação mais esmerada, pois com este único benefício se fornecem à Igreja (portuguesa) quase todos os auxílios de que precisa».

Numa Igreja local, é muito útil que alguns membros do clero aprofundem o seu conhecimento da mensagem cristã no quadro dos estudos universitários; sei do cuidadoso empenho com que os Bispos portugueses têm procurado oferecer meios de formação qualificada aos seus sacerdotes, nomeadamente com a instituição e incessante alargamento da Universidade Católica no país, mas pertence ao espírito das próprias instituições universitárias que uma parte dos seus estudantes frequente centros académicos no estrangeiro a fim de adquirir outra visão e uma formação complementar. Daí a grande utilidade que teve e continuará a ter o Colégio Português para acolher dignamente os sacerdotes, aos quais é dada a graça de prosseguirem a sua formação teológico-pastoral, aproveitando todos os recursos que lhes oferece a Cidade Eterna.

A título de homenagem, como não recordar que, ao longo dos primeiros cem anos, passaram pelo Colégio 867 alunos, a grande maioria deles sacerdotes que se revelaram pastores esclarecidos e zelosos - entre eles, contam-se 3 cardeais e 64 bispos -, para cuja formação esta Instituição deu um contributo de primeira qualidade? Roma ajudou a consolidar neles uma mentalidade universal e católica com as linhas essenciais da acção a desenvolver, quando mais tarde, impregnados de um autêntico espírito apostólico, colocavam ao serviço da evangelização o saber acumulado, valendo-se muitas vezes do conhecimento directo de pessoas e situações que os dias romanos lhes forneceram. Uma lição, que nos deixa este centenário, é a grande fecundidade espiritual que advém da colocação desta Instituição portuguesa aqui, mesmo no coração da catolicidade, proporcionando excepcionais oportunidades não só para o trabalho académico mas também para a vivência pessoal.

O Colégio, que recorda sob vários aspectos o Cenáculo de Jerusalém, entrou já no segundo século de existência. Sobre quantos formam a sua família, imploro a vinda do Espírito Santo com os seus dons. Como disse o senhor Cardeal, hoje abrigam-se nele sacerdotes de diferentes países e línguas, tornando-se um lugar privilegiado de encontro sacerdotal e um laço promotor de unidade entre distintas Igrejas locais. No fim do grande Jubileu do ano 2000, convidei todo o povo de Deus a «fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão: eis o grande desafio que nos espera no milénio que começa, se quisermos ser fiéis ao desígnio de Deus e corresponder às expectativas mais profundas do mundo» (Carta Ap. Novo millennio ineunte NM 43). Como recordação deste nosso encontro, confio-vos um desejo: que todos saibam dar o próprio contributo para aprofundar e consolidar esta unidade da Igreja, de que Roma é sinal e centro posto ao seu serviço.

Como sabeis, uma comunidade cristã vive do esforço de comunicação e cooperação de cada um dos seus membros, obedecendo ao amor que lhe vem da Santíssima Trindade, cujas Pessoas subsistem na recíproca e incessante comunicação e intercâmbio de ser e vida. Esta comunhão trinitária é o modelo que deve transparecer do ser e do serviço sacerdotal, que «tem radical forma comunitária e pode apenas ser assumido como obra colectiva» (Exort. Ap. Pastores dabo vobis, 17), na comunhão hierárquica com o próprio Bispo e em relação com os outros presbíteros e com os fiéis leigos.

Amados irmãos e irmãs,

Estes são alguns dos sentimentos que me inspira o centenário do vosso e nosso Colégio. Continuai a progredir, sem desfalecimento, na formação cristã e sacerdotal, apostólica e cultural, que a Igreja espera de vós; amai apaixonadamente o Evangelho e os homens a que sois enviados, segundo o exemplo e a medida do Coração de Cristo (cf. Jer Jr 3,15), ao qual está solenemente consagrado o Colégio por acto de entrega que as sucessivas gerações de Superiores e alunos renovaram, n'Ele encontrando serenidade, inspiração e santidade.

Assim essa Instituição há-de continuar a ser, como no passado, viveiro de apóstolos, ponto de ligação da Roma católica com os vossos países, testemunho vivo da dedicação e fidelidade dos mesmos a esta Sé de Pedro. Com estes votos pelo melhor futuro do Colégio Português, de coração concedo aos superiores e alunos, aos benfeitores e colaboradores, presentes e ausentes, a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CORPO DIPLOMÁTICO ACREDITADO


JUNTO DA SANTA SÉ DURANTE A APRESENTAÇÃO


DOS BONS VOTOS PARA O NOVO ANO


Segunda-feira, 13 de Janeiro de 2003

Excelências

Minhas Senhoras e Meus Senhores!

1. É uma feliz tradição este encontro de começo de ano que me dá a alegria de vos receber e, de certa forma, abraçar todos os povos que representais! De facto, através de vós e graças a vós, chegam até mim as suas esperanças e aspirações, os seus êxitos e fracassos. Hoje, desejo formular para os vossos Países votos fervorosos de bem-estar, de paz e de prosperidade.

No começo do ano novo, é para mim um prazer apresentar a todos os meus melhores votos, ao mesmo tempo que invoco sobre as vossas pessoas, as vossas famílias e os vossos compatriotas a abundância das Bênção divinas.

Nunca como neste começo de milénio o homem sentiu como é precário o mundo que ele modelou
Antes de partilhar convosco algumas reflexões inspiradas pela actualidade no mundo e na Igreja, desejo agradecer ao vosso Decano, o Embaixador Giovanni Galassi, o discuro que acaba de me dirigir, bem como os votos gentis que acaba de exprimir, em nome de todos vós, pela minha pessoa e pelo meu ministério. Tenha a amabilidade de aceitar a minha profunda gratidão!

Senhor Embaixador, Vossa Excelência recordou também com sobriedade as expectativas legítimas dos nossos contemporâneos, infelizmente com muita frequência contrariadas por crises políticas, pela violência armada, pelos conflitos sociais, pela pobreza ou por catástrofes naturais. Nunca como neste começo de milénio o homem sentiu como é precário o mundo que ele mesmo modelou.

2. Estou pessoalmente impressionado com os sentimentos de medo que com frequência está no coração dos nossos contemporâneos. O terrorismo dissimulado que pode chegar em qualquer momento e em todos os lugares; o problema não resolvido do Médio Oriente, com a Terra Santa e o Iraque; a instabilidade que perturba a América do Sul, sobretudo a Argentina, a Colômbia e a Venezuela; os conflitos que impedem numerosos países africanos de se dedicarem ao seu desenvolvimento; as doenças que propagam o contágio e a morte; o grave problema da fome, sobretudo na África; os comportamentos irresponsáveis que contribuem para o empobrecimento dos recursos do planeta: estes são flagelos que ameaçam a sobrevivência da humanidade, a serenidade das pessoas e a segurança das sociedades.

3. Mas tudo pode mudar. Isto depende de cada um de nós. Cada qual pode desenvolver em si o seu potencial de fé, de honradez, de respeito pelo próximo, de dedicação ao serviço dos outros.
Isto depende também, de modo muito evidente, dos responsáveis políticos, que estão chamados a servir o bem comum. Não vos deixeis surpreender pelo facto que perante esta assembleia de diplomatas eu mencione, a este propósito, alguns imperativos que me parece necessário satisfazer se quisermos evitar que povos inteiros, ou talvez até a humanidade, se precipitem no abismo.

Em primeiro lugar, um "SIM À VIDA"! Respeitar a vida e as vidas: com ela tudo começa, visto que o mais elementar dos direitos humanos é o direito à vida. O aborto, a eutanásia ou a clonagem humana, por exemplo, correm o risco de reduzir a pessoa humana a um simples objecto: de certa forma, a vida e a morte comandada! Quando são privadas de qualquer critério moral, as investigações científicas que manipulam as fontes da vida são uma negação do ser e da dignidade da pessoa. A própria guerra é um atentado à vida humana porque traz consigo o sofrimento e a morte. A defesa da paz é sempre uma defesa da vida!

Depois, o respeito do direito. A vida em sociedade sobretudo a vida internacional exige princípios comuns intocáveis, cuja finalidade é garantir a segurança e a liberdade dos cidadãos das nações. Estas regras de conduta estão na base da estabilidade nacional e internacional. Hoje, os responsáveis políticos têm à sua disposição textos apropriados e instituições de grande pertinência. É suficiente pô-los em prática. O mundo seria totalmente diferente se se começasse por aplicar sinceramente os acordos assinados!

Por fim o dever da solidariedade. Num mundo superabundantemente informado mas no qual, de maneira paradoxal, se comunica tão dificilmente e as condições da existência são escandalosamente desiguais, é importante que nada seja negligenciado para que todos se sintam responsáveis pelo crescimento e pelo bem-estar de todos. É o nosso futuro que está em questão. Jovens sem trabalho, pessoas deficientes marginalizadas, pessoas idosas abandonadas, países prisioneiros da fome e da miséria, com frequência fazem com que o homem perca a esperança e sucumba à tentação de se fechar em si mesmo ou na violência.

4. Eis por que são necessárias opções para que o homem ainda tenha um futuro. Para isto, os povos da terra e os seus dirigentes devem ter por vezes a coragem de dizer "não".

"NÃO À MORTE"! Isto é, não a tudo o que atenta contra a dignidade incomparável de todos os seres humanos, a começar pela dignidade dos nascituros. Se a vida é verdadeiramente um tesouro, é preciso saber conservá-la e fazê-la frutificar sem a desvirtuar. Não a tudo o que enfraquece a família, célula fundamental da sociedade. Não a tudo o que destrói na criança o sentido do esforço, o respeito de si e do próximo, o sentido do serviço.

"NÃO AO EGOÍSMO"! Isto é, a tudo o que estimula o homem a refugiar-se dentro do casulo de uma classe social privilegiada ou de um conforto cultural que exclui o próximo. A maneira de viver de quantos gozam do bem-estar, a sua maneira de consumir, devem ser revistas à luz das repercussões que têm sobre os outros países. Basta pensar, por exemplo, no problema da água que a Organização das Nações Unidas propõe à reflexão de todos durante este ano de 2003.

Egoísmo é, também, a indiferença das nações ricas em relação aos países mais pobres. Todos os povos têm o direito de receber uma parte equitativa dos bens deste mundo e do conhecimento científico e tecnológico dos países mais capazes. Como deixar de pensar aqui, por exemplo, no acesso de todos aos remédios genéricos, necessários para enfrentar a luta contra as epidemias actuais? Este acesso é muitas vezes impedido por considerações económicas a curto prazo.

"NÃO À GUERRA"! Ela nunca é uma fatalidade. Ela é sempre uma derrota da humanidade. O direito internacional, o diálogo franco, a solidariedade entre os Estados, o exercício tão nobre da diplomacia, são os meios dignos do homem e das nações para resolver as suas contendas. Digo isto pensando em quantos ainda põem a sua confiança na arma nuclear e nos demasiados conflitos que ainda mantêm como reféns, irmãos nossos em humanidade.

No Natal, Belém recordou-nos a crise não resolvida do Médio Oriente onde dois povos, o israeliano e o palestinense, são chamados a viver lado a lado, igualmente livres e soberanos, respeitadores um do outro. Sem repetir o que vos disse no ano passado em circunstância análoga, contentar-me-ia hoje em acrescentar, perante o agravamento constante da crise médio-oriental, que a sua solução nunca poderá ser imposta recorrendo ao terrorismo ou aos conflitos armados, pensando que as vitórias militares possam ser a solução.

E que dizer das ameaças de uma guerra que se poderia abater sobre as populações do Iraque, terra dos profetas, populações já extenuadas por mais de doze anos de embargo? A guerra nunca pode ser considerada um meio como outro qualquer, que se pode usar para regular os diferendos entre as Nações. Como recordava a Carta da Organização das Nações Unidas e o Direito Internacional, não podemos recorrer a ela, mesmo quando se trata de garantir o bem comum, a não ser como última possibilidade segundo condições muito rigorosas, sem negligenciar as consequências para as populações civis durante e depois das operações militares.

5. Portanto, é possível mudar o curso dos acontecimentos no momento em que prevalecem a boa vontade, a confiança no próximo, a realização dos compromissos assumidos e a cooperação entre parceiros responsáveis. Desejo mencionar dois exemplos.

A Europa de hoje, ao mesmo tempo unida e alargada. Ela soube abater os muros que a desfiguravam. Empenhou-se na elaboração e na construção de uma realidade capaz de conjugar unidade e diversidade, soberania nacional e acção comum, progresso económico e justiça social. Esta Europa nova tem em si os valores que fecundaram, durante dois milénios, uma arte de pensar e de viver da qual todo o mundo beneficiou. Entre estes valores, o cristianismo ocupa um lugar privilegiado, porque deu origem a um humanismo que impregnou a sua história e as suas instituições.

Recordando este património, a Santa Sé e todas as Igrejas cristãs insistiram junto dos redactores do futuro Tratado constitucional da União Europeia para que seja inserida uma referência às Igrejas e instituições religiosas. De facto, parece desejável que, no pleno respeito da laicidade, sejam reconhecidos três elementos complementares: a liberdade religiosa na sua dimensão não só indivisual e cultural mas também social e corporativa; a oportunidade de um diálogo e de uma consulta estruturados entre os Governantes e as comunidades de crentes; o respeito pelo estatuto jurídico do qual as Igrejas e as instituições religiosas gozam já nos Estados membros da União.

Uma Europa que recuse o seu passado, que negue o facto religioso e que não considerasse qualquer dimensão espiritual, encontrar-se-ia muito enfraquecida perante o projecto ambicioso que mobiliza as suas energias: construir a Europa de todos!

Também a África nos oferece hoje a ocasião para nos alegrarmos: Angola começou a sua reconstrução; o Burundi empreendeu o caminho que poderia conduzir à paz e espera da comunidade internacional compreensão e ajuda financeira; a República Democrática do Congo empenhou-se seriamente num diálogo nacional que deveria levar à democracia. O Sudão também deu provas de boa vontade, mesmo se o caminho para a paz é longo e difícil. Devemos felicitar-nos sem dúvida alguma com estes progressos e encorajar os responsáveis políticos a não pouparem esforço algum para que, pouco a pouco, os povos da África conheçam um início de pacificação e, por conseguinte, de prosperidade, ao abrigo das lutas étnicas, do arbitrário e da corrupção. Eis por que não podemos deixar de deplorar os graves acontecimentos que atormentam a Costa do Marfim e a República Centro-Africana, convidando os seus habitantes a depor as armas, a respeitar a sua respectiva Constituição e a lançar as bases para um diálogo nacional. Então, seria bom envolver todos os componentes da comunidade nacional na elaboração de um projecto de sociedade no qual todos se reencontrem. Por outras palavras, é bom constatar que os Africanos procuram, cada vez mais, encontrar as soluções mais adequadas para os seus problemas, graças à acção da União africana e às mediações regionais eficazes.

6. Excelências, minhas Senhoras e meus Senhores, é necessário fazer uma constatação: a independência dos Estados não pode ser concebida a não ser na interdependência. Todos estão vinculados no bem e no mal. Por isso, justamente, seria bom saber distinguir o bem do mal e chamá-los pelo seu nome. A respeito disto, quando a dúvida ou a confusão se instalam, devem ser temidos os maiores males, como a história nos ensinou demasiadas vezes.

Para evitar cair no caos são necessárias duas exigências. Em primeiro lugar, reencontrar dentro dos Estados e entre os Estados o valor primordial da lei natural, que outrora inspirou o direito dos povos e os primeiros pensadores do direito internacional. Mesmo se, hoje, há quem ponha em questão a sua validade, estou convencido de que os seus princípios gerais e universais são sempre capazes de fazer compreender melhor a unidade do género humano e de favorecer o aperfeiçoamento da consciência dos governos. Em segundo lugar, a acção perseverante de homens de Estado honestos e abnegados. De facto, a indispensável competência profissional dos responsáveis políticos não pode ser legitimada a não ser por uma firme referência a fortes convicções éticas. Como se poderia pretender tratar assuntos do mundo sem fazer referência a este conjunto de princípios que estão na base daquele "bem comum universal" do qual a encíclica Pacem in terris do Papa João XXIII tanto falou? Será sempre possível para um dirigente, coerente com as suas convicções, recusar-se perante situações de injustiça ou desvios institucionais, ou pôr-lhe termo. Nisto encontramos, tenho a certeza, aquilo a que se chama normalmente hoje o "bom governo". O bem-estar material e espiritual da humanidade, a tutela das liberdades e dos direitos da pessoa humana, o serviço público abnegado, a proximidade com as situações concretas, devem vir antes de qualquer programa político e constituem uma exigência ética que é o melhor modo de garantir a paz interior das nações e a paz entre os Estados.

7. É evidente que, para um crente, a estas motivações, juntam-se também as que lhe dão a fé num Deus criador e pai de todos os homens, que lhe confia a gestão da terra e o dever do amor fraterno. Isto significa que o Estado tem todo o interesse em velar para que a liberdade religiosa, direito natural isto é, ao mesmo tempo, individual e social seja efectivamente garantida a todos. Como já tive ocasião de afirmar, os crentes que se sentem respeitados na sua fé, que vêem as suas comunidades reconhecidas juridicamente, colaboram com muito mais convicção no projecto comum da sociedade civil da qual são membros. Então vós compreendeis por que me faço o porta-voz de todos os cristãos que, da Ásia até à Europa, ainda são vítimas de violência e de intolerância, como se verificou muito recentemente por ocasião da celebração do Natal. O diálogo ecuménico entre cristãos e os contactos respeitosos entre as outras religiões, sobretudo com o Islão, são o melhor antídoto contra os desvios sectários, o fanatismo ou o terrorismo religioso.

No que se refere à Igreja católica, gostaria de mencionar uma só situação, que é para mim motivo de grande sofrimento: o destino reservado às comunidades católicas na Federação Russa que, depois de alguns meses, vêem alguns dos seus pastores impedidos de se unirem a eles, por razões administrativas. A Santa Sé espera das autoridades governamentais decisões concretas, que ponham fim a esta crise e que sejam conformes com os compromissos internacionais assinados pela Rússia moderna e democrática. Os católicos russos desejam viver como os seus irmãos de todo o mundo, com a mesma liberdade e dignidade.

8. Excelências, minhas Senhoras e meus Senhores, oxalá nós, aqui reunidos neste lugar, símbolo de espiritualidade, de diálogo e de paz, possamos contribuir com a nossa acção quotidiana para que todos os povos da terra progridam, na justiça e na concórdia, para situações mais felizes e justas, longe da pobreza, da violência e das ameaças da guerra! Queira Deus cumular as vossas pessoas, bem como os povos que aqui representais, com abundantes Bênçãos! Um bom e feliz Ano para todos!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS REPRESENTANTES DA REGIÃO LÁCIO,


DO MUNICÍPIO DE ROMA E DA PROVÍNCIA DE ROMA


Quinta-feira, 16 de Janeiro de 2003

Ilustres Senhores, gentis Senhoras!


1. Sinto-me muito feliz por vos receber, no começo do ano novo, para a nossa tradicional troca de bons-votos. Esta é uma ocasião propícia para confirmar e forlalecer aqueles vínculos, consolidados ao longo de dois mil anos de história, que existem entre o Sucessor de Pedro e a cidade de Roma, a sua província e a Região do Lácio.

Dirijo a minha cordial e respeitosa saudação ao Presidente da Junta regional do Lácio, Sr. Francesco Storace, ao Presidente do Município de Roma, Sr. Walter Veltroni, e ao Presidente da Província de Roma, Sr. Silvano Moffa, agradecendo-lhes as gentis expressões que me dirigiram, também em nome das Administrações a que presidem. Juntamente com eles, saúdo os Presidentes das respectivas Assembleias do Conselho e todos vós aqui presentes.

2. Num momento de grande preocupação pelo destino da paz no mundo e também pelo peso de numerosos problemas nacionais e locais, desejo antes de mais dirigir-vos a vós, ilustres representantes de Roma e do Lácio, aquela mesma palavra de confiança convicta e meditada que dirigi ao Parlamento italiano, no memorável encontro de 14 de Novembro passado. Precisamente quando aumentam os perigos de confronto e de conflito entre as diversas Nações e culturas, emerge mais nítida e mais urgente aquela missão de amor, e por conseguinte de paz, de compreensão recíproca e de reconciliação que é própria do cristianismo e que, por isso, corresponde à vocação histórica de Roma, centro da catolicidade. A cidadania honorária de Roma, que há pouco mais de dois meses me quisestes conferir, é para mim uma confirmação e mais um estímulo para encorajar a dedicação à causa da paz desta nobilíssima Cidade. Peço que colaboreis, cada um segundo as próprias responsabilidades, neste grande e benéfico empreendimento e agradeço-vos o empenho que já fizestes neste sentido.

3. Um dos maiores problemas do nosso tempo é constituído, sem dúvida, pela crise de numerosas famílias, da escassez dos nascimentos e do consequente envelhecimento da população. Roma e Lácio não fazem excepção a estas dificuldades, que ameaçam tanto a Itália como muitas outras Nações.

Precisamente sobre este terreno, a Igreja e as instituições civis são chamadas a uma cordial e laboriosa colaboração. De facto, é necessária uma renovada consciência da importância da sacralidade dos vínculos familiares, assim como da alegria que acompanha o nascimento e a educação dos filhos: a comunidade cristã tem nisto um âmbito fundamental de testemunho e de empenho. Mas também é indispensável que a família fundada no matrimónio seja objecto privilegiado das políticas sociais: por conseguinte, alegro-me pelo desenvolvimento das iniciativas em favor das famílias, sobretudo dos jovens casais, assim como pela realização do Observatório regional permanente sobre as famílias. É de igual modo importante a nossa colaboração recíproca a respeito da formação das jovens gerações, como a ajuda à responsabilidade primordial das famílias. O apoio às Escolas católicas, assim como aos Oratórios e a outros órgãos educativos promovidos pela comunidade cristã, é uma das formas em que se realiza positivamente esta colaboração.

4. A atenção dos administradores públicos nunca pode prescindir do andamento da economia e das consequentes possibilidades de trabalho e de emprego. A cidade e a província de Roma e toda a região do Lácio possuem recursos notáveis que precisam de ser valorizados mais plenamente, estimulando a iniciativa de cada um dos cidadãos e as suas capacidades de inovação e apoiando-os com oportunos instrumentos financeiros e percursos formativos. O próprio e extraordinário património histórico e artístico destas terras, que surgiu em grande medida da fé cristã, oferece grandes oportunidades de desenvolvimento e de trabalho.

Por outro lado, o elevado número de imigrantes que, também em Roma e no Lácio, puderam nestes últimos meses regular a sua posição de trabalho confirma que existe um dinamismo da nossa sociedade que precisa de ser melhor compreendido e valorizado.

5. Ao dirigir-me, a 14 de Novembro, ao Parlamento italiano, realcei como o carácter realmente humanista de um corpo social se manifesta sobretudo na atenção que ele consegue exprimir em relação aos seus membros mais débeis. Há, sem dúvida, uma grande necessidade de uma atenta solicitude também em Roma e no Lácio, para aliviar o mal-estar de tantas pessoas e famílias, sobretudo dos numerosíssimos idosos. Aprecio sinceramente os esforços realizados pelas vossas Administrações neste âmbito e convido-vos a um empenho cada vez mais incisivo, ao qual não deixará de corresponder a minuciosa acção caritativa das paróquias, da Caritas e de muitas outras realidades eclesiais.

Um aspecto fundamental da solidariedade para com os que se encontram em situações de sofrimento é constituído pelo empenho nos cuidados da saúde. Conheço as dificuldades por que passa este delicado sector e que faz com que os esforços e os louváveis progressos sejam verdadeiramente meritórios. As instituições hospitalares de matriz católica pedem para poder continuar a dar o seu significativo contributo para este objectivo de solidariedade.

6. Ilustres Representantes das Administrações regional, provincial e municipal, desejei reflectir convosco sobre alguns aspectos das vossas preocupações quotidianas. Agradeço-vos a atenção e o apoio que ofereceis à vida e às actividades da Igreja. Por meu lado, garanto-vos que, nos âmbitos de interesse comum, nunca faltará o empenho das comunidades cristãs de Roma e do Lácio.

Peço ao Senhor, através da intercessão da Virgem Maria, tão venerada pelas nossas populações, que ilumine os vossos propósitos de bem e que vos dê a força para os realizar.

Com estes sentimentos, concedo de coração a cada um de vós a Bênção apostólica, que de bom grado faço extensiva às vossas famílias e a quantos vivem e trabalham em Roma, na sua Província e em todo o Lácio.




DIscursos João Paulo II 2003