DIscursos João Paulo II 2003

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO SÍNODO PERMANENTE


DA IGREJA GRECO-CATÓLICA UCRANIANA


3 de Fevereiro de 2003






Veneráveis Irmãos no Episcopado

1. A reunião do Sínodo permanente da Igreja greco-católica ucraniana, aqui em Roma, oferece-vos a feliz oportunidade de reafirmar a vossa comunhão com o Sucessor de Pedro. De facto, quisestes reunir-vos nesta cidade, a fim de encontrar, em espírito de profunda unidade e de cordial fraternidade, o Papa e os seus mais directos colaboradores. Sede bem-vindos!

Agradeço ao Cardeal Lubomyr Husar, vosso Arcebispo-Mor, as amáveis palavras que me dirigiu, em nome de todos. Ao saudar cada um de vós em particular, desejo fazer chegar o meu afectuoso pensamento aos fiéis confiados aos vossos cuidados pastorais, recordando a amizade que me manifestaram durante a visita à Ucrânia, em Junho de 2001. Naquela ocasião, à alegria das vossas comunidades juntou-se também o acolhimento e o respeito de tantos fiéis ortodoxos, que viram no Bispo de Roma um amigo sincero.

2. A Igreja greco-católica ucraniana, renascida depois dos trágicos acontecimentos do século passado, prossegue o seu caminho de reconstrução na consciência da sua grande herança espiritual, do fecundo testemunho dos seus mártires e da necessidade de manter a todos os níveis uma atitude de diálogo, de colaboração e de comunhão.

Encorajo-vos neste espírito que, no contexto das vicissitudes de cada dia, às vezes difíceis, é para vós um guia seguro para resolver os problemas que gradualmente se apresentam. A este respeito, como deixar de pôr em relevo os recentes e cordiais encontros com os vossos Irmãos Bispos de rito latino, que permitiram examinar, à luz do mesmo preceito da caridade e da unidade, as questões pastorais que interessam a ambas as comunidades? Também elas são aplicação prática daquela comunhão efectiva e afectiva que deve orientar os Pastores do rebanho de Cristo.
Esta comunhão é muito mais necessária se se reflecte sobre os desafios que a actual situação põe diante de vós, desde as necessidades espirituais de uma larga faixa da população aos graves dilemas da emigração; das privações dos menos afortunados às dificuldades familiares; da exigência de um diálogo ecuménico ao desejo de uma maior integração no contexto europeu.

3. Venerados Irmãos, provindes de uma terra que é o berço do cristianismo na Europa Oriental. É-vos pedido que trabalheis neste "laboratório" eclesial em que coexistem a tradição cristã oriental e a latina. Ambas contribuem para tornar mais belo o rosto da única Igreja de Cristo. A Ucrânia, "terra de confins", leva escrita na sua história e no sangue de tantos dos seus filhos a chamada para trabalhar com todo o empenho no serviço da causa da unidade de todos os cristãos.

Confio os vossos bons propósitos às orações dos vossos numerosos mártires e à intercessão de Maria Santíssima, ternamente invocada nos muitos santuários do vosso País. Com a minha cordial Bênção Apostólica!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À DELEGAÇÃO DO SANTO SÍNODO


DA IGREJA ORTODOXA SÉRVIA


6 de Fevereiro de 2003







1. É com profunda alegria que vos dirijo a minha saudação, caríssimos Irmãos, e com sentimentos de caridade fraterna acolho, junto dos túmulos dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, a vossa Delegação. Por vosso intermédio saúdo o venerado Patriarca Pavle, com o Santo Sínodo, todos os Bispos, o clero, os monges e fiéis da vossa Igreja Santa.

2. A presença da vossa Delegação em Roma e o nosso encontro de hoje, que se realiza no início do terceiro milénio, não só se revestem de grande significado, mas também nos enchem de esperança a todos nós. De facto, a última década do século XX foi muito assinalada por não poucos acontecimentos dolorosos, que provocaram indizíveis sofrimentos em numerosas populações dos Balcãs. Infelizmente, não faltaram as injustiças e os seus autores não hesitaram em recorrer à instrumentalização dos sentimentos e dos valores religiosos e patrióticos para atingir em maior profundidade o seu próximo.

As Igrejas nem por isso deixaram de cumprir o seu dever de chamar todas as partes à causa da paz, ao restabelecimento da justiça e ao respeito dos direitos de cada pessoa, sem os discriminar pela sua pertença étnica ou crença religiosa. Como é sabido, também a Santa Sé, sem equívocos e com imparcialidade, muitas vezes ergueu a sua voz e eu, pessoalmente, não deixei de o fazer antes e durante as acções que feriram em particular as populações do vosso País, em 1999.

3. O passado recente marcou profundamente a história dos homens; deixou não pouca confusão nos juízos e tantos sofrimentos naqueles que suportaram lutos dolorosos ou tiveram de abandonar tudo o que possuíam. As Igrejas têm o dever de actuar segundo o modelo do bom samaritano.

Elas devem aliviar os sofrimentos de todos, curar as feridas e promover a purificação da memória de que surgirá um sincero perdão e uma fraterna colaboração. Estou contente porque já se empreenderam algumas iniciativas nesse sentido e desejo que a sua realização continue, graças ao generoso contributo de todos, a nível local no vosso País, bem como a nível regional. Pelo que diz respeito à Igreja católica, também presente na Sérvia e nos Países limítrofes, garanto que ela não fugirá a este dever e não deixará de dar o seu contributo.

4. Hoje, as Igrejas confrontam-se com novas exigências e desafios, que derivam de uma irreprimível transformação do Continente europeu. A identidade cristã da Europa, formada nas suas raízes pelas duas tradições ocidental e oriental, às vezes parece ser posta em discussão. Isto não pode deixar de nos levar a procurar e promover todas as formas de colaboração que permitam aos ortodoxos e aos católicos dar, em conjunto, um vivo e convincente testemunho da sua tradição comum. Este testemunho tornar-se-á eficaz não somente na afirmação dos valores evangélicos como a paz, a dignidade da pessoa, a defesa da vida e a justiça na sociedade de hoje, nas também na aproximação e consolidação da fraternidade que deveria assinalar as relações eclesiais entre católicos e ortodoxos.

A vossa Igreja, no decurso dos séculos, também entre algumas adversidades, empenhou-se na difusão do Evangelho entre o Povo Sérvio, contribuindo desse modo para a promoção da identidade cristã da Europa. Fiel à tradição apostólica, ela proclamou com perseverança a Boa Nova da salvação, imprimindo à sociedade sérvia uma forte marca cultural que aparece, além do mais, na sugestiva arquitectura de igrejas e mosteiros. Esta herança não vos pertence somente a vós; dela se orgulham também todos os outros cristãos. O meu desejo e os meus votos são para que toda a Europa encontre os meios apropriados para a preservar em toda a parte onde floresceu e cresce.

5. Caríssimos irmãos, agradeço-vos a vossa visita. Ela é para mim um sinal de que o Espírito de Deus guia a Igreja para o restabelecimento da unidade de todos os discípulos de Cristo pela qual Ele rezou na véspera da sua morte. Peçamos ao Senhor que nos dê a força de continuar a percorrer este caminho com confiança, paciência e coragem. Peço-vos que transmitais as minhas cordiais e fraternas saudações a Sua Beatitude, o Patriarca Pavle, e à vossa Igreja com todos os seus membros. Quanto a vós, garanto-vos a minha oração a fim de que o Senhor que orienta os nossos passos, vos acompanhe nesta vossa visita, motivo de esperança para o crescimento das nossas relações recíprocas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DOS REGIONAIS CENTRO-OESTE E NORTE-2


DO BRASIL EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


7 de fevereiro de 2003




Venerados Irmãos no Episcopado,

1. Sede bem-vindos à Casa do Sucessor de Pedro nesta vossa Visita ad Limina Apostolorum, testemunho visível da colegialidade episcopal da Igreja. Saúdo fraternalmente a cada um de vós e a Dom Jayme Henrique Chemello, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

Desejo agradecer de coração as palavras do Senhor Cardeal, Dom José Freire Falcão, Arcebispo de Brasília, por querer transmitir os bons sentimentos que vos animam e os desafios pastorais dos Regionais Centro-Oeste e Norte-2.

Ao observar num relance o mapa dos vossos Estados, desde Goiás até atingir as fronteiras internacionais do norte brasileiro, passando por Tocantins Pará e Amapá, posso imaginar as dificuldades que tendes para exercer vossa missão de pastores daquelas imensas regiões. Ser bispo nunca foi fácil, pois hoje supõe obrigações, compromissos e dificuldades que, por todo o lado, e em circunstâncias tantas vezes imprevistas, constituem obstáculos enormes, complexos e, às vezes, humanamente insuperáveis. Mas é Deus quem vos chama a servir, com sentido de responsabilidade, o povo que vos foi confiado e não cessará nunca de sustentar e acompanhar a quantos escolheu, na certeza de que os fiéis, «reconhecendo este ministério, glorificarão a Deus pela vossa obediência na profissão do Evangelho de Cristo e pela sinceridade de vossa comunhão com eles e com todos» (2Co 9,13).

2. Sem negar as diversidades específicas de cada diocese, existem situações e problemas que exigem uma ação pastoral concorde para exercer, na unidade e na caridade, «algumas funções pastorais (...) a fim de promover o maior bem que a Igreja oferece aos homens, (...) por formas e métodos de apostolado convenientemente ajustados às circunstâncias de tempo e de lugar, nos termos do direito» (Motu pr. Apostolos suos, 14). Conforta-me saber que esta é a vossa experiência, e que este é também o empenho da vossa Conferência Episcopal: uma longa e profícua experiência de comunhão e de corresponsabilidade,que vem ajudando vossas dioceses a unirem seus esforços em prol da evangelização, dando vida a um organismo de comunhão episcopal, para que os Pastores de um determinado território possam renovar seu afeto colegial no exercício de algumas funções, inspirados pela solicitude pastoral comum.

Desde o seu início, em 1952, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil vem realizando esta missão, com numerosas iniciativas destinadas não só para aprimorar a sua organização, mas também para certificar a presença do Redentor, e sua mensagem salvadora, no meio dos homens. Esta foi a constatação havida ao concluirem-se as celebrações do Jubileu de Ouro da entidade. A Conferência dos Bispos ajudou a Igreja que está no Brasil a permanecer ao lado do povo, compreendendo a sua situação e assumindo as suas causas.

Isto leva-nos também a recordar a importância de que, se a Igreja precisa estar perto do povo, como Jesus o fez ao colocar-se nos caminhos da Palestina para ir ao encontro das almas, ela deve, sobretudo, aproximar Jesus ao povo, dando-o a conhecer, fazendo que a graça, que brotou do seu lado aberto, como fonte de água viva, alcance os corações que anelam pela glória no Reino dos céus. A Igreja, como instrumento de salvação, recebeu de Cristo, através dos apóstolos, a missão vital de «ir por todo o mundo e pregar o Evangelho a toda a criatura» recordando que «quem crer e for batizado, será salvo, mas quem não crer, será condenado» (Mc 16,16).

Vossa missão, venerados irmãos no Episcopado, assume então um caráter próprio e específico à hora de decidir os diversos enfoques da pastoral, e mais amplamente da evangelização. Como sucessores dos Apóstolos, recebestes a luz que vem do Alto, mediante a consagração episcopal. «O Senhor Jesus, depois de ter orado ao Pai, chamando a Si os que Ele quis, elegeu doze para estarem com Ele (...), constituiu-os em colégio ou grupo estável e deu-lhes como chefe a Pedro. Enviou-os primeiro aos filhos de Israel e, depois, a todos os povos, para que, participando do seu poder, fizessem de todas gentes discípulos seus e as santificassem e governassem e, deste modo propagassem e apascentassem a Igreja» (LG 19).

Pela consagração sacramental e a comunhão hierárquica com a Cabeça e os membros, o Bispo torna-se membro do Colégio Episcopal, e participa portanto da solicitude por todas as Igrejas (ib., 23), para ser mestre da doutrina, sacerdote do culto sagrado e ministro da governação (cf. CIC, cân. 375). Sua tarefa primária é, com efeito, governar a diocese que lhe foi encomendada, consciente de que assim fazendo «concorre eficazmente para o bem de todo o Corpo místico, que é também o corpo das Igrejas» (LG 23). Todos sabem, porém, que são bastantes as ocasiões nas quais os Bispos não conseguem realizar convenientemente sua missão, «se não tornam mais íntima e harmônica a colaboração com os outros Bispos» (Motu pr. Apostolos suos, 15).

Esta é a razão pela qual, hoje, as Conferências Episcopais cooperam com uma ajuda fecunda e diversificada para dar vida, de modo efetivo e concreto, a união colegial ou collegialis affectus entre os Bispos. A união com aqueles irmãos no Episcopado, com os quais cada um se encontra especialmente vinculado, muitas vezes pela proximidade geográfica e por bastantes problemas pastorais comuns, serve de veículo ao bem comum da diocese que lhe está encomendada, caso contrário seu Pastor ver-se-ia impossibilitado de cumprir eficazmente a sua missão. Penso, por exemplo, na importante questão da formação dos candidatos ao sacerdócio. A necessidade de encontrar vocações firmes e seguras tem exigido das vossas Igrejas particulares um renovado esforço e dispêndio de energias. Faço votos de que o Ano Vocacional, promovido pela Conferência Episcopal, seja coroado de sucesso, para o qual tendes, desde já, meu apoio e asseguradas minhas preces elevadas ao Todo Poderoso.

3. Pode-se afirmar, desta forma, que a tarefa pastoral do Bispo na sua diocese inclui necessariamente a participação ativa nos trabalhos da Conferência Episcopal, configurando, ao mesmo tempo, seus limites: limites por parte da Conferência, devendo esta ocupar-se daqueles assuntos que necessitam ser por ela conduzidos, de acordo com os seus Estatutos, para o bem do conjunto das dioceses; e limites, também, por parte da dedicação pessoal de cada Bispo, correspondente à importância dos problemas que devem ser tratados na Conferência, ou seja, de acordo com os benefícios que redundarão para todas as dioceses.

Tenham em conta, porém, que o excesso de organismos e de reuniões, obrigando muitos Bispos a permanecerem frequentemente fora das próprias Igrejas particulares, além de ser contrário à «lei de residência» (CIC cân. 395), tem consequências negativas tanto no acompanhamento do seu presbitério, quanto de outros aspectos pastorais, como poderia ser no caso da penetração das seitas.

Por isso, foi indicada explicitamente a necessidade de evitar, além da excessiva multiplicação de organismos, a burocratização de orgãos subsidiários e comissões que continuem ativos no período entre as reuniões plenárias; destarte, estes orgãos «existem para ajudar os Bispos, e não para ocupar o lugar deles» (Motu pr. Apostolos suos, 18).

4. No desempenho desta missão, ao dirigir-Me aos meus Irmãos no Episcopado, através da Carta apostólica sob forma de Motu próprio Apostolos suos, pus em evidência que a «união colegial do Episcopado manifesta a natureza da Igreja, a qual, enquanto semente e início do Reino de Deus na terra, é - citando o Concílio Vaticano II (LG 9) - "para todo o gênero humano o mais firme germe de unidade, de esperança e de salvação"» (n. 8).

Quisera, pois, recordar aqui com satisfação o espírito que vem imbuindo a Conferência Episcopal dos Bispos do Brasil, como fruto também da recente revisão dos seus Estatutos. Ao empenhar-se em «fomentar uma sólida comunhão entre os Bispos (...) e promover sempre maior participação deles na Conferência» (Cap.I, art.2º), quisestes reafirmar a tradição apostólica mantida sempre ao longo da vida da Igreja, desde a sua constituição.

Não me é desconhecido o vulto da Igreja no Brasil, que se encontra entre as maiores do orbe católico. Os dezessete Regionais que a compõe, cada um deles com um numeroso grupo de Dioceses e, às vezes, de Prelazias, Eparquias, um Exarcado, Abadias territoriais, um Ordinariado Militar e outro para os fiéis de Rito Oriental, uma Administração Apostólica Pessoal, mostra-nos o imenso e exigente panorâma de trabalho que vos depara e a contínua preocupação por manter unido o processo evangelizador.

Tal estruturação deve estar à serviço da Conferência e de cada um dos Ordinários locais, para pôr em execução as decisões da Assembléia Geral e, quando for o caso, do Conselho Permanente como «orgão de orientação e acompanhamento da atuação da CNBB» (Cap. V, art. 46). Por isso, confio no vosso zelo pastoral, a fim de que seja evitada qualquer discrepância relativa às normas estatutárias aprovadas.

5. A dimensão continental do Brasil, requer uma atenção renovada, a fim de que a todos chegue a certeza pela qual Cristo instituiu o Povo de Deus «para ser comunhão de vida, de caridade e de verdade» (LG 9). O Povo de Deus apresenta-se como uma comunidade, na medida em que os seus membros possuem e participam dos mesmos «bens», que servem para identificá-lo e distingui-lo dos demais grupos sociais. São Paulo resume quais são os bens que concorrem para a constituir o Povo de Deus, ao proclamar que para os seguidores de Cristo «há um só Senhor, uma só fé, um só batismo» (Ep 4,5).

A todos cabe o direito de receber de forma unitária e homogênea não só a verdade revelada, mas o pensamento comum do Episcopado nacional, através das declarações feitas em nome da Conferência dos Bispos. Apelo, portanto, ao vosso sentido de responsabilidade nos pronunciamentos realizados através dos meios de comunicação social, em representação da mesma Conferência. O fato de uma comunicação ser de inteira responsabilidade pessoal, conforme indicam vossos Estatutos (cf. Cap.IV, art.131), não exime a coerência doutrinal e a fidelidade ao Magistério da Igreja.

6. Como Mestres na Fé e dispensadores dos mistérios de Deus, cabe uma sintonia ainda maior quando se trata de analizar, nas diversas instâncias da Conferência Episcopal, assuntos de dimensão nacional que repercutem nas diversas pastorais diocesanas.

A Conferência Episcopal tem a própria responsabilidade no âmbito da sua competência, mas «as suas decisões possuem reflexos inevitáveis na Igreja universal. O ministério petrino do Bispo de Roma permanece o garante da sincronização da atividade das Conferências com a vida e o ensinamento da Igreja universal» (Audiência Geral de 7 de outubro de 1992, n.º 8). Por sua vez, no âmbito da competência de cada organismo que compõe vossa entidade, cabe ao bispo um diligente e atento exame das matérias que lhe são submetidas, não podendo isentar-se, por falta de tempo, da análise objetiva dos assuntos. Como «testemunhas da verdade divina e católica» os Bispos, «dotados da autoridade de Cristo, são doutores autênticos que pregam ao povo a eles confiado a fé que se deve crer e aplicar na vida prática» (LG 25).

A esta exigência, deve-se acrescentar também a correta aplicação, para cada caso, das normas do Direito da Igreja tanto ocidental como oriental. Se, de um lado, teoricamente, reina um acordo bastante estendido de conceber o Direito na Igreja à luz do mistério revelado, como foi indicado pelo Concílio Vaticano II (cf. Optatam totius OT 16), ainda persiste a idéia de um certo legalismo que, na prática, reduz esse Direito a um conjunto de leis eclesiásticas pouco teológicas e pouco pastorais, contrárias em si à liberdade dos filhos de Deus. Tal visão é certamente inadeguada, visto que, como já tive ocasião de dizer, até mesmo recentemente, «as normas canônicas baseiam-se numa realidade que as transcende» e compreende «aspectos essenciais e permanentes nos quais se concretiza o direito divino» (cf. Discurso ao P. C. para os Textos Legislativos, 24/01/2003, 2).

Por isso, é necessário considerar que a ação pastoral não pode reduzir-se a um certo pastoralismo, entendido no sentido de desconhecer ou atenuar outras dimensões essenciais do mistério cristão, entre elas a jurídica. Se a pastoral dilui qualquer obrigação jurídica, relativiza a obediência eclesial, esvaziando o sentido das normas canônicas. A verdadeira pastoral jamais poderá ser contrária ao verdadeiro Direito da Igreja.

7. Venerados Irmãos, é uma graça saber-se e sentir-se unidos, próximos uns dos outros, decididos a caminhar e trabalhar em conjunto, sobretudo quando se sente tantas forças que nos são contrárias, forças de divisão que procuram separar ou mesmo contrapor os irmãos entre si, chamados antes a viverem unidos. Prossegui o vosso caminho buscando sempre uma sintonia fraterna no âmbito da vossa Conferência Episcopal e com o Sucessor de Pedro que, neste momento, renova seu abraço de comunhão com todos, inclusive com os que aqui estiveram, desde o ano passado, em Visita ad Limina. Por ser este o último grupo previsto do Episcopado brasileiro, deixo-vos os meus votos de paz e de fraternidade, na esperança de que sigais construindo a unidade na verdade e na caridade e para que possais, juntos, responder aos grandes desafios da hora atual.

Ao concluir este encontro dirijo o meu pensamento para a Virgem Aparecida, Mãe das vossas Comunidades cristãs e Padroeira da grande Nação brasileira. A Ela confio todos vós e vossos sacerdotes, religiosos e religiosas, e fiéis leigos das vossas Dioceses, ao conceder-vos de coração a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS E SACERDOTES POR OCASIÃO


DO 35° ANIVERSÁRIO DA COMUNIDADE DE SANTO EGÍDIO


8 de Fevereiro de 2003






Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Queridos amigos
da Comunidade de Santo Egídio

1. Sinto-me feliz por me encontrar com todos vós, reunidos em Roma e vindos de várias partes do mundo para alguns dias de oração e de reflexão, por ocasião do encontro internacional dos Bispos e Sacerdotes, amigos da Comunidade de Santo Egídio. Dirijo uma saudação particularmente cordial aos representantes de outras Igrejas e Comunidades eclesiais aqui presentes.

Agradeço a D. Vincenzo Paglia as gentis palavras que me dirigiu, fazendo-se intérprete dos sentimentos de todos e, juntamente com ele, saúdo o Prof. Andrea Riccardi, que seguiu e animou desde os primeiros passos o caminho da Comunidade de Santo Egídio.

Este vosso congresso deseja recordar os 35 anos da vossa Comunidade, que nestes anos se difundiu em vários Países, criando uma rede de solidariedade na Comunidade cristã e civil.

2. Reunistes-vos nestes dias para reflectir sobre o tema: "O Evangelho da paz", assunto importante e sentido no momento que estamos a atravessar, marcado por tensões e ventos de guerra. Por conseguinte, torna-se cada vez mais urgente anunciar o "Evangelho da paz" a uma humanidade fortemente tentada pelo ódio e pela violência.

É necessário multiplicar os esforços. Não nos podemos deter perante os ataques do terrorismo, nem diante das ameaças que se erguem no horizonte. Não nos devemos resignar, como se a guerra fosse inevitável. Queridos amigos, oferecei à causa da paz o contributo da vossa experiência, uma experiência de fraternidade verdadeira, que leve a reconhecer no próximo um irmão que deve ser amado sem condições. Este é o caminho que conduz à paz, um caminho de diálogo, de esperança e de reconciliação sincera.

3. Na Mensagem para o Dia Mundial da Paz do passado dia 1 de Janeiro, eu quis recordar o quadragésimo aniversário da Encíclica "Pacem in terris", do meu venerado predecessor, o Beato João XXIII. Hoje, como naquela época, a paz está comprometida. Por conseguinte, deve ser recordado com vigor que "a paz não é uma questão tanto de estruturas como, sobretudo, de pessoas. Sem dúvida que as estruturas e os mecanismos de paz jurídicos, políticos e económicos são necessários e muitas vezes felizmente existem; mas constituem apenas o fruto da sabedoria e da experiência acumulada, ao longo da história, pelos inumeráveis gestos de paz, realizados por homens e mulheres que souberam esperar, sem nunca ceder ao desânimo. Gestos de paz nascem da vida de pessoas que cultivam constantemente no próprio espírito atitudes de paz" (n. 9).

Através de uma renovada consciência missionária estais chamados, também vós, hoje como nunca, a ser construtores de paz. Permanecendo fiéis e coerentes com a história da vossa tradição associativa, continuai a empenhar-vos para que se intensifique em toda a parte a oração pela paz, acompanhada por uma acção concreta a favor da reconciliação e da solidariedade entre os homens e entre os povos.

4. Oxalá as Comunidades cristãs, e todos os crentes em Deus, sigam o exemplo de Abraão, pai comum na fé, quando reza ao Senhor no monte para que poupe da destruição a cidade dos homens (cf. Gn Gn 18,23 s.). Devemos continuar, com a mesma insistência, a invocar o dom da paz para a humanidade.

Dirijamos o olhar confiante a Cristo, o "Príncipe da Paz" , que nos anuncia a boa nova da salvação, o "Evangelho da Paz": "Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra" (Mt 5,5). Ele chama os seus discípulos a serem testemunhas e servidores do Evangelho, certos de que o Espírito Santo torna fecunda, em qualquer esforço humano, a sua acção no mundo.

Ao renovar a todos vós a expressão do meu reconhecimento por este encontro, invoco a protecção celeste da Virgem Maria, Rainha da Paz, sobre cada um de vós e sobre as vossas iniciativas. Assegurando-vos a minha proximidade espiritual, concedo de coração a Bênção apostólica a vós aqui presentes, a todos os membros da Comunidade de Santo Egídio espalhados pelo mundo, e a todos os que encontrais nas vossas actividades quotidianas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA BIELO-RÚSSIA


POR OCASIÃO DA VISITA


"AD LIMINA APOSTOLORUM"





1. "Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como Eu vos amei, vós também vos deveis amar uns aos outros" (Jn 13,34).

Prezados Irmãos no Episcopado, estas palavras, que Jesus deixa como testamento aos Apóstolos no Cenáculo, não cessam de ressoar no nosso coração!

Bem-vindos à casa de Pedro!

Abraço com afecto cada um de vós. Saúdo de modo particular Vossa Eminência, Senhor Cardeal, Pastor da Sede Metropolitana de Minsk-Mohilev, enquanto lhe agradeço cordialmente as palavras que me dirigiu em nome não apenas dos outros Irmãos, mas de todo o povo católico da Bielo-Rússia. Saúdo-vos a vós, queridos Pastores de Grodno, de Pinsk e de Vitebsk. Penso com afecto também na pequena mas ardente comunidade católica de rito bizantino, herdeira da missão de São Josafat, e saúdo o Rev.mo Visitador Apostólico ad nutum Sanctae Sedis que, quotidianamente, toma cuidado da mesma.

O amor de Cristo une-nos; é o seu amor que deve penetrar a nossa vida e o nosso serviço pastoral, estimulando-nos a renovar a nossa fidelidade ao Evangelho e a tender para uma dedicação cada vez mais generosa à missão apostólica que o Senhor nos confiou.

2. Ainda está viva em mim a recordação do nosso encontro, realizado em Abril de 1997. Nessa ocasião, tive a grande alegria de participar na primavera da vida eclesial do vosso país, depois do inverno da perseguição violenta que durou várias décadas. Nessa época, ainda eram acentuados os efeitos da ateização sistemática das vossas populações, especialmente dos jovens, da destruição quase total das estrututuras eclesiásticas e do encerramento forçado dos lugares de formação cristã. Graças a Deus, terminou aquele período rígido, e já há alguns anos que está em acto uma progressiva e encorajadora recuperação.

Nos últimos cinco anos, a celebração dos Sínodos para a Arquidiocese de Minsk e para as Dioceses de Pinsk e de Vitebsk ofereceu-vos a oportunidade de realçar as prioridades pastorais, elaborando planos apostólicos apropriados para as várias exigências do vosso território. Desta vez, viestes para me falar dos frutos do vosso generoso trabalho pastoral e, juntamente convosco, por tudo isto dou graças ao Senhor, sempre misericordioso e providente.

3. Agora, trata-se de projectar o compromisso futuro. Em primeiro lugar está a família que, também na Bielo-Rússia, infelizmente está a atravessar uma crise séria e profunda. As primeiras vítimas desta situação são as crianças, que correm o risco de sofrer as consequências da mesma durante toda a sua existência. Para o vosso alívio e encorajamento, gostaria de reiterar aquilo que disse às numerosas famílias reunidas em Manila, no dia 25 do passado mês de Janeiro, por ocasião do IV Encontro Mundial das Famílias. É necessário testemunhar com convicção e coerência a verdade sobre a família, fundamentada sobre o matrimónio. Ela constitui um grande bem, necessário para a vida, o desenvolvimento e o futuro da humanidade. Transmiti às famílias da Bielo-Rússia a exortação que confiei às famílias do mundo inteiro: fazer do Evangelho a regra fundamental da família, e de cada uma das famílias uma página de Evangelho, escrita no nosso tempo.

4. O vosso País conta com quase dez milhões de habitantes, uma boa parte dos quais reside nas cidades. Se é a Nação que menos sofreu com as mudanças do período pós-soviético, a Bielo-Rússia é, porém, o País em que os processos de inserção no vasto contexto do Continente europeu ocorreram de forma mais lenta. As consequências deste atraso pesam sobre a reestruturação económica e, sobretudo nos campos, aumenta a pobreza. A concentração da população nos centros urbanos comporta um esforço notável para a presença da Igreja. E isto vale especialmente para a capital Minsk, onde já vive mais de 20% da população total.

Entre as prioridades, vós pondes os jovens, cada vez mais numerosos nas cidades, à procura de um possível trabalho. A crise demográfica sem precedentes, que atinge o vosso País, constitui também um forte desafio para o anúncio do "Evangelho da vida", e os fenómenos da marginalização, entre os quais o alcoolismo, que recentemente tem aumentado ainda mais, esperam respostas urgentes e eficazes. A todas estas problemáticas, a Igreja católica, embora seja minoritária no vosso País, procura responder com os instrumentos e as estruturas disponíveis.

Caríssimos, encorajo-vos a continuar a percorrer este caminho, e gostaria de aproveitar este ensejo para agradecer às organizações católicas de outras nações, de forma especial italianas e alemãs, que vos oferecem o seu apoio e a sua colaboração.

5. "A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos" (Mt 9,37). Diante do grande trabalho a realizar, é espontâneo pensar nestas palavras de Jesus. O que fazer? A resposta vem-nos do Evangelho: "Rogai, portanto acrescenta Jesus ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a sua messe" (Ibid., v. 38). Em primeiro lugar, a oração. É preciso intensificar o pedido da ajuda divina e educar os fiéis a fim de que façam da oração um momento fundamental entre as suas ocupações quotidianas. Para isto contribuirá a obra, que já começastes, de traduzir em bielo-russo os textos sagrados, em particular os do Missal Romano.

Além da oração, não posso deixar de recordar o vosso esforço em ordem à formação dos candidatos ao sacerdócio e à vida consagrada, especialmente nos dois seminários maiores de Grodno e de Pinsk, assim como me agrada realçar a necessária atenção aos presbíteros encarregados do cuidado das almas. Agora, a colaboração do clero e dos religiosos provenientes da vizinha Polónia constitui uma necessidade que, sem dúvida, contribuirá para a consolidação da comunidade católica do vosso País.

E por fim, o diálogo ecuménico com a Igreja ortodoxa. Na vossa terra, a Igreja católica e a Igreja ortodoxa viveram sempre juntas, e não poucas famílias são confessionalmente mistas e, por conseguinte, necessitadas da assistência também da parte da Igreja católica. O Senhor continue a orientar os vossos passos na busca do respeito recíproco e da cooperação mútua.

Durante o corrente ano, vai ser festejado o 380º aniversário do martírio de São Josafat, Arcebispo de Polatsk, cujo sangue santificou a terra bielo-russa. Possa a recordação do seu martírio ser para todos uma fonte de fidelidade a Cristo e à sua santa Igreja.

7. Confio-vos a todos a Maria, a Theotokos. Venerados e queridos Irmãos, peço a Maria que vos proteja a vós, os vossos mais estreitos colaboradores, que são os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, os seminaristas, os leigos activamente comprometidos no apostolado e toda a comunidade católica que vive na Bielo-Rússia. Sobre todos e cada um de vós, Ela vele materna, juntamente com os vossos Santos Padroeiros. Quanto a mim, asseguro-vos a minha lembrança quotidiana na oração, enquanto vos abençoo do íntimo do meu coração.




DIscursos João Paulo II 2003