DIscursos João Paulo II 2003

DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIAEPISCOPAL


DA ESCÓCIA POR OCASIÃO DA VISITA


"AD LIMINA APOSTOLORUM"


Terça-Feira, 4 de Março de 2003




Queridos Irmãos no Episcopado

1. "Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo" (Rm 1,7). É com afecto fraternal que vos dou as as minhas cordiais boas-vindas, a vós Bispos da Escócia, por ocasião da vossa primeira visita "ad limina Apostolorum" neste novo milénio. Os nossos encontros oferecem-nos, uma vez mais, a oportunidade de confirmar a nossa comunhão colegial e de aprofundar os vínculos de amor e de paz que nos ajudam e nos encorajam no nosso serviço à Igreja de Cristo. Uno-me a vós em acção de graças a Deus pela fé e a dedicação dos sacerdotes, dos diáconos, dos religiosos, das religiosas e dos fiéis leigos, que vós fostes chamados a orientar na caridade e na verdade. No seio das vossas comunidades locais, constatamos o maravilhoso poder do Espírito Santo "que, ao longo dos séculos, bebeu do tesouro da redenção de Cristo, dando aos homens uma vida nova, realizando neles a adopção no Filho unigénito, santificando-os de tal maneira que possam repetir com São Paulo: "Recebemos o Espírito de Deus" (cf. 1Co 2,12)" (Dominum et vivificantem DEV 53). É este mesmo Espírito que nos orienta para toda a verdade (cf. Jo Jn 16,13) e que nos impele, neste novo milénio, a fim de nos fazermos novamente ao largo, animados pela esperança que "não engana" (Rm 5,5).

2. Os relatórios que trouxestes das vossas diversas Dioceses dão testemunho das novas e exigentes situações que, nos dias de hoje, representam desafios pastorais para a Igreja. Com efeito, podemos observar que na Escócia, assim como em muitas terras evangelizadas desde há séculos e penetradas pelo cristianismo, não existe mais a realidade de uma "sociedade cristã", ou seja, de uma sociedade que, apesar das debilidades e das faltas humanas, considera o Evangelho um parâmetro explícito da sua vida e dos seus valores. Pelo contrário, a civilização moderna, embora seja muito desenvolvida sob o ponto de vista tecnológico, vive muitas vezes bloqueada pela tendência a excluir Deus e a mantê-lo à distância. Foi isto que, na minha Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, desejei definir como "crise de civilização", uma crise à qual é necessário responder com "a civilização do amor, fundamentada sobre os valores universais da paz, da solidariedade, da justiça e da liberdade, que encontram em Cristo a sua plena realização" (NMA, n. 52). A nova evangelização, para a qual convidei toda a Igreja (cf. Novo millennio ineunte NM 40), pode revelar-se como um instrumento muito eficaz em ordem a contribuir para introduzir esta civilização do amor.

Obviamente, a nova evangelização, como qualquer evangelização cristã autêntica, deve ser caracterizada pela esperança. Com efeito, é a esperança cristã que sustém a proclamação da verdade libertadora de Cristo, reanima as comunidades de fé e enriquece a sociedade com os valores do Evangelho da vida, que defende sempre a dignidade da pessoa humana e promove o bem comum. Desta forma, a própria vida cristã é reavivada e as iniciativas pastorais são mais facilmente orientadas para o seu único objectivo verdadeiro: a santidade. Com efeito, a santidade é um aspecto intrínseco e essencial da Igreja: é através da santidade que tanto os indivíduos como as comunidades em geral se configuram com Cristo. Através do Baptismo, o crente entra na santidade de Deus, sendo incorporado a Cristo e transformado em morada do seu Espírito. Portanto, a santidade é um dom, mas um dom que, por sua vez, se torna uma tarefa, um dever "que há-de orientar toda a existência cristã" (Novo millennio ineunte NM 30). É o sinal de uma autêntica sequela Christi, realizável por todos aqueles que desejam verdadeiramente seguir Cristo com todo o seu coração, com toda a sua mente e com toda a sua alma (cf. Mt Mt 22,37).

3. O conceito de santidade não deve ser considerado como algo de extraordinário, como uma coisa que ultrapassa os confins da normalidade da vida quotidiana. Efectivamente, Deus chama o seu povo para viver uma existência santa nas circunstâncias comuns em que se encontra a viver: em casa, na paróquia, no trabalho, na escola ou nos parques de diversões. Existem muitas coisas na sociedade que atraem as pessoas por vezes intencionalmente afastando-as da investigação difícil e todavia profundamente satisfatória da santidade. Como Pastores de almas, jamais deveis ceder ao desânimo nos vossos esforços destinados a orientar toda a vossa vida cristã e toda a comunidade cristã, cada vez mais ao longo do caminho da santidade. A formação do vosso rebanho numa santidade prática e alegre, no contexto de uma espiritualidade sólida e teologicamente preparada, deve portanto ser uma das vossas prioridades pastorais (cf. Congregação para o Clero, Instrução O presbítero pastor e guia da comunidade paroquial, n. 28). Ela exige a participação comprometida de todos os sectores da vida diocesana. O trabalho realizado pelos sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas e fiéis leigos nas paróquias, nas escolas, nos ambientes da assistência médica e do serviço social representa uma contribuição preciosa para alcançar aquela santidade de vida para a qual todos os fiéis são chamados. Poderia resultar particularmente útil encorajar a participação activa das comunidades monásticas e das outras comunidades de vida consagrada, no âmbito dos carismas que lhes são próprios e dos seus apostolados especiais, sobretudo nos projectos destinados à formação dos jovens na escola da santidade.

4. Um aspecto importante da nova evangelização é a exigência, muito sentida, da evangelização da cultura. As culturas humanas, por si só, não são estáticas, mas vivem em constante transformação, através dos contactos que os povos mantêm entre si e mediante as novas experiências que compartilham. É a comunicação dos valores que permite a uma cultura sobreviver e prosperar. O próprio contexto cultural penetra a vida da fé cristã, o que, por sua vez, contribui para modelar este mesmo contexto. Portanto, os cristãos são chamados a incutir a imutável verdade de Deus em cada uma das culturas. E dado que "o povo dos baptizados se distingue por uma universalidade que sabe acolher toda a cultura", é necessário ajudar os fiéis a promover aquilo que é implícito nas diferentes culturas, "com vista à sua plena explicação na verdade" (Fides et ratio FR 71).

Nas sociedades em que a fé e a religião são vistas como algo que deveria ser limitado ao campo particular e que, portanto, não há lugar para elas na vida pública e no debate político, muitas vezes é ainda mais importante que a mensagem cristã seja compreendida claramente por aquilo que é na realidade: a Boa Nova de verdade e de amor que liberta os homens e as mulheres. Quando os fundamentos de uma cultura específica estão assentes sobre o cristianismo, a voz do próprio cristianismo não pode ser silenciada, sem empobrecer gravemente tal cultura. Além disso, se a cultura é o contexto em que o indivíduo se transcende a si mesmo, então eliminar o Absoluto deste contexto ou marginalizá-lo, como algo irrelevante, leva a uma fragmentação perigosa da realidade ou dá origem a uma crise, porque a cultura não será mais capaz de apresentar às jovens gerações a fonte de significado e de sabedoria que elas, em última análise, procuram. Por este motivo, os cristãos deveriam viver unidos na "diaconia" com a sociedade: num autêntico espírito de cooperação ecuménica, com a vossa participação concreta, os discípulos de Cristo jamais devem cessar de tornar presente em cada âmbito da vida, pública ou privada, a luz que o ensinamento do Senhor lança sobre a dignidade da pessoa humana.

É esta luz de verdade que dissipa as trevas do interesse egoísta e da corrupção social, a luz que ilumina o caminho de um desenvolvimento económico justo para todos. E os cristãos não estão sozinhos, na tarefa de fazer resplandecer cada vez mais esta luz na sociedade. Juntamente com os homens e as mulheres de outros credos religiosos e com outras pessoas de boa vontade, com quem compartilham valores e princípios conjuntos, as vossas comunidades católicas são chamadas a trabalhar pelo progresso da sociedade e pela convivência pacífica dos povos e das culturas. Portanto, também o compromisso e a colaboração inter-religiosos constituem um instrumento importante para servir a família humana. Com efeito, lá onde não se permite que a luz da verdade resplandeça nos debates públicos, os erros e as ilusões facilmente se multiplicam e muitas vezes chegam a predominar nas decisões relativas às linhas a serem seguidas. Esta situação parece ainda mais evidente, quando aqueles que perderam ou abandonaram a fé em Deus passam a atacar a religião: pode surgir uma nova forma de sectarismo, que é tão triste como trágico, porque acrescenta mais um elemento de divisão na sociedade.

5. Na tarefa da nova evangelização, talvez não exista outro grupo em relação ao qual desejais prestar mais atenção e ser mais solícitos, do que o dos jovens. Eles representam a nova geração de construtores que hão-de corresponder à aspiração da humanidade a uma civilização do amor, caracterizada pela verdadeira liberdade e pela paz autêntica. Durante a Jornada Mundial da Juventude do ano passado, em Toronto, confiei-lhes com sinceridade esta tarefa e agora encorajo-vos a vós, a fazerdes a mesma coisa, dando-lhes toda a ajuda possível para enfrentar este desafio. Nos vossos relatórios, é com prazer que observo que os jovens na Escócia estão a demonstrar entusiasmo pela sua fé e um desejo cada vez maior de se encontrarem e trabalharem convosco, que sois os seus Bispos. Como Mater et Magistra, a Igreja deve orientá-los para um conhecimento e uma experiência cada vez mais completa na fé em Jesus de Nazaré: com efeito, somente Cristo é a pedra angular e o fundamento seguro da sua vida, é somente Ele que lhes permite abraçar plenamente o "mistério" da sua própria vida (cf. Fides et ratio FR 15).

A força poderosa dos meios de comunicação social e da indústria da diversão visa em grande medida os jovens, que passam a ser o objectivo de ideologias contrárias que procuram condicionar e influenciar as suas atitudes e as suas acções. Quando os jovens são assediados pelo relativismo moral e pela indiferença religiosa, cria-se uma grande confusão. Como é que eles podem lutar com a interrogação da verdade e as exigências de coerência no comportamento moral, quando a cultura moderna lhes ensina a viver como se não existissem valores absolutos, ou quando lhes pede que se contentem com uma religiosidade vaga? A difundida perda do significado transcendente da existência humana leva à falência na vida moral e social. Queridos Irmãos, a vossa tarefa consiste em mostrar aos homens e mulheres contemporâneos e às gerações mais jovens a enorme importância de Jesus e do seu Evangelho: porque é aqui que as aspirações e as exigências mais profundas encontram a sua plena realização. A mensagem salvífica de Jesus Cristo deve ser novamente escutada em todo o seu vigor e em toda a sua força, a fim de poder ser plenamente experimentada e saboreada!

6. Falando da nova evangelização, não apresentamos um "programa novo", mas voltamos a considerar, uma vez mais, o chamamento do Evangelho, inserido na Tradição viva da Igreja. Todavia, a revitalização da vida cristã exige iniciativas pastorais adequadas às circunstâncias efectivas de cada uma das comunidades, construídas sobre o diálogo e modeladas pela participação dos vários sectores do santo povo de Deus. Os esforços comuns por parte dos Bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas e fiéis leigos são essenciais para enfrentar questões muito preocupantes, não apenas para a Igreja, mas também para toda a sociedade escocesa. O matrimónio e a vida familiar representam dois âmbitos em que esta cooperação não só é desejável, mas também necessária: a este propósito, é-me grato saber que, em breve, será realizado um encontro entre os Bispos da Escócia e algumas agências comprometidas nestes âmbitos. Outra questão em que as forças conjuntas de todos os fiéis se mostrarão particularmente preciosas é o acolhimento que as vossas comunidades podem oferecer aos refugiados e às pessoas que pedem asilo, de maneira especial através de programas que visem a assistência, a educação e a integração social. Do mesmo modo, o processo de consulta e de planificação que começastes, a propósito da questão dos seminários escoceses, mostra a importância de uma abordagem colaborante para enfrentar questões urgentes, relativas à Igreja tanto a nível nacional, como diocesano ou local.

7. Naturalmente, a formação sacerdotal, permanece uma das vossas máximas prioridades. É fundamental que os candidatos ao sacerdócio estejam solidamente radicados numa relação de profunda comunhão e amizade com Jesus Cristo, Bom Pastor (cf. Pastores dabo vobis PDV 42). Sem esta relação pessoal, por intermédio da qual falamos "de coração a coração com o nosso Senhor" (Instrução O presbítero pastor e guia da comunidade paroquial, n. 27), a procura da santidade, que caracteriza o sacerdócio como vida de intimidade com Deus, seria inexistente e, por conseguinte, tornaria mais pobre não apenas o sacerdote individualmente, mas também toda a comunidade. Hoje, mais do que nunca, a Igreja tem necessidade de sacerdotes santos, cujo caminho quotidiano de conversão inspire nos outros o desejo de procurar aquela santidade que todo o povo de Deus é chamado a perseguir (cf. Lumen gentium, LG 39). Portanto, os homens que se formam para o sacerdócio, porque se preparam para ser instrumentos e discípulos de Cristo, o eterno Salvador, devem ser ajudados na procura de uma vida verdadeiramente caracterizada pela pobreza, castidade e humildade, à imitação de Cristo, o eterno Sumo Sacerdote, de quem eles devem tornar-se imagens vivas (cf. Pastores dabo vobis PDV 33).

Neste contexto, podemos observar que a formação permanente do clero é justamente considerada como uma parte integrante da vida do presbítero. Na minha Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, já comentei e afirmei mais pormenorizadamente o convite do Concílio Vaticano II a uma formação depois do seminário (cf. Optatam totius, OT 22). Sem repetir aquilo que já se disse no citado documento conciliar, desejo realçar o facto de que "a formação permanente dos sacerdotes, tanto diocesanos como religiosos, é a continuação natural e absolutamente necessária" (n. 71). Exorto-vos a considerar sempre os vossos sacerdotes como "filhos e amigos" (Christus Dominus, CD 16) e a ter a peito o seu bem-estar nos aspectos humanos, espirituais, intelectuais e pastorais da sua vida sacerdotal: permanecei perto deles, escutai-os e encorajai-os à fraternidade e à amizade de uns em relação aos outros.

8. Queridos Irmãos, estas são algumas das reflexões suscitadas pela vossa visita aos túmulos dos Apóstolos. É com acção de graças e afecto que compartilho convosco estas reflexões e encorajo cada um de vós no seu papel de "verdadeiro pai" para o vosso povo, à imagem do Bom Pastor que "conhece as suas ovelhas e as suas ovelhas também O conhecem" (cf. Jo Jn 10,14).

Asseguro-vos as minhas preces enquanto "anunciais a palavra, oportuna e inoportunamente, exortando com paciência e doutrina inesgotáveis" (cf. 2Tm 4,2). O vosso sublime dever consiste em proclamar a Boa Nova de salvação de Jesus Cristo: desempenhai esta vossa tarefa na consciência confiante de que o Espírito Santo continua a orientar-vos e a iluminar-vos sempre. A mensagem de esperança e de vida que anunciais não deixará de suscitar um novo ardor e um renovado compromisso em prol da vida cristã na Escócia. Neste Ano do Rosário, confio-vos a Maria, "Estrela da Nova Evangelização", a fim de que Ela vos ajude na sabedoria pastoral, vos revigore na fortaleza e faça arder o amor e a compaixão no vosso coração. A vós, aos sacerdotes, aos diáconos, aos religiosos, às religiosas e aos fiéis leigos das vossas Dioceses, concedo do íntimo do coração a minha Bênção Apostólica.



MENSAGEM DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


PARA A CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2003


Ao Venerável Irmão no Episcopado
D. Jayme Henrique Chemello
Presidente da CNBB

"Ensinai-nos a contar os nossos dias, para que guiemos o coração na sabedoria» (Ps 90 [89], 12)

É com particular afeto que saúdo o episcopado do Brasil e todo o povo dessa amada Nação que, por ocasião da Quarta-feira de Cinzas, inicia sua caminhada em direção à Páscoa da Ressurreição, com o estímulo de uma nova Campanha da Fraternidade, este ano com o lema: «Vida, dignidade e esperança».

O empenho sincero em refletir e aprofundar, precisamente dentro do período da Quaresma, o tema da fraternidade com as pessoas idosas, pode ser enquadrado no marco da "sabedoria". Dentro da própria existência, os anciãos são convidados a viver o plano que Deus tem para cada um, repetindo com o salmista: «de vossos decretos eu não me desvio, porque vós mos ensinastes» (Ps 118,102). Por sua vez, a certeza de que o tempo da vida é limitado, leva-lhes a encarar todas as coisas à luz da Verdade divina, reconhecendo a relatividade de qualquer outra realidade. Mas a vida terrena, apesar dos seus limites e sofrimentos, conserva sempre um seu valor e deve ser aceita até o fim. Para o cristão ela «assume os contornos de uma "passagem", de uma ponte lançada da vida à Vida, entre a alegria frágil e insegura desta terra e o gozo total que o Senhor reserva aos seus servos fiéis» (Carta aos Anciãos, 16).

A Igreja, perita em humanidade, indica, por mandato do Redentor, o caminho para bem espiritual e humano, caminho de reconciliação e de penitência, mediante a conversão pessoal e a solidariedade com o próximo. Tal solidariedade, hoje necessária especialmente com os anciãos, é devida ao aumento da idade média, que o progresso da medicina tornou possível. A velhice sempre existiu, mas ela hoje apresenta-se com características particulares por causa da maior longevidade das pessoas. É necessário, portando, programar com urgência o auxílio a esses nossos irmãos e irmãs. Isto requer uma mudança de mentalidade: à cultura utilitarista e materialista, que mede o valor do homem por aquilo que ele produz e consome, é urgente substituir por uma cultura que reconheça o valor "absoluto" de cada pessoa, seja qual for o grau de capacidade e eficiência que disponha.

Faço votos de que seja dada nova vida aos programas sociais e de saúde de amparo à velhice, não só por parte das instituições públicas e privadas, mas também através das diversas pastorais diocesanas. Meu pensamento se dirige a todos os anciãos do Brasil, de modo especial aos viúvos e às viúvas, aos religiosos e religiosas anciãos e aos caríssimos irmãos no sacerdócio. A todos os que se encontram nos Lares para Anciãos, nas casas de repouso, nos hospitais e, sobretudo, aos pobres envio meu caloroso abraço e meu encorajamento a fim de que não se deixem arrastar pelo desânimo. Se Deus permite o sofrimento devido a enfermidade ou a qualquer outro motivo, «dá-nos sempre a graça e a força para que nos unamos com mais amor ao sacrifício do seu Filho e participemos com mais intensidade no seu projeto salvífico» (Ibid, 13).

A todos queridos anciãos brasileiros envio, como estímulo para a sua presença válida na sociedade, em penhor de abundantes favores de Deus, uma especial Bênção Apostólica.

Vaticano, 04 de Janeiro de 2003

IOANNES PAULUS II



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS PÁROCOS E CLERO DA DIOCESE DE ROMA

NO INÍCIO DA QUARESMA


6 de Março de 2003





Senhor Cardeal
Venerados Irmãos no Episcopado
Caríssimos Sacerdotes romanos

1. O nosso habitual encontro de início da Quaresma tem lugar, este ano, como sublinhou o Cardeal Vigário, no XXV ano do meu serviço pastoral como Bispo de Roma. É um aniversário que lembra o ministério sacerdotal, no qual o Bispo e os seus padres estão intimamente unidos na consciência do dom que Deus lhes fez e no compromisso de "mudar de novo", gastando com alegria a própria vida ao serviço de Cristo e dos irmãos.

Saúdo-vos com afecto a todos e a cada um de vós e agradeço-vos pelo serviço generoso que prestais à Igreja de Roma. Agradeço-vos especialmente por este clima que se criou hoje: um clima especial, aberto, direi.

2. "A paz seja convosco! Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós" (Jn 20,21). "Quem vos recebe, a Mim recebe e quem Me recebe, recebe Aquele que Me enviou" (Mt 10,40). Nestas duas afirmações de Jesus está contido o mistério do nosso sacerdócio, que encontra a sua verdade e identidade na sua proveniência e continuação do próprio Cristo e da missão que Ele recebeu do Pai.

Outras duas palavras de Jesus ajudam-nos a entrar mais profundamente neste mistério. A primeira diz respeito a Ele como pessoa: "Em verdade, em verdade vos digo: não pode o Filho fazer nada por Si mesmo se não vir o Pai fazê-lo (Jn 5,19). A segunda é-nos dirigida a nós e a todos os nossos irmãos na fé: "sem Mim nada podeis fazer" (Jn 15,5). Este "nada" repetido reenvia-nos a Cristo e Cristo ao Pai. É o sinal de uma dependência total, da necessidade de despojamento de nós próprios, mas é também o sinal da grandeza do dom que recebemos.

Unidos a Cristo e ao Pai, em virtude do sacramento da Ordem, podemos, de facto, perdoar os pecados e pronunciar sobre o pão e o vinho as palavras: "Isto é o meu corpo, este é o meu sangue". Na celebração da Eucaristia, agimos verdadeiramente "in persona Christi": o que Cristo realizou no altar da Cruz e que primeiro estabeleceu como sacramento no Cenáculo, renova-o o sacerdote na força do Espírito Santo (cf. Dom e Mistério, p. 89)

3. Caríssimos irmãos sacerdotes de Roma, isto exige que nós, no exercício do nosso ministério e em toda a nossa vida, sejamos verdadeiramente homens de Deus. Não somente os fiéis mais próximos de nós, mas também as pessoas fracas e incertas na sua fé e afastadas da prática da vida cristã não permanecem insensíveis à presença e testemunho de um sacerdote que seja verdadeiramente "homem de Deus": pelo contrário, na medida em que o conhecem, o estimam e tendem a abrir-se a ele.

Por isto, é muito importante que nós, sacerdotes, primeiramente respondamos com sinceridade e generosidade à vocação para a santidade, que Deus dirige a todos os baptizados. A via mestra e insubstituível para avançar no caminho da santificação é a oração: estando com o Senhor, tornamo-nos amigos do Senhor, o seu olhar torna-se progressivamente o nosso olhar, o seu coração torna-se o nosso coração. Se verdadeiramente queremos que as nossas comunidades sejam "escola de oração" (cf. Novo millennio ineunte NM 33), nós, em primeiro lugar, devemos ser homens de oração e, depois, na escola de Jesus, de Maria e dos Santos, mestres de oração.

O coração da oração cristã e a chave do mistério do nosso sacerdócio é, sem dúvida, a Eucaristia. Por isso, a celebração da Santa Missa não pode deixar de ser, para cada um de nós, o centro da vida e o momento mais importante de cada dia. Caríssimos irmãos, na realidade não temos alternativa! Se não procuramos, humilde mas confiadamente, progredir no caminho da nossa santificação, acabamos por nos contentar com pequenos compromissos que, pouco a pouco, se tornam mais graves e podem redundar na traição, aberta ou camuflada, àquele amor de predilecção com que Deus nos amou chamando-nos ao sacerdócio.

4. O dom do Espírito, que nos une a Cristo e ao Pai, liga-nos indissoluvelmente ao corpo de Cristo e à esposa de Cristo que é a Igreja. Para sermos sacerdotes segundo o coração de Cristo devemos amar a Igreja como Ele a amou, dando-se a Si mesmo por ela (cf. Ef Ep 5,25). Não devemos ter medo de nos identificar com a Igreja, gastando-nos por ela. Devemos ser, com autenticidade e generosidade, homens da Igreja.

A ligação do sacerdote com a Igreja desenvolve-se segundo a dinâmica tipicamente cristológica do Bom Pastor, que é ao mesmo tempo Cabeça e Servo do Povo de Deus. Ele é essencialmente homem de comunhão, que não se cansa de construir a comunidade cristã como "casa e escola da comunhão" (cf. Novo millennio ineunte NM 43). O Sínodo que celebrámos de 1986 a 1993 foi, concretamente, para toda a Diocese de Roma, grande escola de comunhão e é dever, sobretudo do sacerdote, traduzir esta mensagem do Sínodo na vida quotidiana da comunidade. Mas isto requer que ele, em primeiro lugar, saiba dar exemplo e testemunho de comunhão no interior do presbitério diocesano e nas relações com os sacerdotes que vivem e desenvolvem o próprio ministério na mesma paróquia ou comunidade. A experiência pastoral confirma que a comunhão entre os sacerdotes contribui muitíssimo para tornar credível e fecundo o seu ministério, segundo as palavras de Jesus: "Por isto todos saberão que sois Meus discípulos: se vos amardes uns aos outros" ( Jo Jn 13,35).

5. Caríssimos irmãos, depois do Sínodo temos vivido a Missão da Cidade e, agora, a nossa Diocese está empenhada em dar estavelmente uma marca determinadamente missionária a toda a pastoral.

No exercício quotidiano do nosso ministério, devemos formar uma verdadeira consciência missionária nos fiéis que estão mais próximos de nós, de modo a que as nossas comunidades possam tornar-se autênticas comunidades cada vez mais evangelizadoras e cada crente se esforçe por ser testemunha de Cristo em todos os ambientes e situações de vida. É assim que nós realizamos, na maneira mais plena e genuína, o "dom" e o "mistério" do nosso sacerdócio.

O sacerdócio ministerial do Novo Testamento é, de facto e por sua natureza, sacerdócio apostólico, enquanto chega à comunidade mediante a "sucessão apostólica", isto é, a transmissão aos Bispos do ministério e do carisma dos Apóstolos. Através do sacerdócio do Bispo, também o sacerdócio dos presbíteros "é incorporado na estrutura apostólica da Igreja" (Pastores dabo vobis PDV 16), participando assim da sua essencial orientação missionária.

6. Caros irmãos no sacerdócio, não nos cansemos nunca de ser testemunhas e anunciadores de Cristo, não nos deixemos desencorajar pelas dificuldades e obstáculos que encontramos dentro de nós ou na nossa fragilidade humana, ou ainda na indiferença ou nas incompreensões daqueles a quem somos enviados, incluindo, talvez, as pessoas mais próximas de nós.

Quando as dificuldades e as tentações pesarem sobre o nosso coração, recordemo-nos, antes de mais, da grandeza do dom que recebemos, para sermos, da nossa parte, capazes de "dar com alegria" (cf. 2Co 9,7). Somos, efectivamente, sobretudo no confessionário e também em todo o nosso ministério, testemunhas e instrumentos da misericórdia divina, somos e devemos ser homens que sabem infundir esperança e realizar obras de paz e reconciliação.

Deus nos chamou para isto, caros Irmãos, com amor de predilecção e Deus merece toda a nossa confiança: a sua vontade de salvação é maior e mais forte do que todo o pecado do mundo.

Obrigado por este encontro. Obrigado também pela oferta do volume, acabado de imprimir, em que estão recolhidos os textos dos discursos que vos dirigi nos encontros de início da Quaresma, a partir de 2 de Março de 1979. Faço votos para que também esta iniciativa sirva para manter vivo e fecundo o diálogo que se estabeleceu entre nós no decurso destes anos.

Abençoo-vos a todos do coração e, convosco, abençoo as comunidades que vos estão confiadas.

***

No final do discurso, depois de recordar o "fecundo diálogo" estabelecido com os Párocos da Diocese de Roma durante os longos anos do seu Pontificado, o Papa acrescentou ainda as seguintes palavras:

E são já quase 25 anos. Este é o vigésmo quinto ano. A minha vida sacerdotal começou no ano de 1946, com a Ordenação que recebi das mãos do meu grande predecessor em Cracóvia, o Cardeal Adam Stefan Sapieha. Doze anos depois, fui chamado ao Episcopado, em 1958. Assim, desde 1958, já se passaram 45 anos de Episcopado: já é muito... Destes 45 anos, passei 20 em Cracóvia, primeiro como Auxiliar, depois como Vigário Capitular e, logo a seguir, como Arcebispo Metropolitano e Cardeal; mas 25 anos em Roma! Assim, com estes cálculos, vê-se que me tornei mais romano que "cracoviense"! Mas tudo isto é a Providência.

O encontro de hoje recorda-me os muitos encontros com os sacerdotes na minha primeira Diocese de Cracóvia. Devo dizer que eram encontros mais numerosos. Sobretudo, pude visitar muitas paróquias. Também em Roma, de 340 visitei 300... Ainda faltam algumas! Posso dizer que vivo com esta bagagem que acumulei, um pouco, em Cracóvia: bagagem de experiências, mas não só, também de reflexões, de tudo aquilo que me deu o ministério sacerdotal e, depois, episcopal.
Devo confessar diante de vós, Párocos, que nunca fui Pároco. Fui somente vice-Pároco. Fui, sobretudo, Professor de Seminário e de Universidade. A minha experiência é sobretudo da cátedra universitária. Mas, mesmo sem a experiência directa e imediata do Pároco, tive sempre muitos contactos com os Párocos e posso dizer que eles me transmitiram esta experiência que lhes é própria.

Assim, diante de vós, neste XXV ano, fiz um breve exame de consciência sobre a minha vida sacerdotal. Estou-vos muito grato pelas palavras que me dirigistes, pelo afecto que me manifestastes e, sobretudo, pela oração de que tenho sempre necessidade. E assim abrimos a nossa Quaresma romana, a minha 25ª Quaresma romana. Desejo-vos uma boa Quaresma e, depois, uma santa Páscoa. A Páscoa é o centro da nossa vida não somente cristã, mas também sacerdotal! Muitos bons votos!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À PROTEÇÃO CIVIL, AO MUNDO DO SERVIÇO CIVIL


E AO PESSOAL DE UM INSTITUTO BANCÁRIO ITALIANO


8 de Março de 2003

Queridos amigos, que fazeis parte da vasta família do serviço civil, sede bem-vindos!


Obrigado por esta visita, que me oferece a oportunidade de vos conhecer melhor e de vos exprimir a minha estima pela profissionalidade e a dedicação com que ajudais quantos se encontram em dificuldade, prontos para lhes oferecer o vosso apoio.

Saúdo-vos a todos com afecto. Em particular, saúdo o Deputado Carlo Giovanardi, Ministro das Relações com o Parlamento, e estou-lhe grato por se ter feito intérprete dos sentimentos de todos, explicando as actividades e, ao mesmo tempo, as perspectivas do serviço civil na Itália.

No meio de vós há pessoas que, motivados por uma profunda convicção pessoal, escolheram realizar este serviço, em vez de empreender o serviço militar. Outros jovens, beneficiando das novas normas relativas ao serviço civil nacional, decidiram consagrar alguns anos da sua juventude à nobre causa do bem comum, para edificar uma sociedade centrada nos valores humanos e espirituais, difundindo a cultura da hospitalidade e da solidariedade.

2. Das palavras do Deputado Carlo Giovanardi, pude intuir como é vasto o vosso campo de acção: da salvaguarda dos direitos das pessoas, à educação para a paz e a cooperação, tanto a nível nacional como internacional. As vossas actividades vão da formação dos menores à assistência domiciliar e hospitalar, à inserção dos portadores de deficiência no mundo do trabalho, à promoção cultural, à salvaguarda do património histórico e à protecção civil e ambiental.

A abertura do serviço civil às mulheres e a passagem a um serviço militar livre multiplicaram as oportunidades de compromisso por parte dos voluntários, tanto na Itália como nos outros países, especialmente do Terceiro Mundo. Penso, entre outras coisas, no projecto de instituição dos organismos civis de promoção da paz, nos âmbitos europeu e mundial, com modalidades de formação e de crescimento mais determinantes.

3. Poder-se-ia dizer que, no momento histórico contemporâneo, o serviço civil constitui um "sinal dos tempos". Também a Igreja pretende dar espaço a esta reserva de energias, colaborando com as Instituições civis para uma nova definição do quadro jurídico, em cujo contexto se pode dar vida a um novo serviço civil. Por este motivo, os Bispos quiseram confirmar algumas importantes linhas de coordenação, como a formação da pessoa, a escolha preferencial pelos pobres e os marginalizados, a diversificação das propostas em conformidade com os interesses e as expectativas dos jovens, o relançamento do serviço civil como uma contribuição para o bem comum, e a atenção às situações locais e às dos países emergentes ou marcados pela guerra.

Através da escolha da objecção de consciência e do serviço civil, intensificou-se a cooperação entre a Igreja, os jovens e o território. Isto tornou possível, a partir de 1976, a programação de itinerários de crescimento humano e cristão, com significativas e diversificadas experiências de solidariedade. É neste contexto que me apraz, hoje, dia dedicado à mulher, recordar a contribuição que precisamente numerosas mulheres, através do serviço civil nacional, deram e continuam a oferecer para a consolidação das comunidades civis e eclesiais.

Por fim, gostaria de recordar aquilo que o Beato João XXIII pôde escrever, há exactamente 40 anos, na sua Carta Encíclica Pacem in terris. "A todos os homens de boa vontade exortava ele compete uma tarefa imensa: a tarefa de voltar a instaurar as relações da convivência na verdade, na justiça, no amor e na liberdade" (n. 87). Estimados amigos do serviço civil, estai cada vez mais persuadidos da vossa missão. A Virgem Maria, modelo sublime de serviço a Deus e aos irmãos, vos acompanhe e vos proteja sempre. Quanto a mim, asseguro-vos a minha oração, enquanto vos abençoo a todos do íntimo do coração.

4. Agora, dirijo-vos a minha saudação cordial a vós, estimados amigos do Banco de Crédito Cooperativo Sangro Teatino, que está a celebrar o centenário da sua fundação. Saúdo, de modo particular, o Pastor da vossa Arquidiocese, D. Edoardo Menichelli, que desejou acompanhar-vos neste encontro. Estendo também a minha saudação aos directores, aos funcionários e a todos os respectivos familiares.

O vosso Instituto foi fundado no dia 3 de Maio de 1903, graças à providencial iniciativa de quatro sacerdotes, em conformidade com os ensinamentos propostos na Carta Encíclica Rerum novarum, pelo meu venerável Predecessor, o Papa Leão XIII. Nessa época, o Instituto denominava-se como Caixa Rural Católica de Depósitos e Empréstimos São Francisco de Assis e tinha a intenção de fazer da cooperação, no campo da poupança e do crédito, um instrumento profícuo para ir ao encontro das populações rurais que, com muito frequência, se tornavam vítimas do difuso e humilhante flagelo da usura.

Desde o seu nascimento até aos dias de hoje já passaram cem anos, durante os quais o vosso Instituto passou por vastas e profundas transformações, mas conservando sempre intacto o seu estilo de solidariedade e a sua inspiração ético-social, caracterizada pelo Evangelho.

Felicito-vos pelo trabalho que estais a desempenhar e pelo consenso não apenas económico, mas também social e cultural que o Banco continua a alcançar, através das numerosos e diversificadas intervenções de beneficência e de solidariedade entre as populações das regiões dos Abruzos e do Molise, onde ele está presente. Hoje mudaram as condições económicas e sociais das populações, mas ainda subsistem numerosos problemas, complicados pela actual crise financeira que está a atingir o mundo inteiro. Faço votos a fim de que a vossa actividade continue a conservar o espírito das suas origens, abrindo-se com coragem e clarividência às emergentes necessidades do actual momento histórico.

Que vos protejam São Francisco de Assis e os vossos Santos Padroeiros; vele sobre vós e as vossas famílias Maria Santíssima e vos ajude a ser sempre discípulos fiéis do seu Filho Jesus, na difusão do Evangelho da Caridade.

Caríssimos, agradeço-vos novamente a vossa visita e, enquanto vos asseguro a minha lembrança na oração, é de coração que vos abençoo a todos.




DIscursos João Paulo II 2003