DIscursos João Paulo II 2003

O diálogo desejado entre as nações deve consentir superar a violência e preparar as condições de uma paz verdadeira. Ele impõe-se também como uma necessidade entre as religiões. A respeito disto, aprecio a atenção que as Autoridades do seu País dedicam à promoção activa do diálogo entre cristãos e muçulmanos. Por meu lado, estou convencido de que, "as confissões cristãs e as grandes religiões da humanidade devem colaborar entre si para eliminar as causas sociais e culturais do terrorismo, ensinando a grandeza e a dignidade da pessoa e incentivando uma maior consciência da unidade do género humano. Tratando-se de um campo concreto do diálogo e da colaboração ecuménica e inter-religiosa, colocando as religiões ao serviço da paz entre os povos" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 2002, n. 12).

4. Estou-lhe grato, Senhor Embaixador, por ter recordado a situação dramática da Terra Santa e pelo seu ardente desejo de que este conflito tenha fim num futuro próximo. A Santa Sé partilha esta preocupação de modo constante e aproveita todas as ocasiões para recordar à comunidade internacional o seu dever de trabalhar com insistência junto das partes em causa para que sejam empreendidas verdadeiras negociações, convidando também as Autoridades e os povos envolvidos a não perder ocasião alguma para procurar um futuro de paz e de fraternidade. De facto, só haverá paz verdadeira nessa região mediante a renúncia à violência recíproca e recorrendo a um diálogo corajoso que possa levar ao reconhecimento do direito que cada qual tem de viver livremente na sua terra, no respeito da justiça e da segurança para todos, particularmente nos lugares santos.

Possa chegar o dia tão desejado em que esta terra, tão querida a todos os filhos de Abraão, verá instaurar-se a paz!

Senhor Embaixador, permita que eu, através da sua pessoa, envie uma saudação calorosa à comunidade católica que vive no Qatar, bem como a todos os fiéis cristãos de outras confissões. Que eles tenham a preocupação de se comportar como verdadeiros discípulos de Cristo, pondo em prática o dúplice mandamento do amor de Deus e do próximo! Os meus votos fervorosos alcancem também todos os habitantes da vossa nobre terra.

No momento em que Vossa Excelência inicia a sua nobre missão, asseguro-lhe a atenciosa disponibilidade de todos os meus colaboradores, e apresento-lhe os meus melhores votos para um trabalho frutuoso, a fim de que se desenvolvam relações harmoniosas entre a Santa Sé e o Estado do Qatar.

Sobre Vossa Excelência, sobre a sua família, os seus colaboradores e sobre todos os seus compatriotas, invoco a abundância das Bênçãos do Altíssimo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


DOS NOVOS EMBAIXADORES DA DINAMARCA,


SINGAPURA, QATAR E ESTÓNIA


12 de Dezembro de 2003




Excelências

1. Sinto-me feliz em vos receber no momento em que apresentais as Cartas que vos acreditam como Embaixadores extraordinários e plenipotenciários dos vossos respectivos países: Dinamarca, Singapura, Qatar e Estónia. Ao agradecer-vos as gentis palavras que me transmitistes da parte dos vossos Chefes de Estado, ficar-vos-ia grato se vos dignardes exprimir-lhes os meus deferentes votos pelas suas pessoas e pela sua nobre missão ao serviço dos seus povos. Através de vós, saúdo as Autoridades civis e religiosas dos vossos países, e todos os vossos compatriotas, pedindo-vos que lhes transmitais os meus votos cordiais e fervorosos.

2. O fim do ano civil é um período propício para analisar a situação do mundo e os acontecimentos dos quais somos testemunhas. Como todos os diplomatas, vós dedicais-vos a criar vínculos entre pessoas e países, favorecendo com isto a paz, a amizade e a solidariedade entre os povos. Fazeis isto em nome dos vossos Governos, que têm a preocupação de uma mundialização da fraternidade e da solidariedade, com a certeza de que o que une os homens é mais importante de quanto os separa. O futuro para os povos e a esperança para o mundo têm o preço do respeito destes valores humanos fundamentais.

3. Para um progresso duradouro e para a estabilidade internacional e a própria credibilidade dos órgãos de governo, nacionais e internacionais, seria bom que todos os protagonsitas da vida pública, sobretudo nos campos político e económico, tivessem um sentido moral cada vez mais agudo na gestão dos assuntos públicos, propondo-se como finalidade primordial o bem comum, que é muito mais do que a soma dos bens individuais. Por conseguinte, faço apelo a todas as pessoas de boa vontade chamadas a servir o seu país, para que se dediquem sempre mais a pôr as suas competências ao serviço dos seus compatriotas, e mais amplamente ao serviço da comunidade internacional!

4. Neste período no qual os homens de toda a terra se apresentarão uns aos outros votos de paz e de bem-estar, também eu desde já formulo os mesmos votos para vós, para os vossos governos e para todos os habitantes dos vossos países, assim como para toda a humanidade. No momento em que começais a vossa nobre missão junto da Santa Sé, apresento-vos os meus melhores votos, invocando a abundância das Bênçãos divinas sobre vós próprios, sobre as vossas famílias, os vossos colaboradores e sobre as nações que representais.



SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS ARTISTAS DO "XI CONCERTO DE NATAL NO VATICANO"


Sexta-feira, 12 de Dezembro de 2003





Ilustres Senhores
Gentis Senhoras

Estou feliz por me encontrar convosco, por ocasião do concerto de "Natal no Vaticano", manifestação organizada para ajudar a construção de novas igrejas, especialmente nas regiões de periferia da cidade de Roma.

Formulo calorosos bons votos para que possais alcançar os objectivos que vos propusestes. Desejo, ao mesmo tempo, estender a cada um dos promotores, dos organizadores e dos artistas, os cordiais bons votos pelas Festas de Natal, já iminentes. O Natal recorda que o Filho de Deus, assumindo a natureza humana, se tornou companheiro de caminhada do homem de todos os tempos. Possa esta Festividade, tão sentida pelas famílias, tornar-se uma ocasião propícia para experimentar a proximidade e o amor de Deus.

Acompanho estes votos com uma especial Bênção Apostólica, que faço extensiva de bom grado aos vossos entes queridos e a quantos assistem ao concerto pela televisão.

Feliz Natal a todos!



PALAVRAS DO PAPA JOÃO PAULO II


A VÁRIOS GRUPOS DE PEREGRINOS


13 de Dezembro de 2003




Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Estou verdadeiramente feliz por me encontrar convosco e dirijo-vos a todos uma cordial saudação de boas-vindas.

Aos Comités Olímpicos: o valor e a importância do desporto na formação da juventude
Saúdo, em primeiro lugar, o Presidente, Sua Ex.cia Mário Pescante, e os membros dos 49 Comités Olímpicos Europeus, que participam na Assembleia anual do Comité Olímpico Internacional.

Aproveito esta ocasião para realçar, mais uma vez, o valor e a importância do desporto, especialmente para a formação da juventude. A Europa é o berço do desporto moderno, que descende das práticas desportivas dos antigos gregos, caracterizadas pelo respeito recíproco e a amizade. O importante lema das Olimpíadas modernas, "Citius, Altius, Fortius", continue a orientar a prática desportiva das novas gerações.

Às Associações Italianas dos Ópticos e para a investigação das doenças oculares: Santa Lúcia vos ajude no vosso serviço

2. Saúdo, ainda, o grupo da Associação Italiana dos Ópticos e o da Associação Italiana para a investigação das doenças oculares. A vossa padroeira, Santa Lúcia, que hoje celebramos, vos ajude a desenvolver sempre com grande empenho a vossa actividade em favor daqueles que têm problemas de vista. Trata-se de um importante serviço que prestais à sociedade.

Ao Grupo "Interdis": obrigado pelo generoso apoio que ofereceis às iniciativas de caridade do Papa

3. Dirijo-vos ainda a vós, membros do Grupo "Interdis", o meu pensamento, enquanto vos agradeço esta visita. Estou-vos grato também pelo generoso apoio que ofereceis às iniciativas de caridade do Papa, em prol dos mais necessitados.

Caríssimos, na proximidade do Santo Natal, formulo-vos, bem como aos vossos familiares, os meus ardentes bons votos, enquanto garanto para cada um uma lembrança na oração.

Abençoo-vos a todos de coração.


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO SENHOR CARLOS RAFAEL CONRADO

MARION-LANDAIS CASTILLO NOVO EMBAIXADOR


DA REPÚBLICA DOMINICANA JUNTO DA SANTA SÉ


15 de dezembro de 2003



Senhor Embaixador

1. É com grande prazer que o recebo neste acto solene de apresentação das Cartas Credenciais que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Dominicana junto da Santa Sé, e agradeço-lhe sinceramente as amáveis palavras que houve por bem dirigir-me.
Estou-lhe muito reconhecido pelas expressões de felicitação pela recente celebração do XXV aniversário da minha eleição para a Cátedra de São Pedro, à qual o Supremo Pastor me quis chamar para prestar este serviço à Igreja e, em geral, a toda a humanidade. Por isso, agradeço-lhe muito as suas orações para que Deus me continue a confortar com a sua ajuda no exercício deste ministério eclesial.

2. Vossa Excelência vem para representar uma Nação que, como recordou no seu discurso, se sente profundamente católica. No solo da actual República Dominicana celebrou-se a primeira Missa no início da Evangelização do continente americano, e mais tarde foram administrados os primeiros baptismos de indígenas. Com estes dois Sacramentos cresce e edifica-se a Igreja de Cristo e pode dizer-se que foi nessa Ilha espanhola que surgiu a Igreja católica na América. Dali partiram imediatamente os evangelizadores para a terra firme americana; aqueles homens iam anunciar Jesus Cristo, defender a dignidade inviolável e os direitos dos povos indígenas, favorecer a sua promoção e a igualdade entre todos os membros da grande família humana.

Num período relativamente breve, os anunciadores da fé atravessaram a geografia dominicana. O Papa Júlio II no início do século XVI erigiu na Ilha Espanhola a Igreja Metropolitana de Yaguate, com as sufragâneas de Bainoa e Maguá, as primeiras do Novo Mundo. Sabemos que estas Dioceses foram as primeiras a ser abolidas algum tempo mais tarde e o mesmo Pontífice, a 8 de Agosto de 1511, erigiu definitivamente as dioceses de Santo Domingo, Concepción de la Vega e San Juan, como sufragâneas da Sede Metropolitana de Sevilha. Para celebrar os quinhentos anos de existência o Episcopado dominicano prepara um Plano Nacional de Pastoral de Evangelização, ao que desejo desde já os melhores frutos.

Nestes cinco séculos a Igreja acompanhou o caminho do povo dominicano, anunciando-lhe os princípios cristãos, que são fonte de esperança sólida e infundem um renovado dinamismo à sociedade, realizando a sua obra de evangelização e promoção humana, que constituem acções que não se encontram em contraposição, mas que estão intimamente vinculadas, pois "a promoção humana deve ser a consequência lógica da evangelização, que tende para a libertação integral da pessoa" (Discurso em Santo Domingo, 12/10/1992, 13).

3. A Santa Sé compraz-se pelas boas relações entre a Igreja e o Estado, e formula votos fervorosos para que, no futuro, continuem a ser incrementadas. Existe um âmbito no qual as próprias competências e acções confluem e se inter-relacionam, como recorda o Concílio Vaticano II.

É justo reconhecer a acção realizada no seu País através das dioceses, das paróquias, das comunidades religiosas e dos movimentos de apostolado. Desejo, a respeito disto, mencionar a acção eclesial em favor dos deficientes, dos enfermos de sida, das minorias étnicas, dos emigrantes e refugiados. Também é motivo de alegria a presença da Igreja no campo educativo, através de uma Universidade Pontifícia em Santiago com um espaço também na Cidade Capital, quatro Universidades Católicas, vários Institutos Técnicos, Institutos Politécnicos Femininos e quase trezentos Centros educativos e escolas paroquais. Além disso, outras instituições católicas oferecem um contributo significativo no esforço comum por fomentar uma sociedade mais justa e atenta às necessidades dos seus membros mais débeis.

Mesmo no seu serviço à sociedade não compete à Igreja propor soluções de ordem política e técnica, sem dúvida ele deve e deseja assinalar os motivos e orientações que provêm do Evangelho para iluminar a busca de respostas e soluções. Na origem dos males sociais, económicos e políticos dos povos encontra-se a rejeição e o esquecimento dos valores éticos genuínos, espirituais e transcendentais. Faz parte da missão da Igreja recordá-los, defendê-los e consolidá-los, particularmente no momento actual, no qual causas internas e externas originaram, no seu País, uma grave deterioração e uma certa diminuição da qualidade de vida dos dominicanos. Para resolver estes problemas não se deve esquecer que o bem comum é o objectivo a ser alcançado, para o qual a Igreja, sem pretender competências que não fazem parte da sua missão, oferece a sua colaboração ao governo e à sociedade.

No mundo de hoje não é suficiente limitar-se à lei do mercado e à sua globalização; é preciso fomentar a solidariedade, evitando os males que derivam de um capitalismo que considera o lucro mais importante do que a pessoa, o que a torna vítima de tantas injustiças. Um modelo de progresso que não tenha em consideração e não enfrente decididamente essas desigualdades não pode, de modo algum, ser próspero.

Quem mais sofre com as crises são os pobres. Por isso, devem ser o objecto especial dos desvelos e atenções do Estado. A luta contra a pobreza não deve limitar-se a melhorar simplesmente as suas condições de vida, mas também a libertá-los dessa situação criando postos de trabalho e assumindo a sua causa como própria. É importante realçar a importância da educação e da formação como elementos na luta contra a pobreza, bem como no respeito dos direitos fundamentais, que não podem ser sacrificados em benefício de outros objectivos, porque isso atentaria contra a verdadeira dignidade do ser humano.

5. Senhor Embaixador, antes de concluir este encontro, desejo manifestar-lhe a minha proximidade a quantos foram atingidos pelo terremoto do passado mês de Setembro e pelas recentes inundações. Desejo louvar a solidariedade efectiva das outras regiões da República Dominicana e de outros Países do Caribe. Peço ao Senhor que conceda aos danificados força e capacidade de entrega generosa para enfrentar as devastações que os atingiram e que não lhes falte, imediatamente, a ajuda necessária, para que possam continuar a sua vida quotidiana.

6. Finalmente, é-me grato formular-lhe os meus melhores votos para que a missão que hoje inicia seja fecunda de abundantes frutos e êxitos. Peço-lhe de novo, que se faça intérprete dos meus sentimentos e esperanças junto do Senhor Presidente da República e das demais Autoridades do seu País, enquanto invoco a Bênção de Deus, por intercessão da Virgem de Altagraça, que, sendo venerada desde 1541, acompanha com a sua presença amorosa os fiéis dessa nobre Nação, sobre Vossa Excelência, sobre a sua distinta família e colaboradores, e sobre os amadíssimos filhos dominicanos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DO SUDÃO POR OCASIÃO DA VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


Segunda-feira, 15 de Dezembro de 2003



Amados Irmãos no Episcopado

1. "O Senhor da paz vos conceda Ele mesmo a paz, sempre e de todas as maneiras" (2Tm 3,16). Nesta hora decisiva para o vosso país, no momento em que duas décadas de conflitos violentos e de derramamento de sangue parecem estar prestes a ceder o caminho à reconciliação e à pacificação, saúdo-vos a vós, membros da Conferência dos Bispos católicos do Sudão, com estas palavras do Apóstolo Paulo, expressões de consolação e de segurança, palavras fundamentadas sobre o Verbo, que é "a vida e a luz dos homens" (cf. Jo Jn 1,4), Jesus Cristo, nossa esperança e nossa paz.

Estes dias da vossa visita ad limina Apostolorum são momentos privilegiados de graça, durante os quais revigoramos os vínculos de comunhão fraternal e de solidariedade que nos unem na tarefa de dar testemunho da Boa Nova da salvação. Enquanto reflectimos em conjunto sobre esta missão recebida do Senhor e sobre as particulares implicações que ela tem para vós e para as vossas comunidades locais, desejo recordar duas testemunhas corajosas da fé, duas pessoas santas, cujas vidas estão intimamente vinculadas à vossa terra: Santa Josefina Bakhita e São Daniel Comboni.

Estou persuadido de que o exemplo de compromisso determinado e de caridade cristã oferecido por estes dois servos fiéis do Senhor pode derramar muita luz sobre as realidades contemporâneas que a Igreja no vosso país está a enfrentar.

2. Desde a infância, Santa Josefina Bakhita experimentou a crueldade e a brutalidade com que o homem pode chegar a tratar os seus semelhantes. Tendo sido raptada e em seguida vendida como escrava quando ainda era criança, ela conheceu profundamente o sofrimento e a vitimização que ainda hoje afligem inúmeros homens e mulheres na pátria, em toda a extensão da África e no mundo inteiro. A sua vida é fonte de inspiração de uma determinação perseverante em trabalhar com eficácia para libertar as pessoas da opressão e da violência, fazendo com que a sua dignidade seja respeitada no pleno exercício dos seus direitos. É esta mesma determinação que deve orientar a Igreja no Sudão contemporâneo, enquanto a nação está a realizar a sua transição da hostilidade e do conflito para a paz e a concórdia. Santa Josefina Bakhita é uma fautora esplendorosa da emancipação autêntica. A sua vida demonstra com clareza que o tribalismo e as formas de discriminação fundamentadas sobre a origem étnica, a língua e a cultura não fazem parte de uma sociedade civil e não têm absolutamente qualquer lugar no seio da comunidade dos fiéis.

A Igreja que peregrina no vosso país está profundamente consciente das dificuldades e do sofrimento que atingem aqueles que fogem das guerras e da violência, de modo particular as mulheres e as crianças, e não mobiliza apenas os seus próprios recursos para ajudar a fazer face às suas necessidades, mas haure inclusive da generosidade de voluntários e de benfeitores estrangeiros. A este propósito, é particularmente digno de ser relevado o trabalho levado a cabo pela "Sudanaid", a agência de assistência nacional, superintendida pelo Departamento para a Ajuda e o Desenvolvimento, da vossa Conferência Episcopal, que justamente é muito estimada pelos diversos projectos caritativos em que se encontra comprometida. Irmãos, gostaria de sugerir que uma base sólida para procurar uma representação da Igreja, no processo de normalização hoje em dia em acto, pode ser precisamente a assistência, tão necessária, que ela oferece aos numerosos refugiados e pessoas deslocadas, que foram obrigados a afastar-se das suas casas e das suas terras de família.

Além disso, as numerosas contribuições que a Igreja continua a oferecer para a vida social e cultural do vosso país podem ajudar-vos a instaurar relações mais estreitas e positivas com as instituições nacionais. Na presença de cristãos no Governo actual e no restabelecimento da Comissão para o Diálogo Inter-Religioso já se pode vislumbrar uma certa abertura por parte dos líderes civis. Deveis fazer tudo o que vos for possível para encorajar isto, enquanto insistis para que seja respeitado o pluralismo religioso, como é garantido pela Constituição do Sudão.

A este propósito, um corolário importante é o dever que tendes de abordar as questões relevantes que dizem respeito à vida social, económica, política e cultural do país (cf. Ecclesia in Africa ). Como bem sabeis, compete à Igreja falar sem ambiguidades em nome daqueles que não têm voz e ser fermento de paz e de solidariedade, sobretudo onde estes ideais são mais frágeis e mais ameaçados. Como Bispos, as vossas palavras e as vossas acções nunca devem ser a expressão de preferências políticas individuais, mas hão-de reflectir sempre a atitude de Cristo, Bom Pastor.

3. Tendo presente esta imagem do Bom Pastor, agora desejo voltar a minha atenção para a figura de São Daniel Comboni que, como sacerdote e como Bispo missionário, trabalhou de maneira incansável para fazer com que Jesus Cristo fosse conhecido e acolhido na África Central, e inclusive no Sudão. São Daniel Comboni preocupou-se profundamente a fim de que os africanos desempenhassem um papel importante na evangelização do Continente e teve a inspiração de redigir um plano missionário para essa região, um "plano para o renascimento da África", que previa também a ajuda por parte dos próprios povos indígenas. Durante a sua actividade missionária, ele não permitiu que os grandes sofrimentos e as numerosas dificuldades que teve de suportar como as privações, a debilidade, as enfermidades e a desconfiança o distraíssem da sua tarefa de anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo.

Além disso, o Bispo D. Daniel Comboni foi um grande fautor da inculturação da fé. Ele comprometeu-se profundamente no conhecimento das culturas e das línguas das populações locais que servia. Desta forma, conseguiu apresentar o Evangelho segundo modos e em conformidade com os costumes que os seus ouvintes pudessem compreendê-lo prontamente. Hoje, de maneira muito concreta, a sua vida é para nós um exemplo que demonstra com clarividência que "a evangelização da cultura e a inculturação do Evangelho são uma parte integrante da nova evangelização e, consequentemente, uma tarefa própria do múnus episcopal" (Pastores gregis, ).

Irmãos, este mesmo fervor apostólico, este mesmo zelo missionário e esta profunda solicitude pela salvação das almas devem distinguir também o vosso ministério episcopal. Fazei com que o vosso primordial e principal dever consista em preocupar-vos pelo cuidado da grei que vos foi confiada, velando sobre o bem-estar espiritual e físico, transcorrendo uma boa parte do vosso tempo com os fiéis, de modo particular com os sacerdotes e os religiosos das vossas respectivas dioceses. Com efeito, o ministério pastoral do Bispo "exprime-se num "ser para" os outros fiéis, que não o desenraiza do seu "estar com" eles" (Pastores gregis, ).

Em tudo isto, o vosso convite à conversão do coração e da mente deve ser amável e, ao mesmo tempo, insistente. A fé alcança a sua maturidade quando os discípulos de Jesus Cristo são educados e formados no conhecimento profundo e sistemático da sua pessoa e da sua mensagem (cf. Catechesi tradendae, CTR 19). Por conseguinte, a formação permanente dos leigos constitui uma prioridade da vossa missão de pregadores e de mestres. A formação espiritual e doutrinal deve orientar-se para ajudar os fiéis leigos a desempenhar o papel profético que lhes é próprio no seio de uma sociedade que nem sempre reconhece ou aceita a verdade e os valores do Evangelho. Isto vale de maneira particular para os vossos catequistas: estes servos fiéis do Verbo têm necessidade de uma formação adequada, tanto do ponto de vista espiritual como intelectual, e também de um apoio moral e material (cf. Ecclesia in Africa ).

De resto, seria útil preparar e pôr à disposição de todos um catecismo simples, na linguagem do povo. De maneira análoga, textos oportunos nas línguas locais poderiam ser preparados e distribuídos, como forma de apresentar Jesus Cristo àqueles que não conhecem a mensagem cristã e como instrumento para o diálogo inter-religioso. Isto poderia resultar particularmente útil nas áreas isentas da lei da Shari'ah, sobretudo na Capital Federal, Cartum. A este propósito, desejo também exortar-vos a retomar os vossos esforços em vista de instituir uma Universidade Católica em Cartum. Tal instituição permitiria que a grande contribuição, oferecida pela Igreja no campo da educação elementar e secundária, produzisse os seus frutos inclusivamente no sector da educação superior. Além disso, a Universidade católica ser-vos-ia de grande ajuda no cumprimento da vossa tarefa de garantir que haja professores adequadamente formados para oferecer uma educação católica nas escolas públicas.

4. Pensando agora em quantos vos assistem no vosso ministério pastoral, exorto-vos a cuidar dos vossos sacerdotes com amor especial e a considerá-los como vossos colaboradores preciosos e como amigos (cf. Christus Dominus, CD 16). A sua formação deve ser levada a cabo de tal forma, que se tornem prontos para pôr de lado toda e qualquer ambição terrestre, em ordem a agir in persona Christi. Eles são chamados a desapegar-se das coisas materiais e a dedicar-se ao serviço dos outros através da entrega total de si mesmos no celibato. O comportamento escandaloso deve ser sempre averiguado, enfrentado e corrigido. Com a vossa amizade e o vosso apoio fraternal e o dos seus irmãos no sacerdócio, para os vossos presbíteros será mais fácil dedicar-se integralmente, na castidade e na simplicidade, ao seu ministério de serviço.

Naturalmente, as atitudes e as inclinações de um pastor autêntico devem ser alimentadas no coração dos futuros presbíteros, desde muito antes da sua ordenação. Esta é a finalidade da formação humana, espiritual, intelectual e pastoral, que eles recebem no Seminário. As orientações contidas na minha Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis serão inestimáveis para avaliar os candidatos e para melhorar a sua formação. Ao mesmo tempo, é necessário tomar algumas medidas, para assegurar que uma formação sacerdotal adequada continue mesmo depois da ordenação, de modo especial nos primeiros anos de ministério.
Na vida de fé das vossas comunidades, os Institutos religiosos e missionários continuam a desempenhar um papel decisivo. Enquanto respeita a autonomia interna legítima, estabelecida para as comunidades religiosas, o Bispo deve ajudá-las a cumprir, no seio da Igreja particular, o seu dever de testemunhar a realidade do amor de Deus pelo seu povo. Como pastores do rebanho de Jesus Cristo, deveis insistir sobre um discernimento atento acerca da oportunidade dos candidatos à vida religiosa e ajudar os Superiores a oferecer uma sólida formação espiritual e intelectual, tanto antes como depois da profissão.

5. No cumprimento dos vossos numerosos deveres, vós e os vossos sacerdotes deveis estar sempre atentos às necessidades humanas e espirituais do vosso povo. Nunca se devem dedicar tempo e recursos para as estruturas diocesanas ou paroquiais ou para projectos de desenvolvimento, em desvantagem das pessoas; além disso, tais estruturas ou projectos jamais podem obstaculizar o contacto pessoal com aqueles para cujo serviço fomos chamados por Deus. A equidade e a transparência devem ser as características indispensáveis que distinguem todas as questões financeiras, enquanto é necessário realizar todos os esforços possíveis para assegurar que os subsídios sejam realmente utilizados para as finalidades destinadas. A missão pastoral da Igreja e o dever dos seus ministros, "não de ser servidos, mas de servir" (cf. Mt Mt 20,28), hão-de constituir sempre a vossa principal preocupação.

Além disso, os conceitos de serviço e de solidariedade podem fazer muito para favorecer uma maior cooperação ecuménica e inter-religiosa. Uma iniciativa específica que poderia ajudar a fomentar o progresso neste âmbito é a instituição de uma agência para coordenar os vários programas que visam prestar assistência e ajuda humanitária nas diversas regiões do país. Sem dúvida, esta coordenação serviria para aumentar a eficácia de tais programas e poderia revelar-se mesmo útil para entreitar contactos para a concessão de autorizações governamentais, necessárias para visitar algumas regiões. A Conferência dos Bispos católicos do Sudão poderia apoiar e promover activamente esta agência de coordenação. Segundo o modelo do acordo já existente no Sul do Sudão com alguns membros da Comunhão Anglicana, a agência permaneceria aberta aos representantes das outras denominações cristãs e das demais religiões, inclusivamente do islão, favorecendo deste modo um clima de confiança recíproca através da cooperação comum nos âmbitos da assistência educativa e humanitária.

6. Prezados Irmãos Bispos, as palavras que hoje vos dirijo desejam oferecer-vos o meu encorajamento no Senhor. Estou consciente dos vossos afãs quotidianos e da enorme dor e sofrimento de que o vosso povo ainda hoje continua a padecer: uma vez mais, asseguro-vos, bem como ao vosso povo, as minhas preces e a minha solidariedade. Juntamente com todos vós, imploro ao Deus da paz a fim de que permita que o processo de diálogo e de negociação em acto nestes dias obtenha bom êxito, de maneira que a verdade, a justiça e a reconciliação possam voltar a reinar no Sudão. Confio-vos, assim como as vossas dioceses, à solicitude amorosa de Maria, Rainha dos Apóstolos, e à intercessão celestial de Santa Josefina Bakhita e de São Daniel Comboni. Neste tempo de Advento, enquanto nos preparamos para celebrar a Natividade do nosso Salvador, possais vós, os sacerdotes, os religiosos e os fiéis leigos das vossas Igrejas particulares, ser renovados na esperança que brota da "boa notícia de uma grande alegria", proclamada em Belém!

Concedo-vos a todos, do íntimo do coração, a minha Bênção apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS FRANCESES DA PROVÍNCIA ECLESIÁSTICA


DE MARSELHA POR OCASIÃO DA VISITA


"AD LIMINA APOSTOLORUM"


18 de Dezembro de 2003




Senhor Cardeal
Estimados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio

1. Neste tempo de Advento, durante o qual a Igreja aguarda com esperança a vinda do Salvador, sinto-me feliz em vos receber, Bispos e Administrador Diocesano, que viestes da província eclesiástica de Marselha, assim como o Arcebispo de Mónaco, e saúdo-vos cordialmente. Como o Apóstolo Paulo, viestes "ver Pedro" (Ga 1,18), para confirmar os vínculos de comunhão que vos unem a ele e para lhe apresentar a vida das vossas Dioceses, evangelizadas pela fé e pela audácia missionária das testemunhas dos primeiros séculos. Agradeço ao Senhor Cardeal Bernard Panafieu, Arcebispo de Marselha, as suas palavras ao expor as realidades pastorais da vossa província, as suas ricas esperanças e o seu dinamismo pastoral, assim como os vossos interrogativos e preocupações de pastores, exprimiu o vosso desejo comum de enraizar o vosso serviço apostólico num acolhimento cada vez maior da graça de Deus e numa intimidade sempre mais profunda com Cristo, ao serviço do povo de Deus que vos está confiado. Faço votos por que a vossa peregrinação aos túmulos dos Apóstolos e os vossos encontros com os diversos organismos da Cúria vos permitam regressar reconfirmados no desejo de prosseguir com alegria a vossa missão apostólica.

2. No final do Grande Jubileu da Encarnação, convidei toda a Igreja a recomeçar de Cristo, com o impulso do Pentecostes e com um entusiasmo renovado, chamando cada um dos seus membros a caminhar mais resolutamente pelo caminho da santidade, mediante uma vida de oração e uma escuta sempre mais atenta e amorosa da Palavra de Deus. É da renovação da vida espiritual dos pastores, dos fiéis e de todas as comunidades que surgirá um novo impulso pastoral e missionário. Nesta perspectiva e é disto que vos desejo falar hoje as pessoas que estão comprometidas na vida consagrada têm uma tarefa primordial para desempenhar. A vida consagrada sob todas as suas formas, antigas e novas, é um dom de Deus para a Igreja. É preciso pedir incansavelmente ao Senhor que chame homens e mulheres para o seu seguimento numa vida de total doação. Os vossos relatórios quinquenais manifestam uma dedicação generosa das vossas Igrejas diocesanas em relação à vida consagrada, e disto me alegro. No dinamismo do acontecimento de graça que foi o Sínodo sobre a vida consagrada e a sua missão na Igreja e no mundo, e baseando-me na Exortação apostólica Vita consecrata que recolheu os seus frutos, desejo repetir com vigor e convicção a necessidade da vida consagrada para a Igreja e para o mundo. De facto, uma diocese que ficasse sem comunidades de vida consagrada, "para além de perder tantos dons espirituais, lugares privilegiados da busca de Deus, actividades apostólicas e metodologias pastorais específicas, arriscar-se-ia a ficar enormemente enfraquecida naquele espírito missionário que é próprio da maioria dos Institutos" (Vita consecrata VC 48). Encarrego-vos desde já a transmitir a todos os Institutos e a todas as Congregações a profunda estima e as saudações afectuosas do Sucessor de Pedro, garantindo-lhes a minha oração e convidando-os a não desesperar do Senhor, que nunca abandona o seu povo.

3. Os relatórios quinquenais das diferentes dioceses da França realçam a crise que a vida consagrada atravessa no vosso país, marcado, de maneira mais evidente nas congregações apostólicas, pela diminuição progressiva e constante do número dos membros dos diversos Institutos presentes no território e pela escassa afluência ao noviciado. Esta crise tem uma influência também na fisionomia de um grande número de comunidades cujos membros envelhecem, com consequências inevitáveis sobre a vida dos Institutos, sobre o seu testemunho, sobre o seu governo e até sobre as opções relacionadas com as suas missões e com o destino dos seus recursos. Certos Institutos são até obrigados a reunirem-se em federações a fim de poder continuar a existir, o que nem sempre é fácil de realizar, considerando as histórias diferentes das comunidades. Para que estas realizações de unificação possam ter verdadeiramente bom êxito, convém centrar-se sobre os carismas fundadores e recordar-se de que a vida religiosa é para a missão da Igreja e que ela se funda em Cristo, o qual chama a doar-se totalmente a ele, na perspectiva recordada por São Paulo é Deus que dá o crescimento (cf. 1Co 3,6). Mais do que nunca, para responder a qualquer tipo de mudança, os responsáveis dos Institutos de vida consagrada devem estar atentos à formação permanente dos seus membros, em particular a nível teológico e espiritual.

Grande número de Congregações antigas desejaram realizar corajosamente uma obra em vista de aprofundar o seu carisma, assim como renovar as suas obras, dedicando-se de maneira muito particular à escuta, com grande disponibilidade, das novas chamadas do Espírito e a procurar, em relação com as dioceses, as urgências espirituais e missionárias do momento. É agradável verificar que os carismas dos Institutos, cujos membros estão a envelhecer na Europa, continuam a responder às profundas expectativas de numerosos jovens vindos da África, da Ásia ou da América Latina, que desejam consagrar-se com generosidade ao Senhor. Alegro-me também por ver que as Congregações se preocupam em propor o seu carisma aos leigos de todas as idades e condições, e de os associar à sua missão, dando-lhes assim a possibilidade de edificar a sua vida cristã numa espiritualidade específica e garantida, e de se comprometerem antes de tudo no serviço aos seus irmãos. Um tal caminho não deixa de incidir positivamente também na própria vida dos Institutos.

4. Por conseguinte, encorajo-vos a não poupar os vossos esforços para "promover a vocação e missão específica da vida consagrada, que pertence estável e firmemente à vida e à santidade da Igreja" (Pastores gregis ). Através do seu eloquente testemunho de consagração no seguimento de Cristo casto, pobre e servo, no centro das realidades humanas nas quais se encontram inseridos, os membros dos Institutos de vida consagrada são para o mundo e para a Igreja sinais proféticos; eles manifestam, mediante a sua vida, o amor de Deus por todos os homens, mantendo viva na Igreja a exigência de reconhecer o rosto de Cristo no rosto dos pobres. Eles convidam também as Comunidades diocesanas a tomar cada vez mais consciência do carácter universal da missão da Igreja, e recordam-lhe a urgência de procurar antes de mais o Reino de Deus e a sua justiça, bem como a fraternidade sempre maior entre os homens.

Permiti que me congratule pelo trabalho incomparável que realizam as pessoas consagradas, na França e nos países mais pobres do planeta sobretudo na África, continente em que a vossa região está naturalmente empenhada como acabais de recordar no campo da solidariedade, com os excluídos, com as crianças analfabetas, com os meninos de rua, com as pessoas que conhecem a experiência dramática da precariedade ou da pobreza, com os doentes de sida ou afectados por outras epidemias, e ainda com os imigrados e com os refugiados. Desejo recordar também todas as pessoas consagradas que trabalham no âmbito de um serviço social, no campo da saúde e da educação, no território nacional e noutras partes do mundo. Nunca me cansarei de encorajar os responsáveis das Congregações a não descuidar nem abandonar demasiado rapidamente estes lugares essenciais onde se transmitem os valores humanos e o Evangelho, e onde também se pode fazer ouvir a chamada a seguir Cristo e a participar na vida eclesial. Apesar de hoje ser menos evidente a sua visibilidade, todavia as comunidades continuam com coragem a sua missão, mediante a sua inserção no tecido da sociedade, participando em organismos de solidariedade e fazendo-se promotoras activas do diálogo inter-religioso, ao qual vós dedicais uma particular atenção. Estou ao corrente da paciência com que as pessoas consagradas se doam, em nome da sua consagração ao Senhor, dedicando grande atenção aos mais pobres e aos excluídos, numa sociedade que, com muita frequência, os ignora. Com uma solidariedade quotidiana com os feridos pela vida, elas são as protagonistas indispensáveis da fantasia da caridade à qual chamei todas as comunidades cristãs no fim do Grande Jubileu. Esta dimensão da caridade para com os pobres e os mais pequeninos é penhor da credibilidade de toda a Igreja credibilidade da sua mensagem, mas também credibilidade das pessoas que, tendo sido arrebatadas por Cristo e tendo-o contemplado, são capazes de o reconhecer no rosto de todos aqueles com os quais Ele se quis identificar e manifestar a compaixão de Cristo por todo o ser humano (cf. Novo millennio ineunte NM 49-50). As jovens gerações, que têm sede do absoluto, precisam de testemunhas audaciosas que as chamem a viver o Evangelho e a pôr-se com generosidade ao serviço dos seus irmãos. Convido-vos a jamais descuidar a experiência e o carisma profético das pessoas consagradas, sentinelas da esperança, testemunhas do absoluto e da alegria da doação total de si. O Espírito estimula-as a colocar-se ao lado dos marginalizados das nossas sociedades e a comprometer-se para restabelecer o homem desanimado, contribuindo desta forma para a edificação da caridade em todas as Igrejas particulares.

5. Para uma melhor harmonia da pastoral, é importante também que o diálogo institucional com os Institutos de Vida consagrada, a nível quer nacional, entre a Conferência dos Bispos da França e as duas Conferências de Superiores maiores, quer diocesano, entre o Bispo ou o seu delegado e os responsáveis locais das Congregações, permita uma autêntica harmonização e intercâmbios fecundos; desta forma, cada Instituto de vida consagrada, conservando o carácter específico do seu carisma, do seu modo de viver, das prioridades próprias, estará sempre mais inserido de maneira orgânica na Igreja diocesana. Isto é fundamental no momento em que as vossas Igrejas diocesanas vivem evoluções a nível pastoral com um certo número de reorganizações relacionadas com as novas realidades da missão, assim como com as mudanças culturais.

Através das actividades que os Institutos de Vida consagrada promovem no seio da sociedade, desejo realçar o papel fundamental que eles desempenham na investigação intelectual no vosso País. Os religiosos na França foram com muita frequência faróis neste âmbito, sobretudo na primeira metade do século XX, no campo filosófico e teológico, preocupando-se por realçar as razões que devem orientar o comportamento e os compromissos dos nossos contemporâneos, e fazendo emergir o sentido da existência. Contribuindo com pertinência para a busca da verdade, eles podem favorecer uma renovação da vida intelectual e estabelecer relações fecundas com os pensadores actuais, que enfrentam as questões fundamentais do nosso tempo ou que trabalham na pesquisa. Além disso, desejo mencionar os Institutos ou as Congregações que trabalham no âmbito da informação, da rádio ou da televisão. Eles participam no debate público, dando, num confronto sadio e necessário, um contributo especificamente cristão às grandes decisões que modelam o futuro da sociedade, e partilhando também as suas convicções de fé.

6. Nas vossas Dioceses, a vida consagrada tem multíplices rostos, fazendo coexistir comunidades antigas e novas. Por seu lado, as Comunidades novas, graças às energias do começo, dão indubitavelmente um novo impulso à vida consagrada assim como à missão pastoral nas Dioceses. Possuem uma audácia que por vezes falta aos Institutos que existem desde há muito tempo. Contribuem para renovar a vida comunitária, a vida litúrgica e o compromisso na evangelização em numerosos âmbitos. Uma tal situação é, sem dúvida, comparável com a que devem ter vivido São Domingos ou São Francisco. As novas Comunidades religiosas representam uma oportunidade para a Igreja. Ajudadas pelos Bispos, aos quais compete ser vigilantes, elas ainda têm necessidade de amadurecer, de se enraizarem e por vezes de se organizarem, segundo as regras canónicas vigentes e preocupando-se com a prudência. Todos se recordem de que o espírito de diálogo, de colaboração fraterna ao serviço de Cristo e da missão deve prevalecer sempre! Sem espírito de competição nem antagonismo, as Comunidades religiosas de tradição mais antiga sejam estimuladas pelo carisma que lhes é próprio, e as Comunidades novas recordem que "não são uma alternativa às anteriores instituições, que continuam a ocupar o lugar insigne que a tradição lhes conferiu... Os antigos Institutos, muitos deles acrisolados por provas duríssimas suportadas com fortaleza ao longo dos séculos, podem enriquecer-se entrando em diálogo e troca de dons com as fundações que surgem no nosso tempo" (Vita consecrata VC 62). Convido todos a dar provas de caridade fraterna e a mover os passos necessários, para que todas as forças concorram, juntas, para a unidade do Corpo de Cristo e para a partilha da missão. Por seu lado, os responsáveis das novas Comunidades continuarão a ser vigilantes no discernimento das vocações, a níveis humano e espiritual. Para esta finalidade, será seu interesse apoiar-se em pessoas que tenham uma prática certa no discernimento, quer nos Institutos quer nas Igrejas locais, preocupando-se por separar o que emerge dos foros externo e interno, de acordo com a longa prática prudencial da Igreja. No respeito da autonomia própria de cada comunidade religiosa, compete, contudo, aos Bispos acolher, na medida do possível, assistir e apoiar o conjunto dos Institutos religiosos presentes na Diocese, e aos mesmos Institutos compete colaborar com confiança, cada um segundo o seu carisma, na missão da Igreja diocesana. Em todos os tempos, mas ainda mais nos períodos difíceis, é oportuno que todos os féis se unam para edificar a Igreja e para ser, no mundo, os sinais visíveis da unidade do povo de Deus em volta dos Pastores. Disto a missão da Igreja diocesana beneficiará em unidade e impulso apostólico.

7. Realçais em grande número o papel importante que as Comunidades de vida contemplativa desempenham nas vossas Dioceses, a título de testemunho e de oração, elevando o mundo para Deus e participando no mistério de Cristo e da Igreja na missão, segundo o exemplo de Santa Teresa de Lisieux. Estes lugares privilegiados de irradiação e de acolhimento contribuem para a fecundidade apostólica das paróquias, dos movimentos e dos serviços, e são para muitos jovens e adultos pontos de referência e espaços nos quais podem encontrar orientações sólidas para construir e fortalecer a sua vida humana e espiritual, e para fazer uma experiência forte do Absoluto de Deus, assim como portos de paz e de silêncio numa sociedade trepidante. Muitos jovens encontraram nos mosteiros o tempo para se porem à escuta das chamadas de Deus e para se prepararem para lhe responder. Os mosteiros desempenham um papel precioso também para os Bispos e para os sacerdotes, que neles podem recuperar as forças espirituais e encontrar os vínculos fraternos. Sei que estas comunidades estão bem inseridas nas Dioceses, acolhendo cada vez mais pessoas que fazem os retiros, numerosos grupos de crianças e de jovens para reflectir sobre a sua fé, para aprender a rezar ou para se prepararem a fim de receber um Sacramento da Igreja. Nesta perspectiva, exorto as comunidades monásticas a dedicarem uma especial atenção ao pedido de formação espiritual dos homens e das mulheres do nosso tempo, sobretudo dos jovens. Sinto-me feliz por tomar conhecimento de que, em numerosos mosteiros, mesmo conservando a clausura, monges e monjas se preocupam por ser guias espirituais para as pessoas que batem à porta das suas casas. Faço votos por que as Comunidades orantes e contemplativas prossigam o seu testemunho no seio das Dioceses, convidando os fiéis a radicar a sua vida e a sua acção na oração, fonte de todo o impulso missionário.

8. Conheço a generosidade de muitos jovens nas vossas Dioceses, certo de que o Senhor continua a agir no seu coração para que possam responder com generosidade às suas específicas chamadas. Desejo, hoje, encorajá-los a não ter receio de se doarem a Cristo pobre, casto e obediente, na vida consagrada, caminho de alegria e de liberdade autêntica, e repetir-lhes com vigor e convicção "Se sentirdes o chamamento do Senhor, não o recuseis! Entrai, antes corajosamente nas grandes correntes de santidade, que foram iniciadas por santas e santos insignes no seguimento de Cristo. Cultivai os anseios típicos da vossa idade, mas aderi prontamente ao projecto de Deus sobre vós, se Ele vos convida a procurar a santidade na vida consagrada" (Vita consecrata VC 106). Possam as Dioceses, por seu lado, chamar sempre à vida consagrada!

Convido-vos a ter sempre um olhar vigilante e uma atenção renovada pelos jovens que desejam comprometer-se na vida religiosa. A sua experiência eclesial é com frequência recente. Por conseguinte, é fundamental oferecer-lhes uma sólida formação humana, intelectual, moral, espiritual, comunitária e pastoral, que os prepare para se consagrarem totalmente a Deus na sequela Christi. Neste espírito, os inter-noviciados instituídos permitem formar juntos um maior número de jovens, dando um dinamismo evidente ao seu caminho e permitindo-lhes conhecer-se e confortar-se na sua opção de vida. Muitas Congregações acolheram também jovens estrangeiros, provenientes da África, da Ásia ou da América Latina. Isto constitui um sinal evidente do carácter universal da Igreja. Contudo, tendes uma profunda consciência das dificuldades que isto pode acarretar, sobretudo a possível atracção pela vida ocidental em desvantagem da missão na sua Igreja local. Jamais convidaria o suficiente as Congregações a instituir casas de formação nos Países em que as vocações são mais numerosas, de maneira a não isolar totalmente os jovens do seu ambiente cultural, na perspectiva de os preparar para a sua missão específica no seu País, onde as necessidades são numerosas.

9. No final do nosso encontro, queridos Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, desejo encorajar-vos a prosseguir com fervor e zelo a apaixonante missão de guiar o povo que o Senhor vos confiou. A Igreja tem necessidade como nunca de testemunhas autênticas que manifestem que a radicalidade evangélica é fonte de alegria e de liberdade. Levai aos sacerdotes, aos diáconos e a todos os leigos das vossas Dioceses o meu pensamento afectuoso e a minha fervorosa oração, recordando-lhes a minha confiança e o meu encorajamento pelo trabalho que desempenham ao serviço da Igreja. Renovo a minha cordial saudação a todas as pessoas consagradas aos contemplativos, aos membros das Congregações e dos Institutos de vida religiosa apostólica, dos Institutos seculares, das Sociedades de vida apostólica e das novas Comunidades, recordando-lhes a minha estima pelo testemunho insubstituível de gratuidade, de fraternidade e de esperança que oferecem não só à Igreja, mas também a toda a sociedade, permanecendo os sinais proféticos do amor do Senhor que deseja transformar o coração do homem para o conformar cada vez mais com a sua vocação. Garanto a minha proximidade espiritual também aos religiosos e às religiosas idosos ou doentes que, através do seu testemunho de santidade e de oração, assim como mediante a sua experiência e a sua sabedoria, participam amplamente na fecundidade missionária dos seus Institutos e de toda a Igreja. Maria, que acolheu Cristo numa resposta de amor e de doação total à vontade do Pai, vos ampare com a sua solicitude materna! O meu pensamento afectuoso dirige-se também a todas as pessoas que, ao longo das últimas semanas, foram atingidas pelas graves enundações no sul da França. Peço-vos que lhes leveis a certeza da minha oração e da minha proximidade espiritual. A todos vós e a todos os vossos diocesanos, concedo de coração a Bênção apostólica.




DIscursos João Paulo II 2003