AUDIÊNCIAS 2004

PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 12 de maio de 2004

Acção de graças pela libertação da morte



1. Eleva-se a Deus, do coração do orante, uma acção de graças intensa e suave depois de se ter dissolvido nele o pesadelo da morte. Eis o sentimento que sobressai com vigor no Salmo 29, que agora ressoou não só aos nossos ouvidos, mas sem dúvida também nos nossos corações.

Este hino de gratidão possui uma notável dedicadeza literária e fundamenta-se sobre uma série de constrastes que expressam de maneira simbólica a libertação obtida pelo Senhor. Assim, o "descer ao túmulo" opõe-se ao "livrar a alma da mansão dos mortos" (cf. v. 4); a "indignação de um instante" por parte de Deus, substitui-se "à benevolência para toda a vida" (v. 6); o "pranto" nocturno é substituído pela "alegria" da manhã (ibid.); ao "lamento" sucede a "dança", às "vestes" fúnebres de "saco", o "hábito de alegria" (v. 12).

Por conseguinte, tendo passado a noite da morte, desperta o alvorecer do novo dia. A tradição cristã leu, pois, este Salmo como um cântico pascal. Confirma isto a citação de abertura que a edição do texto litúrgico das Vésperas deduz de um grande escritor monástico do século IV, João Cassiano: "Cristo dá graças ao Pai pela sua ressurreição gloriosa".

2. O orante dirige-se com insistência ao "Senhor" não menos de 8 vezes tanto para anunciar que O louvará (cf. vv. 2 e 13), como para recordar o brado que a Ele foi elevado no tempo da prova (cf. vv. 3 e 9) e a sua intervenção libertadora (cf. vv. 2-4.8.12), como para invocar novamente a sua misericórdia (cf. v. 11). Noutro trecho, ele convida os fiéis a cantar hinos ao Senhor para lhe dar graças (cf. v. 5).

As sensações oscilam constantemente entre a recordação terrível do pesadelo vivido e a alegria da libertação. Sem dúvida, o perigo superado é grave e ainda consegue fazer arrepiar; a memória do sofrimento passado é ainda nítida e viva; há pouco que as lágrimas dos olhos se enxugaram. Mas já surgiu a aurora de um novo dia; a morte foi substituída pela perspectiva da vida que continua.

3. O Salmo demonstra assim que nunca nos devemos deixar seduzir pelo enredo obscuro do desespero, quando parece que tudo já se perdeu. Sem dúvida, é preciso evitar cair na ilusão de salvar-se sozinho, com os próprios recursos. De facto, o Salmista é tentado pela soberba e pela auto-suficiência: "Eu dizia na minha felicidade: "Jamais serei abalado"!" (v. 7).

Também os Padres da Igreja reflectiram sobre esta tentação que se insinua no tempo da prosperidade, e viram na prova uma chamada divina à humildade. Assim faz, por exemplo, São Fulgêncio, Bispo de Ruspe (467-532), na sua Epístola 3, dirigida à religiosa Proba, na qual comenta o trecho do Salmo com estas palavras: "O Salmista confessava que por vezes se tinha envaidecido de ser sadio, como se fosse uma sua virtude, e que nisto tinha visto o perigo de uma gravíssima enfermidade. De facto, diz: ..."Eu dizia na minha felicidade: jamais serei abalado!". E visto que, dizendo isto, tinha sido abandonado do apoio da graça divina e, perturbado, precipitou na sua enfermidade, continua dizendo: "Senhor, foste bom para mim e deste-me segurança; mas, se escondes a tua face, logo fico perturbado". Além disso, para mostrar que a ajuda da graça divina, mesmo quando já a possuímos, deve ser contudo invocada humildemente sem ininterrupção, ele acrescenta ainda: "A ti brado, Senhor, peço a ajuda ao meu Deus". Aliás, ninguém eleva a oração nem faz pedidos sem reconhecer as suas faltas, nem considera poder conservar aquilo que possui confiando unicamente na própria virtude" (Fulgêncio de Ruspe, As Cartas, Roma 1999, pág. 113).

4. Depois de ter confessado a tentação de soberba que teve no tempo da prosperidade, o salmista recorda a prova que a ela se seguiu, dizendo ao Senhor: "Se escondes a tua face, logo fico perturbado" (v. 8).

Então, o orante recorda de que maneira implorou o Senhor (cf. vv. 9-11): gritou, pediu ajuda, suplicando que fosse salvaguardado da morte, apresentando como razão o facto de que a morte não traz vantagem alguma para Deus, dado que os mortos já não estão em condições de louvar a Deus, nem têm motivos para proclamar a fidelidade de Deus, tendo sido abandonados por Ele.

Encontramos os mesmos argumentos no Salmo 87, no qual o orante, próximo da morte, pede a Deus: "Poderá a tua bondade ser exaltada no sepulcro ou a tua fidelidade, na mansão dos mortos?" (Ps 87,12). De modo semelhante, o rei Ezequias, que estava gravemente doente mas que depois se curou, dizia a Deus: "O abismo dos mortos não te louvará, nem a morte te celebrará... apenas os vivos te podem louvar" (Is 38,18-19).

O Antigo Testamento exprimia assim o intenso desejo humano de uma vitória de Deus sobre a morte e referia diversos casos em que esta vitória tinha sido obtida: pessoas ameaçadas de morrer de fome no deserto, presos que se livraram da pena de morte, doentes que se curaram, marinheiros salvos do naufrágio (cf. Sl Ps 106,4-32). Tratava-se contudo de vitórias não definitivas. Cedo ou tarde, a morte conseguia prevalecer sempre.

Contudo, a aspiração pela vitória manteve-se sempre e tornou-se, no final, uma esperança de ressurreição. A satisfação desta poderosa aspiração foi plenamente garantida com a ressurreição de Cristo, pela qual o nosso agradecimento nunca será demasiado.

Saudações

Queridos peregrinos de língua portuguesa, de coração saúdo a todos, com destaque para o grupo de idosos assistidos pela "Fundação Cardeal Cerejeira", confiando-vos à Virgem Mãe e pedindo-lhe que conserve na fé e na unidade as famílias e comunidades aqui representadas de Arrifana e Romariz, de Curitiba e Florianópolis: ponde a vossa mão na mão de Maria e deixai-vos conduzir por Ela!

Dou as boas-vindas ao Colégio de Defesa da OTAN, enquanto formulo os meus bons votos sinceros pelos seus esforços em ordem a promover a paz e a segurança internacional. Sobre todos os peregrinos e visitantes de expressão inglesa, presentes na Audiência hodierna, de modo especial os que vieram da Inglaterra, da Finlândia e dos Estados Unidos, invoco a abundância da alegria e da paz no Senhor ressuscitado!

Saúdo cordialmente os visitantes oriundos da Espanha e da América Latina, em especial os pequenos grupos familiares espanhóis, os peregrinos mexicanos de Saltillo, assim como os fiéis de outros países latino-americanos. Convido-vos todos a seguir Cristo fielmente, como testemunhas da vida nova que Ele nos deu através da sua Ressurreição.

Acolho com alegria os peregrinos de língua francesa, em particular os jovens, nomeadamente os alunos de Baiona, bem como os fiéis da Ilha da Reunião. A vossa permanência em Roma vos leve a confirmar a vossa fé no mistério pascal! Com a minha Bênção Apostólica!

Agora saúdo todos os peregrinos neerlandeses e belgas. Este mês de Maio, dedicado a Maria Santíssima, vos ajude a aprofundar a fé em Jesus Cristo, o Salvador. Concedo-vos de coração a Bênção Apostólica.

É com afecto que saúdo os peregrinos provenientes de Moravské Lieskové.

Irmãos e Irmãs, neste mês mariano convido-vos a pordes-vos na escola da Virgem de Nazaré para aprender a amar Deus e o próximo e a estar sempre disponíveis para realizar a sua vontade. É de bom grado que vos abençoo, bem como os vossos entes queridos.

Saúdo e abençoo os fiéis da Paróquia de São Pacífico em Sestine e o Coro feminino "Vila", de Duga Resa, na Croácia. Caríssimos, a Liturgia das Horas é a oração constante de quantos desejam louvar sempre o Senhor; é o louvor daqueles que experimentam a força inesgotável do amor de Deus, que liberta e salva o homem.

Saúdo cordialmente os meus compatriotas aqui presentes, peregrinos junto dos Túmulos dos Apóstolos. Alegro-me hoje de modo especial pela presença de um grupo tão numeroso de crianças da primeira Comunhão, da igreja de Santo Estanislau, em Roma. Confio a Deus todas as crianças que, neste momento, recebem pela primeira vez Cristo nos seus corações. Desejo-lhes que cultivem o espírito de fé dos seus pais e entes queridos. E aprendam a amar Jesus com toda a sua vida e, com a ajuda de Nossa Senhora, perseverem sempre na fé.

Enfim, dirijo-me a vós, jovens, a vós doentes, e a vós, novos casais. Amanhã será a memória litúrgica da Bem-Aventurada Virgem Maria de Fátima. Caríssimos, exorto-vos a dirigir-vos incessantemente e com confiança a Nossa Senhora, confiando-lhe todas as vossas necessidades!

Prece pela paz no Iraque e no Médio Oriente

"Renovo o convite a rezar pela paz no mundo, especialmente no Iraque e no Médio Oriente. Com o apoio da Comunidade internacional, possam essas queridas populações encaminhar-se decididamente pelas veredas da reconciliação, do diálogo e da cooperação" .
(João Paulo II )


PAPA JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-Feira 19 de maio de 2004

Acção de graças pelo perdão dos pecados




Queridos Irmãos e Irmãs:

1. "Feliz aquele a quem é perdoada a culpa e absolvido o pecado!". Esta bem-aventurança, que abre o Salmo 31 há pouco proclamado, faz-nos compreender imediatamente o motivo pelo qual ele foi acolhido pela tradição cristã na série dos sete Salmos penitenciais. Depois da dupla bem-aventurança inicial (cf. vv. 1-2), encontramos não uma reflexão genérica sobre o pecado e o perdão, mas o testemunho pessoal de um convertido.

A composição do Salmo é bastante complexa: depois do testemunho (cf. vv. 3-5) vêm dois versículos que falam de perigo, de oração e de salvação (cf. vv. 6-7), depois uma promessa divina de conselho (cf. v. 8) e uma admoestação (cf. v. 9), por fim, um ditado sapiencial antitético (cf. v. 10) e um convite a rejubilar no Senhor (cf. v. 11).

2. Retomamos agora apenas alguns elementos desta composição. Antes de mais o orante descreve a sua penosíssima situação de consciência quando "se calava" (cf. v. 3): tendo cometido graves culpas, ele não tinha a coragem de confessar a Deus os seus pecados. Era um tormento interior terrível, descrito com imagens impressionantes. Os seus ossos quase definhavam sob uma febre abaladora, o calor consumia o seu vigor dissolvendo-o, o seu gemido era contínuo. O pecador sentia pesar sobre si a mão de Deus, consciente de que Deus não é indiferente ao mal perpetrado pela sua criatura, porque Ele é o guardião da justiça e da verdade.

3. Não podendo resistir mais, o pecador decidiu confessar a sua culpa com uma declaração corajosa, que parece antecipar a do filho pródigo da parábola de Jesus (cf. Lc Lc 15,18). De facto, disse com sinceridade de coração: "Confessarei ao Senhor as minhas culpas". São poucas palavras, mas surgem da consciência; Deus responde-lhe imediatamente com um generoso perdão (cf. Sl Ps 31,5).

O profeta Jeremias referia este apelo de Deus: "Volta, rebelde Israel, não mais te mostrarei um semblante enfurecido oráculo do Senhor; porque sou misericordioso. A minha ira não é eterna oráculo do Senhor. Reconhece somente a tua falta, pois foste infiel ao Senhor, teu Deus" (3, 12-13).

Abre-se assim diante de "cada fiel" arrependido e perdoado um horizonte de segurança, de confiança, de paz, apesar das provas da vida (cf. Sl Ps 31,6-7). Ainda pode vir o tempo da angústia mas a maré progressiva do receio não prevalecerá, porque o Senhor guiará o seu fiel para um lugar seguro: "Tu és o meu refúgio, livras-me da angústia e me envolves em cânticos de libertação" (v. 7).

4. A este ponto, o Senhor toma a palavra, e promete guiar o pecador já convertido. Com efeito, não é suficiente ter sido purificados; é necessário depois caminhar pela recta via. Por isso no Livro de Isaías (cf. 30, 21), o Senhor promete: "Indicar-te-ei o caminho que deves seguir" (Ps 31,8) e convida à docilidade. O apelo faz-se solícito, eivado de um pouco de ironia com a vivaz comparação do jumento e do cavalo, símbolos de obstinação (cf. v. 9). Com efeito, a verdadeira sabedoria induz à conversão, deixando para trás o vício e o seu obscuro poder de atracção.

Mas sobretudo conduz ao gozo daquela paz que brota do facto de sermos libertados e perdoados.
São Paulo na Carta aos Romanos refere-se explicitamente ao início do nosso Salmo para celebrar a graça libertadora de Cristo (cf. Rm Rm 4,6-8). Nós poderíamos aplicá-lo ao sacramento da Reconciliação. Nele, à luz do Salmo, experimenta-se a consciência do pecado, com frequência obscurecida nos nossos dias, e ao mesmo tempo a alegria do perdão. O binómio "delito-castigo" é substituído pelo binómio "delito-perdão", porque o Senhor é um Deus "que perdoa as culpas, as transgressões e os pecados" (Ex 34,7).

5. São Cirilo de Jerusalém (IV séc.) usa o Salmo 31 para ensinar aos catecúmenos a renovação profunda do Baptismo, radical purificação de qualquer pecado (Pro-Catequese n. 15). Também ele exaltará, através das palavras do Salmista, a misericórdia divina. Concluímos com as suas palavras a nossa catequese: "Deus é misericordioso e não poupa o seu perdão... Não superará a grandeza da misericórdia de Deus o acúmulo dos teus pecados: não superará a maestria do sumo Médico a gravidade das tuas feridas: se a ele te abandonares com confiança. Manifesta ao Médico o teu mal, e ao expô-lo com as palavras que David disse: "Eis que confessarei sempre ao Senhor a minha iniquidade". Assim obterás que se realizem as outras: "Tu perdoaste as infidelidades do meu coração"" (As catequeses, Roma 1993, pág 52-53).

Saudações

Queridos Irmãos e Irmãs

Saúdo todos os peregrinos, em particular os portugueses da Paróquia de Nossa Senhora da Boavista, do Porto, e os brasileiros da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, de Bauru; a estes, e aos grupos de visitantes aqui presentes, concedo de bom grado, como penhor de abundantes dons divinos, a minha Bênção Apostólica.

Dou calorosas boas-vindas a todos os peregrinos e visitantes de língua inglesa, presentes nesta Audiência. Saúdo de modo particular os grupos da Inglaterra, Suécia, Nova Zelândia, Japão, China, Canadá e Estados Unidos da América. Agradeço aos coros os seus cânticos de louvor a Deus. Sobre todos vós, invoco a alegria e a paz em Cristo ressuscitado, que nos convida a participar na sua vitória sobre o mal.

Saúdo todos os meus compatriotas. Hoje, desejo dirigir-me de modo especial aos ex-combatentes, participantes na Batalha de Monte Cassino.

A vossa presença aqui está ligada ao 60º aniversário desta vitória que graças à atitude heróica do exército chefiado pelo General Anders abriu aos aliados o caminho para Roma. Foi um acontecimento a que se referem com orgulho as várias gerações de polacos. Ele tornou-se um símbolo dos valores mais nobres do espírito polaco, e sobretudo da coragem e da prontidão a dar a vida "pela nossa e vossa liberdade".

Como o amor pela Pátria devia ser grande nos jovens corações, para chegarem a derramar em terra estrangeira o sangue na esperança da sua libertação!

Depois do final da guerra, foi necessário esperar muito tempo, a fim de que esta esperança se tornasse uma realidade. Porém, hoje podemos agradecer a Deus a grande graça que é a liberdade do povo polaco.

Trata-se de um dom e de uma tarefa para a geração dos dias de hoje. Peço a Deus que os governantes e todos os polacos ainda saibam voltar com a memória ao Monte Cassino para aprender este amor pela Pátria, que infunde coragem e força para uma generosa promoção do espaço da liberdade.

Deus abençoe todos vós aqui presentes e toda a nossa Pátria. Louvado seja Jesus Cristo!

Enfim, desejo saudar os jovens, os doentes e os novos esposos. Na véspera da festa da Ascensão do Senhor convido-vos, caros jovens aqui presentes, especialmente o grande grupo proveniente da Arquidiocese de Brindes-Ostuni e os numerosos estudantes da Província de Tarento, a viver sempre orientados para o Céu, reservando o primeiro lugar às "coisas do alto". Exorto-vos, dilectos doentes, a confiar em Jesus crucificado, persuadidos de que, se O seguirmos fielmente sobre a terra, participaremos na sua glória no Paraíso. E desejo-vos, queridos novos casais, que cresçais cada vez mais no conhecimento de Cristo e na escuta da sua palavra, para que o seu Espírito renove constantemente o vosso amor.

Saudação aos participantes na "Peregrinação dos Povos"

Saúdo de todo o coração os numerosos peregrinos que se reúnem para a grande "Peregrinação dos Povos" em Mariazell, na Áustria, para rezar pela Europa: fiéis oriundos da Bósnia e Herzegovina, Croácia, Áustria, Polónia, República Eslovaca, República Checa, Hungria e de outros países. Estou espiritualmente próximo de todos vós. Dirijo uma saudação especial aos Chefes de Estado, Cardeais, Bispos e Sacerdotes que participam na alegre liturgia em Mariazell. Convosco e por vós, rezo para que este seja um período abençoado, em que todos os homens possam conviver em paz e bem-estar. Os valores, que a nossa santa fé cristã nos transmite, constituem a melhor base em vista desta finalidade.

Queridos peregrinos, como Legado pessoal, envio-vos o meu mais estreito colaborador, o Secretário de Estado Cardeal Angelo Sodano. Junto do santuário da Magna Mater Austriae, Magna Domina Hungarorum, Alma Mater Gentium Slavorum, possa ele orientar as vossas orações e os vossos cânticos! Não se trata de uma instância que pode ser descuidada: é o futuro do homem neste continente! Agradeço-vos a todos o vosso compromisso, em particular as vossas orações e sacrifícios. A salvação de Deus seja a vossa recompensa! Que a sua Bênção vos acompanhe!



PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 26 de Maio de 2004

O julgamento de Deus




Amados Irmãos e Irmãs:

1. O cântico, que agora elevamos ao "Senhor Deus Omnipotente" e que é proposto na Liturgia das Vésperas, é fruto da selecção de alguns versículos dos capítulos 11 e 12 do Apocalipse. Já ressoou o toque da última das sete trombetas que se ouve neste livro de luta e de esperança. Eis que os vinte e quatro anciãos da corte celeste, que representam todos os justos da Antiga e da Nova Aliança (cf. Ap Ap 4,4 Ap 11,16), entoam um hino que talvez já fosse usado nas assembleias litúrgicas da Igreja primitiva. Eles adoram Deus soberano do mundo e da história, que já está pronto para instaurar o seu reino de justiça, de amor e de verdade.

Sente-se pulsar, nesta oração, o coração dos justos que aguardam na esperança a vinda do Senhor para tornar mais luminosa a vicissitude da humanidade, com frequência envolvida pelas trevas do pecado, da injustiça, da mentira e da violência.

2. O cântico entoado pelos vinte e quatro anciãos moldura-se sobre dois Salmos: o segundo, que é uma espécie de elegia messiânica (cf. 2, 1-5) e sobre o Salmo 98, que celebra a realeza divina (cf. 98, 1). Desta forma alcança-se a finalidade de exaltar o julgamento justo e resolutivo que o Senhor está para executar sobre toda a história humana.

São dois os aspectos desta intervenção benéfica, como duas são também as características que definem o rosto de Deus. Ele é juiz, mas é também salvador; condena o mal, mas recompensa a fidelidade; é justiça, mas sobretudo amor.

É significativa a identidade dos justos, agora salvos no Reino de Deus. Eles estão distribuídos em três categorias de "servos" do Senhor, isto é, os profetas, os santos, e todos aqueles que temem o seu nome (cf. Ap Ap 11,18). Trata-se de uma espécie de retrato espiritual do povo de Deus, segundo os dons recebidos no baptismo e feitos florescer na vida de fé e de amor. Um perfil que se realiza tanto nos pequenos como nos grandes (cf. 19, 5).

3. O nosso hino, como se disse, é elaborado também com o uso de outros versículos do capítulo 12, que se referem a um cenário grandioso e glorioso do Apocalipse. Nele confrontam-se a mulher que deu à luz o Messias e o dragão da maldade e da violência. Neste duelo entre o bem e o mal, entre a Igreja e Satanás, improvisamente ressoa uma voz celeste que anuncia a derrota do "Acusador" (cf. 12, 10). Este nome é a tradução do nome hebraico Satán, dado a uma personagem que, segundo o Livro de Job, é membro da corte celeste de Deus, onde desempenha a função do Público Ministério (cf. Jb Jb 1,9-11 Jb 2,4-5 Za 3,1).

Ele "acusava os nossos irmãos diante de Deus, dia e noite", isto é, punha em questão a sinceridade da fé dos justos. Agora o dragão satânico é obrigado ao silêncio e na origem da sua derrota encontra-se "o sangue do Cordeiro" (Ap 12,11), a paixão e a morte de Cristo redentor.
Com a sua vitória está associado o testemunho do martírio dos cristãos. Existe uma participação íntima na obra redentora do Cordeiro por parte dos fiéis que não hesitam em "amar mais a morte do que a vida" (ibidem). O pensamento corre para as palavras de Cristo: "Quem se ama a si mesmo, perde-se; quem se despreza a si mesmo, neste mundo, assegura para si a vida eterna" (Jn 12,25).

4. O solista celeste que entoou o cântico, concluiu-o convidando todo o coro angélico a unir-se ao hino de alegria pela salvação obtida (cf. Ap Ap 12,12). Nós associámo-nos àquela voz na nossa acção de graças alegre e cheia de esperança, mesmo se no meio de provas que marcam o nosso caminho rumo à glória.

Fazemo-lo ouvindo as palavras que o mártir São Policarpo dirigia ao "Senhor Deus Omnipotente" quando já estava amarrado e pronto para a fogueira: "Senhor Deus Omnipotente, pai do teu amado e bendito filho Jesus Cristo,... que tu sejas bendito por me teres julgado digno deste dia e, nesta hora, de ocupar um lugar na categoria dos mártires, no cálice do teu Cristo, para a ressurreição para a vida eterna de alma e corpo na incorruptibilidade do Espírito Santo. Que eu seja admitido hoje, entre eles, à tua presença como abundante e agradável sacrifício, assim como tu, o Deus verdadeiro que não conhece a mentira, precedentemente dispuseste, manifestaste e realizaste. Por isso, acima de tudo, eu louvo-te, bendigo-te, e glorifico-te através do teu eterno e celeste Sumo Sacerdote e dilecto filho Jesus Cristo, mediante o qual te seja dada glória a ti com ele e com o Espírito Santo, agora e pelos séculos vindouros. Amém" (Actos e paixões dos mártires, Milão 1987, pág. 23).

Saudações Especiais

Amados Irmãos e Irmãs

Elevemos nossas preces ao Deus Todo-Poderoso e acolhamos suas palavras cheias de verdade: "Tende confiança: Eu venci o mundo". São palavras repletas de esperança, que convido todos a repetir com fé e a transformar as próprias preces num hino de louvor e acção de graças. De coração abençoo os peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente os portugueses de Lisboa e um grupo de visitantes brasileiros, com votos de muita paz e alegria em Cristo nosso Senhor.

Saúdo cordialmente o coro lituano da Universidade de Agricultura, em Caunas. No próximo domingo, celebraremos a solenidade do Pentecostes. O Senhor vos conceda os copiosos dons do Espírito Santo.

Louvado seja Jesus Cristo!

Cordiais boas-vindas aos peregrinos checos da Boémia meridional!
A iminente solenidade do Pentecostes insere-nos no mistério de Deus que, próximo do homem, o ama e lhe oferece a salvação por intermédio do seu Espírito, transmitido a nós através de Cristo ressuscitado. Louvado seja Jesus Cristo!

É de coração que dou as boas-vindas aos fiéis eslovacos oriundos de Neslusa e aos terciários franciscanos de Presov e dos arredores!
Irmãos e Irmãs, no próximo domingo celebraremos a solenidade do Pentecostes. Peçamos a Deus que nos conceda os dons do seu Espírito, para podermos tornar-nos testemunhas corajosas da nossa fé. Abençoo-vos de bom grado, bem como os vossos entes queridos!

Saúdo cordialmente os fiéis croatas da Paróquia de Santa Tércia, de Bjelovar, e os peregrinos da Missão Católica Croata de Friburgo, na Alemanha.

Do mesmo modo, saúdo os representantes da Liga Internacional de Humanistas, cuja sede está em Sarajevo, vindos com o Bispo de Banja Luka, D. Franjo Komarica.
Caríssimos, sobre todos vós e vossas famílias, invoco a bênção de Deus. Louvados sejam Jesus e Maria!

Apresento as minhas cordiais boas-vindas e saudação a todos os meus compatriotas. Saúdo de maneira particular o Arcebispo de Gniezno, que é Sede primacial, juntamente com uma representação da cidade de Inowroclaw: o Presidente da Câmara Municipal, os habitantes e os sacerdotes aqui presentes. Agradeço-vos a recordação, a benevolência e a cidadania honorária que me foi conferida.

Saúdo o Departamento Aduaneiro de Vratislávia e também os peregrinos provenientes da minha Paróquia natal de Vadovice.

Estamos a aproximar-nos da grande solenidade do Pentecostes. Vêm-me à mente as palavras que pronunciei em Varsóvia há vinte e cinco anos, na Praça da Vitória, cujo nome actual é Praça Józef Pilsudski: Desça o teu Espírito! E renove a face da terra. Desta Terra! Pensando na realidade contemporânea, na minha oração diária repito estas palavras, sempre actuais: Desça o teu Espírito! E renove a face da terra. Desta nossa Terra! Deus vos recompense!

Enfim, dirijo-me a vós, caros jovens, queridos doentes e dilectos novos casais. Formulo votos a fim de que cada um de vós imite São Filipe de Néri, cuja memória celebramos no dia de hoje: esforçai-vos, como ele, por servir Deus na alegria e por amar o próximo com simplicidade evangélica.





                                                                              Junho de 2004

PAPA JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-Feira 2 de Junho de 2004

Súplica de um doente

1. Um motivo que nos leva a compreender e amar o Salmo 40 que agora ouvimos, é o facto de o próprio Jesus o ter citado: "Não me refiro a todos vós. Eu bem sei quem escolhi, e há-de cumprir-se a Escritura: Aquele que come do meu pão levantou contra mim o calcanhar" (Jn 13,18).


É a última noite da sua vida terrestre e Jesus, no Cenáculo, está prestes a oferecer o pedaço de pão ensopado a Judas, o traidor. O seu pensamento vai a esta frase do Salmo que, na realidade, é a súplica de um homem enfermo abandonado pelos seus amigos. Naquela antiga oração Cristo encontra sentimentos e palavras para expressar a sua profunda tristeza.

Agora, nós procuraremos seguir e iluminar todo o enredo deste Salmo, que surgiu dos lábios de uma pessoa que sofre, sem dúvida, devido à sua enfermidade, mas sobretudo devido à cruel ironia dos seus "inimigos" (cf. Sl Ps 40,6-9) e até pela traição de um "amigo" (cf. v. 10).

2. O Salmo 40 começa com uma bem-aventurança. Ela tem como destinatário o amigo verdadeiro, aquele que "cuida do pobre": ele será recompensado pelo Senhor no dia do seu sofrimento, quando estiver, por sua vez, "no leito do sofrimento" (cf. vv. 2-4).

Mas o coração da súplica encontra-se na parte seguinte, onde o doente toma a palavra (cf. vv. 5-10). Ele começa o seu discurso pedindo perdão a Deus, segundo a tradicional concepção antico-testamentária que a cada sofrimento fazia corresponder uma culpa: "Senhor, tem compaixão de mim; cura-me, embora tenha pecado contra ti" (v. 5; cf. Sl Ps 37). Para o antigo hebreu a doença era um apelo à consciência para dar início à conversão.

Mesmo se se trata de uma visão superada por Cristo, Revelador definitivo (cf. Jo Jn 9,1-3), o sofrimento em si próprio pode esconder um valor secreto e tornar-se um caminho de purificação, de libertação interior, de enriquecimento da alma. Ela convida a vencer a superficialidade, a vaidade, o egoísmo, o pecado e a confiar-se mais intensamente a Deus e à sua vontade savífica.

3. Mas eis que entram em cena os maldosos, aqueles que vieram visitar o doente não para o confortar, mas para o atacar (cf. vv. 6-9). As suas palavras são ásperas e atingem o coração do orante, que experimenta uma maldade que não conhece piedade. Farão a mesma experiência muitos pobres humilhados, condenados a estar sozinhos e a sentir-se um peso para os seus familiares. E se por vezes lhes são destinadas algumas palavras de conforto, sentem imediatamente o tom falso e hipócrita.

Aliás, como se dizia, o orante experimenta a indiferença e a dureza até por parte dos amigos (cf. v. 10), que se transformam em figuras hostis e odiosas. O Salmista usa com eles a expressão de "levantar o calcanhar", o acto ameaçador de quem está para ofender um vencido ou o impulso do cavaleiro que excita o seu cavalo com o calcanhar para fazer com que vença o adversário.

A amargura é profunda, quando quem nos ofende é o "amigo" no qual se tinha confiança, chamado literalmente em hebraico "o homem da paz". O pensamento dirige-se para os amigos de Job que de companheiros de vida se transformam em presenças indiferentes e hostis (cf. Job Jb 19,1-6). Ressoa no nosso orante a voz de uma multidão de pessoas esquecidas e humilhadas na sua enfermidade e debilidade, também da parte daqueles que deveriam tê-las amparado.

4. Contudo a oração do Salmo 40 não termina com este quadro sombrio. O orante tem a certeza de que Deus se apresentará no seu horizonte, revelando mais uma vez o seu amor (cf. vv. 11-14). Será ele quem oferece o apoio e tomará nos seus braços o doente, o qual voltará "para a presença" do seu Senhor (v. 13), isto é segundo a linguagem bíblica reviverá a experiência da liturgia no templo.

O Salmo, marcado pelo sofrimento, termina contudo num raio de luz e de esperança. Nesta perspectiva consegue-se compreender como Santo Ambrósio, ao comentar a bem-aventurança inicial (cf. v. 2), tenha visto profeticamente nela um convite a meditar sobre a paixão salvífica de Cristo que conduz à resurreição. De facto, o Padre da Igreja sugere que nos introduzamos da seguinte maneira na leitura do Salmo: "Bem-aventurados aqueles que pensam na miséria e na pobreza de Cristo, o qual, sendo rico, se fez pobre por nós. Rico no seu Reino, pobre na carne, porque assumiu sobre si esta carne de pobres... Portanto, não sofreu na sua riqueza, mas na nossa pobreza. Não foi então a plenitude da divindade que sofreu... mas a carne... Procura, pois, penetrar o sentido da pobreza de Cristo, se queres ser rico! Procura penetrar o sentido da sua debilidade, se desejas obter a saúde! Procura penetrar o sentido da sua cruz, se não te queres envergonhar dela; o sentido da sua ferida, se queres curar as tuas; o sentido da sua morte, se desejas alcançar a vida eterna; o sentido da sua sepultura, se desejas encontrar a ressurreição" (Comentário a doze salmos: Saemo, VIII, Milão-Roma 1980, PP 39-41).



Saudações

Aos peregrinos vindos do Brasil e dos restantes países de língua portuguesa, com destaque para o grupo das Filhas de Maria Auxiliadora, dirijo uma afectuosa saudação de boas-vindas, agradecido pela sua presença e comunhão de oração. Sobre todos, derrame o Espírito Santo os seus dons, para que a vida de cada um não pare de florir e frutificar lá onde Deus o colocou. E mesmo quando a vida lhes fizer mal, não deixem de sorrir... ao menos para Deus, que tanto bem lhes quer.


Saúdo cordialmente os peregrinos lituanos.O Senhor ilumine constantemente os vossos corações, para que vós possais ser testemunhas do Evangelho de Cristo.
Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua francesa, aqui presentes na manhã de hoje, em particular os membros do Instituto europeu dos altos estudos internacionais, de Nice; os peregrinos da Diocese de Duala, nos Camarões; e os músicos do Quebeque.
A luz do Espírito Santo vos ilumine e vos fortaleça para serdes testemunhas de Cristo ressuscitado!

Saúdo cordialmente os fiéis húngaros, especialmente os Hússares, com quem recordamos que os Hússares húngaros acompanharam o meu predecessor há 190 anos, no caminho de regresso à Sé petrina.

De coração, concedo-vos a todos a Bênção Apostólica.
Louvado seja Jesus Cristo!

Dirijo as minhas boas-vindas aos peregrinos de língua inglesa, hoje aqui presentes, inclusivamente aos membros do Coro de Jovens da Austrália e aos demais grupos oriundos da Inglaterra, Sri Lanka e Estados Unidos da América. Invoco a graça e a paz de nosso Senhor sobre todos vós, e desejo-vos uma feliz estadia em Roma.

É de coração que saúdo os peregrinos da Espanha e da América Latina. Como expressa o Salmo hoje meditado, recordai-vos sempre da bem-aventurança prometida aos que ajudam os pobres e cuidam dos enfermos, porque o Senhor será a sua recompensa.

Saúdo cordialmente todos os meus compatriotas. De modo particular, quero saudar os peregrinos vindos de Slupsk.Estou grato às autoridades e aos habitantes daquela cidade pela sua benevolência e por terem desejado atribuir-me o título de "cidadão honorário". Retribuo esta sua benevolência com a oração.

Além disso, saúdo ainda o grupo da Associação "Podhale" de Chicago, acompanhado da Directoria, vindos a Roma para celebrar o 75º aniversário de fundação. Agradeço-vos a vosso compromisso em vista de salvaguardar as raízes cristãs da cultura e das tradições polacas no meio dos imigrantes na América.

Celebra-se no dia de hoje o 25º aniversário do dia em que, pela primeira vez como Papa, beijei a terra polaca. Volto sempre com o pensamento àqueles dias e agradeço a Deus o sopro do Espírito Santo, que passou através daquela terra, suscitando uma profunda mudança.
Peço a Deus que abençoe a nossa Pátria e todos os polacos.
Deus vos abençoe!

Agora, saúdo os jovens, os doentes e os novos casais. No início do mês de Junho, dedicado ao Sagrado Coração de Jesus, convido-vos a contemplar o mistério do Amor divino.

Formulo-vos votos, caros jovens, a fim de que vos prepareis, na escola do Coração de Cristo, para enfrentar com seriedade as responsabilidades que vos esperam. Estimados doentes, que o Senhor vos conceda cumprir a sua vontade, unindo-vos no seu sacrifício do amor. E vós, dilectos novos casais, permanecei fiéis ao amor de Deus, dando-lhe testemunho com o vosso amor conjugal.




AUDIÊNCIAS 2004