DIscursos João Paulo II 2003

3 de Junho de 2003





Eminência
Queridos Irmãos Bispos

1. É na unidade do Espírito Santo que vos dou as boas-vindas, membros do segundo grupo de Bispos de Rito Latino da Índia, por ocasião da vossa Visita ad limina Apostolorum. De maneira particular, saúdo o Arcebispo D. Viruthakulangara, e agradeço-lhe os bons votos que me transmitiu em nome dos Bispos, Clero, Religiosos, Religiosas e Fiéis leigos das Províncias Eclesiásticas de Bombaim, Nagpur, Verapoly e da recém-criada Província de Gandhinagar e da Arquidiocese de Goa-Damão. Rezo a fim de que, por intercessão dos Apóstolos Pedro e Paulo, a Igreja católica que está na Índia continue a proclamar com coragem a Boa Nova de Jesus Cristo.
No subcontinente, e de maneira especial nas regiões do Querala e de Goa, a mensagem salvífica de Jesus Cristo tem sido divulgada desde há muitos séculos. Recentemente, a Igreja celebrou o 450º aniversário da morte do zeloso missionário São Francisco Xavier, um dos numerosos homens cheios de fé, como o Apóstolo São Tomé, que deram a sua vida pela evangelização da Ásia. São Francisco Xavier ensina-nos a importância de esquecermos os nossos desejos e planos humanos e de nos entregarmos inteiramente à vontade de Deus (cf. Ofício das Leituras para a Festividade de São Francisco Xavier). A minha esperança é de que a vida e a obra deste Padroeiro do Oriente incuta no povo indiano o desejo de se dar de modo mais completo à vontade do Pai.

2. Jesus Cristo continua a fazer das vossas Dioceses um solo fecundo para a sua seara de fé. "Tal como o esplêndido diálogo de amor entre Deus e o homem foi preparado pelo Espírito e realizado em terra asiática no mistério de Cristo, assim também o diálogo entre o Salvador e os povos do Continente continua hoje pelo poder do mesmo Espírito Santo, em acção na Igreja" (Ecclesia in Asia ). Durante as minhas Visitas Pastorais à Índia, fiquei impressionado com as numerosas expressões de cristandade existentes na vossa Nação. A presença das Tradições latina e oriental, em grande proximidade mútua, constitui uma grande fonte de força e de vitalidade para a Igreja. Por vezes, o relacionamento pode representar um desafio para as vossas comunidades, enquanto procurais trabalhar em conjunto para encontrar formas concretas de servir o povo de Deus. Como eu disse aos Bispos de Rito sírio-malabar do vosso País, é importante perseverar no fortalecimento dos vínculos com os vossos Irmãos Bispos de rito oriental, através de um diálogo inter-ritual eficaz, em ordem a ultrapassar quaisquer mal-entendidos que porventura possam surgir. Este é especialmente o caso dos sectores relativos à evangelização e ao cuidado pastoral dos católicos orientais presentes na Índia (cf. Ecclesia in Asia ).

Uma vez que Jesus Cristo vos escolheu como pastores do seu rebanho, vós sois chamados de modo especial a promover o diálogo e a compreensão mútuos entre os católicos e as outras comunidades cristãs. O Apóstolo Paulo encoraja-nos a todos a "caminhar como filhos da luz, porque o fruto da luz se encontra em tudo o que é bom, justo e verdadeiro" (Ep 5,8-9). Como Bispos, a vossa obrigação consiste não apenas em caminhar na luz, mas em ajudar a iluminar o caminho de todos os seguidores de Cristo, orientando-os para uma solidariedade espiritual cada vez mais completa.

3. É muito encorajador ver o número impressionante de vocações religiosas e diocesanas nas vossas Províncias, assim como a alta percentagem de fiéis que assistem à Missa dominical. Embora as vossas Igrejas particulares possam ser pobres, de modo especial se forem comparadas com as outras comunidades cristãs, elas são contudo ricas de recursos humanos. Isto é claramente realçado no grande número de comunidades cristãs de base, movimentos e associações laicais, que desempenham um papel vital na vida eclesial das vossas regiões. Apesar destes sinais positivos, as vossas Dioceses enfrentam também vários desafios. A influência negativa dos mass media, o secularismo, o materialismo e o consumismo, unidos às falsas promessas dos novos grupos fundamentalistas, levaram alguns católicos a renunciar à sua fé. Infelizmente, mesmo certos membros do Clero, às vezes, foram atraídos por promessas vazias de dinheiro, conforto e poder.
Quando enfrenta estes problemas, o fiel sente-se tentado a levantar a mesma interrogação que os discípulos apresentaram a Pedro, logo após o Pentecostes: "O que devemos fazer?" (Ac 2,37). A este propósito, é consolador ver que muitas das vossas Dioceses respondem à pergunta posta pelos Sínodos e pelos programas pastorais, enfrentando os problemas com seriedade e evitando, assim, uma possível crise futura. Como disse na minha Carta Encíclica Novo millennio ineunte, as iniciativas pastorais devem incluir sempre os quatro pilares cristãos da santidade, da oração, dos sacramentos e da Palavra de Deus (cf. nn. 30-41), tendo sempre em mente o facto de que "não se trata de inventar um "programa novo". O programa já existe: é o mesmo de sempre, expresso no Evangelho e na Tradição viva" (Novo millennio ineunte NM 29).

4. Os programas pastorais eficazes devem ser organizados de maneira a abordar os problemas específicos que a sociedade moderna apresenta. Como muitos outros países, a Índia encontra-se inserida num movimento que se orienta para a cultura da morte, como se vê, por exemplo, nas ameaças perpetradas contra os nascituros, especialmente do sexo feminino. Irmãos Bispos, animo-vos a permanecer vigilantes nos vossos esforços de corajosa pregação do notável ensinamento da Igreja, em relação ao direito inviolável da vida de todo o ser humano inocente. Os esforços conjuntos em ordem a impedir a cultura da morte precisam do compromisso de toda a comunidade católica. Da mesma forma, qualquer estratégia a este propósito deve incluir os indivíduos, as famílias, os movimentos e as associações empenhadas na edificação de "uma sociedade, onde a dignidade de cada pessoa seja reconhecida e tutelada, tutelando e promovendo a vida de todos" (Evangelium vitae EV 90).

A globalização também tem desafiado os costumes tradicionais e a ética. Isto pode ser claramente visto nas tentativas de impor à sociedade asiática certos tipos de formação familiar, e de medidas sanitárias reprodutivas, moralmente inaceitáveis. Ao mesmo tempo, uma compreensão errónea da lei moral levou muitas pessoas a justificar as actividades sexuais imorais, sob o pretexto da liberdade que, em contrapartida, resultou como uma simples aceitação da mentalidade contraceptiva (cf. Familiaris consortio FC 6). As consequências destas actividades irresponsáveis não apenas ameaçam a instituição da família, mas também contribuem para a difusão do Hiv/Sida, que está a alcançar proporções epidémicas em várias partes do vosso País. A resposta da Igreja que está na Índia deve consistir em continuar a promover a santidade da vida matrimonial e a "linguagem inata que exprime a entrega total do marido e da esposa" (cf. Catecismo da Igreja Católica, CEC 2370). A Igreja é chamada a proclamar que o verdadeiro amor é o amor cristão, e que o amor cristão é casto. Encorajo-vos a fomentar programas de educação que realcem o ensinamento da Igreja a este propósito.

Ao mesmo tempo, devem fazer-se esforços em ordem a promover a dignidade e os direitos das mulheres, a fim de garantir um "novo feminismo" a todos os níveis da sociedade indiana. E "sem cair na tentação de seguir modelos "masculinizados", com vista a reconhecer e a exprimir o verdadeiro génio feminino em todas as manifestações da convivência civil, trabalhando pela superação de toda a forma de discriminação, violência e exploração" (cf. Evangelium vitae EV 99).

5. No início deste discurso, falei de São Francisco Xavier, que contribuiu em grande medida para espalhar a cristandade na Índia. Ele tinha a capacidade de desempenhar o seu ministério com bom êxito num ambiente não cristão. Rezo para que a Igreja que está na Índia, a exemplo deste Santo, proclame respeitosa e corajosamente o Evangelho de Jesus Cristo. Não se trata de uma tarefa fácil, especialmente nas regiões onde as pessoas experimentam a animosidade, a discriminação e mesmo a violência, em virtude das suas convicções religiosas ou pertenças tribais. Tais dificuldades são exacerbadas pela difusão das actividades de alguns grupos fundamentalistas hindus, que estão a alimentar a desconfiança em relação à Igreja e às outras religiões. Infelizmente, nalgumas áreas, as autoridades governamentais cederam às pressões destes extremistas e aprovaram leis anticonversão que são injustas, proibindo o livre exercício do direito natural à liberdade religiosa ou privando da ajuda estatal as pessoas pertencentes a certas castas, que decidiram converter-se ao cristianismo.

Apesar das graves dificuldades e dos sofrimentos que isto tem causado, a Igreja que peregrina na Índia nunca deve abandonar a sua tarefa fundamental de evangelização. Caros Irmãos Bispos, faço votos a fim de que vós, juntamente com os fiéis leigos, continueis a comprometer os líderes locais dos outros credos religiosos num diálogo inter-religioso que assegure uma maior compreensão e cooperação recíprocas. Da mesma maneira, deveis manter um diálogo concreto com as autoridades locais e nacionais, para assegurar que a Índia continue a promover e a proteger os direitos básicos de todos os seus cidadãos. Uma parte integrante desta democracia, "que verdadeiramente serve o bem dos indivíduos e dos povos, é o respeito pela liberdade religiosa, porque é o direito que diz respeito à liberdade mais íntima e profundamente interior do invidíduo" (cf. Discurso ao Embaixador da Índia, 13 de Dezembro de 2002).

6. ""Assim como o Pai me enviou a mim, também Eu vos envio a vós" (cf. Jo Jn 20,21). É da perpetuação do sacrifício da Cruz e da sua comunhão com o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo na Eucaristia, que a Igreja tira o poder espiritual necessário para cumprir a sua missão" (Ecclesia de Eucharistia EE 22). Queridos Irmãos no Senhor, ao regressardes às vossas Igrejas locais, depois desta vossa visita aos túmulos dos Santos Apóstolos, formulo votos a fim de que, repletos de "poder espiritual", renoveis o vosso desejo de participar cada vez mais plenamente na missão da Igreja, que "continua a missão de Cristo" (cf. Ibidem).

Neste Ano do Rosário rezo para que, por intercessão de Nossa Senhora, o Espírito Santo vos confirme a vós, bem como o clero, os religiosos, as religiosas e os fiéis leigos das vossas Dioceses, no "dom de Deus que recebestes" (2Tm 1,6), enquanto vos concedo cordialmente a minha Bênção apostólica, como penhor de alegria e de paz no Senhor.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO MINISTRO-GERAL DA ORDEM


DOS FRADES MENORES POR OCASIÃO


DO CAPÍTULO GERAL DESSA CONGREGAÇÃO





Ao Rev.do Pe. Giacomo BINI
Ministro-Geral da Ordem dos Frades Menores

1. Sinto-me feliz por lhe dirigir, Reverendo Padre, bem como a toda a Ordem dos Frades Menores, a minha saudação cordial e de bons votos por ocasião do Capítulo Geral Ordinário, convocado na Cidade de São Francisco e de Santa Clara. Ele é celebrado na Porciúncula e isto reaviva a jubilosa memória das origens da Ordem, que surgiu sob o olhar de Santa Maria dos Anjos, por vós venerada como Padroeira especial com o título de "Imaculada".

A Assembleia capitular "de Pentecostes", prescrita pela Regra (cf. n. VIII: FF 26), realça o papel fundamental reconhecido por São Francisco ao Espírito Santo, que ele gostava de definir "Ministro-Geral" da Ordem (cf. Celano, Vita seconda, CXLV, 193: FF 779). O Espírito Santo purifica, ilumina e incendeia os corações com o fogo do amor, conduzindo-os ao Pai pelos passos do Senhor Jesus (cf. Carta a todos os frades, VI, 62.63: FF 233).

Nesta significativa ocasião, apraz-me renovar os sentimentos da minha gratidão a esta Família pelo serviço que presta à Igreja desde há muitos séculos, prosseguindo a obra começada por Francisco de Assis e pela sua discípula Clara. Desejo também aproveitar esta oportunidade para oferecer aos membros do Capítulo Geral e, através deles, a todos os Frades Menores, alguns elementos úteis para uma revisão comunitária do caminho até agora realizado e para uma incisiva acção apostólica no mundo de hoje.

2. No final do Grande Jubileu do Ano 2000, com a Carta apostólica Novo millennio ineunte quis recordar a todo o povo cristão as prioridades espirituais do terceiro milénio, não exitando afirmar que a perspectiva em que se deve colocar todo o caminho pastoral é o da santidade (cf. n. 30). Realçava que em cada programa de evangelização deve sobressair a "primazia da graça..., a primazia de Cristo e, em relação com Ele, a primazia da vida interior e da santidade" (n. 38). Além disso, os Institutos de vida consagrada estão chamados a desempenhar um papel singular, porque têm como missão específica o testemunho profético do Reino dos Céus. Isto exige uma incessante tensão para a santidade. Então, compreende-se melhor o que se lê na Exortação pós-sinodal Vita consecrata, isto é, que "um renovado empenho de santidade das pessoas consagradas é hoje mais necessário do que nunca para favorecer e apoiar a tensão de cada cristão para a perfeição" (n. 39).

Se é verdade que "os caminhos da santidade são numerosos e adequados à vocação de cada um" (Novo millennio ineunte NM 31), a Regra e as Constituições da vossa Ordem "contêm um itinerário de seguimento, qualificado por um carisma específico autenticado pela Igreja" (Vita consecrata VC 37). Este itinerário foi percorrido por muitos dos vossos Irmãos de hábito, Santos e Beatos franciscanos, que observaram com fidelidade heróica até à morte os compromissos livremente assumidos no dia da profissão religiosa. Ser-vos-á de grande ajuda recorrer constantemente a eles, mestres e modelos de santidade, inspirando-vos no seu exemplo, aprofundando o seu conhecimento, invocando-os devotamente, comemorando-os nas suas festas litúrgicas.

3. O Capítulo Geral realiza-se na cidade de Assis, onde ressoa perenemente a voz que Francisco ouviu três vezes, e que provinha da Cruz em sua direcção: "Vai e restaura a minha casa porque, como vês, está em ruínas!" (Boaventura, Lenda maior, II, 1: FF 1038).

Também nestes últimos anos, marcados por notáveis mudanças sociais, a Ordem foi estimulada a tornar actual esta chamada singular, aprofundando o seu significado para viver com coerência o seu carisma. Esta reflexão estimulou a vossa Família religiosa a realçar melhor o serviço missionário e eclesial confiado por Cristo ao jovem Francisco e, sucessivamente, confirmado pelo Papa Inocêncio III com as palavras: "Ide com Deus, irmãos, e como Ele se dignar inspirar-vos, pregai a todos a penitência" (Celano, Vita prima, XIII, 33: FF 375).

É importante que a Ordem conserve o seu estilo missionário que se distingue pela pobreza e pela vida fraterna, animado pelo espírito de contemplação e pela busca sincera da justiça, da paz e do respeito da criação. É também indispensável que cada um dos seus membros e todas as fraternidades colaborem na edificação da única Igreja de Cristo, de acordo e em total comunhão com os Pastores das Comunidades cristãs locais.

A vossa Ordem, em sintonia com os Ordinários diocesanos, contribuirá desta forma para "consolidar e dilatar o reino de Cristo, levando o anúncio do Evangelho a toda a parte, até às regiões mais distantes" (Vita consecrata VC 78), graças a um renovado espírito de obediência e a um sincero desejo de comunhão eclesial.

4. O vosso único objectivo, em cada escolha e decisão apostólica, seja a salus animarum, como aconteceu com o Pobrezinho de Assis, movido sempre e unicamente pelo zelo da salvação dos irmãos. Considerando "que o Unigénito de Deus se dignou ser pregado na cruz pelas almas", "não se considerava amigo de Cristo, se não amasse as almas que Ele amou" (Celano, Vita seconda, CXXXI, 172: FF 758) e "escolheu viver por Aquele que morreu por todos, consciente de ter sido convidado por Deus para conquistar as almas que o diabo procurava raptar" (Celano, Vita prima, XIV, 35: FF 381).

A salus animarum estimulou-o também a promover a dignidade e os direitos da pessoa, criada e formada "à imagem do Filho predilecto segundo o corpo e a semelhança com ele segundo o espírito" (Francisco Ammonizione V: FF 153), assim como a defender a salvaguarda da criação, porque todas as coisas foram criadas por meio de Cristo e para Cristo e nele todas subsistem (cf. Col Col 1,16-17). Sobretudo a vida de Francisco distinguiu-se por uma constante tensão espiritual, que o levava a ver e compreender tudo à luz da "bem-aventurança definitiva que está em Deus" (Vita consecrata VC 33). Deste seu amor a Deus brotava a fervorosa paixão de pregar "aos fiéis os vícios e as virtudes, o sofrimento e a glória" (Regra, IX: FF 99). Seja este, queridos Frades Menores, o vosso "estilo" apostólico na Igreja. Faço votos para que dos trabalhos do Capítulo provenham indicações oportunas para o tornar cada vez mais conforme com os desafios da época moderna.

5. "A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos" (Mt 9,37). Vêm à mente estas palavras de Cristo diante da amplitude do campo de acção e do escasso número de braços disponíveis. Parece pouco realista falar de impulso missionário, também para a vossa Ordem, considerando a redução do número dos seus membros e a média da idade avançada que se verificou nestes anos. Mas isto, mais do que levar ao desencorajamento, deve estimular antes a intensificar, por um lado, a oração para que o Dono da messe "mande trabalhadores para a sua messe" (Mt 9,38), e, por outro, a procurar novas estratégias pastorais e vocacionais.

Porquê perder a confiança, se o próprio Jesus garantiu a Francisco que era precisamente Ele "o responsável principal" da Ordem? Porventura não lhe prometeu: "Eu chamei, eu conservarei e apascentarei e, no lugar daqueles que se perdem, farei crescer outros. E se não nascerem, eu os farei nascer" (Boaventura, Lenda maior, VIII, 3: FF 1140)? Com esta consciência, promovei e acompanhai as vocações com a oração e o testemunho de vida, confiando naquele "Deus que, das pedras, pode suscitar filhos de Abraão e fazer com que os seios estéreis se tornem fecundos" (Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, Voltar a partir de Cristo, 16). Fez bem a Ordem em destinar numerosas energias à pastoral vocacional e à formação dos aspirantes à vida consagrada, em colaboração com outros Institutos de inspiração franciscana e com as Dioceses.

É grande o fascínio de Francisco e de Clara de Assis sobre os jovens e deve ser usado para propor também às gerações do terceiro milénio "uma reflexão mais atenta sobre os valores essenciais da vida, que têm a sua síntese resolutiva na resposta que cada um está convidado a dar à chamada de Deus, sobretudo quando ela solicita a doação total de si e das próprias energias à causa do reino" (Novo millennio ineunte NM 46).

As celebrações anunciadas pelos quatro Ministros-Gerais das Famílias franciscanas para o 750º aniversário da morte de Santa Clara poderão constituir, a este propósito, uma ocasião oportuna como nunca para fazer reconhecer melhor as vocações para a vida contemplativa, apostólica, eremítica e secular de Francisco e de Clara.

6. Sede vós próprios homens apaixonados de Cristo e do Evangelho, homens de oração incessante e testemunhas jubilosas de uma opção radical pelo Reino dos céus. O vosso compromisso será tanto mais eficaz quanto mais vos esforçardes por oferecer os sinais eloquentes da "primazia que Deus e os valores evangélicos têm na vida cristã" (Vita consecrata VC 84).
O hábito tradicional, que normalmente vestis, recorda já desde o primeiro impacto o estilo de penitência e de pobreza, de humildade e de acolhimento, de simplicidade e de consagração total a Deus que vos deve distinguir. Mantende-vos fiéis ao vosso carisma típico, abrindo-vos ao mesmo tempo com sabedoria e prudência às exigências do apostolado da nossa época.

O Espírito Santo, com a sua luz e a sua força vos torne capazes de levar Cristo "no coração e no corpo com o amor e com a consciência pura e sincera" e de o gerar "através das obras santas, que devem resplandecer como exemplo para o próximo" (Francisco, Carta a todos os fiéis, X, 53: FF 200).

São Francisco, Santa Clara e todos os vossos Santos Padroeiros acompanhem os trabalhos do Capítulo e os tornem fecundos para o bem da Ordem e da Igreja. A Virgem Maria, "Estrela da nova evangelização", vos ajude a permanecer fiéis ao compromisso missionário para o qual Francisco continua a exortar-vos com a bonita expressão: "Põe a tua confiança no Senhor e Ele cuidará de ti" (Celano, Vita prima, XII, 29: FF 367).

Dirigi-vos todos os dias à "Virgem que se fez Igreja" (Francisco Saudação à Bem-Aventurada Virgem Maria: FF 259), à Rainha dos Apóstolos, à "Advogada da Ordem" (Celano, Vita seconda, CL, CL 198, FF 786), com a oração do Rosário, oração extraordinariamente evangélica e franciscana.

Com estes sentimentos, ao garantir a todos uma constante recordação no Senhor, concedo de coração ao Reverendo Padre, aos Capitulares e a todos os Irmãos de hábito espalhados pelo mundo uma especial Bênção apostólica.


Vaticano, 10 de Maio de 2003.



VIAGEM APOSTÓLICA À CROÁCIA


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NA CERIMÓNIA DE CHEGADA EM RIJEKA


5 de Junho de 2003




Senhor Presidente da República
Venerados Irmãos no Episcopado
Ilustres Autoridades
Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. É com íntima alegria que piso pela terceira vez o amado solo croata. Agradeço ao Deus Omnipotente ter-me concedido voltar ao meio de vós, nesta minha centésima viagem apostólica.
Dirijo-lhe uma respeitosa saudação, Senhor Presidente da República, assim como às outras Autoridades civis e militares aqui reunidas. Agradeço-lhe profundamente as amáveis expressões que me dirigiu em nome dos presentes e de todos os seus compatriotas.

Abraço com afecto toda a comunidade católica na Croácia, de modo particular os meus venerados Irmãos no Episcopado. Dirijo um pensamento especial ao Bispo, D. Valter Zupan, aos sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis leigos da Diocese de Krk, em cujo território está situado este aeroporto.

Saúdo os fiéis das outras Igrejas e Comunidades eclesiais, bem como os fiéis do Hebraísmo e do Islão, e sinto-me feliz por poder, também nesta circunstância, dar testemunho conjunto do nosso compromisso em prol da edificação da sociedade, na justiça e no respeito recíproco.

2. Vim ao meio de vós para realizar a tarefa de Sucessor de Pedro e para transmitir a todos os habitantes deste País uma saudação e os bons votos de paz. Visitando as Dioceses de Dubrovnik, Djakovo-Srijem, Rijeka e Zadar, ser-me-á permitido recordar as antigas raízes cristãs desta Terra, banhada pelo sangue de muitos mártires. Penso nos mártires dos primeiros três séculos em particular, nos Mártires de Sirmio e de toda a Dalmácia romana e penso também nos mártires dos séculos seguintes, até ao século passado, com a heróica figura do Beato Cardeal Alojzije Stepinac.

Em seguida, terei a alegria de elevar às honras dos altares a Irmã Maria de Jesus Crucificado Petkovic, a quem será associado, daqui a poucas semanas, também o jovem Ivan Merz. A recordação destas intrépidas testemunhas da fé faz-me pensar com gratidão e emoção na Igreja que os gerou e nos períodos difíceis em que ela conservou ciosamente a sua fidelidade ao Evangelho.

3. A ilha de Krk conserva um rico património glagolítico, amadurecido tanto no uso litúrgico como na vida diária do povo croata. O cristianismo ofereceu uma grande contribuição para o desenvolvimento da Croácia no passado. Ele poderá continuar a contribuir de modo eficaz no seu presente e futuro. Com efeito, existem valores como a dignidade da pessoa, a honestidade moral e intelectual, a liberdade religiosa, a defesa da família, o acolhimento e o respeito pela vida, a solidariedade, a subsidiariedade e a participação, o respeito pelas minorias que estão inscritos na natureza de cada ser humano, mas que o cristianismo tem o mérito de ter claramente reconhecido e proclamado. É sobre estes valores que se fundamentam a estabilidade e a verdadeira grandeza de uma nação.

Recentemente, a Croácia apresentou a sua candidatura para se tornar uma parte integrante, também sob os pontos de vista político e económico, da grande família dos povos da Europa. Não posso deixar de exprimir os meus bons votos de uma feliz realização desta aspiração: sem dúvida, a rica tradição da Croácia contribuirá para revigorar a União, quer como entidade administrativa e territorial, quer como realidade cultural e espiritual.

4. Neste País, assim como noutras nações vizinhas, estão ainda presentes os sinais dolorosos de um passado recente: quantos tem a autoridade nos campos civil e reliogoso, não se cansem de curar as feridas causadas por uma guerra cruel e de debelar as consequencias de um sistema totalitário que, por demasiado tempo, procurou impor uma ideologia contrária ao homem e à sua dignidade.

Desde há treze anos a Croácia está a percorrer o caminho da liberdade e da democracia. Olhando para a frente com confiança e esperança, agora é preciso consolidar, com a contribuição responsável e generosa de todos, uma estabilidade social que promova ainda mais o compromisso nos campos do trabalho, da assistencia pública e da educação aberta a todos os jovens, bem como na eliminação de todas as formas de pobreza e de desigualdade, num clima de cordial relacionamento com os países limítrofes.

Nesta perspectiva, invoco a intercessão de Sao José, Padroeiro desta Nação, e da Virgem Maria, "Advocata Croatiae, fidelissima Mater". Deus abençoe esta Terra e a sua população!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS CAPITULARES DA CONGREGAÇÃO


DOS SACERDOTES DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS


(DEHONIANOS)


10 de Junho de 2003


Caros Sacerdotes
do Sagrado Coração de Jesus
e membros da Família religiosa Dehoniana

1. Estou feliz por vos receber nesta especial Audiência, no momento em que os trabalhos do vosso Capítulo Geral se aproximam da sua fase conclusiva. Obrigado pela vossa visita!

Dirijo-vos a todos a minha saudação, de modo especial ao neo-eleito Superior-Geral, Pe. José Ornelas Carvalho. Agradeço-lhe de coração as amáveis palavras que me manifestou em nome dos presentes e de todo o vosso Instituto, espalhado em trinta e sete nações. Dirijo-lhe, bem como aos membros do Conselho Geral, os mais ardentes bons votos em ordem a um serviço de orientação e de animação que favoreça o autêntico progresso da Congregação, conservando intacta a sua fisionomia originária, desejada pelo Fundador.

2. No corrente ano celebra-se o 125º aniversário de vida religiosa do Venerável Leão Dehon. Vós quisestes recordar esta significativa data com um especial Ano Dehoniano, que culminará em 28 de Junho, dia comemorativo da profissão dos seus primeiros votos religiosos, e dia que ele mesmo reconheceu como o começo da vossa Congregação. Faço votos a fim que isto vos sirva de estímulo, para voltardes às origens com aquela "fidelidade criativa" (cf. Vita consecrata VC 37), que conserva inalterado o vosso carisma, caracterizado por uma constante contemplação do Coração de Cristo, pela consciente participação na sua oblação reparadora e por uma zelosa dedicação à difusão do Reino do Senhor nas almas e na sociedade, dado que a causa mais profunda dos males do mundo é precisamente a rejeição do amor de Deus (cf. Constituições, n. 4).

Foi esta inspiração originária que levou Leão Dehon, na segunda metade do século XIX, a começar em São Quintino, na França, uma experiência espiritual e missionária original. Caríssimos Irmãos, é o mesmo entusiasmo do Fundador que vos deve orientar, para discernirdes e qualificardes de novo os âmbitos da vossa acção apostólica, empenhando inclusivamente os leigos no "projecto dehoniano".

3. O Capítulo, que já está prestes a terminar, permitiu-vos "revisitar" os fundamentos do vosso carisma, com o compromisso de os traduzir no presente, conscientes da preciosa actualidade da vossa missão. Faço votos para que valorizeis as indicações tiradas dos trabalhos destes dias, de tal modo que, através da sua fiel realização, o caminho da Congregação continue com segurança e dê frutos abundantes para a Igreja e para o mundo. Todavia, para que isto aconteça, é necessário sobretudo que Cristo permaneça no centro da vossa vida e das vossas obras. O Padre Dehon desejava que os seus discípulos, seguindo fielmente o Mestre divino, fossem profetas do amor e servidores da reconciliação, pessoas totalmente orientadas para a santidade e capazes de comunicar a reconciliação e o amor que o Sagrado Coração de Jesus, com a sua morte, obteve para a humanidade de todos os tempos.

4. Caríssimos Irmãos, no vosso trabalho vós sois chamados a enfrentar os desafios do momento histórico actual e, sem dúvida, podeis experimentar que a verdadeira necessidade de cada ser humano consiste em conhecer e encontrar Deus. Porém, somente da oração pessoal e comunitária é possível tirar a energia espiritual indispensável para cumprir esta missão comprometedora.

Como o tema do Capítulo sugere, sede "Dehonianos em missão: coração aberto e solidário", prontos a confrontar-vos com as exigências da nossa época e a qualificar de novo o vosso apostolado nos âmbitos da espiritualidade, da missão "ad gentes", da presença no campo social e de uma atenção especial à cultura (cf. Constituições, n. 31).

Também é conhecida a vossa actividade no campo da informação e da documentação religiosa. Atentos a perscrutar "os sinais dos tempos", nunca esmoreça em vós a fidelidade à doutrina católica e ao Magistério da Igreja, a fim de poderdes prestar, também mediante as vossas publicações, o serviço indispensável da verdade, que é a primeira forma de caridade.

5. Caríssimos, a história do vosso Instituto já alcançou a meta dos 125 anos de vida e de actividade; trata-se de um caminho rico de méritos e de frutos apostólicos. Continuai com coragem e dedicação!

Confio à celeste intercessão da Virgem Maria, Rainha do Rosário, e do Beato João Maria da Cruz, protomártir da vossa Congregação, os propósitos e as opções de trabalho realçados pelos trabalhos capitulares.

Peço a Deus para que possais progredir com um renovado impulso ao longo do caminho da santidade e do serviço ao Reino de Deus. Acompanho-vos com o meu afectuoso pensamento e, de coração, concedo-vos a vós aqui presentes, aos vossos confrades e a quantos fazem parte da vossa Família espiritual, espalhada pelo mundo, uma especial Bênção.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PATRIARCA ECUMÉNICO BARTOLOMEU I


POR OCASIÃO DO V SIMPÓSIO SOBRE O MEIO AMBIENTE




A Sua Santidade BARTOLOMEU I
Arcebispo de Constantinopla Patriarca Ecuménico

É com grande prazer que o saúdo, bem como todas as pessoas que participam no V Simpósio do Projecto sobre Religião, Ciência e Meio Ambiente que, no corrente ano, dedica a sua atenção ao tema "O mar Báltico: uma herança comum, uma responsabilidade compartilhada". No momento em que se dá início ao encontro, é com especial alegria que tomo conhecimento de que vós vos encontrais na cidade de Danzigue, na minha terra natal, a Polónia. Através da presença do Senhor Cardeal Walter Kasper, Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, desejo renovar a minha solidariedade em relação às finalidades do mencionado Projecto e assegurar-vos o meu sincero apoio em ordem ao bom êxito do vosso Simpósio.

Referi-me em numerosas ocasiões à crescente consciência por parte dos indivíduos e, na realidade, de toda a comunidade internacional, acerca da necessidade de respeitar o meio ambiente e os recursos naturais que Deus concedeu ao género humano. O vosso actual Simpósio dá testemunho do desejo que tendes de transformar esta crescente consciência em políticas e obras de autêntica gestão. Seguirei com interesse os vossos esforços, destinados a alcançar as finalidades estabelecidas na nossa Declaração Conjunta, assinada no ano passado.

Contudo, é urgente que se compreenda a verdadeira natureza da crise ecológica. O relacionamento entre os indíduos ou as comunidades e o meio ambiente nunca pode ser separado da relação com Deus. Quando o homem "se afasta do plano de Deus, provoca uma desordem que tem repercussões inevitáveis no restante da ordem da criação" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990, n. 5). A irresponsabilidade ecológica é, essencialmente, um problema moral fundamentado sobre um erro antropológico que se manifesta quando o homem se esquece de que a sua capacidade de transformar o mundo deve respeitar sempre o desígnio de Deus para a criação (cf. Centesimus annus CA 37).

Precisamente em virtude da natureza moral na sua essência dos problemas que o Simpósio está a abordar, é oportuno que os líderes religiosos, civis e políticos, acompanhados de autorizados representantes da comunidade científica, enfrentem os desafios ambientais que se apresentam na região báltica. O facto de que o Simpósio está a realizar-se a bordo de um navio, que tocará muitas cidades portuárias do mar Báltico, é já um vigoroso sinal de que os efeitos da irresponsabilidade ecológica muitas vezes ultrapassa as barreiras das nações consideradas singularmente. Do mesmo modo, as soluções para este problema exigirão necessariamente alguns actos de solidariedade, que superam as divisões políticas ou, de forma não indispensável, limitam os interesses industriais egoístas.


DIscursos João Paulo II 2003