DIscursos João Paulo II 2003

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE A AUDÊNCIA CONCEDIDA


AOS ESTUDANTES DO SEMINÁRIO MAIOR


DE RADOM (POLÓNIA)


Terça-feira, 9 de Dezembro de 2003



Dou cordiais boas-vindas a todos. Sinto-me feliz por poder receber o Seminário Maior da Diocese de Radom, num certo sentido, em restituição da minha visita. Sem dúvida, aqueles que encontrei em Radom já deixaram o Seminário e hoje servem a Igreja como sacerdotes com grande experiência. Contudo, um aspecto característico de qualquer comunidade é a continuidade histórica e espiritual, que constitui a sua riqueza. Por conseguinte, seja-me consentido colocar nas vossas mãos e nas mãos do vosso Bispo o agradecimento pelas boas-vindas, que em 1991 o vosso Seminário me apresentou, na sua nova sede, a qual tive a oportunidade de abençoar. Agradeço a D. Zygmunt Zimowski as palavras que acabou de me dirigir. Dou as boas-vindas aos Bispos auxiliares e ao Bispo Emérito. Sinto-me feliz por que todos os Bispos de Radom acompanham paternalmente os seminaristas na sua peregrinação à Sé apostólica. Saúdo também o reitor, os formadores, os padres espirituais, os professores, assim como os leigos colaboradores do Seminário e as outras pessoas que vos acompanham.

Comecei com o pensamento sobre a continuidade histórica e espiritual do Seminário. Por conseguinte, é necessário abranger com o pensamento, pelo menos brevemente, todo o património, do qual o vosso Seminário surgiu e do qual é herdeiro. Sabeis bem que o vosso Seminário tem a sua origem na Diocese de Cracóvia. A ela pertencia Sandomierz em 1635, quando o Rev.do Mikolaj Leopoldowicz deu início ao novo Seminário Maior. Ele foi idealizado não só como uma casa de formação, mas também como um centro científico. Ao longo dos decénios, muitas vezes por iniciativa dos Bispos e dos cónegos de Cracóvia, foram criadas as cátedras de teologia escolástica, de direito canónico, de bíblia e de história da Igreja. Elas devem servir para uma preparação versátil do clero para a Diocese de Cracóvia.

Falo desta ligação com Cracóvia para realçar as raízes comuns, isto é, também a herança comum, que nos une. Sem dúvida ela contém a herança da fé e da coragem de Santo Estanislau, da sabedoria e da magnanimidade de João de Kety, do zelo e da misericórdia de Pedro Skarga e de muitos outros grandes sacerdotes das nossas terras. É preciso ter sempre presente esta herança de santidade e de dedicação sacerdotal a Cristo, à Igreja e aos fiéis, para que as multidões dos sacerdotes de hoje possam frutuosamente continuar a sua obra.

O fim do século XVIII, depois da supressão da Companhia de Jesus, ligou o vosso Seminário com Kielce, até à criação da Diocese de Sandomierz, em 1818. Dois anos mais tarde, ele pude voltar a Sandomierz. Nos tempos modernos verificou-se, primeiro, uma parcial ligação com Radom e, por fim, a fundação de um Seminário separado para esta Diocese, à qual garantiu a existência de uma instituição tão importante, como é o Seminário Maior. Sinto-me feliz porque esta comunidade nova, mas com uma rica tradição se consolida e cresce. Creio fervorosamente que dele sairão bons pastores segundo o modelo de Cristo.

Sei que neste ano de formação vos acompanha o mote: "Imita o que celebras" "Imitare quod tractabis". É um convite que cada um de vós, seminaristas se Deus quiser ouvirá durante a liturgia das ordenações. Normalmente ele refere-se aos mistérios que estão contidos na Eucaristia e na sua celebração. Na realidade, o conteúdo mais profundo desta chamada parece surgir directamente das palavras de Cristo: "Fazei isto em Minha memória" (Lc 22,19). E a "memória de Cristo" é toda a sua vida terrena, mas sobretudo a sua conclusão pascal. Como não ver o vínculo entre esta chamada e o gesto humilde e cheio de amor do lava-pés, no Cenáculo: "Compreendeis o que vos fiz" [...] Dei-vos o exemplo, para que, como Eu vos fiz, façais vós também" (Jn 13,12 Jn 13,15). Como não o referir ao convite cheio de poder: "Tomai e comei todos, este é o meu corpo oferecido em sacrificio por vós" palavras que no dia seguinte se completaram no madeiro da Cruz. Eis a doação total de si mesmo no amor ao Pai e aos homens. Tal doação também vos será pedida por Deus e pelos homens, quando a Igreja vos chamar: "Imita o que celebras". E então, é preciso recordar que na "memória de Cristo" se inscreve também a ressurreição e o Pentecostes. Não vos abandone a fé de que pelos caminhos do mundo vos acompanha o próprio Ressuscitado, que vos concedeu o poder do Espírito Santo. Então a vossa dedicação a Deus e aos homens nao será um peso, mas uma participação confiante e jubilosa no sacerdócio eterno de Cristo. Preparai-vos desde já para este acto de entrega que está ligado com o gesto de assumir a responsabilidade para "memória de Cristo".

"Imita o que celebras". O serviço pastoral de um sacerdote é constituído por uma diversidade de acções, das quais como diz o Concilio a Eucaristia é fonte e auge (cf. GS GS 5). Seja qual for o seu género, o convite a imitar o seu sentido mais profundo é sempre actual e justo. Se um sacerdote celebra o Baptismo o sacramento da justificação não é porventura também esta uma sua tarefa, ser testemunha da graça justificante de cada uma das suas acções? Se prepara os jovens para o sacramento da Confirmação, que torna capazes de participar na missão profética da Igreja, não deveria ser ele próprio, antes de tudo, um portador do Evangelho? Quando concede a absolvição e chama à fidelidade, não deveria pedi-la para si mesmo e ser um exemplo de fidelidade? E o mesmo quando ensina, quando abençoa os matrimónios, quando acompanha os doentes e prepara para a morte, quando encontra as famílias deveria ser sempre a primeira testemunha do conteúdo do seu serviço.

Humanamente, não é fácil cumprir uma tarefa como esta. Precisamente por isto, é preciso procurar a ajuda d'Aquele que envia os operários para a sua messe (cf. Mt Mt 9,38). Na vossa vida de hoje, e sobretudo no sacerdócio, nunca falte tempo para a oração. Sim, fazei todos os esforços para vos preparardes o melhor possível para as tarefas sacerdotais mediante um sólido estudo da doutrina não só teológica, mas também de outras disciplinas que vos ajudarão no contacto com o homem de hoje ou mediante a compreensão de uma praxe pastoral, mas fundamentai esta preparação na base sólida da oração. Digo isto aos vossos corações: sede homens de oração, e conseguireis imitar o que celebrais.

Confio-vos a todos à Padroeira do vosso Seminário, a Imaculada Mãe de Deus. Que ela vos acompanhe, vos proteja, e vos obtenha todas as graças de que precisais para uma boa preparação para o sacerdócio. Abençôo-vos a todos de coração: em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.



PALAVRAS DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS OFICIAIS DA AERONÁUTICA MILITAR ITALIANA


Quarta-feira, 10 de Dezembro de 2003




Caríssimos Oficiais e Aviadores
da Aeronáutica Militar Italiana

Sede bem-vindos! Saúdo-vos a todos cordialmente, a começar pelo Ordinário Militar, D. Ângelo Bagnasco, e do Chefe de Estado-Maior da vossa Arma.

A festa da vossa Padroeira celeste oferece-me a oportunidade para vos convidar a dirigir sempre o olhar a Nossa Senhora de Loreto. Seja Ela o modelo ao qual fazer constantemente referência, e a guia segura da vossa existência. Invocai-a com confiança em todas as situações: Ela será para vós apoio, conforto e esperança.

Aproveito esta ocasião para desejar-vos um feliz e Santo Natal, a vós e às vossas famílias.

Concedo-vos a todos a minha Bênção!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR WALTER WOON


NOVO EMBAIXADOR DE SINGAPURA


JUNTO DA SANTA SÉ


12 de Dezembro de 20003




Excelência

É-me grato dar-lhe as boas-vindas ao Vaticano e aceitar as Cartas Credenciais que O designam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário de Singapura junto da Santa Sé. Agradeço-lhe as amáveis saudações que o Senhor Embaixador me transmitiu da parte de Sua Excelência S. R. Nathan e do governo e o povo de Singapura, e peço-lhe a amabilidade de comunicar os meus bons votos e a certeza das minhas preces pela paz e pelo bem-estar da nação.

A sua presença hoje aqui traz à minha mente a visita que tive o privilégio de realizar ao seu país em 1986. O período que passei em Singapura ofereceu-me a oportunidade de experimentar pessoalmente uma cultura forjada pela influência dos numerosos e diferentes grupos étnicos e religiosos que, desde há muitos anos, têm vivido em harmonia recíproca. Singapura tem sido enriquecida em grande medida pela sua variedade de culturas e de povos, e deveria orgulhar-se da sua tradição de respeito e de estima por este património. Com efeito, o compromisso do seu país na promoção de um autêntico espírito de unidade na diversidade ofereceu uma contribuição significativa para essa região e Vossa Excelência pode justamente afirmar que se trata de um dos mais desenvolvidos na Ásia. Embora Singapura seja pequena em termos de território e de população, desempenha contudo um papel importante nessa área e, com frequência, age como ponte de intercâmbio cultural entre o Oriente e o Ocidente.

A fim de alcançar a globalização autêntica, os governos e os povos deveriam encorajar a diversidade cultural, assegurando que ela permaneça sempre fundamentada nos princípios e valores morais que governam o comportamento e os relacionamentos do homem. Singapura tem demonstrado a sua dedicação a tais preceitos, mediante um compromisso permanente em favor da tolerância religiosa, que tem sido promovida desde a independência do país. Formulam-se votos a fim de que a harmonia, que tradicionalmente tem prevalecido entre os seguidores das várias religiões em Singapura, se torne cada vez mais vigorosa. Isto é particularmente importante agora, que os momentos recentes de tensão e de trágicos incidentes na sua região estão a desafiar o respeito mútuo, fundamental para a coexistência pacífica de todos os povos. Em conformidade com as melhores tradições do seu país, há necessidade de diálogo, compreensão e cooperação constantes entre os seguidores das várias religiões, em vista de assegurar que todos os povos trabalhem em conjunto por uma civilização edificada sobre os valores universais da solidariedade, da justiça e da liberdade.

A sociedade singapuriana está imbuída de um profundo apreço pela importância das dimensões espirituais e transcendentes da vida humana. Isto tem contribuído para o reconhecimento da necessidade de desenvolver uma cultura em que "as pessoas vivam juntas", evitando sempre a tentação de ser tornar uma sociedade que rejeita, marginaliza, debilita e oprime ou outros (cf. Carta Encíclica Evangelium vitae EV 18). Esta responsabilidade fundamental em relação aos nossos irmãos e irmãs é uma característica da interacção social, que deve ser exercida a níveis tanto nacional como internacional. A decisão tomada pelo seu país, de ajudar os povos que vivem para além das suas fronteiras nacionais, é evidente na impressionante assistência internacional que ele oferece. Com efeito, o nosso compromisso conjunto em favor dos menos afortunados é uma das numerosas áreas que unem Singapura e a Santa Sé no nosso desejo de servir o bem comum. Um exemplo desta cooperação pode ser visto nos nossos esforços conjuntos em ordem a formar jovens profissionais naturais dos países mais pobres nessa região, através do Programa de Formação no Terceiro Mundo, entre Singapura e o Vaticano, iniciado há cinco anos. A educação é um elemento fulcral para o desenvolvimento sustentável. Por conseguinte, estou convicto de que as nossas tentativas em vista de formar os jovens como cidadãos conscientes e honestos não apenas beneficiará os seus próprios países individualmente, mas também contribuirá para o bem da Ásia e de toda a comunidade mundial.

A responsabilidade pelo bem-estar do próximo inclui todos os sectores da vida. A este propósito, estou consciente das contribuições significativas que o seu país pode oferecer, de maneira especial nos campos da ciência e da tecnologia. A capacidade de servir a humanidade através delas é um dom que exige um grande respeito. Os governos nunca podem apoiar iniciativas que ameaçam a santidade da vida humana, em ordem a obter resultados científicos ou económicos. "O grande desafio moral que se apresenta às nações e à comunidade internacional, relativamente ao desenvolvimento, é ter a coragem de uma nova solidariedade, capaz de dar passos engenhosos e eficazes para vencer quer o subdesenvolvimento desumanizante, quer o "sobredesenvolvimento", que tende a reduzir a pessoa a uma mera unidade económica" (Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Asia ). Por este motivo, o juízo adequado e a deliberação prudente no controle destes campos, são essenciais. Tais debates deveriam incluir as diferentes tradições religiosas, que desempenham um papel significativo na vida da vossa nação. Estes grupos oferecem uma contribuição fundamental para o progresso genuíno da sociedade, chamando a atenção para as interrogações e os valores humanos mais profundos e imprimindo uma orientação espiritual e moral, que deve acompanhar sempre os progressos científicos e tecnológicos.

Embora a Igreja católica em Singapura seja relativamente exígua, os seus membros sentem-se orgulhosos de contribuir para o desenvolvimento político, cultural e social. Num período em que a sua nação e uma boa parte da Ásia procuram reconsiderar as suas políticas passadas nos campos da vida familiar e da demografia, os católicos têm muito a oferecer. Como afirmei em 1986, "as famílias ocupam um lugar singular no seio da igreja, como comunidade de vida e de amor. Como comunhão de pessoas em diálogo com Deus, elas têm um papel importante a desempenhar na sociedade em geral. Assim, devem permanecer abertas à comunidade mais vasta, de tal maneira que a solicitude amorosa que elas manifestam nos seus lares se torne extensiva também aos outros, para o bem de todos" (Homilia em Singapura, n. 9). Um compromisso firme em prol da cultura da vida e da cultura da família constitui uma pedra angular fundamental para o tecido social de cada país, além de ser um requisito para o bom êxito a longo prazo.

Formulo votos a fim de que, no momento em que o Senhor Embaixador assume as suas novas responsabilidades, os laços de amizade entre a Santa Sé e Singapura sejam revigorados cada vez mais. Excelência, tenha a certeza de que os vários departamentos da Cúria Romana estão prontos a assisti-lo no cumprimento da sua missão. Invoco as abundantes bênçãos divinas sobre a sua pessoa e sobre o querido povo da sua nação.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR PRIIT KOLBRE


NOVO EMBAIXADOR DA ESTÓNIA


JUNTO DA SANTA SÉ


12 de Dezembro de 2003



Excelência

É com prazer que lhe dou as boas-vindas ao Vaticano, no momento em que Vossa Excelência apresenta as Cartas Credenciais mediante as quais é designado como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Estónia junto da Santa Sé. Pedir-lhe-ia a amabilidade de transmitir a Sua Excelência o Senhor Arnold Rüütel o meu apreço pelos seus bons votos, que gostaria de retribuir calorosamente assegurando-lhe, assim como a toda a população da Estónia as minhas orações pelo bem-estar da sua nação. Há dez anos, realizei a minha "peregrinação da paz" a vários países bálticos, inclusivamente à sua querida nação, onde dei graças a Deus pela "lâmpada da liberdade", que então acabava de ser novamente acesa. Essa visita permanece vivamente gravada na minha mente, enquanto recordo de bom grado o afecto e a hospitalidade que então me foram reservados pelos líderes tanto civis como religiosos da nação.

As relações diplomáticas da Igreja fazem parte da sua missão de serviço em prol de toda a família humana. O seu desejo ardente de promover relações fecundas com a sociedade civil está fundamentado sobre a sua convicção de que a esperança de edificar um mundo mais justo um mundo mais digno do homem não pode ignorar a compreensão da vocação sobrenatural do homem. Por conseguinte, a actividade diplomática da Santa Sé procura promover um entendimento da pessoa humana, que "recebe de Deus a sua dignidade essencial e com ela a capacidade de transcender todo o regime da sociedade, rumo à verdade e ao bem" (Carta Encíclica Centesimus annus CA 38). A partir deste fundamento, a Igreja aplica os valores universais relativos à verdade e ao amor, à vasta gama de culturas e de nações que constituem o nosso mundo contemporâneo.

Como Vossa Excelência quis observar, a chegada da Igreja católica à Estónia remonta ao século XII. Juntamente com os outros europeus, os estonianos compreendem justamente que as verdades e os valores da cristandade constituíram o fundamento do próprio tecido da sociedade europeia. Contudo, esta herança não pertence ao passado. Ela é um projecto sempre em acto. Por conseguinte, é imperativo que, enquanto as nações da Europa estão a procurar uma nova configuração, a proclamação perene da cristandade deveria ser reconhecida e reclamada. É mediante a recuperação da verdadeira identidade da Europa, sobre a qual estão fundamentadas a sua liberdade e democracia, que se poderá assegurar o progresso autêntico das suas instituições culturais e cívicas (cf. Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Europa, 109).

O povo da Estónia sabe muito bem que, quando o tesouro da fé cristã é ignorado ou até mesmo negado, definham o desenvolvimento social autêntico e a visão de uma sociedade caracterizada pela esperança. Na linha de um trágico período de medo e de intimidação na história da Europa, em que está a prevalecer a supremacia da força, a fé cristã propõe o seu Evangelho de vida, garantindo um futuro de esperança e de liberdade, um porvir em que a supremacia do amor e da verdade hão-de prevalecer. Não se pode permitir que um sentido desnorteado ou superficial da inclusão negue às futuras gerações este caminho de realização pessoal autêntica e de solidariedade sustentável entre os povos, arraigado sobre a esperança que "não desilude" (Rm 5,5). A este propósito, estou persuadido de que o governo da Estónia ajudará os esforços da Santa Sé, em vista de assegurar que o Tratado da Constituição da Europa reconheça o lugar da cristandade no âmago da vida e do futuro deste Continente.

Enquanto a Estónia continua a comprometer-se na delicada mas profundamente satisfatória tarefa de forjar o seu espírito nacional, há muito que agradecer. A liberdade de pensamento e de expressão, de que gozam os seus cidadãos hoje em dia, constitui uma condição para a busca da verdade que define a pessoa humana. Todavia, a experiência da história ensina-nos que a caminhada da opressão rumo à liberdade é árdua. Ela é frequentemente assinalada por promessas vazias de esperança e pela miragem da falsas formas de liberdade, desapegadas de um vínculo essencial com a verdade. Não se deve permitir que a passagem de uma era de ideologia política repressiva leve a uma era de ideologia secularista destruidora. A pessoa humana que busca a verdade vive também pela fé (cf. Carta Encíclica Fides et ratio FR 31). Por conseguinte, é nas comunidades de crentes que as autoridades políticas e civis podem encontrar com confiança um compromisso em benefício da humanização da sociedade, forjando uma ordem social europeia no respeito de cada homem e de cada mulher e, desta maneira, de acordo com o bem comum (cf. Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Europa, 117).

Não há dúvida de que uma das maiores necessidades da Estónia contemporânea consiste em assegurar que seja garantida e promovida a instituição sagrada do matrimónio, desejada por Deus no próprio acto da criação, com a consequente vida familiar estável. Tanto os líderes civis como os religiosos de todas as denominações devem trabalhar em conjunto, visando esta finalidade. Com efeito, numerosos factores culturais, sociais e políticos estão a conspirar para criar uma crise cada vez mais óbvia da família. A tragédia do divórcio arrasa a vida familiar e prejudica as comunidades e os indivíduos, de modo especial os filhos. O flagelo do aborto, além de violar a dignidade fundamental da vida humana, muitas vezes causa dores emocionais e psicológicas inauditas à mãe que, ela mesma, é frequentemente vítima de circunstâncias contrárias às suas esperanças e aspirações mais profundas. Diante de tais aflições, volto a recordar aos líderes civis que eles têm o dever de fazer opções corajosas em ordem a proteger a vida através de medidas legislativas (cf. Carta Encíclica Evangelium vitae EV 90) e a fomentar os valores e as exigências da família, mediante políticas sociais que sejam realmente eficazes. Exorto também a comunidade cristã que está na Estónia a dar testemunho constante da beleza sublime da comunhão íntima de vida e de amor, que define a família e incute alegria na sociedade humana.

Os membros da Igreja católica, embora sejam pouco numerosos no seu país, continuarão a rezar e a trabalhar pela continuidade do desenvolvimento do povo e da nação estonianos. Agradeço-lhe, Senhor Embaixador, as suas amáveis palavras de estima a respeito daquilo que a Igreja católica está a realizar através das suas organizações humanitárias, nomeadamente mediante a Cáritas, levando um espírito de esperança e assistência concreta aos grupos mais vulneráveis. A sua missão de serviço a todos os povos, particularmente aos pobres e marginalizados, encontra-se no cerne do seu testemunho do amor totalmente misericordioso de Jesus Cristo.

Senhor Embaixador, durante o período do seu mandato como representante da Estónia junto da Santa Sé, os vários departamentos da Cúria Romana farão tudo o que puderem para o ajudar no cumprimento dos seus deveres. Formulo os meus melhores votos pelo bom êxito dos seus esforços em vista de fortalecer as relações de cordialidade que já existem entre nós. Sobre Vossa Excelência, a sua família e todos os seus compatriotas, invoco as copiosas bênçãos de Deus Todo-Poderoso.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO NOVO EMBAIXADOR DA DINAMARCA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Excelência


É-me grato dar-lhe as boas-vindas hoje e aceitar as Cartas Credenciais mediante as quais Vossa Excelência é designado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário do Reino da Dinamarca junto da Santa Sé. Embora a minha visita ao seu país teve lugar há vários anos, recordo com prazer o afecto e a hospitalidade com que fui recebido. Agradeço as amáveis palavras de saudação que Vossa Excelência me transmite da parte de Sua Majestade a Rainha Margarida II, e pedir-lhe-ia que comunicasse a Sua Majestade, aos membros do governo e a todo o povo da Dinamarca os meus bons votos e a certeza das minhas preces pela paz e pelo bem-estar da nação.

O compromisso constante da Santa Sé na promoção da dignidade da pessoa humana encontra-se no coração da sua actividade diplomática. Sem uma compreensão autêntica do valor incomparável dos homens e das mulheres, as pretensões de defesa dos direitos humanos fundamentais e os esforços em vista de obter uma coexistência pacífica entre os povos serão vãos. É somente no respeito e na salvaguarda da dignidade inviolável de cada pessoa que a busca da solidariedade e da harmonia no nosso mundo encontra o seu fundamento seguro. Com efeito, a necessidade urgente que toda a família humana tem de dar uma expressão concreta àquilo que o meu Predecessor, o Beato Papa João XXIII, definiu como os quatro pilares da paz verdade, justiça, caridade e liberdade deriva precisamente do facto de eles serem "os requisitos prévios do espírito do homem" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, n. 3).

No seio da comunidade internacional, a Dinamarca é reconhecida pela generosidade com que tem caracterizado os seus relacionamentos com as nações em vias de desenvolvimento, no mundo inteiro. Uma expressão tangível desta solidariedade encontra-se na liderança dinamarquesa nas operações de manutenção da paz, na participação altruísta aos projectos de assistência e na disponibilidade a contribuir para as exigências da estabilidade internacional e da segurança necessária para o progresso no mundo. A este propósito, é-me particularmente grato reconhecer a observação que Vossa Excelência fez em relação ao modo como a Dinamarca e a Santa Sé apoiaram mutuamente a Declaração do Milénio. O compromisso exemplar da sua nação, em ordem a corresponder às finalidades dessa Declaração, não passou despercebido, e estou convicto de que a Dinamarca contribuirá com determinação para o recém-proposto Programa Financeiro Internacional, cujas iniciativas são corroboradas pela Santa Sé.

A solidariedade concreta constitui sempre a expressão de um desejo firme e perseverante de promover o bem comum. Não obstante este desejo ressoe no interior do coração de todos os homens e mulheres, ele exige também a determinação em vista de promover activamente a cultura da aceitação. Para esta finalidade, o seu país procura introduzir programas de educação para a paz, contribuir para projectos de combate à fome e à injustiça, e encorajar a tolerância, de modo especial no que diz respeito à comunidade de imigrantes. No seu nível mais significativo, estas iniciativas dignas de louvor ajudam a descobrir o reconhecimento da natureza essencial da vida humana como uma dádiva e do nosso mundo como uma família de pessoas. Com efeito, o compromisso genuíno em prol da solidariedade humana, a nível internacional, encontra a sua raiz no núcleo familiar. Se a comunhão autêntica e madura entre as pessoas no seio da família a primeira e insubstituível escola de vida social não for valorizada e salvaguardada, as relações da solidariedade internacional, caracterizadas pelo respeito, a justiça, o diálogo e a caridade, que servem o bem comum, serão gravemente limitadas (cf. Exortação Apostólica Familiaris consortio FC 43).

Durante a minha visita à Dinamarca, observei que a sua bandeira, chamada Dannebrog, está marcada pelo sinal da Cruz. Então sugeri que, em fidelidade a este símbolo histórico da sua existência como povo, a Dinamarca será fiel à sua própria identidade. Uma parte integrante da vossa história é o Evangelho cristão que, como inspiração e ajuda ao vosso povo (cf. Discurso de chegada, Copenhaga, 6 de Junho de 1989), é tão crucial hoje como o foi por mais de mil anos. Contudo, não se pode deixar de observar que um obscurecimento do sentido de Deus lançou a sua sombra não apenas sobre o seu país, mas inclusivamente sobre todo o Continente europeu. Muitas pessoas se sentem desorientadas, confusas, e outras até mesmo sem esperança. Com numerosos europeus que vivem desprovidos de raízes espirituais, não causa admiração o facto de existirem movimentos políticos e sociais que procuram criar uma visão da Europa que ignora a sua herança religiosa e, em particular, a sua alma profundamente cristã (cf. Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Europa, 7). Os defensores destes esforços desvirtuados reclamam os direitos dos povos europeus, e afirmam que falam no nome deles, mas permanecem cegos diante da realidade da lei objectiva superior, inscrita no coração de cada homem e de cada mulher, que a consciência humana conhece bem.

A visão da Europa desapegada de Deus só pode levar à fragmentação social, à confusão moral e à desunião política. Perante os sinais perturbadores que ofuscam o horizonte do continente europeu, desejo repetir de novo as palavras tiradas da Escritura, que eu citei durante a minha visita ao seu país: "Deus amou de tal forma o mundo, que entregou o seu Filho único... a luz veio ao mundo... mas quem age conforme a verdade, aproxima-se da luz, para que as suas acções sejam vistas, porque são feitas como Deus quer" (Jn 3,16 Jn 3,19 Jn 3,21). A verdade de Cristo não desilude. Ela ilumina e orienta o nosso caminho, dissipando as sombras da desorientação e do medo. Cristo convida-nos todos, de novo, "para traçar caminhos sempre novos que desemboquem na "Europa do espírito", a fim de fazer dela uma verdadeira "casa comum" onde haja alegria de viver" (Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Europa, 121).

Com estas palavras de encorajamento, asseguro-lhe que a Igreja católica, em irmandade ecuménica com os seus irmãos e irmãs cristãos na sua terra, Senhor Embaixador, continuará a trabalhar em benefício do enriquecimento espiritual e do desenvolvimento social do povo dinamarquês. Através do testemunho da caridade, a Igreja alcança todos os homens e mulheres, independentemente da sua etnia ou religião, promovendo o crescimento de uma "cultura da solidariedade" e dando nova vida aos valores universais da existência humana (cf. ibid., n. 85).
Senhor Embaixador, estou persuadido de que a missão que Vossa Excelência começa no dia de hoje ajudará a revigorar os vínculos cordiais de compreensão e de cooperação entre a Dinamarca e a Santa Sé. No momento em que Vossa Excelência assume as suas novas responsabilidades, tenha a certeza de que os diversos departamentos da Cúria Romana estão prontos para o assistir no cumprimento dos seus deveres. Invoco sobre o Senhor Embaixador, sobre a sua família e os seus compatriotas, as abundantes bênçãos de Deus Todo-Poderoso.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR MOHAMAD JAHAM ABDULAZIZ AL-KAWARI,


PRIMEIRO EMBAIXADOR DO QATAR JUNTO DA SANTA SÉ


12 de Dezembro de 2003




Senhor Embaixador

1. Sinto-me feliz em receber Vossa Excelência por ocasião da apresentação das Cartas que o acreditam como primeiro Embaixador extraordinário e plenipotenciário do Estado do Qatar junto da Santa Sé e agradeço-lhe as suas amáveis palavras.

Ficar-lhe-ia grato, Senhor Embaixador, por transmitir a Sua Alteza o Emir do Qatar, Xeque Hamad ben Khalifa Al-Thani, os meus agradecimentos pelas saudações gentis que me enviou por seu intermédio, e por lhe expressar em troca os meus votos cordiais de bem-estar e de paz para todos os habitantes do país.

2. Senhor Embaixador, o seu jovem país, que se encontra situado numa parte do globo considerado pelo mundo como estratégico, está comprometido a assumir o seu lugar no concerto das Nações, abrindo-se aos intercâmbios regionais e internacionais e a participar de várias maneiras na vida internacional. Convencido do interesse e da fecundidade do encontro entre as culturas e as religiões, ele esforça-se por promover o diálogo como meio para resolver as tensões entre os povos e de progredir rumo a um melhor entendimento, para o bem de todos. Isto constitui também, como é do conhecimento de Vossa Excelência, uma preocupação constante da Santa Sé, que encoraja as nações a fazer o possível para resolver as numerosas e graves dificuldades que estão presentes hoje na vida internacional e para evitar os riscos de confrontos, através de um diálogo corajoso e infatigável que respeite todas as partes em causa. Desta forma, as condições para uma paz sólida e duradoura serão verdadeiramente garantidas.

A mundialização que caracteriza o nosso tempo não deve ser vista apenas como um fenómeno económico, assinalado pela interdependência cada vez mais estreita de intercâmbios financeiros e comerciais, nem como uma aceleração prodigiosa da comunicação entre os homens, graças ao considerável progresso feito pela técnica. Ela exprime mais fundamentalmente a tomada de consciência "de que há valores comuns a todas as culturas, porque radicados na natureza da pessoa. É nesses valores que a humanidade exprime os seus traços mais autênticos e qualificantes" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 2001, n. 16). Por conseguinte, o reconhecimento da nossa pertença comum ao mesmo mundo e à mesma família humana deve transformar as relações entre as pessoas e entre os povos, para que seja sempre respeitado o bem comum e cessem os confrontos violentos e mortíferos entre os homens, dado que eles são todos irmãos, criados para glória do único Deus.

3. Para a Igreja católica, a liberdade faz parte dos direitos humanos mais fundamentais, porque exprime precisamente a dignidade inviolável de cada homem na sua dimensão mais nobre, isto é, a sua relação com o Criador, e porque ela pertence à liberdade de consciência. Eis o motivo pelo qual a Santa Sé se esforça por recordar a todo o mundo o necessário respeito deste direito, que é válido para todos os crentes de todas as religiões. Alegro-me profundamente por saber que o Estado do Qatar reconhece a todos os crentes a liberdade de culto, e aprecio a atitude acolhedora do seu governo em relação aos cristãos, sobretudo da Igreja católica. Agradeço calorosamente a quantos se empenharam neste âmbito. Estou consciente de que, por seu lado, os fiéis católicos se comprometem a trabalhar de coração para o bem do país onde vivem, no respeito das suas leis e das suas tradições, e com a preocupação pelo diálogo da vida com todos, sobretudo com os Muçulmanos.


DIscursos João Paulo II 2003