DIscursos João Paulo II 2004

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO FINAL DO "CONCERTO DA RECONCILIAÇÃO"


Sábado, 17 de Janeiro de 2004


1. Participei do Concerto desta noite, dedicado ao tema da reconciliação entre Judeus, Cristãos e Muçulmanos, com grande comoção. Escutei a esplêndida execução musical, que foi uma ocasião de reflexão e de oração para todos nós, com participação interior. Saúdo e agradeço de coração os promotores da iniciativa e quantos contribuíram para a sua concreta realização.

Saúdo os Presidentes e os componentes dos Pontifícios Conselhos que patrocinaram este evento altamente significativo. Saúdo as personalidades e os representantes das várias Organizações Judaicas Internacionais, das Igrejas e Comunidades eclesiais e do Islão, que com a sua participação tornam ainda mais sugestivo este nosso encontro. Transmito um agradecimento especial aos Cavaleiros de Colombo, que ofereceram o seu apoio concreto ao concerto, e à RAI, aqui representada pelos seus Dirigentes, que assegurou a adequada difusão do acontecimento.

Dirijo a minha cordial saudação ao ilustre Maestro Gilbert Levine e aos componentes da Orquestra Sinfónica de Pitsburgo e dos coros de Ancara, Cracóvia, Londres e Pitsburgo. A escolha dos trechos desta noite quis chamar a nossa atenção para dois pontos importantes que, de certo modo, aproximam quantos seguem o Judaísmo, o Islão e o Cristianismo, embora os respectivos textos sagrados os tratem de maneira diferenciada. Os dois pontos são: a veneração pelo Patriarca Abraão e a ressurreição dos mortos. Escutámos o magistral comentário no motete sagrado "Abraão", de John Harbison, e na sinfonia número 2 de Gustav Malher, inspirada no poema dramático "Dziady", do ilustre dramaturgo polaco Adam Mickiewicz.

2. A história das relações entre Judeus, Cristãos e Muçulmanos foi marcada por luzes e sombras e, infelizmente, conheceu momentos dolorosos. Hoje, sente-se a necessidade urgente de uma sincera reconciliação entre os crentes no único Deus.

Esta noite, estamos aqui reunidos para dar uma concreta expressão a este empenho de reconciliação, confiando-nos à mensagem universal da música. Recordou-se a advertência "Eu sou o Deus todo-poderoso. Comporta-te de acordo comigo e sê íntegro" (Gn 17,1). Cada ser humano ouve ressoar em si estas palavras: ele sabe que um dia deverá prestar contas àquele Deus que, do alto, observa o seu caminho sobre a terra.

Os votos que todos juntos expressamos são para que os homens sejam purificados do ódio e do mal que ameaçam continuamente a paz, e saibam estender reciprocamente as mãos livres da violência, mas prontas a oferecer ajuda e conforto a quem precisa.

3. O judeu honra o Omnipotente como protector da pessoa humana, e Deus das promessas de vida. O Cristão sabe que o amor é o motivo pelo qual Deus entra em contacto com o homem e que o amor é a resposta que Ele espera do homem. Para o Muçulmano, Deus é bom e sabe cumular o crente com as suas misericórdias. Nutridos com estas convicções, Judeus, Cristãos e Muçulmanos não podem aceitar que a terra seja ferida pelo ódio, que a humanidade seja devastada por guerras sem fim.

Sim! Devemos encontrar em nós a coragem da paz. Devemos implorar o dom da paz do Alto. E esta paz alargar-se-á como óleo que alivia, se percorrermos sem parar a estrada da reconciliação. Então o deserto tornar-se-á um jardim onde reinará a justiça, e o efeito da justiça será a paz (cf. Is Is 32,15-16).

Omnia vincit amor!



SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DE UMA DELEGAÇÃO


ECUMÉNICA DA FINLÂNDIA


Segunda-feira, 19 de Janeiro de 2004




Queridos Amigos da Finlândia

Uma vez mais neste ano, é-me grato a dar as boas-vindas à vossa Delegação Ecuménica, durante a sua visita a Roma para a Festa de Santo Henrique, Padroeiro da Finlândia. Nesta Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, quero expressar a minha gratidão pelo progresso ecuménico alcançado entre os católicos e os luteranos, nos cinco anos desde a assinatura da Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação. Um sinal promissor deste progresso no nosso caminho rumo à plena unidade visível foi a criação de um novo grupo de diálogo entre os luteranos e os católicos, na Finlândia e na Suécia. Formulo votos a fim de que os luteranos e os católicos pratiquem cada vez mais uma espiritualidade de comunhão, que se inspire naqueles elementos de vida eclesial que eles já estão a compartilhar e que hão-de fortalecer a sua fraternidade na oração e no testemunho do Evangelho de Jesus Cristo.

Sobre cada um de vós, invoco cordialmente as abundantes bênçãos de Deus.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA ABERTURA DA PORTA SANTA


NO INÍCIO DO ANO COMPOSTELANO NA ESPANHA







A D. Julián BARRIO BARRIO
Arcebispo de Santiago de Compostela

1. Na circunstância da abertura da Porta Santa, que assinala o início do Ano Jubilar Compostelano de 2004, o primeiro do terceiro milénio do cristianismo, transmito uma cordial saudação aos pastores e fiéis desta Arquidiocese de Santiago de Compostela e aos queridos filhos da Galiza. Do mesmo modo, desde agora uno-me espiritualmente aos peregrinos que, de toda a Espanha, da Europa e dos lugares mais recônditos da terra, se hão-de encaminhar, de muitas maneiras diferentes, até ao túmulo do Apóstolo São Tiago, impelidos pelo desejo sincero de conversão.

Ao longo da história, foram inúmeros os homens e mulheres que se dirigiram ao chamado "Finis terrae" com espírito de oração e de sacrifício. Os seus sulcos anónimos, seguindo a direcção da Via Láctea, foram definindo o Caminho. A peregrinação jacobina fala-nos das origens espirituais e culturais do velho Continente, pois a Igreja e a Europa são duas realidades intimamente unidas no seu ser e no seu destino (cf. Ecclesia in Europa, 108). Por isso, apesar da actual crise cultural que, em determinados aspectos, se repercute na vida de alguns cristãos, devemos confirmar que o Evangelho continua a constituir um ponto de referência fundamental para o Continente. Eu mesmo, em duas ocasiões, fui como peregrino a esta Cidade, justamente chamada "capital espiritual da unidade europeia". Conservo delas uma lembrança indelével.

2. A Igreja compostelana, que desde tempos imemoráveis recebeu o privilégio de conservar o Sepulcro do Amigo do Senhor, sente-se chamada a acolher generosamente e a transmitir o profundo sentido da vida, inspirado na fé proclamada por São Tiago, o Boanerges (cf. Mc Mc 3,17).
Por isso, o Caminho de Santiago, através do qual numerosos peregrinos purificaram e aumentaram a sua fé ao longo da história e que deixaram os seus vestígios claramente cristãos na cultura humana, não pode esquecer a sua dimensão espiritual. O fenómeno jacobino, que faz referência unicamente ao itinerário secular a Compostela, não pode desfigurar a sua identidade por causa dos factores culturais, económicos e políticos que comporta. Qualquer iniciativa que procurasse desvirtuar ou deturpar a sua índole especificamente religiosa constituiria um desvio das suas origens autênticas. A este respeito, o peregrino não é, pois, apenas uma pessoa que caminha: ele é, em primeiro lugar, um crente que, através desta experiência de vida e com o olhar fixo na intrepidez do Apóstolo, quer seguir Cristo com fidelidade.

"Peregrinos por Graça. Sobre o que falais ao longo do caminho?". O tema do presente Ano Santo faz referência à narração evangélica dos discípulos de Emaús e é uma imagem da peregrinação cristã, muito adequada para os peregrinos do novo milénio.

3. Ao longo dos séculos, a essência da peregrinação a Santiago de Compostela tem sido a conversão ao Deus vivo, através do encontro com Jesus Cristo. A celebração deste Jubileu propõe-se também como caminho de conversão. Com efeito, povos de todos os Continentes marcarão encontro em Compostela, para confessar a sua fé cristã e implorar e acolher o perdão de Deus misericordioso, cuja plenitude se manifesta na graça da indulgência jubilar, que comporta a remissão total da pena temporal devida pelos pecados. O peregrino, abandonando progressivamente o seu comportamento anterior, é chamado a revestir-se do "homem novo", assumindo a sua nova mentalidade, proposta pelo Evangelho. O rito do Turíbulo é, por sua vez, sinal da sua pruficação, do seu novo ser oferecido como incenso que se eleva à presença do Senhor.

Assim, a peregrinação à Basílica Compostelana durante o Ano jubilar deve supor um renovado impulso para a comunidade cristã, no compromisso de revitalizar a fé. Para isto, são essenciais os sacramentos da Penitência e da Eucaristia.

O gesto tradicional do abraço ao Apóstolo, testemunha e mártir de Jesus Cristo, simboliza o acolhimento jubiloso da fé que São Tiago, o Maior, pregou sem se cansar, até dar a sua própria vida. Por isso, o Caminho de Santiago não é somente uma meta. Cruzando o limiar do majestoso Pórtico da Glória os peregrinos, orientando a sua vida à luz das Escrituras, voltam para os seus lugares de origem, a fim de serem ali testemunhas vivas e credíveis do Senhor.

Deste modo, os dintéis desta Porta de Graça, imagem que evoca a Jerusalém celestial, serão testemunhas da audácia de quem não teme o futuro nem os obstáculos que ainda devem ser superados, para que se manifeste a humanidade nova, e recordar-nos-ão que a própria vida é um caminho por Cristo através de Deus Pai no Espírito.

4. Assim, apesar da sua dureza e do seu cansaço, a peregrinação é um anúncio jubiloso da fé. Um caminho pessoal em que os peregrinos, seguindo o exemplo do "Filho do Trovão", se transformam em apóstolos intrépidos e zelosos. Com a sua caminhada reflexiva, entregues à intimidade com o Senhor na oração e no silêncio, sustentados pelo cajado da sua Palavra, contemplando as maravilhas que o Criador plasmou na natureza, com a sua ascese pessoal, livres de equipamentos e provisões, evitando os perigos da experiência gnóstica de preocupantes movimentos pseudo-religiosos e culturais, são convidados a anunciar o Reino de Deus.

Além disso, o Caminho é um espaço e um tempo para o diálogo, a reconciliação e a paz; um itinerário de fraternidade espiritual e um impulso do compromisso ecuménico, de acordo com a vocação universal da Igreja. A hospitalidade, característica inerente à peregrinação, supõe também uma importante contribuição para a actual sociedade europeia, onde o fenómeno da migração requer uma atenção especial.

5. Este Ano Santo oferece-nos uma ocasião propícia para impelir, com renovado vigor, o compromisso com os valores da Boa Nova, propondo-os de maneira persuasiva às novas gerações e impregnando com eles a vida pessoal, familiar e social.

É isto que têm em vista as várias actividades pastorais, programadas para o Jubileu, particularmente a reunião da Comissão do Episcopado da Comunidade Europeia (COMECE) e o Encontro Europeu dos Jovens. Trata-se de acontecimentos que manifestam a vitalidade da fé da Igreja, fundamentada na pregração apostólica e que se devem projectar fraternalmente para a América e os demais Continentes. Compostela deve continuar a ser uma voz profética, um farol luminoso de vida cristã e de esperança para os novos caminhos da evangelização (cf. Discurso na "Plaza del Obradoiro", 19 de Agosto de 1989, n. 2).

6. A Santa Maria do Caminho, Virgem peregrina, Ícone da Igreja a caminho pelo deserto da história, que acompanhará os peregrinos no seu itinerário penitencial, e à protecção do Senhor São Tiago, que os receberá com um sorriso à sua chegada ao Pórtico da Glória, confio este Ano Jacobino, na confiança de que os frutos abundantes desta celebração jubilar ajudem a revitalizar a vida cristã, conservando-nos firmes na fé, convictos na esperança e constantes na caridade.
Com estes bons votos, e em sinal de benevolência, concedo-vos de bom grado a Bênção apostólica.

Vaticano, 30 de Novembro de 2003, primeiro Domingo de Advento.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO INSPECTORADO GERAL


DE SEGURANÇA PÚBLICA JUNTO DO VATICANO


Terça-feira, 20 de Janeiro de 2004

Senhor Dirigente

Senhores Funcionários
e Agentes do Inspectorado
de Segurança Pública
junto do Vaticano!

1. É sempre um prazer receber-vos e encontrar-me convosco: saúdo-vos a todos com afecto e a cada um em particular. Saúdo, de modo especial, o Dr. Salvatore Festa, ao qual manifesto o meu reconhecimento também pelas gentis palavras que me dirigiu em nome dos presentes. Aceito agradecido os votos fervorosos para o novo ano que acabou de se iniciar e retribuo cordialmente. Que 2004 seja um ano sereno e proveitoso para cada um de vós, para as vossas famílias e para todas as pessoas que vos são queridas!

A vossa visita de hoje oferece-me a oportunidade de vos manifestar mais uma vez reconhecimento e apreço pelo serviço quotidiano que desempenhais e que há mais de vinte e cinco anos acompanho com atenção.

2. A vossa tarefa tornou-se complexa nos últimos anos, porque episódios de cruel violência terrorista perturbaram em grande medida a segurança das nossas cidades. Enquanto é intensificada com todos os meios a acção de vigilância, torna-se cada vez mais urgente o compromisso de educar para a paz. Quis fazer referência a este importante desafio também na Mensagem para o recente Dia Mundial da Paz. Face às numerosas situações dramáticas do nosso tempo, corre-se o risco de ceder ao fatalismo como se a paz fosse uma meta quase impossível de alcançar. Não devemos sucumbir a esta tentação! A educação para a paz, com todas as suas exigências concretas, deve continuar a ser objecto do compromisso incessante de todos.

3. Caríssimos, o Papa acompanha-vos no vosso serviço quotidiano; partilha as vossas preocupações e apoia-vos com a sua oração, implorando a Deus a protecção para vós e para as vossas famílias. Com estes sentimentos, renovando os meus melhores votos para o novo ano, concedo uma especial Bênção a cada um de vós aqui presentes e a quantos vos são queridos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À COMISSÃO CONJUNTA ISLÂMICO-CATÓLICA,


NO IX ENCONTRO ANUAL




Querido Irmão Bispo
Ilustres participantes no Encontro
da Comissão Conjunta
Islâmico-Católica

A paz esteja convosco! É com prazer que vos recebo, no encerramento do vosso IX encontro anual. A vossa Comissão, que promove a comunicação entre os cristãos e os muçulmanos, foi criada durante um período de grande expectativa para a paz mundial. Infelizmente, esta esperança ainda não foi alcançada. Diante das tragédias que continuam a angustiar a humanidade, é ainda mais necessário convencer as pessoas de que a paz é possível. Efectivamente, ela constitui um dever (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2004, n. 4). Exorto-vos, assim como os líderes religiosos, a promover uma cultura de diálogo e de compreensão e respeito recíprocos.

Sobre todos vós, invoco agora as abundantes bênçãos de Deus Todo-Poderoso.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A SUA EX.CIA O SENHOR PAOLO GUIDO DE MARCO


PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE MALTA


Quinta-feira, 22 de Janeiro de 2004




Senhor Presidente

É-me grato dar-lhe as boas-vindas, a Vossa Excelência e à sua família, ao Vaticano. A sua visita traz-me à mente as memórias vivas da minha peregrinação a Malta, há três anos, e a calorosa hospitalidade que então me foi reservada. A minha peregrinação jubilar, seguindo os passos de São Paulo, foi uma ocasião para eu poder apreciar uma vez mais a antiga herança cristã do seu país e para encorajar os seus compatriotas nos esforços em ordem a edificar uma sociedade digna da sua nobre tradição cultural. A força de Malta foi sempre constituída pelas suas famílias, que não apenas enriqueceram o tecido social, mas também contribuiram de modo significativo para a missão universal da Igreja, não menos através da sua abundante colheita de vocações sacerdotais e religiosas.

Que as famílias encontrem sempre encorajamento e assistência na sua obra de educação dos mais jovens, que constituem o futuro de Malta. Sobre Vossa Excelência e todo o querido povo maltês, invoco cordialmente as abundantes bênçãos divinas da prosperidade, alegria e paz.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO IV GRUPO DE BISPOS FRANCESES


DAS PROVÍNCIAS ECLESIÁSTICAS


DE TOLOSA E MONTPELLIER


POR OCASIÃO DA VISITA


"AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sábado, 24 de Janeiro de 2004




Queridos Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio!

1. Sinto-me feliz por retomar as audiências com os Bispos da França durante as suas visitas ad Limina. É com alegria que vos recebo, Bispos das províncias de Tolosa e de Montpellier. Agradeço a D. Émile Marcus, Arcebispo de Tolosa, as suas amáveis palavras, rejubilando pelo espírito de colaboração que existe entre as vossas duas províncias, colaboração amplamente facilitada pelos vínculos históricos e pela presença do Instituto católico e do seminário diocesano de Tolosa, que acolhe sobretudo os seminaristas de toda a região. Como responsável da Comissão episcopal dos ministros ordenados, D. Marcus acaba de me apresentar os vossos interrogativos e preocupações em relação ao futuro do clero, recordando a situação particularmente alarmante que o vosso país atravessa e da qual as relações quinquenais das dioceses da França infelizmente dão testemunho. Elevo ao Senhor uma oração incessante para que os jovens aceitem a chamada ao sacerdócio especialmente ao sacerdócio diocesano e se comprometam no seguimento de Cristo, deixando tudo como os apóstolos, como nos recorda oportunamente o texto do Evangelho da Missa com que inicia este ano o tempo ordinário (cf. Segunda-feira da primeira semana, Mc 1,14-20).

2. Por conseguinte, é sobre esta questão do sacerdócio diocesano, fundamental para as Igrejas locais, que desejo falar convosco hoje. Compreendo perfeitamente que, como os sacerdotes, por vezes vós podeis sentir-vos desencorajados perante a situação e as perspectivas do futuro, mas eu gostaria de vos convidar a não perder a esperança e a comprometer-vos de maneira cada vez mais resoluta em benefício do sacerdócio. Mesmo se é bom ser realistas perante as dificuldades, não se deve ceder ao desencorajamento, nem contentar-se com olhar para as cifras e para a diminuição do número dos sacerdotes, porque não nos podemos sentir totalmente responsáveis por isto. De facto, como realçava justamente a Carta aos Católicos da França publicada pela vossa Conferência episcopal em 1996, que é sempre actual, a crise que a Igreja vive deve-se em grande medida à repercussão, tanto no âmbito da própria instituição eclesial como na vida dos seus membros, às mudanças sociais, às novas formas de comportamento, à perda dos valores morais e religiosos, e a uma atitude consumista amplamente difundida. Com a ajuda de Cristo e conscientes da nossa herança, devemos, antes de mais, nas adversidades, propor incessantemente aos jovens a vida sacerdotal, como um compromisso generoso e uma fonte de bem-estar, preocupando-nos por renovar e reconfirmar a pastoral das vocações.

O que pode afastar a juventude, muitas vezes marcada por uma vida fácil e superficial, é em primeiro lugar a imagem do sacerdote, cuja identidade, na sociedade moderna, é pouco garantida e cada vez menos clara, e cuja tarefa é também sempre mais pesada. É fundamental reafirmar esta identidade, demonstrando de maneira mais clara as características da figura do sacerdote diocesano. De facto, como podem os jovens sentir-se atraídos por uma forma de vida se não vêem nela a grandeza e a beleza, e se os próprios sacerdotes não se preocupam de exprimir o seu entusiasmo pela missão da Igreja? Homem entre os seus irmãos, com uma vida diferente para os servir melhor, o sacerdote encontra a sua alegria e o seu equilíbrio de vida na sua relação com Cristo e no seu ministério. Ele é o pastor do rebanho, que guia o povo de Deus, que celebra os sacramentos, que ensina e anuncia o Evangelho, garantindo também uma paternidade espiritual mediante o acompanhamento dos fiéis. Em tudo isto, ele é ao mesmo tempo testemunha e apóstolo que, mediante os diferentes actos do seu ministério, manifesta o seu amor a Cristo, à Igreja e aos homens.

A importância, a diversidade e o peso da missão que os sacerdotes da actual geração devem assumir dão a impressão de um ministério clamoroso que, indubitavelmente, não atrai os jovens ao seguimento dos seus antecessores. A respeito disto, gostaria de mencionar a coragem, o zelo e a tenacidade dos sacerdotes, que cumprem o seu ministério em condições com frequência muito difíceis, no meio de uma sociedade onde eles não são completamente reconhecidos. Faço votos por que eles não desanimem, mas encontrem em Cristo a tenacidade para cumprir a missão que lhes foi confiada! Dou graças, juntamente com eles, pela fidelidade, sinal do seu amor profundo a Cristo e à Igreja. Que eles nunca esqueçam que mediante os actos do seu ministério tornam presente a ternura de Deus e comunicam aos homens a graça de que têm necessidade! Transmiti-lhes o afecto do Sucessor de Pedro, que os acompanha quotidianamente com a sua oração! Convidai-os para os encontros com os jovens e, a darem testemunho, nas suas homilias, da alegria que se sente em seguir Cristo no sacerdócio diocesano! A minha afectuosa oração dirige-se de maneira especial aos sacerdotes idosos, que, mediante a sua vida de intercessão e um ministério à medida das suas forças, continuam a servir a Igreja, de outra forma.

3. As urgências da missão e as numerosas solicitações dos homens fazem com que os sacerdotes, pouco numerosos, corram o risco de negligenciar ou debilitar a sua vida espiritual; de igual modo, eles devem conciliar as exigências da existência quotidiana, do ministério, da formação permanente e do seu tempo de repouso para restabelecer as forças, a fim de não pôr em perigo o seu equilíbrio de vida humana e afectiva. O mais importante, antes de tudo para o sacerdote, é a edificação do crescimento da sua vida espiritual, fundada numa relação quotidiana com Cristo, estruturada pela celebração eucarística, pela Liturgia das Horas, a lectio divina e a oração. É esta relação que faz a unidade do ser sacerdotal e do ministério. Quanto mais o fardo é pesado, tanto mais é importante estar próximo do Senhor para encontrar nele as graças necessárias para o serviço pastoral e para o acolhimento dos fiéis. De facto, é a experiência espiritual pessoal que consente viver na fidelidade e reavivar incessantemente o dom recebido pela imposição das mãos (cf. 2Tm 1,6). De igual modo, como recordei na exortação apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, as respostas à crise do ministério que muitos países conhecem encontra-se num acto de fé total ao Espírito Santo (cf. n. PDV 1), numa estruturação cada vez mais forte da vida espiritual dos próprios sacerdotes, que os mantenha num procedimento exigente na vida de santidade (cf. nn. PDV 19-20), e numa formação permanente, que é como a alma da caridade pastoral (cf. nn. PDV 70-71). É tarefa vossa vigiar por que os membros do presbitério baseiem a sua missão numa vida de oração regular e fiel, e na prática do sacramento da penitência.

4. Os sacerdotes, sobretudo os mais jovens, sentem a necessidade de uma experiência sacerdotal fraterna, até mesmo de uma vida comunitária, para enfrentar e diminuir as dificuldades que muitos podem sentir face à inevitável solidão relacionada com o ministério, mesmo se, por vezes de modo paradoxal, vivem o seu ministério de maneira demasiado individual. Encorajo-os a desenvolver o seu desejo de vida fraterna e de colaboração recíproca, que confirma a comunhão no seio do presbitério diocesano, em união com o Bispo. Compete-vos, com os membros do vosso conselho episcopal, tomar em consideração este desejo, propondo aos sacerdotes inserções ministeriais nas quais eles possam, se for possível, estabelecer vínculos fortes com os co-irmãos. Convido-vos também a vós, a estar sempre próximos dos vossos sacerdotes, que são os vossos primeiros colaboradores. É, antes de tudo, com eles que deveis desenvolver incessantemente uma relação pastoral fraterna forte, assinalada por uma confiança recíproca e pela proximidade afectuosa. Seria bom que, com intervalos regulares, como já alguns fazem, pudésseis visitar os sacerdotes, verificando desta forma as suas condições de vida e de ministério, e manifestando a vossa atenção pela realidade quotidiana da sua existência.

De igual modo, encorajo os sacerdotes, todas as gerações confundidas, a estarem cada vez mais próximos uns dos outros, a desenvolver a sua fraternidade sacerdotal e as colaborações pastorais, sem receio das diferenças, nem das sensibilidades específicas, que podem ser benéficas para o dinamismo da Igreja local. Neste espírito, a participação numa associação sacerdotal constitui uma ajuda necessária. Quanto mais os vínculos de comunhão e de unidade forem fortes entre o Bispo e os seus sacerdotes, e entre os próprios sacerdotes, tanto maior será a unidade diocesana, e tanto mais forte será o sentido da missão comum e os jovens poderão sentir mais o desejo de fazer parte do presbitério. A vida fraterna dos ministros da Igreja é sem dúvida alguma uma forma concreta de propor a fé e de chamar os fiéis a desenvolver relações renovadas, a viver antes de mais o amor que nos é dado pelo Senhor. Pois é assim, como diz o Apóstolo, que seremos reconhecidos como discípulos e que podemos anunciar a Boa Nova do Evangelho. Mais ainda, nesta semana de oração pela unidade dos cristãos, não podemos deixar de nos sentir responsáveis pela unidade no seio do próprio presbitério, como exortava Santo Inácio de Antioquia: "O vosso presbitério, digno da sua reputação, digno de Deus, deve ser conforme ao Evangelho como as cordas da cítara; desta forma, na conformidade dos vossos sentimentos e na harmonia da vossa caridade, cantareis Jesus Cristo [...]. Por conseguinte, é útil que estejais numa unidade perfeita, para serdes sempre partícipes de Deus" (Carta aos Efésios, IV, 1-2).

A desigualdade do número de sacerdotes entre as dioceses não deixa de aumentar. A nova organização da Igreja na França, doravante dividida em províncias, pode permitir, a este nível, colaborações interessantes, para uma melhor repartição sacerdotal em função das necessidades, e uma colaboração a nível dos serviços diocesanos e nas diferentes organizações administrativas. A este propósito, desejo saudar as dioceses que já vivem esta partilha fraterna, agradecendo aos sacerdotes que aceitam, pelo menos por um período, deixar a sua diocese, à qual permanecem legitimamente ligados, para servir Igrejas nas áreas com menor presença ministerial, com a preocupação de construir verdadeiras comunidades sacerdotais, numa disponibilidade particularmente eloquente.

5. No mundo actual, a questão do celibato eclesiástico e da castidade com ele relacionada é por vezes, tanto para os jovens como para outros fiéis, um obstáculo, sujeito a numerosas incompreensões na opinião pública. Gostaria de me congratular, em primeiro lugar, pela fidelidade dos sacerdotes, que se esforçam por viver plenamente esta dimensão fundamental da sua vida sacerdotal, mostrando desta forma ao mundo que Cristo e a missão podem preencher uma existência e que a afeição ao Senhor, na doação total das suas faculdades de vida, constitui um testemunho prestado ao absoluto de Deus e uma participação particularmente fecunda para a construção da Igreja. Convido os sacerdotes a permanecerem vigilantes em relação às seduções do mundo e a fazer regularmente um exame de consciência, a fim de viverem cada vez mais profundamente na fidelidade ao seu compromisso, que os conforma com Cristo, casto e totalmente consagrado ao Pai, e que é uma importante contribuição para o anúncio do Evangelho. Qualquer atitude que impeça este compromisso constitui para a comunidade cristã e para todos os homens um contra-testemunho. É vossa tarefa estar atentos às condições afectivas da vida dos sacerdotes e às suas eventuais dificuldades. Sabeis por experiência que os jovens sacerdotes, assim como os seus contemporâneos, são marcados por um extraordinário entusiasmo e pelas fragilidades da sua época, que conheceis bem. É bom acompanhá-los com extrema atenção, nomeando possivelmente um sacerdote que se distingue pelo seu discernimento para os apoiar nos primeiros anos ministeriais. Uma ajuda psicológica e espiritual apropriada pode revelar-se também necessária, para pôr fim a situações que poderiam, com o tempo, revelar-se perigosas. De igual modo, nos casos em que os sacerdotes tiverem um estilo de vida que não está conforme com o seu estado de vida, é importante convidá-los expressamente à conversão. A castidade no celibato tem um valor inestimável. Ela constitui uma chave importante para a vida espiritual dos sacerdotes, para o seu compromisso na missão e para a justa relação pastoral com os fiéis, que não devem absolutamente basear-se em aspectos afectivos, mas sim, na responsabilidade que lhes compete no ministério. Identificando-se assim com Cristo, eles tornam-se sempre mais disponíveis para o Pai e para as moções do Espírito Santo.

6. Perante as tarefas cada vez mais pesadas que os sacerdotes devem enfrentar, é importante ajudá-los a discernir as prioridades e a favorecer as colaborações confiantes com os leigos, no respeito das responsabilidades que competem a cada um. Conheço a alegria e o bem-estar que eles conhecem no seu ministério, no anúncio da Palavra de Deus, nos contactos directos com os homens, as mulheres e as crianças, na partilha das responsabilidades com os leigos. Que há de melhor para um pastor do que ver os fiéis crescer em humanidade e na fé, e ocupar o seu lugar na Igreja e na sociedade?

A crescente descristianização é o maior desafio do momento, mobilizando para esta finalidade todos os sacerdotes das vossas dioceses. A urgência é para a missão, na qual todos os discípulos do Senhor devem participar, na evangelização do mundo que, não só já não conhece os aspectos fundamentais do dogma cristão, necessário para uma existência cristã e para uma participação frutuosa para a vida sacramental, mas que, em grande medida, perdeu a memória dos elementos culturais do cristianismo.

7. Os diáconos permanentes, com frequência casados, cujo número não deixa de aumentar nas vossas dioceses, desempenham um papel importante, nas Igrejas diocesanas. Saúdo-os afectuosamente, assim como às suas esposas e filhos, que, mediante a sua proximidade e apoio, os ajudam no seu ministério; as vossas relações testemunham a estima e a confiança que tendes neles. Aprecio a missão que eles desempenham, pois, por vezes, eles estão em contacto com os ambientes mais afastados da Igreja; são reconhecidos pelos seus irmãos em virtude da sua competência profissional e da sua proximidade fraterna às pessoas e à cultura na qual estão inseridos. Apresentam um rosto característico da Igreja, que gosta de estar próxima do povo e da sua realidade quotidiana, para enraizar na sua vida o anúncio da mensagem de Cristo, como São Paulo em Atenas, como testemunha o episódio do areópago (cf. Act Ac 17,16-32). Que todos sejam recompensados pela missão de Igreja que desempenham como servos do Evangelho, acompanhando, com frequência no âmbito profissional que é o primeiro contexto do seu ministério, o povo cristão, dando um testemunho primordial da atenção da Igreja por todas as camadas da sociedade e dedicando-se, com a palavra e com a sua exigente vida pessoal, conjugal e familiar, a dar a conhecer a mensagem cristã e a fazer reflectir os homens e as mulheres sobre as grandes questões da sociedade, para que os valores evangélicos resplandeçam!

No final do nosso encontro, peço-vos que leveis a minha saudação afectuosa a todos os fiéis das vossas dioceses e que transmitais de modo muito especial a minha proximidade espiritual às famílias atingidas pelas diferentes inundações que se abateram sobre os habitantes da região e pelo trágico desastre da fábrica AZF, recordando aos cristãos e a todos os homens de boa vontade a necessidade de uma atenção e de uma solidariedade cada vez maiores para com os nossos irmãos que se encontram na prova.

Ao recomendar-vos a vós, bem como os sacerdotes, os diáconos e todo o povo cristão que vos está confiado à protecção materna da Virgem Maria, Mãe da Igreja e nossa Mãe, concedo-vos de coração, assim como a todos os vossos diocesanos, a Bênção apostólica.




DIscursos João Paulo II 2004