DIscursos João Paulo II 2004

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE ARTISTAS DA POLÓNIA


25 de Janeiro de 2004





Dou cordiais boas-vindas a todos os artistas e às pessoas que os acompanham. Muito obrigado por me terdes confiado o "Livro dos Querubins" o marco da generosidade das pessoas que sabem valorizar toda a criatividade na vida das sociedades e dos povos.

Certa vez, escrevi que no homem artífice se reflecte a imagem do Criador (cf. Carta aos Artistas, 1). Hoje, repito estas palavras diante dos representantes da Fundação que tem como finalidade a promoção do estilo criativo na vida, sobretudo no meio dos jovens. Repito-as como motivação essencial da generosidade da vossa obra. Digo-o ainda para recordar a todos os artistas aqui presentes que este reflexo de Deus implica uma grande responsabilidade.

Em primeiro lugar, responsabilidade por si mesmo e pelo seu próprio talento. O talento artístico é um dom de Deus, e quem o descobre em si mesmo sente, ao mesmo tempo, uma certa obrigação: sabe que não pode desperdiçar este talento, mas que o deve desenvolver. Dá-se também conta de que não o desenvolve por auto-satisfação mas, com o seu talento, para servir o próximo e a sociedade, em que lhe é concedido viver. Esta é a segunda dimensão da responsabilidade de um artista: o empenho a plasmar o espírito das sociedades e dos povos.

É nesta perspectiva que se revela a terceira dimensão da responsabilidade, que o filósofo grego Platão encerrou numa só frase: "O poder do Bem refugiou-se na natureza do Belo" (Filebo, 65). Quando se fala da criatividade, pensa-se espontaneamente no belo. Todavia, o Belo só pode começar a existir, se na sua natureza se refugiar o poder do Bem. Por conseguinte, o artista é responsável não apenas pela dimensão estética do mundo e da vida, mas inclusivamente pela sua dimensão moral. Se na criatividade não se deixa guiar pelo Bem ou, pior ainda, se orienta para o mal, não é digno do título de artista.

Deposito esta tríplice responsabilidade nos vossos corações, caros jovens que desejais viver de forma criativa, e todos vós que desejais ajudá-los de diversas maneiras. Sede fiéis ao Belo e ao Bem. Que isto vos aproxime de Deus, o primeiro Criador do Belo e do Bem, a fim de que possais ajudar outros a haurir desta fonte a inspiração para o seu crescimento espiritual. Deus vos ajude!

Abençoo-vos de coração nesta obra criativa.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CARDEAL-ARCEBISPO D. CLÁUDIO HUMMES


POR OCASIÃO DA CELEBRAÇÃO


DO 450° ANIVERSÁRIO DA CIDADE DE SÃO PAULO



Ao Venerável Irmão Cláudio HUMMES
Cardeal-Arcebispo de São Paulo

É para mim motivo de profunda alegria e ação de graças, elevadas ao Todo-Poderoso, evocar o significativo evento do 450º aniversário da fundação de São Paulo, afirmando-me presente nas celebrações, com idêntico afeto como se aí estivesse, e acompanhando a todos os paulistanos em seu júbilo pela fausta efeméride da Capital do Estado. A todos desejo "graça, misericórdia e paz, da parte de Deus Pai e de Jesus Cristo, nosso Senhor!" (2Tm 1,2). Numa só alma e num só coração, a parcela da Igreja aí congregada entoa jubilosos hinos de louvor a Deus por ter querido fazer de São Paulo um centro de progresso material com vasta importância para o País e, de modo especial, por ter imprimido na vida do povo, através de um amálgama de raças e culturas, o espírito cristão feito de compreensão, solidariedade, justiça e paz, que serviu de modelo para todo o brasileiro.

"Recordar é viver". Assim cantava o povo, que hoje rememora uma pequena agrupação de casas na colina de Piratininga, às margens do Tamanduateí e do riacho Anhangabaú. Graças à visão magnânima do Beato José de Anchieta aí se construiu aquele que hoje é conhecido como Pátio do Colégio, inaugurado com uma Missa no dia 25 de Janeiro de 1554: levantar um colégio, que fosse ponto de irradiação de catequese para a população lusitana e os habitantes nativos, foi realmente manifestação de fé ardorosa e de coragem, da qual hoje reconhecemos agradecidos seus frutos.

Entre eles conta-se uma responsabilidade solidária no salvaguardar e promover o bem comum de todos os segmentos da sociedade, por uma participação esclarecida e generosa na vida da comunidade a que se pertence, apoiada em opções genuinamente cristãs, sempre respeitadoras, dignas e dignificantes da mensagem do Evangelho. Amparar os pobres e marginalizados com uma justa distribuição da riqueza; defender a família e a vida desde a sua concepção até o seu termo natural; acolher os migrantes e favorecer uma justa distribuição do trabalho; enriquecer a cultura e estimular sempre mais o ensino público e privado, em todos os níveis; e dar segurança ao povo.

Eis, entre outros, os motivos pelos quais acompanho de perto vossas ânsias e esperanças.
Conscientes desta realidade e conhecedores de que a Igreja é ao mesmo tempo sinal levantado diante das nações, para incentivar a unidade do gênero humano, desejo congratular-me com todas as forças vivas do último trabalhador recém-chegado, até os mais altos mandatários da Capital e do Estado pelo empenho em manter elevado aquele espírito indômito que caracterizou as gestas das bandeiras por esse Brasil afora.

Por isso, desejo exprimir minha solidariedade a todos os que se empenham, na amada Terra da Santa Cruz, em ser promotores de paz e justiça. Dirijo minha calorosa congratulação às autoridades constituídas, civis e militares, que nesta data se unem fraternalmente às celebrações, e evoco, pela intercessão do Apóstolo das Gentes, o Deus Todo-Poderoso, para que se digne abençoar a todos os homens e mulheres de boa vontade de São Paulo.
Ao Senhor Cardeal e a toda a Igreja que está em São Paulo renovo meus votos de felicidades, e peço a Maria Santíssima, Mãe de Deus e de misericórdia, que ampare a Arquidiocese e toda a pastoral diocesana, a fim de que esta ocorrência jubilar sirva também de renovação espiritual e de estímulo para o fortalecimento da fé entre o povo da querida Nação brasileira. Com a minha Bênção apostólica.

Vaticano, 5 de janeiro de 2004.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENADO ACADÉMICO


DA UNIVERSIDADE DE SZCZECIN (POLÓNIA)


Terça-feira, 27 de Janeiro de 2004




Dirijo as minhas cordiais saudações a todos os presentes. Saúdo o Arcebispo D. Zygmunt e o Presidente da Câmara Municipal de Szczecin, assim como o Senhor Reitor e os Representantes da Universidade de Szczecin e da Faculdade de Teologia.

Viestes para anunciar um acontecimento particular. Eis que o Senado da Universidade decidiu que o Ateneu receberá entre as suas paredes a Faculdade de Teologia, que até agora exerceu independentemente a sua actividade científica e educativa. Tendo perguntado o parecer da Congregação para a Educação Católica, aceitei-o de bom grado. Com efeito, é justo que essa Região da Polónia disponha de uma importante Faculdade de Teologia, coadjuvada pelas estruturas organizativas e pela potencialidade científica da Universidade. Formulo votos a fim de que, graças a esta iniciativa, os jovens de Szczecin e de toda a Região Noroeste da Polónia tenham maiores possibilidades de adquirir a ciência filosófica e teológica.

Existe ainda outra dimensão desta união, que é preciso ter em consideração. Na Idade Média, costumava-se considerar que uma Universidade desprovida da Faculdade de Teologia era de certa forma "incompleta". É verdade que os tempos modernos criaram muitas Universidades dinâmicas, que não dispõem de uma Faculdade de Teologia, mas parece que o conceito dessa época tem a sua razão de ser. Ela deriva da necessidade do diálogo entre a razão e a fé. Falei sobre isto recentemente aos Representantes dos Ateneus de Vratislávia e de Opole. Sim, um diálogo como este é necessário, se os frutos das investigações científicas em várias disciplinas quiserem servir para o desenvolvimento integral do homem. Dado que não se pode dividir a razão da alma, assim também não se pode transmitir plenamente a ciência, sem ter em conta as necessidades da alma humana, que está aberta para o infinito. Além disso, o desenvolvimento das ciências comporta muitas questões éticas que deveriam ser resolvidas pela autonomia das próprias ciências, mas também no espírito da verdade. A tendência colegial ao conhecimento da verdade acerca do homem, da dignidade da pessoa humana, do valor da vida e, contemporaneamente, da grandiosidade dos resultados científicos em todas as matérias servirá, sem dúvida, para o aprofundamento do saber transmitido. Confrontar os conceitos e definir a dignidade dos objectivos para os quais a ciência está orientada e dos instrumentos a que ela recorre, não podem deixar de dar bons frutos.

Estes são os votos que formulo à Universidade de Szczecin, à sua Faculdade de Teologia e à vossa Cidade. A vossa colaboração, o diálogo criativo e inclusivamente os debates científicos produzam os frutos da verdade e sirvam o desenvolvimento versátil daqueles que quiserem beber da fonte da ciência e da sabedoria.

Deus vos abençoe!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS COMPONENTES DO TRIBUNAL DA ROTA ROMANA


NA INAUGURAÇÃO DO ANO JUDICIÁRIO


Quinta-feira, 29 de Janeiro de 2004




Caríssimos Componentes
do Tribunal da Rota Romana

1. Sinto-me feliz por realizar este encontro anual convosco, para a inauguração do Ano Judiciário. Ele oferece-me a ocasião propícia para confirmar a importância do vosso ministério eclesial e a necessidade da vossa actividade judiciária.

Saúdo cordialmente o Colégio dos Prelados Auditores, a começar pelo Decano, Mons. Raffaello Funghini, a quem agradeço as profundas reflexões com que exprimiu o sentido e o valor do vosso trabalho. Além disso, saúdo os Oficiais, os Advogados e os outros Colaboradores deste Tribunal Apostólico, assim como os membros do Estudo Rotal e todos os presentes.

2. Nos encontros dos últimos anos, abordei alguns aspectos fundamentais do matrimónio: a sua índole natural, a sua indissolubilidade e a sua dignidade sacramental. Na realidade, a este Tribunal da Sé Apostólica chegam inclusivamente outras causas de diversos tipos, com base nas normas estabelecidas pelo Código de Direito Canónico (cf. cânn. CIC 1443-1444) e pela Constituição Apostólica Pastor bonus (cf. artt. ). Porém, é sobretudo para o matrimónio que o Tribunal é impelido a orientar a sua atenção. Hoje, respondendo também às solicitudes manifestadas pelo Mons. Decano, desejo reflectir novamente sobre as causas matrimoniais que vos são confiadas e, de modo particular, sobre um aspecto jurídico-pastoral que delas sobressai: faço alusão ao favor iuris de que goza o matrimónio e à referente presunção de validade em caso de dúvida, declarada pelo cânone CIC 1060 do Código latino e pelo cânone CIO 779 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais.

Com efeito, por vezes ouvem-se vozes críticas a este propósito. Algumas pessoas julgam que tais princípios estão ligados a situações sociais e culturais do passado, em que a exigência de casar de forma canónica normalmente pressupunha nos interessados a compreensão e a aceitação da verdadeira natureza do matrimónio. A crise que hoje, em tantos ambientes, infelizmente assinala esta instituição, para eles parece que a própria validade do consenso deve considerar-se muitas vezes comprometida, por causa dos vários tipos de incapacidade ou ainda pela exclusão de bens essenciais. Diante desta situação, os críticos mencionados perguntam-se se não seria mais justo presumir a nulidade do matrimónio contraído, em vez da sua validade.

Nesta perspectiva o favor matrimonii, afirmam, deveria ceder o lugar ao favor personae ou ao favor veritatis subiecti ou ao favor libertatis.

3. Para avaliar correctamente as novas posições é oportuno, em primeiro lugar, reconhecer o fundamento e os limites do favor em questão. Na realidade, trata-se de um princípio que transcende enormemente a presunção de validade, dado que informa todas as normas canónicas, tanto substanciais como processuais, no que se refere ao matrimónio. Com efeito, o apoio ao matrimónio deve inspirar todas as actividades da Igreja, dos Pastores, dos fiéis e da sociedade civil, em síntese, de todas as pessoas de boa vontade. O fundamento desta atitude não é uma opção mais ou menos opinável, mas sim o apreço do bem objectivo, representado por toda a união conjugal e por cada família. Precisamente quando é ameaçado o reconhecimento pessoal e social de um bem tão fundamental, descobre-se mais profundamente a sua importância para as pessoas e para as comunidades.

À luz destas considerações, manifesta-se com clareza que o dever de defender e favorecer o matrimónio cabe certamente, de maneira particular, aos Pastores sagrados, mas constitui também uma responsabilidade específica de todos os fiéis, sobretudo dos homens e das autoridades civis, cada qual segundo as suas próprias competências.

4. O favor iuris de que goza o matrimónio implica a presunção da sua validade, enquanto não se provar o contrário (cf. Código de Direito Canónico [CDC], cân. CIC 1060; Código dos Cânones das Igrejas Orientais [CCIO], cân. CIO 779). Para compreender o significado desta presunção, é necessário recordar em primeiro lugar que ela não representa uma excepção em relação a uma regra geral em sentido oposto. Pelo contrário, trata-se da aplicação ao matrimónio, de uma presunção que constitui um princípio fundamental de cada ordenamento jurídico: os actos humanos, por si só lícitos, e que influenciam as relações jurídicas, são presumivelmente válidos, embora sendo sem dúvida admitida a prova da sua invalidade (cf. CDC, cân. CIC 931 2).

Esta presunção não pode ser interpretada como uma mera protecção das aparências ou do status quo como tal, porque é prevista também, dentro de limites razoáveis, a possibilidade de impugnar o acto. Todavia, aquilo que de fora parece correctamente realizado, na medida em que entra no campo da liceidade, merece uma consideração inicial de validade e a consequente protecção jurídica, porque este ponto de referência externo é o único de que, realistamente, o ordenamento dispõe para discernir as situações a que deve oferecer a tutela. Supor o contrário, ou seja, o dever de oferecer a prova positiva da validade dos respectivos actos, significaria expor os sujeitos a uma exigência de realização quase impossível. Com efeito, a prova deveria compreender os múltiplos pressupostos e requisitos do acto que, com frequência, têm uma extensão notável no tempo e no espaço, e comprometem uma vasta série de pessoas e de actos precedentes e conexos.

5. Então, o que dizer da tese, segundo a qual a própria falência da vida conjugal deveria fazer presumir a nulidade do matrimónio? Infelizmente, a força deste delineamento erróneo é, às vezes, tão grande que se transforma num preconceito generalizado, que leva a procurar as causas de nulidade, como meras justificações formais de um pronunciamento que, na realidade depende do facto empírico do insucesso matrimonial. Este formalismo injusto da parte daqueles que se opõem ao tradicional favor matrimonii pode chegar a esquecer que, segundo a experiência humana assinalada pelo pecado, um matrimónio válido pode falir por causa do recurso erróneo à liberdade dos próprios cônjuges.

A constatação das verdadeiras nulidades deveria levar sobretudo a averiguar com maior seriedade, no momento das núpcias, os requisitos necessários para casar, especialmente os que dizem respeito ao consenso e às disposições concretas dos noivos. Os párocos e os seus colaboradores neste âmbito têm o grave dever de não ceder a uma visão meramente burocrática das investigações pré-matrimoniais, previstas pelo cân. CIC 1067. A sua intervenção deve ser orientada pela consciência de que as pessoas podem, precisamente nesse momento, descobrir o bem natural e sobrenatural do matrimónio e, por conseguinte, comprometer-se na sua busca.

6. Na verdade, a presunção de validade do matrimónio insere-se num contexto mais amplo. Muitas vezes, o verdadeiro problema não é tanto a presunção com palavras, como a visão contemplativa do próprio matrimónio e, portanto, o processo para controlar a validade da sua celebração. Este processo é, essencialmente, inconcebível fora do horizonte da averiguação da verdade. Esta referência teleológica à verdade é o que irmana todos os protagonistas do processo, não obstante a diversidade das suas funções. A este propósito, insinuou-se um cepticismo mais ou menos aberto sobre a capacidade humana de conhecer a verdade sobre a validade de um matrimónio. Inclusivamente neste campo, é necessária uma renovada confiança na razão humana, quer no que diz respeito aos aspectos essenciais do matrimónio, quer no que se refere às circunstâncias especiais de cada uma das uniões.

A tendência a ampliar estruturalmente as nulidades, esquecendo-se do horizonte da verdade objectiva, comporta um desvio estrutural de todo o processo. Neste caso, a instrução perde a sua incisividade, dado que o êxito é predeterminado. A própria investigação da verdade, à qual o juiz é gravemente obrigado ex officio (cf. CDC, cân. CIC 1452; CCIO, cân. CIO 1110) e para cujo alcance se serve do defensor do vínculo e do advogado, resolver-se-ia numa sucessão de formalismos desprovidos de vida. Uma vez que no lugar da capacidade de investigação e de crítica prevalecesse a construção de respostas predeterminadas, a sentença perderia ou atenuaria gravemente a sua tensão constitutiva para a verdade. Conceitos-chave, como os de certeza moral e de livre consideração das provas, permaneceriam desprovidos do seu necessário ponto de referência na verdade objectiva (cf. CDC, cân. CIC 1608; CCIO, cân. CIO 1291), que se renuncia a buscar ou então é considerada fora do alcance.

7. Além disso, o problema diz respeito à concepção do matrimónio, por sua vez inserida no contexto de uma visão global da realidade. A dimensão essencial de justiça do matrimónio, que fundamenta o seu ser numa realidade intrinsecamente jurídica, é substituída por perspectivas empíricas, de índoles sociológica, psicológica, etc., assim como por várias modalidades de positivismo jurídico. Sem nada tirar das contribuições válidas que podem derivar da sociologia, da psicologia ou da psiquiatria, não se pode esquecer que uma consideração autenticamente jurídica do matrimónio exige uma visão metafísica da pessoa humana e do relacionamento conjugal. Sem este fundamento ontológico, a instituição matrimonial torna-se uma mera superestrutura extrínseca, fruto da lei e do condicionamento social, que limitam a pessoa na sua livre realização.

Contudo, é necessário voltar a descobrir a verdade, a bondade e a beleza da instituição matrimonial que, como obra do próprio Deus através da natureza humana e da liberdade do consenso dos cônjuges, permanece como uma realidade pessoal indissolúvel, como um vínculo de justiça e de amor, ligado desde sempre ao desígnio da salvação e elevado na plenitude dos tempos à dignidade de sacramento cristão. Esta é a realidade que a Igreja e o mundo devem favorecer! Este é o verdadeiro favor matrimonii!

Apresentando-vos estas indicações para reflexão, desejo renovar a expressão da minha estima pelo vosso delicado e comprometedor trabalho na administração da justiça. Com estes sentimentos, enquando invoco a assistência divina constante sobre vós, dilectos Prelados Auditores, Oficiais e Advogados da Rota Romana, concedo-vos a todos a minha afectuosa Bênção.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR CHOU-SENG TOU NOVO EMBAIXADOR


DA REPÚBLICA DA CHINA JUNTO DA SANTA SÉ


Sexta-feira, 30 de Janeiro de 2004



Senhor Embaixador

É-me grato dar-lhe as boas-vindas ao Vaticano no dia de hoje e receber as Cartas Credenciais com que Vossa Excelência é designado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da China junto da Santa Sé. Desejo expressar a minha gratidão pela mensagem de saudação que o Senhor Embaixador me transmite da parte do Senhor Presidente Chen Shui-bian. Peço-lhe que comunique os meus bons votos e a certeza das minhas preces pela prosperidade e harmonia em Formosa.

Senhor Embaixador, estou agradecido pelas suas palavras de estima pelos esforços levados a cabo pela Santa Sé em ordem a promover a paz no mundo inteiro. A Santa Sé considera esta tarefa como uma parte do seu serviço em prol da família humana, motivada por uma profunda solicitude pelo bem-estar de cada pessoa. A cooperação entre os povos, as nações e os governos constitui uma condição essencial para assegurar um futuro melhor para todos. A este propósito, a comunidade internacional está a enfrentar numerosos desafios, entre os quais os sérios problemas da pobreza mundial, a negação dos direitos dos povos e a falta de uma determinação firme da parte de certos grupos, em vista de fomentar a paz e a estabilidade.

As tradições religiosas e culturais da República da China dão testemunho do facto de que o desenvolvimento humano não deveria ser limitado pelo bom êxito económico ou material. Muitos dos elementos místicos das religiões asiáticas ensinam que não é a obtenção da riqueza material que determina o progresso dos indivíduos e das sociedades, mas sobretudo a capacidade que a civilização tem de promover a dimensão interior e a vocação transcendente dos homens e das mulheres. Efectivamente, "enquanto os indivíduos e as comunidades não virem respeitadas rigorosamente as exigências morais, culturais e espirituais, fundadas na dignidade da pessoa e na identidade própria de cada comunidade, a começar pela família e pelas sociedades religiosas, tudo o mais a disponibilidade de bens, a abundância dos recursos técnicos aplicados à vida quotidiana e um certo nível de bem-estar material resultará insatisfatório e, com o passar do tempo, desprezível" (Carta Encíclica Sollicitudo rei socialis SRS 33). Por este motivo, é importante que todas as sociedades procurem dar aos seus cidadãos a liberdade necessária para realizar integralmente a sua vocação. E para que isto possa ser alcançado, o país deve comprometer-se com firmeza na promoção da liberdade, que naturalmente deriva de um sentido determinante da dignidade da pessoa humana. Esta decisão de fazer com que a sociedade humana progrida na liberdade exige em primeiro lugar e acima de tudo o livre exercício da religião na sociedade (cf. Declaração sobre a Liberdade Religiosa, Dignitatis humanae, DH 1).

O bem da sociedade exige que o direito à liberdade religiosa seja salvaguardado pela lei e receba uma protecção efectiva. A República da China tem manifestado respeito pelas várias tradições religiosas presentes no seu território, reconhecendo o direito de todos à prática da sua própria religião. As religiões constituem um componente da vida e da cultura de uma nação, enquanto dão à comunidade um grande sentido de bem-estar, oferecendo um certo nível de ordem social, tranquilidade, harmonia e assistência aos mais frágeis e aos marginalizados. Concentrando a sua atenção nas questões humanas mais profundas, as religiões oferecem uma enorme contribuição para o progresso genuíno da sociedade e promovem, de maneira realmente significativa, a cultura da paz tanto a nível nacional como internacional. Como eu disse na minha Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1992, "a aspiração à paz está profundamente radicada na natureza humana e encontra-se presente nas diferentes religiões" (n. 2). O novo milénio exorta-nos a esforçar-nos em vista de cumprir um dever específico, que cabe a todas as pessoas, nomeadamente, o da maior cooperação para a promoção dos valores da generosidade, reconciliação, justiça, paz, coragem e paciência, de que hoje a família humana universal tem mais necessidade do que nunca (cf. ibidem).

Como parte desta família humana, a Igreja católica na República da China tem oferecido uma contribuição significativa para o desenvolvimento social e cultural da Nação, de forma especial mediante a sua dedicação à educação, à assistência médica e à ajuda aos menos afortunados. Através destas e de outras actividades, a Igreja continua a participar na promoção da paz e da unidade de todos os povos. Deste modo, ela procura cumprir a sua missão espiritual e humanitária, contribuindo para a edificação de uma sociedade de justiça, de confiança e de cooperação.

Também os governos deveriam esforçar-se sempre para ir ao encontro dos marginalizados presentes nos seus próprios países, assim como dos pobres e dos desamparados no mundo em geral. Com efeito, todos os homens e mulheres de boa vontade devem ter em conta o flagelo dos pobres e, na medida do possível, fazer o que podem para aliviar a pobreza e a necessidade. A Ásia é "um continente de abundantes recursos e de grandes civilizações, mas onde se encontram algumas das nações mais pobres da terra, e onde mais de metade da população sofre privações, pobreza e exploração" (Exortação Apostólica Ecclesia in Asia ). A este propósito, aprecio as numerosas obras de caridade realizadas pela República da China na arena internacional e, de modo muito especial, no mundo em vias de desenvolvimento. Formulo votos a fim de que o povo de Formosa continue a promover actividades caritativas e, desta maneira, contribuir para a edificação de uma paz duradoura no mundo inteiro.

Senhor Embaixador, estou persuadido de que o seu trabalho de promotor da paz se há-de manifestar no nosso compromisso conjunto em vista de fomentar o respeito mútuo, a caridade e a liberdade para todos os povos. Quero também garantir-lhe as minhas orações incessantes, a fim de que o povo da República da China contribua para a construção de um mundo de unidade e de paz. No momento em que o Senhor Embaixador dá início à sua missão, transmito-lhe de todo o coração os meus bons votos, enquanto lhe garanto a disponibilidade dos departamentos da Cúria Romana para o ajudar. Sobre Vossa Excelência e o povo da República da China, invoco abundantes bênçãos divinas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS FRANCESES


DAS PROVÍNCIAS ECLESIÁSTICAS


DE DIJON E TOURS POR OCASIÃO


DA VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sexta-feira, 30 de Janeiro de 2004





Queridos Irmãos no Episcopado!

1. No final deste tempo de graça no vosso ministério episcopal, constituído por uma visita ad Limina, é com alegria que vos recebo, a vós que tendes o encargo pastoral da Igreja católica nas Províncias eclesiásticas de Dijon e de Tours, e da Prelazia da Missão de França. O meu pensamento afectuoso acompanha D. Michel Coloni, Arcebispo de Dijon, que não pôde estar presente aqui esta manhã. Mediante a vossa peregrinação aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, fazeis crescer em vós o impulso apostólico que vos anima. Ao encontrar o Bispo de Roma e os seus colaboradores, fazeis a experiência da comunhão com o Sucessor de Pedro, e através dele, com a Igreja universal. Sustentados pela oração dos santos que assinalaram a história e a espiritualidade das vossas regiões, sobretudo São Martinho e a Beata Isabel da Trindade, sede reconfirmados, para guiar, cada vez com mais sabedoria pastoral, o povo de Deus que vos está confiado pelos caminhos da santidade e da fraternidade! Agradeço a D. André Vingt-Trois, Arcebispo de Tours, as cordiais saudações que me dirigiu, fazendo-me partícipe das vossas esperanças e das vossas preocupações. Que as novas relações estabelecidas entre as dioceses por ocasião da divisão das Províncias eclesiásticas contribua para desenvolver os vossos laços de unidade, para enfrentar juntos os desafios da nova evangelização!

2. Os vossos relatórios quinquenais manifestam a atenção por vós dedicada à missão dos leigos nas circunstâncias actuais da vida da Igreja. Muitos leigos servem generosamente a Igreja, mesmo se o seu número diminui regularmente. As comunidades cristãs envelhecem progressivamente; as gerações cuja idade vai dos 25 aos 45 anos são pouco presentes nas comunidades; a dificuldade em garantir a substituição dos cristãos que exercem uma responsabilidade na Igreja é já uma realidade. Contudo, vós distinguis sinais de esperança. Entre eles, a exigência de leigos que desejam adquirir uma sólida formação filosófica, teológica, espiritual ou pastoral, para um melhor serviço à Igreja e ao mundo; a busca de uma coerência maior entre a fé e a sua expressão na vida quotidiana; a preocupação de um testemunho cristão enraizado numa vida espiritual autêntica; o gosto reencontrado pelo estudo das Escrituras e pela meditação da Palavra; o sentido crescente da responsabilidade e do compromisso pela justiça e pelas obras de solidariedade, face às novas situações de precariedade. Convido todos os pastores a basear-se sobre estes desejos do povo de Deus a fim de empreender novas iniciativas, mesmo se elas concernem inicialmente apenas um pequeno número de pessoas, com a certeza de que os fiéis que descobrirem Cristo proporão de maneira credível o Evangelho aos homens do nosso tempo, convidando-os a unirem-se a eles, como fez o Apóstolo Filipe a Natanael: "Vinde ver" (Jn 1,46).

Vós recordastes os frutos que o Grande Jubileu da Encarnação deu nas Dioceses e comunidades paroquiais, apelando os cristãos a haurir da graça do seu Baptismo, ponto de partida da missão própria de todos os fiéis. Trata-se de ""partir de Cristo", com o impulso do Pentecostes, com renovado entusiasmo. Partir d'Ele, inicialmente no quotidiano compromisso da santidade, colocando-se em atitude de oração e à escuta da sua palavra. Depois, partir d'Ele para testemunhar o Amor, pela prática da vida caracterizada pela comunhão, pela caridade e pelo testemunho no mundo" (Homilia de 6 de Janeiro de 2001, n. 8,). É vossa tarefa realizar sempre este programa, para que a comunidade cristã possa fazer-se ao largo, aceitando deixar-se evangelizar e interrogar sobre a qualidade e sobre a nitidez do seu testemunho.

3. Para harmonizar as estruturas pastorais com as exigências da missão, a fisionomia das vossas dioceses modificou-se profundamente. A perspectiva da eclesiologia de comunhão, que tem por finalidade edificar a Igreja como casa e escola da comunhão, orientou, em grande medida, os vossos projectos pastorais. A diminuição do número de sacerdotes não é a única causa das "reordenações" pastorais que se demonstravam ser necessárias. Ao pô-las em prática, constatastes a redução numérica das comunidades. De maneira positiva, isto permitiu que os leigos participassem activamente no dinamismo da sua comunidade, tomando consciência das dimensões profética, real e sacerdotal do seu Baptismo. São numerosos os que aceitaram generosamente dedicar-se à vida paroquial, para se ocuparem, sob a responsabilidade do seu Pastor e no respeito do ministério ordenado, do dever da evangelização, e do serviço da oração e da caridade. Conheço a coragem apostólica que anima quantos devem enfrentar a indiferença e o cepticismo à sua volta. Levai-lhes as afectuosas saudações do Sucessor de Pedro, que os acompanha com a sua oração quotidiana.

Tende a preocupação de vigiar para que uma fecunda interacção una os seus compromissos de leigos, no âmbito das comunidades cristãs, na dimensão profética do seu testemunho no mundo, recordando que é importante "a evangelização das culturas, a inserção da força do Evangelho nas realidades da família, do trabalho, dos mass media, do desporto, do tempo livre, a animação cristã da ordem social e da vida pública nacional e internacional" (Exortação apostólica pós-sinodal Pastores gregis ). Para que este testemunho seja frutuoso, é importante que ele seja apoiado espiritualmente, nas paróquias e nas associações de fiéis. Contudo, na legítima diversidade das sensibilidades eclesiais, tenham a preocupação permanente de participar plenamente na vida diocesana e paroquial, e de viver em comunhão com o Bispo Diocesano.

Desta forma realizar-se-á é missão do Bispo vigiar sobre isso - a comunhão à volta dos sucessores dos Apóstolos. Peço-vos que leveis as minhas saudações fervorosas a todos os fiéis leigos empenhados nos movimentos e nos serviços da Igreja, e sobretudo a quantos trabalham no âmbito da solidariedade e na promoção da justiça, manifestando com a sua presença nos lugares de ruptura da sociedade a proximidade e o compromisso da Igreja para com as pessoas que conhecem a doença, a exclusão, a precariedade ou a solidão. Coordenando cada vez mais as suas acções, eles recordarão incessantemente às comunidades cristãs a exigência comum de estar activamente presentes junto de cada homem que sofre (cf. Exortação apostólica pós-sinodal Christifideles laici, CL 53).

4. Convosco, dou graças pelos jovens e adultos que descobrem ou redescobrem Cristo e que batem à porta da Igreja porque se interrogam acerca da questão da fé e do sentido da sua existência ou porque encontraram testemunhas. Tende grande preocupação de os seguir e de os acompanhar no seu caminho, e da sensibilização sempre maior das comunidades cristãs para o acolhimento fraterno dos catecúmenos ou de quantos voltam a crer, assim como de os apoiar depois da recepção do Baptismo. Eles são para a Igreja, da qual devem assimilar as tradições, a experiência e as práticas, um convite estimulante. Através de vós, agradeço às equipas do catecumenato, pelo importante serviço que desempenham. Este dinamismo catecumenal, assim como os requisitos apresentados pelas pessoas por ocasião de uma grande etapa da sua vida familiar Baptismo, matrimónio, exéquias chamam as comunidades cristãs a desenvolver uma pastoral da iniciação cristã adequada. A qualidade do acolhimento e da fraternidade na Igreja é poder de evangelização para os homens de hoje. Neste espírito, é importante que os agrupamentos paroquiais não suprimam a visibilidade da Igreja nas unidades sociais de base que são comuns, sobretudo em áreas rurais, oferecendo a possibilidade de celebrações jubilosas da Eucaristia que edifica a comunidade e lhe confere o impulso apostólico do qual ela tem necessidade.

Nas comunidades, apercebemo-nos de que, mesmo para os cristãos comprometidos, a Missa dominical não ocupa o lugar que lhe compete. Será preocupação dos Pastores recordar com vigor e evidência aos fiéis, sobretudo a quantos exercem responsabilidades na catequese, na pastoral da juventude ou nos cerimoniais, o sentido de obrigação dominical e a participação na Eucaristia do domingo, que não pode ser uma simples opção entre as numerosas actividades. Com efeito, para seguir verdadeiramente Cristo, para evangelizar, para servir o Senhor, convém levar uma vida coerente e responsável, em conformidade com as prescrições da Igreja, e estar convencido da importância decisiva, para a própria vida de fé, da participação, com toda a comunidade, no banquete eucarístico (cf. Carta apostólica Dies Domini, 46-49).

5. Os vossos relatórios quinquenais, realçam a vossa preocupação de propor aos leigos meios de formação espiritual e teológica em contínuo aprofundamento, sobretudo mediante a criação de centros de formação teológica, em várias Dioceses ou a nível regional. Estes vínculos permitem-lhes aprofundar a sua fé e formarem-se pastoralmente para assumir uma responsabilidade na Igreja. De igual modo, esta formação deve levar os fiéis a uma prática sacramental e a uma vida de oração mais intensas. O mundo moderno e os progressos científicos impõem que, no campo religioso, os pastores e os fiéis tenham uma formação que lhes permita testemunhar o mistério cristão e a vida que Cristo propõe a quantos desejam segui-l'O. Com vista à integração dos ensinamentos recebidos, é importante vigiar para que o progresso intelectual faça com que todos acedam a uma relação pessoal com Cristo.

Deste ponto de vista, seria bom formar permanentemente filósofos e teólogos, que possam dar aos cristãos as bases intelectuais de que têm necessidade para a sua fé e para a missão específica de leigos empenhados no mundo. A Igreja forma também numerosos jovens, no respeito das culturas e das confissões religiosas, dedicando-se a dispensar um ensino de qualidade e tendo de igual modo a nobre missão de transmitir os valores humanos, morais e espirituais inspirados no Evangelho. Congratulo-me com o trabalho das pessoas e das comunidades educativas profundamente comprometidas nos âmbitos escolar e universitário, tanto no ensino, como na catequese e nas capelanias. Elas jamais esqueçam que, para os jovens, o primeiro testemunho é o da vida quotidiana, em conformidade com os princípios cristãos que desejam comunicar. É tarefa dos pastores recordar sem cessar este critério de coerência.

6. A preocupação por promover e acompanhar a família está no centro das vossas solicitudes de pastores. A família não é um modelo de relação entre outros, mas um tipo de relação indispensável para o futuro da sociedade. De facto, uma sociedade não pode ser sadia se não promover o ideal da família, para a construção das relações conjugais e familiares estáveis, e para justas relações entre as gerações. Como ajudar as famílias? As vossas Dioceses têm a preocupação constante de oferecer meios concretos para apoiar o seu crescimento, permitindo-lhes que dêem um testemunho credível na Igreja e na sociedade. Vós dedicais-vos, como sugerem alguns dos vossos relatórios, a propor sobretudo um acompanhamento aos jovens casais, permitindo-lhes adquirir a maturidade humana e espiritual de que têm necessidade para o desenvolvimento harmonioso da sua família. Penso também nas novas gerações de jovens, que a Igreja tem dificuldade em aproximar e que pedem à Igreja que os prepare para o matrimónio.

Encorajo os sacerdotes, os diáconos e os fiéis comprometidos na bonita tarefa de lhes fazer descobrir o sentido profundo deste sacramento, assim como as missões para o qual ela compromete. Desta forma será proposta uma visão positiva das relações afectivas e da sexualidade, que concorrem para o crescimento do casal e da família. Como já pedi por ocasião da minha visita pastoral à França, em Santa Ana d'Auray, convido-vos a apoiar as famílias na sua vocação de manifestar a beleza da paternidade e da maternidade, e a favorecer a cultura da vida (cf. Discurso por ocasião do encontro com os jovens casais e com os seus filhos, n. 7).

Presto também homenagem ao importante trabalho realizado, sob a vossa vigilância, pelos serviços e movimentos da pastoral da família. As iniciativas que eles promovem, são um apoio indispensável para o crescimento e para a vitalidade humanas e espirituais dos lares, bem como uma resposta concreta ao fenómeno da desintegração da família. Não podemos assistir, impotentes, à ruina da família. A Igreja deseja participar, neste âmbito, numa verdadeira mudança das mentalidades e dos comportamentos, a fim de que triunfem os valores positivos relacionados com a vida conjugal e familiar, e que as relações não sejam enfrentadas simplesmente sob o ponto de vista individualista e do prazer pessoal, o que desnatura o sentido profundo do amor humano, que é antes de mais altruismo e doação de si. O comprometimento no matrimónio requer um certo número de missões e de responsabilidades, entre as quais as de manter e fazer crescer o vínculo conjugal, e de se ocupar dos filhos. Neste espírito, é bom oferecer uma ajuda aos pais, que são os primeiros educadores dos seus filhos, para que possam, por um lado, gerir e resolver as crises conjugais que poderão atravessar e, por outro, dar aos jovens o testemunho da grandeza do amor fiel e único, assim como os elementos de uma educação humana, afectiva e sexual, face às mensagens muitas vezes destruidoras da sociedade actual, que fazem crer que todos os comportamentos afectivos são bons, negando qualquer qualificação moral dos actos humanos. Tal atitude é particularmente desastrosa para os jovens, porque os compromete por vezes, sem consideração alguma, em comportamentos errados que, vemo-lo com muita frequência, deixam marcas profundas na sua psique, comprometendo as suas atitudes e os seus empenhos futuros.

7. Queridos Irmãos no Episcopado, no final do nosso encontro, gostaria de recordar a bela figura de Madalena Delbrêl, de quem festejamos o centenário do nascimento. Ela participou na aventura missionária da Igreja na França no século vinte, sobretudo na fundação da Missão da França e do seu seminário em Lisieux. Possa o seu testemunho luminoso ajudar todos os fiéis, juntamente com os seus pastores, a enraizarem-se na vida ordinária e nas diferentes culturas, para fazerem penetrar nelas, mediante uma vida cada vez mais fraterna, a novidade e a força do Evangelho! Mantendo viva, no seu coração e na sua vida, a consciência eclesial, isto é, "a consciência de serem membros da Igreja de Jesus Cristo, participantes no seu mistério de comunhão e na sua energia apostólica e missionária" (Christifideles laici, CL 64), os fiéis poderão oferecer-se ao serviço dos seus irmãos. Confio-vos a Nossa Senhora e concedo-vos a vós, aos sacerdotes, aos diáconos, aos religiosos e às religiosas, bem como aos leigos das vossas dioceses, uma afectuosa Bênção apostólica.




DIscursos João Paulo II 2004