DIscursos João Paulo II 2004

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS AMIGOS DO MOVIMENTO DOS FOCOLARES



Venerados Irmãos no Episcopado

Sinto-me feliz em vos enviar a minha cordial saudação, por ocasião do anual congresso de Bispos amigos do Movimento dos Focolares, que constitui um momento propício para aprofundar em conjunto a espiritualidade da Obra de Maria.

Apreciei muito o facto de que, para este encontro, vos propusestes reflectir e confrontar-vos sobre o tema da santidade, como exigência primária a ser proposta a todos os membros do Povo de Deus. O Concílio Ecuménico Vaticano II recordou que a santidade é a vocação de todos os baptizados. Também eu quis realçar esta mesma verdade na Carta apostólica Novo millennio ineunte, no final do Grande Jubileu do Ano 2000. De facto, só uma comunidade cristã resplandecente de santidade pode realizar eficazmente a missão que lhe foi confiada por Cristo, isto é, a de difundir o Evangelho até aos extremos confins da terra.

"Para uma santidade de povo": esta especificação realça precisamente o carácter universal da vocação à santidade na Igreja, verdade que representa um dos pilares da Constituição conciliar Lumen gentium. Devem ser oportunamente evidenciados dois aspectos gerais. Antes de tudo, o facto de que a Igreja é intimamente santa e que está chamada a viver e a manifestar esta santidade em todos os seus membros. Em segundo lugar, a expressão "santidade de povo" leva a pensar no carácter ordinário, ou seja, na exigência que os baptizados saibam viver com coerência o Evangelho na vida quotidiana: em família, na actividade de trabalho, em qualquer relação e ocupação. É precisamente no ordinário que se deve viver o extraordinário, de forma que a "medida" da vida tenda para o "alto", isto é, para a "plena maturidade de Cristo", como ensina o apóstolo Paulo (cf. Ef Ep 4,13).

A Bem-Aventurada Virgem Maria, da qual sei que sois filialmente devotos, seja o modelo sublime no qual vos inspirais sempre: nela está compendiada a santidade do Povo de Deus, porque nela resplandece na máxima humildade a perfeição da vocação cristã. Confio cada um e vós, queridos e venerados Irmãos, à sua materna protecção, enquanto desejo todos os bens para o vosso congresso e vos concedo de coração uma especial Bênção Apostólica.

Vaticano, 18 de Fevereiro de 2004.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO VIII GRUPO DE BISPOS FRANCESES


DA PROVÍNCIA ECLESIÁSTICA DE PARIS


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 2004



Senhor Cardeal
Queridos Irmãos no Episcopado!

1. Sinto-me feliz em vos receber, por ocasião da vossa Visita ad Limina, Pastores da província de Paris, assim como o Ordinário Militar. Agradeço ao Senhor Cardeal Jean-Marie Lustiger as amáveis palavras que acaba de me dirigir. Desejo ardentemente que a vossa visita, que vos permite encontrar-vos com o Sucessor de Pedro, vos confirme na vossa missão ao serviço da evangelização. Anunciar o Evangelho constitui de modo muito especial a missão do Bispo, "exímia manifestação da sua paternidade" de pastor que "deve estar consciente dos desafios que a hora presente acarreta e ter a coragem de enfrentá-los" (Pastores gregis ). Não podemos esquecer a frase do Apóstolo das Nações: "ai de mim, se eu não evangelizar!" (1Co 9,16). Já o Concílio recordava a urgência da evangelização para "iluminar todos os homens com a claridade de Cristo que resplandece na face da Igreja" (Lumen gentium, LG 1).

2. Os relatórios quinquenais apresentam a secularização da sociedade francesa, entendida com frequência como uma recusa, na vida social, dos valores antropológicos, religiosos e morais que a marcaram profundamente. Sente-se também a necessidade de um anúncio renovado do Evangelho, mesmo às pessoas já baptizadas, a ponto de constatar que muitas vezes um primeiro anúncio do Evangelho é praticamente necessário em toda a parte (cf. Ecclesia in Europa, 46-47). Recordais também a diminuição do número de crianças catequizadas, rejubilando ao mesmo tempo com o número crescente de catecúmenos entre os jovens e os adultos, bem como pela redescoberta do sacramento da Confirmação. São sinais que indicam que a transmissão da fé pode desenvolver-se não obstante as difíceis condições. Que os apelos dos homens que desejam "ver Jesus" (Jn 12,21) e que batem à porta da Igreja vos ajudem a suscitar uma nova primavera da evangelização e da catequese! Sigo com interesse as reflexões feitas pela vossa Conferência, a fim de propor a fé na sociedade actual e de convidar as comunidades diocesanas para uma audácia renovada neste campo, audácia que provém do amor a Cristo e à sua Igreja, e que se baseia na vida sacramental e na oração.

3. No que se refere à catequese para as crianças e para os jovens, é importante oferecer-lhes uma educação religiosa e moral de qualidade, proporcionando os elementos claros e sólidos da fé, que levam a uma vida espiritual intensa porque também uma criança é capax Dei, como diziam os Padres da Igreja a uma vida sacramental e humana digna e bela. Para constituir o núcleo sólido da existência, a formação catequética deve ser acompanhada de uma prática religiosa regular. Como pode a proposta feita aos jovens enraizar-se verdadeiramente neles e de que modo pode Cristo transformar a partir de dentro o seu ser e o seu agir, se eles não o encontram regularmente (cf. Dies Domini, 36; Ecclesia de Eucharistia EE 31)? É também importante que as Autoridades competentes, no respeito da legislação em vigor, deixem o lugar para a catequese e para a preparação religiosa pessoal e comunitária dos fiéis, recordando-se que esta dimensão da existência tem uma incidência positiva sobre os vínculos e sobre a vida das pessoas. Desejo agradecer calorosamente os serviços diocesanos de catequese e todos os catequistas, que se dedicam à educação religiosa da juventude. Encorajo-os a prosseguir a sua bela e nobre missão, tão importante para o mundo actual, preocupando-se todos os dias por transmitir fielmente o tesouro que a Igreja recebeu dos Apóstolos (cf. Act Ac 16,2), para o crescimento do povo cristão e para que se realize verdadeiramente a comunhão eclesial. Talvez eles nem sempre vejam os frutos imediatos da sua acção, mas tenham a certeza de que aquilo que semeiam nos corações, Deus o saberá fazer crescer, pois é Ele quem faz crescer todas as coisas (cf. 1Co 3,7). Recordem-se de que o que está em questão é o futuro da transmissão da fé e da sua realização! Disto depende também, em grande medida, a visibilidade da Igreja de amanhã.

Por conseguinte, convém dedicar especial atenção à formação dos sacerdotes, para que possam chegar ao centro da fé que devem comunicar. A vida cristã não pode basear-se numa simples atitude sociológica, nem sobre o conhecimento de alguns elementos da mensagem cristã, que não levariam a uma participação na vida da Igreja. Significaria que a fé permaneceria totalmente exterior às pessoas. Os pastores e os catequistas recordar-se-ão de igual modo de que as crianças e os jovens são particularmente sensíveis à coerência entre a palavra das pessoas e a sua vida concreta. Com efeito, como podem os jovens tomar consciência da necessidade da participação na Eucaristia dominical ou da prática do sacramento da penitência se os seus pais ou educadores não levam uma vida religiosa e eclesial? Quanto mais o testemunho de fé e de vida moral estiver em harmonia com a profissão de fé, tanto mais os jovens compreenderão em que aspectos a vida cristã ilumina toda a existência e lhe confere a sua força e profundidade. O testemunho quotidiano constitui o elemento de autenticidade do ensinamento oferecido.

Convido-vos a ter a preocupação da formação dos jovens, procurando formas de ensino que, tendo em conta o seu desejo de fazer uma experiência humana calorosa, lhes proponha conhecer Cristo e encontrá-lo numa vida de oração pessoal e comunitária forte e estruturante. A respeito disto, sei que é vossa solicitude renovar continuamente os instrumentos catequéticos e pedagógicos usados para os serviços de catequese, em conformidade com o Catecismo da Igreja católica e com as Directrizes gerais para a Catequese, que contêm os fundamentos teológicos e os pontos-chave do ensinamento catequético para todas as categorias de pessoas.

4. Nesta perspectiva, a vocação e a missão dos baptizados na comunidade eclesial e no mundo só se podem compreender à luz do mistério da Igreja, "sinal e instrumento da união íntima com Deus e da unidade de todo o género humano" (Lumen gentium LG 1). Neste espírito, é importante que seja proposta aos fiéis uma forma de inteligência da fé, que lhes permita harmonizar melhor os seus conhecimentos religiosos com o saber humano, a fim de poderem realizar uma síntese cada vez mais sólida entre as suas aquisições científicas e técnicas, e a experiência religiosa. Alegro-me com a proposta feita para promover escolas da fé no âmbito de instituições universitárias ou nas suas proximidades, mas com o seu apoio, pois elas estão particularmente habilitadas para proporcionar um ensino de qualidade, em fidelidade ao Magistério, numa perspectiva não apenas intelectual, mas com a preocupação de desenvolver a vida espiritual e litúrgica do povo cristão, e de o ajudar a descobrir as exigências morais ligadas à vida segundo o Evangelho. Congratulo-me com a acção da Escola-catedral de Paris, da qual beneficiam numerosas pessoas da vossa província e que convida cada um a aprofundar incansavelmente o mistério da fé, para, depois de o ter compreendido e assimilado melhor, o transmitir numa linguagem adequada, sem contudo transformar a substância. Esta harmonização entre uma compreensão racional do dado revelado e uma transmissão inculturada é, a meu parecer, um dos desafios do mundo de hoje. Desejo também congratular-me e encorajar a experiência lançada pelos pastores de um certo número de capitais europeias, que se associaram para dar um novo impulso à evangelização nas grandes cidades do Continente, contribuindo para reavivar a alma cristã da Europa e recordar aos Europeus os elementos da fé dos seus antepassados, que contribuíram para a edificação dos povos e das relações entre as Nações.

5. Desejo também chamar a vossa atenção para a função catequética e evangelizadora da liturgia, que deve ser compreendida como um caminho de santidade, a força interior do dinamismo apostólico e do carácter missionário da Igreja (cf. Carta apostólica Spiritus et sponsa no quadragésimo aniversário da Constituição conciliar Sacrosanctum concilium, SC 6). Com efeito, a finalidade da catequese é poder proclamar na Igreja a fé no Deus único: Pai, Filho e Espírito Santo e renunciar "a servir qualquer outro absoluto humano", formando assim o ser e o agir do homem (cf. Directrizes gerais para a Catequese, 82-83). Desta forma, é importante que os pastores se preocupem sempre, com a colaboração dos leigos, da preparação das liturgias dominicais, dedicando especial atenção ao rito e à beleza da celebração. Com efeito, toda a liturgia fala do mistério divino. Em continuidade com as Jornadas mundiais da Juventude de Paris, a vossa Conferência trabalha com alegria na renovação da catequese, para que o anúncio da fé se baseie incessantemente sobre a experiência da Vigília pascal, centro do mistério cristão, que proclama a morte e a Ressurreição do Salvador, até à sua vinda na glória. Nas suas homilias, os sacerdotes terão a solicitude de ensinar aos fiéis os fundamentos doutrinais da fé e da Sagrada Escritura. Exorto mais uma vez vigorosamente todos os fiéis a enraizar a sua experiência espiritual e a sua missão na Eucaristia, ao redor do Bispo, ministro e garante da comunhão na Igreja diocesana, pois "onde está o Bispo, ali se encontra a Igreja" (Santo Inácio de Antioquia, Carta aos Esmirneus 8, 2).

6. No final do nosso encontro, peço-vos que transmitais as minhas saudações afectuosas às vossas comunidades. Agradecei aos sacerdotes e às comunidades religiosas das vossas dioceses, que se dedicam com generosidade ao anúncio do Reino de Deus! O meu pensamento dirige-se hoje para todas as pessoas que se dedicam generosamente aos jovens, na catequese paroquial, nas instituições e nos movimentos nos quais se realizam acções catequéticas; a Igreja agradece a todos a sua dedicação para que Cristo seja melhor conhecido e mais amado. Transmiti o reconhecimento do Papa às pessoas que, em nome do Evangelho, se consagram às obras de caridade. Porventura não constituem elas, de certa maneira, catequeses vivas que contribuem para fazer descobrir o amor de Cristo? A terra de França deu numerosos santos que souberam juntar ensinamento catequético e obras de caridade, como São Vicente de Paulo, São Marcelino Champagnat, educador qualificado, que tive a alegria de canonizar.

Confio as vossas dioceses à protecção da Santíssima Virgem Maria, que me apraz invocar convosco com o título de Estrela do mar; ela guia o povo cristão na fidelidade ao seu Baptismo, no meio de qualquer adversidade, para que ele caminhe jubiloso ao encontro de Cristo Salvador. Concedo-vos a vós, aos sacerdotes, aos diáconos, às pessoas consagradas e a todos os fiéis, uma afectuosa Bênção apostólica.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA PONTIFÍCIA ACADEMIA PARA A VIDA


POR OCASIÃO DO X ANIVERSÁRIO DE FUNDAÇÃO




Veneráveis Irmãos
Ilustres Senhores e gentis Senhoras

1. Envio-vos com alegria esta minha Mensagem por ocasião do dia comemorativo do X aniversário de fundação da Pontifícia Academia para a Vida. Renovo a cada um a expressão do meu reconhecimento pelo serviço qualificado que a Academia presta na difusão do "Evangelho da Vida". Saúdo de modo especial o Presidente, Prof. Juan de Dios Vial Correa, assim como o Vice-Presidente, D. Elio Sgreccia, e todo o Conselho Directivo.

Juntamente convosco dou graças ao Senhor, sobretudo pela vossa próvida Instituição que, já há dez anos, veio agregar-se a outras criadas depois do Concílio. Os Organismos doutrinais e pastorais da Sé Apostólica são os primeiros a beneficiar da vossa colaboração, no que concerne o conhecimento e os dados necessários para as decisões a assumir no âmbito da norma moral relativa à vida. É o que acontece com os Pontifícios Conselhos para a Família e para a Pastoral no Campo da Saúde, assim como em resposta a pedidos feitos pela Secção para as Relações com os Estados, da Secretaria de Estado, e da Congregação para a Doutrina da Fé. E isto pode estender-se também aos demais Dicastérios e Departamentos.

2. Com o passar dos anos torna-se cada vez mais evidente a importância da Pontifícia Academia para a Vida. Os progressos das ciências biomédicas, de facto, enquanto fazem divisar perspectivas promissoras para o bem da humanidade e o cuidado das doenças graves e aflitivas, não raramente contudo apresentam sérios problemas em relação ao respeito pela vida humana e pela dignidade da pessoa.

O crescente domínio da tecnologia médica sobre os processos da procriação humana, as descobertas no campo da genética e da biologia molecular, as mudanças realizadas na gestão terapêutica dos enfermos graves, juntamente com a difusão de correntes de pensamento de inspiração utilitarista e hedonista, são factores que podem levar a comportamentos aberrantes, assim como à definição de leis injustas a propósito da dignidade da pessoa e do respeito exigido pela inviolabilidade da vida inocente.

3. Portanto, a vossa contribuição é preciosa para os intelectuais, especialmente os católicos, "chamados a estarem activamente presentes nas sedes privilegiadas da elaboração cultural, no mundo da escola e das universidades, nos ambientes da investigação científica e técnica" (Carta Encíclica Evangelium vitae EV 98). Foi exactamente nesta perspectiva que se instituiu a Pontifícia Academia para a Vida, com a tarefa de "estudar, informar e formar sobre os principais problemas da biomédica e do direito, relativos à promoção e à defesa da vida, sobretudo na relação directa que têm com a moral cristã e as directrizes do Magistério da Igreja" (Motu proprio Vitae mysterium, em: AAS 86 [1997], PP 386-387).

Em síntese, faz parte da vossa tarefa de elevada responsabilidade uma matéria complexa, hoje denominada "bioética". Agradeço-vos o esforço que empreendeis ao examinar questões específicas de profundo interesse, e igualmente ao favorecer o diálogo entre a investigação científica e a reflexão filosófica e teológica, orientada pelo Magistério. É necessário sensibilizar cada vez mais os investigadores, especialmente no âmbito biomédico, sobre o enriquecimento benéfico que pode brotar da reunião entre o rigor cientifico e as instâncias da antropologia e da ética cristas.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Possa o vosso serviço, já decenal, ser cada vez mais considerado e fomentado, dando os frutos almejados no campo da humanização da ciência biomédica e do encontro entre a investigação científica e a fé.

Com tal finalidade invoco sobre a Academia para a Vida, sob os auspícios da Virgem Maria, a assistência divina continua e, enquanto asseguro a cada um a minha lembrança na oração, concedo-vos a todos uma especial Bênção Apostólica, que estendo de bom grado aos vossos colaboradores e às pessoas que vos são queridas.


Vaticano, 17 de Fevereiro de 2004.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA PONTIFÍCIA ACADEMIA PARA A VIDA


NA CELEBRAÇÃO DO X ANIVERSÁRIO DE FUNDAÇÃO





Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Estou muito feliz por poder encontrar-me pessoalmente com todos vós, membros da Pontifícia Academia para a Vida, nesta especial circunstância em que celebrastes o X aniversário de Fundação da mesma Academia, recordando quantos contribuíram para o seu nascimento, com um pensamento especial ao Prof. Jerôme Lejeune, vosso primeiro Presidente, de quem conservo uma grata e querida recordação.

Agradeço ao Presidente, Prof. Juan de Dios Vial Correa, as amáveis palavras que me dirigiu e saúdo também o Vice-Presidente, D. Elio Sgreccia, e os membros do Conselho da Directoria, enquanto manifesto a todos vós o meu sentido apreço pela profunda dedicação com que promoveis as actividades da Academia.

2. O tema que estais a abordar revela-se repleto de graves problemas e implicações, que merecem uma análise atenta. Estão em jogo valores essenciais, não apenas para o fiel cristão, mas inclusivamente para o ser humano como tal. Sobressai cada vez mais o vínculo imprescindível da procriação de uma nova criatura com a união esponsal, pela qual o esposo se torna pai através da união conjugal com a esposa, e a esposa se torna mãe através da união conjugal com o esposo. Este desígnio do Criador está inscrito na própria natureza física e espiritual do homem e da mulher e, como tal, tem valor universal.

O acto em que o esposo e a esposa se tornam pai e mãe, através do dom recíproco total, faz deles cooperadores do Criador ao colocarem no mundo um novo ser humano, chamado à vida para a eternidade. Um gesto tão rico, que transcende a própria vida dos pais, não pode ser substituído por uma mera intervenção tecnológica, desvirtuada do seu valor humano e submetida às determinações das actividades técnicas e instrumentais.

3. A tarefa do cientista consiste sobretudo em investigar as causas da infertilidade masculina e feminina, para poder prevenir esta situação de sofrimento nos esposos, desejosos de encontrar "no filho uma confirmação e uma realização do seu dom recíproco" (Donum vitae, II, 2). Precisamente por este motivo, desejo encorajar as investigações científicas destinadas à superação natural da esterilidade nos cônjuges, e quero também exortar os especialistas a aperfeiçoar as intervenções que possam ser úteis para esta finalidade. Formulo bons votos a fim de que, ao longo do caminho da prevenção genuína e da terapia autêntica, a comunidade científica dirijo este apelo de maneira particular aos cientistas crentes possa atingir progressos confortadores.

4. A Pontifícia Academia para a Vida não deixará de realizar tudo aquilo que está ao seu alcance, para fomentar todas as iniciativas válidas, em ordem a evitar as manipulações perigosas que acompanham os processos de procriação artificial.

Que a própria comunidade dos fiéis se comprometa a promover os itinerários autênticos da investigação, resistindo nos momentos cruciais às sugestões de uma tecnologia substitutiva da paternidade e maternidade verdadeiras e, por isso mesmo, lesiva quer para a dignidade dos pais quer dos filhos.

Como penhor destes votos concedo-vos a todos, do íntimo do coração, a minha Bênção que, de bom grado, torno extensiva a todas as pessoas que vos são queridas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR OSMAN DURAK


NOVO EMBAIXADOR DA TURQUIA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


21 de Fevereiro de 2004


Excelência

Apresento-lhe as calorosas boas-vindas, enquanto aceito as Cartas Credenciais que o designam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Turquia junto da Santa Sé.

Uma das primeiras peregrinações do meu Pontificado levou-me até à sua Nação, "como mensageiro de paz e como amigo" (Discurso de despedida em Esmirna, 30 de Novembro de 1979). Com as lembranças dessa histórica viagem gravadas de maneira indelével na minha mente, agradeço-lhe as saudações que o Senhor Embaixador me comunica da parte do Presidente, Sua Ex.cia o Senhor Ahmet Necdet Sezer, e formulo os meus bons votos às autoridades e ao povo do seu País. Pedir-lhe-ia que tivesse a amabilidade de os assegurar das minhas orações.

Vossa Excelência fez referência à posição da Turquia como Estado democrático, governado pela justiça, em que todos os cidadãos gozam de direitos iguais. Com efeito, a justiça e a igualdade dos direitos são características essenciais para qualquer sociedade moderna que procura verdadeiramente salvaguardar e promover o bem comum. No cumprimento desta tarefa, a distinção evidente entre os campos civil e religioso permite que cada um destes sectores cumpra de maneira eficaz as responsabilidades que lhe são próprias, no respeito mútuo e na completa liberdade de consciência. É-me grato observar que a Constituição da República reconhece esta liberdade de consciência, assim como a liberdade de religião, de culto e de educação. Dado que se tornaram parte da legislação ordinária e, por conseguinte, do tecido vivo da sociedade, estas garantias constitucionais permitem que todos os cidadãos, independentemente do credo ou da pertença religiosa, ofereçam a sua própria contribuição para a construção da sociedade turca. Assim, a nação é capaz de beneficiar da esperança e das qualidades morais que tiram a sua força das profundas convicções religiosas do povo em geral.

À luz disto, e no momento em que a Turquia se está a preparar para estabelecer novas relações com a Europa, uno-me à população católica, na esperança de que as autoridades e as instituições turcas possam reconhecer o estado jurídico da Igreja no seu País. A Igreja não busca de modo algum privilégios especiais ou um tratamento preferencial para si mesma; pelo contrário, ela simplesmente insiste a fim de que os direitos humanos fundamentais dos seus membros sejam respeitados e que os católicos possam ser livres de exercer tais direitos. Como tive ocasião de salientar no início do corrente ano, no contexto de uma sociedade pluralista a secularidade do Estado permite "a comunicação entre as diferentes dimensões espirituais e a nação" (Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, 12 de Janeiro de 2004, n. 3). Por conseguinte, a Igreja e o Estado não são rivais, mas parceiros: num sadio diálogo recíproco, eles podem encorajar o desenvolvimento humano integral e a harmonia social. É nesta mesma perspectiva que gostaria de expressar a minha esperança de que a Comissão parlamentar sobre os direitos do homem, da Assembleia Nacional da Turquia, julgue oportuno corresponder de maneira adequada ao pedido que lhe foi apresentado no passado mês de Setembro, a propósito das necessidades religiosas e pastorais conjuntas das minorias cristãs e não muçulmanas que vivem na Turquia.

Como o meu Predecessor e ex-Delegado Apostólico junto do seu País, o Beato Papa João XXIII, observou na sua Carta Encíclica Pacem in terris, a questão da paz não pode ser separada do problema da dignidade humana e dos direitos do homem. Em síntese, as profundas questões da ordem nos assuntos mundiais não podem ser oportunamente abordadas sem a consideração das problemáticas da moral e do comportamento ético. Consequentemente, a paz e a harmonia no seio das nações e entre os povos e os Estados exigem um exercício da autoridade política, que seja cada vez mais inclusivo e participativo, também a nível internacional, além de uma transparência e credibilidade maiores em todos os sectores da vida pública. Identificando a verdade, a justiça, a caridade e a liberdade como os quatro pilares da paz, o Papa João XXIII exortava todos a terem uma visão mais nobre da autoridade pública e "desafiava corajosamente o mundo a ver para além do seu presente estado de desordem, lançando o seu olhar para as novas formas de ordem internacional, medidas segundo a dignidade humana" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2003, n. 6).

Um dos instrumentos primordiais para a garantia desta ordem mundial e, por conseguinte, para a busca da paz, é a lei internacional, que hoje em dia é cada vez mais chamada a tornar-se uma lei de paz na justiça e na solidariedade. Assim, a comunidade internacional em geral tem um papel especial a desempenhar na promoção da dignidade humana, promovendo a liberdade dos povos e preparando as culturas e as instituições para a necessária tarefa de edificação da paz. A Igreja católica oferece o seu apoio total às actividades destinadas para o restabelecimento da paz e a realização da reconciliação. Por este motivo, é-me grato tomar conhecimento do progresso que se está a alcançar em vista de uma justa resolução da questão do Chipre. Encorajo do íntimo do coração as partes interessadas a não poupar qualquer esforço em vista de apressar a reunificação e a pacificação nessa ilha.

No seio da comunidade internacional mais alargada, a Organização das Nações Unidas tem um papel singular a desempenhar. Embora haja necessidade de "uma reforma que torne a Organização das Nações Unidas capaz de funcionar efectivamente na busca das finalidades definidas que lhe são próprias" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2004, n. 7), este organismo internacional ainda representa a agência mais adequada para enfrentar os graves desafios que se apresentam à família humana do século XXI. Entre estes desafios, o flagelo mortífero do terrorismo representa um problema particularmente pernicioso, porque muitas vezes subverte a lógica tradicional de um sistema legal definido para regular as relações entre Estados soberanos. Por conseguinte, na luta permanente contra o terrorismo, a lei internacional é chamada a desenvolver instrumentos legais multilaterais capazes de detectar, combater e prevenir eficazmente este crime hediondo. Gostaria de renovar aqui a expressão da minha solidariedade sincera para com a Nação, à luz dos recentes ataques terroristas que foram perpetrados no seu País.

Senhor Embaixador, estou persuadido de que a sua missão junto da Santa Sé há-de fortalecer os vínculos de compreensão e de cooperação entre nós. Vossa Excelência pode ter a certeza de que os vários departamentos da Cúria Romana estarão sempre prontos a ajudá-lo no cumprimento dos seus altos deveres. Sobre o Senhor Embaixador e o amado povo da Turquia, invoco cordialmente as abundantes bênçãos de Deus Todo-Poderoso.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À COMUNIDADE DO PONTIFÍCIO SEMINÁRIO ROMANO MAIOR


NA FESTA DE NOSSA SENHORA DA CONFIANÇA


Sábado, 21 de Fevereiro de 2004




Caríssimos!

1. A festa de Nossa Senhora da Confiança, Celeste Padroeira do Seminário Romano Maior, já se tornou um encontro esperado e desejado. Sinto-me feliz por me encontrar convosco nesta ocasião, alunos do Seminário Romano Maior, e também convosco, amados estudantes do Seminário Capranica, Redemptoris Mater e Divino Amore.

Com grande alegria vos recebo e a todos saúdo com afecto. Saúdo o Cardeal Vigário, Camillo Ruini, os Bispos Auxiliares, os Reitores e os Superiores. Saúdo além disso os numerosos jovens que, como todos os anos, se unem a vós nesta data tão sentida. Um particular "obrigado" a Mons. Marco Frisina, ao Coro e à Orquestra da Diocese de Roma pela bonita execução que nos ofereceram do Oratório inspirado ao Tríptico romano.

2. É para mim sempre motivo de renovada alegria e conforto encontrar-me com os Seminaristas de Roma. Desde quando era Bispo de Cracóvia, quis manter com os Seminaristas um diálogo privilegiado, e compreende-se facilmente porquê: eles são, de modo muito especial, o futuro e a esperança da Igreja; a sua presença no Seminário confirma a força de atracção que Cristo exerce no coração dos jovens. Uma força que nada tira à liberdade, aliás, permite-lhe realizar-se plenamente escolhendo o bem maior: Deus, a cujo serviço exclusivo nos dedicamos para sempre.

Para sempre! Tem-se, nos dias de hoje, a impressão de que os jovens sentem uma certa aversão aos compromissos definitivos e totais. É como se tivessem receio de tomar decisões que duram a vida toda. Graças a Deus, na Diocese de Roma são numerosos os jovens dispostos a consagrar a própria vida a Deus e aos irmãos no ministério sacerdotal. Contudo, devemos rezar incessantemente ao Dono da messe, para que envie sempre novos trabalhadores para a sua messe, e os ampare no compromisso de adesão coerente às exigências do Evangelho.

3. Nesta perspectiva, a humildade e a confiança revelam-se virtudes particularmente preciosas. A Virgem Santa é delas um exemplo sublime! Sem o humilde abandono à vontade de Deus, que fez florescer o mais bonito "sim" no coração de Maria, quem poderia assumir a responsabilidade do Sacerdócio? Isto é válido também para vós, queridos jovens, que vos preparais para o Matrimónio cristão. De facto, são demasiados os motivos de receio que podeis sentir em vós mesmos e no mundo. Contudo, se mantiverdes o olhar fixo em Maria, sentireis ressoar no vosso espírito a sua resposta ao Anjo: "Eis a serva... faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38).

A este propósito, é eloquente o tema deste nosso encontro: "Feliz de ti que acreditaste" (Lc 1,45). O evangelista Lucas apresenta-nos, como exemplo que devemos seguir, a fé da Virgem de Nazaré. É para ela que devemos olhar constantemente.
Eu confio-vos a ela, estimados Seminaristas e queridos jovens, para que o seu materno amparo nunca venha a faltar a vós e a quantos cuidam da vossa formação.

Com estes sentimentos, concedo de coração a vós e aos vossos entes queridos uma especial Bênção apostólica.

(No final do discurso foi executada a composição musical do Tríptico Romano, obra de Mons. Marco Frisina, no fim da qual o Papa improvisou as seguintes palavras de agradecimento)

Debitor factus sum. Não é a primeira vez. Já muitos escreveram, começando pela Itália, sobre este Tríptico Romano. O ilustre Professor Giovanni Reale, perito em Platão. O nosso Cardeal Ratzinger. Na minha Polónia, em Cracóvia, Czeslaw Milosz, Prémio Nobel, e Marek Skwarnicki, poeta, que colaborou comigo na publicação deste Tríptico Romano. Assim verdadeiramente debitor factus sum. Hoje torno-me devedor ao meu Seminário Romano.

Agradeço ao Cardeal Vigário de Roma, ao Monsenhor Reitor do Seminário Romano, e ao Mons. Marco Frisina. Fez-se intérprete de alguns trechos poéticos do Tríptico Romano. Fez isto com a música. É a primeria vez que ouço a sua interpretação musical. E depois o Seminário Romano escolheu para esta iniciativa o seu dia de festa, dedicado a Nossa Senhora da Confiança. Estou muito grato a todos. Verdadeiramente sinto-me de novo devedor. Debitor factus sum.

Poderia dizer muitas coisas, mas talvez seja melhor não prolongar este discurso. Desejo dizer-vos apenas que esta manhã celebrei a Missa, o Santíssimo Sacrifício eucarístico, fazendo a intenção pelo meu Seminário Romano. Tradicionalmente nesta ocasião ia-se ao Seminário. Hoje fostes vós que viestes, seminaristas, professores, reitor, todas as autoridades dos seminários. E todos os hóspedes. Desejo terminar com estas palavras: muito obrigado!

Que mais dizer? Talvez voltar à primeira frase deste discurso: Debitor factus sum. Tornei-me devedor. E tenho que pagar. Um justo, ou melhor, um preço devido! Procurarei fazê-lo através do Cardeal Camillo Ruini e para o bem do nosso caríssimo e amadíssimo Seminário Romano.

Felicidades, muitas felicidades.

Louvado seja Jesus Cristo.




DIscursos João Paulo II 2004