DIscursos João Paulo II 2004

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR JAVIER MOCTEZUMA BARRAGÁN


NOVO EMBAIXADOR DO MÉXICO JUNTO DA SANTA SÉ


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


Terça-feira, 24 de Fevereiro de 2004



Senhor Embaixador

1. Com muito prazer recebo as Cartas Credenciais que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário dos Estados Unidos do México junto da Santa Sé, e apresento-lhe as cordiais boas-vindas a este acto, com que se inicia esta missão que o seu Governo lhe confiou. Agradeço-lhe as suas palavras atenciosas, bem como a saudação que me transmitiu da parte do Senhor Presidente da República, Dr. Vicente Fox Quesada, ao qual agradeço renovando-lhe os meus melhores votos para a sua pessoa e a sua alta responsabilidade.

Senhor Embaixador, peço-lhe que se faça porta-voz do meu afecto e proximidade do querido povo mexicano, que tive a alegria de visitar cinco vezes, começando na sua terra, há já vinte e cinco anos, as minhas viagens como Sucessor do Apóstolo Pedro. Desejo aproveitar esta oportunidade para reiterar a mensagem que dirigi a todos os mexicanos durante a minha última viagem à Cidade do México, em Julho de 2002, animando-os a «comprometerem-se na construção de uma Pátria sempre renovada e em constante progresso» (Discurso de chegada, n. 2).

2. Já passaram mais de dez anos desde o estabelecimento, em Setembro de 1992, das relações diplomáticas entre o México e a Santa Sé. Ao longo destes anos, caracterizados por mudanças rápidas e profundas no cenário político, social e económico do País, a Igreja católica, fiel à sua missão pastoral, continuou a promover o bem comum do povo mexicano, procurando o diálogo e o entendimento com as diversas instituições públicas e defendendo o seu direito de participar na vida nacional. Agora, na actual situação legal, graças ao novo clima de respeito e de colaboração entre a Igreja e o Estado, verificaram-se progressos que beneficiaram todas as partes. Sem dúvida, é necessário continuar a trabalhar para fazer com que os princípios de autonomia nas respectivas competências, de estima recíproca e de cooperação em vista da promoção integral do ser humano inspirem, cada vez mais, por um lado, o futuro das relações entre as Autoridades do Estado e, por outro, entre os Pastores da Igreja católica no México e a Santa Sé.

É desejável que a Igreja no México possa gozar de plena liberdade em todos os âmbitos onde desempenha a sua missão pastoral e social. A Igreja não reivindica privilégios nem pretende ocupar âmbitos que não lhe são próprios, mas deseja apenas cumprir a sua missão em favor do bem espiritual e humano do povo mexicano sem obstáculos nem impedimentos. Para esta finalidade, é necessário que as instituições do Estado garantam o direito à liberdade religiosa das pessoas e dos grupos, evitando qualquer forma de intolerância ou discriminação. Neste sentido, é desejável também que no futuro próximo e com o apoio de um desenvolvimento legislativo em sintonia com os novos tempos, sejam dados passos para a frente em sectores como, entre outros, a educação religiosa em vários ambientes, a assistência espiritual nos centros de saúde, de readaptação social e assistenciais do sector público, assim como uma presença nos meios de comunicação social. Não se deve ceder às pretensões daqueles que, baseando-se numa concepção errada do princípio de separação Igreja-Estado e no carácter laico do Estado, pretendem reduzir a religião à esfera meramente particular do indivíduo, deixando de reconhecer à Igreja o direito de ensinar a sua doutrina e de emitir juízos morais sobre assuntos que dizem respeito à ordem social, quando os direitos fundamentais da pessoa ou o bem espiritual dos fiéis o exigirem. A respeito disto, quero realçar o valoroso compromisso dos Pastores da Igreja no México em defesa da vida e da família.

3. A nobre aspiração por um México cada vez mais moderno, próspero e progredido, exige o esforço de todos para continuar uma cultura democrática e consolidar o Estado de direito. A respeito disto, recentemente os Bispos mexicanos, movidos por uma atitude de colaboração assídua, dirigiram um premente apelo à unidade nacional e ao diálogo entre os responsáveis da vida social, assinalando que «se devem pôr de lado os interesses partidários e propor, a partir de pontos comuns, as iniciativas de reforma que se encaminham para a consecução do bem-estar geral da população» (CEM, A construção da Nação mexicana é uma tarefa que cabe a todos, 10 de Dezembro de 2003).

O doloroso e vasto problema da pobreza, com as suas graves consequências no âmbito da família, da educação, da saúde ou da habitação, é um desafio urgente para os governantes e responsáveis da vida pública. A sua resolução exige sem dúvida medidas de carácter técnico e político, orientadas para que as actividades económicas e produtivas tenham em consideração o bem comum, e muito especialmente os grupos mais desfavorecidos. Contudo, é preciso não esquecer que todas essas medidas não serão suficientes se não forem animadas por valores éticos autênticos.

Além disso, desejo estimular os esforços empreendidos pelo seu Governo e por outros responsáveis da vida social mexicana para fomentar a solidariedade entre todos, evitando males que derivam de um sistema que privilegia o lucro em desvantagem das pessoas e as torna vítimas de injustiças. Um modelo de progresso que não enfrente com decisão os desequilíbrios sociais não pode prosperar no futuro.

4. Os povos indígenas, tão numerosos no México e, por vezes, esquecidos, necessitam de especial atenção. Na Basílica de Guadalupe, ao canonizar o índio João Diego, tive a oportunidade de assinalar que «esta nobre tarefa de edificar um México melhor, mais justo e mais solidário, exige a colaboração de todos. Em particular, hoje em dia é necessário apoiar os indígenas nas suas aspirações legítimas, respeitando e defendendo os valores autênticos de cada um dos grupos étnicos. O México tem necessidade dos seus indígenas e os seus indígenas precisam do México! (Homilia,n. 4).

Outra preocupação que a Igreja e a sociedade no México sentem é o crescente fenómeno da emigração de muitos mexicanos para outros países, sobretudo para os Estados Unidos. À incerteza de quem parte em busca de melhores condições de vida junta-se o problema do desarraigamento cultural e a dolorosa dispersão ou afastamento da família, sem esquecer as funestas consequências de tantos casos de irregularidade. Para evitar o conhecido «efeito chamada», que gera um fluxo intenso de imigrantes, o qual se deve conter com restrições severas, a Igreja recorda que as medidas estudadas nos países receptores devem ser acompanhadas de uma decidida atenção no país de origem, que é onde se gera a emigração. Por isso, devem ser descobertas e resolvidas, antes de mais, as causas que obrigam muitos cidadãos a deixar a sua terra. Por outro lado, os mexicanos residentes no estrangeiro não devem sentir-se esquecidos pelas Autoridades do seu País, que são chamadas a prestar-lhes atenções e serviços que os ajudem a manter vivo o contacto com a sua terra e com as suas raízes. Desejo realçar também a importância adquirida pelos encontros entre os Bispos das dioceses situadas na fronteira do México com os Estados Unidos, que procuram medidas conjuntas para melhorar a situação da população emigrante, visto que as paróquias e demais instituições católicas constituem o principal ponto de referência e de identidade que eles encontram no estrangeiro.

5. Senhor Embaixador, ao terminar este encontro renovo-lhe os meus melhores votos para o desempenho da alta função a que hoje dá início. Com o coração na celebração do XLVIII Congresso Eucarístico Internacional, que será realizado no próximo mês de Outubro em Guadalajara e no qual participarão milhares de fiéis que irão de muitos países do mundo, peço-lhe que se faça intérprete dos meus sentimentos e esperanças diante do Senhor Presidente e demais autoridades do México. Invoco abundantes graças divinas sobre Vossa Excelência, sobre a sua distinta família e colaboradores, bem como sobre todos os filhos e filhas da querida Nação mexicana, amparada maternalmente sob o manto de estrelas da Virgem Morena do Tepeyac, Santa Maria de Guadalupe, Rainha do México e Imperatriz da América Latina.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO


DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2004 NO BRASIL






Ao Venerável Irmão no Episcopado
Card. Geraldo MAJELLA AGNELO
Presidente da CNBB
Arcebispo de São Salvador
Primaz do Brasil

Por ocasião da Campanha da Fraternidade que a CNBB vem promovendo há já 40 anos, desejo-lhe exprimir minha satisfação por ter a oportunidade de dirigir-me a todos os fiéis unidos em Cristo, com a renovada esperança de conversão e de reconciliação, que a Quaresma em nós suscita em preparação da Páscoa da Ressurreição. É um tempo em que cada cristão é convidado a refletir de modo particular sobre as várias situações sociais do povo brasileiro, que requerem maior fraternidade. Neste ano, o lema escolhido foi: "Água, fonte de vida".

Como é do conhecimento de todos, a água tem enorme importância para a terra: sem este precioso elemento, a terra se transformaria rapidamente num deserto árido, lugar de fome e de sede, em que homens, animais e plantas estariam condenados à morte. Além de condição de vida na terra, a água tem também o poder de lavar e purificar, fazendo desaparecer as impurezas.

Precisamente por isso, na Sagrada Escritura a água é considerada como símbolo de purificação moral: Deus "lava" as culpas do pecador (cf. Sl Ps 50,4). Durante a última Ceia, Jesus lava os pés aos seus discípulos. Diante dos protestos de Pedro, Jesus responde: "Seu Eu não tos lavar, não terás parte comigo" (Jn 13,8). Mas é no Batismo cristão que a água adquire seu pleno sentido espiritual de fonte de vida sobrenatural, como o mesmo Cristo proclama no Evangelho: "Quem não nascer da água e do Espírito Santo, não poderá entrar no reino de Deus" (Jn 3,5).

O Batismo põe-se, portanto, como caminho que leva à Vida com Deus. O neófito, movido pela ação da graça do Espírito, recebe a participação para a vida nova em Cristo (cf. Gl Ga 3,27-28).

Feito nova criatura, o batizado pode e deve orientar as relações com o seu semelhante e com toda a criação, conforme a justiça, a caridade e a responsabilidade que Deus quis confiar à solicitude do homem (cf. Gn Gn 2,15). Nascem daí, para cada indivíduo, específicas obrigações no que diz respeito à ecologia. O seu cumprimento supõe a abertura para uma perspectiva espiritual e ética que supere as atitudes e os estilos de vida egoístas, que acarretam o esgotamento das reservas naturais.

Como dom de Deus, a água é instrumento vital, imprescindível para a sobrevivência e, portanto, um direito de todos. É necessário prestar atenção aos problemas decorrentes da sua evidente escassez em muitas partes do mundo, e não só do Brasil. A água não é um recurso ilimitado. Seu uso racional e solidário exige a colaboração de todos os homens de boa vontade com as autoridades governamentais, para conseguir uma proteção eficaz do meio ambiente, considerado como dom de Deus (cf. Exortação Apostólica Ecclesia in America ). É uma questão que necessita, portanto, ser enquadrada de forma a estabelecer critérios morais baseados precisamente no valor da vida e no respeito pelos direitos e pela dignidade de todos os seres humanos.

Ao dar início à Campanha da Fraternidade de 2004, renovo a esperança de que as diversas instâncias da sociedade civil, às quais se unem a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e demais Igrejas e organizações religiosas e não religiosas, possam garantir que a água permanecerá, de fato, fonte abundante de vida para todos. Com estes auspícios, invoco a proteção do Senhor, Dador de todos os bens, para que sua mão benfazeja se estenda sobre campos, lagos e rios dessa Terra da Santa Cruz, derramando em abundância seus dons de paz e de prosperidade e que, com a sua graça, desperte em cada coração sentimentos de fraternidade e de viva cooperação. Com uma especial Bênção Apostólica.



Vaticano, 19 de Janeiro de 2004.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE O ENCONTRO COM OS PÁROCOS DE ROMA


NO INÍCIO DA QUARESMA


Quinta-feira, 26 de Fevereiro de 2004


Senhor Cardeal
Venerados Irmãos no Episcopado
Caríssimos Sacerdotes romanos

1. Sinto-me feliz por este encontro, que se realiza mais uma vez no início da Quaresma, dando-me a oportunidade de vos ver, escutar, partilhar convosco as vossas esperanças e preocupações pastorais. Apresento uma saudação afectuosa a cada um de vós agradecendo-vos o vosso serviço à Igreja de Roma. Saúdo e agradeço ao Cardeal Vigário, ao Vice-Gerente, aos Bispos Auxiliares e a quantos de entre vós me dirigiram a palavra.

Encontramo-nos quando estão para ter início os meus encontros com as paróquias de Roma, nas quais a maior parte de vós desempenha quotidianamente o seu ministério. Desejei intensamente este contacto directo com as comunidades paroquiais que ainda não tinha podido visitar, porque isto faz parte do meu dever de Bispo desta amada Igreja de Roma.

2. As palavras do Cardeal Vigário, e depois as vossas intervenções, realçaram os vários aspectos do programa pastoral centrado na família, no qual a nossa Diocese está comprometida neste ano e no próximo, no âmbito daquela «missão permanente» que, depois do grande Jubileu e depois da experiência positiva da «missão da Cidade», constitui a linha-mestra da nossa pastoral.

Queridos Sacerdotes, colocar a família no centro, ou melhor, reconhecer a centralidade da família no desígnio de Deus sobre o homem e, por conseguinte, na vida da Igreja e da sociedade, é uma tarefa irrenunciável, que animou estes meus vinte e cinco anos de Pontificado, e anteriormente, o meu ministério de Sacerdote e de Bispo, assim como o meu compromisso de estudante e de Professor universitário.

Por conseguinte, sinto-me profundamente feliz por partilhar nesta ditosa ocasião, a solicitude pelas famílias da nossa amada Diocese de Roma.

3. O nosso serviço às famílias, para ser autêntico e frutuoso, deve estar sempre orientado para a nascente, ou seja, para Deus que é amor e que vive em si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor. Ao criar por amor a humanidade à sua imagem, Deus inscreveu no homem e na mulher a vocação, e por conseguinte, a capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão. Esta vocação pode realizar-se de duas maneiras específicas: o matrimónio e a castidade. Por conseguinte, ambos são, cada um da forma que lhe é própria, uma concretização da verdade mais profunda do homem, do seu ser à imagem de Deus (cf. Exort. Apost. Familiaris consortio FC 11).


Portanto, o matrimónio e a família não podem ser considerados um simples produto das circunstâncias históricas, ou uma superestrutura imposta do externo ao amor humano. Ao contrário, eles são uma exigência interior deste amor, para que se possa realizar na sua verdade e na sua plenitude de doação recíproca. Também as características da união conjugal que hoje com frequência são menosprezadas e recusadas, como a sua unidade, indissolubilidade e abertura à vida, ao contrário são exigidas para que o pacto de amor seja autêntico. E precisamente assim o vínculo que une o homem e a mulher torna-se imagem e símbolo da aliança entre Deus e o seu povo, que encontra em Jesus Cristo a sua realização definitiva. Por isso, entre os baptizados, o matrimónio é sacramento, sinal eficaz de graça e de salvação.

4. Caríssimos Sacerdotes de Roma, nunca nos cansemos de propor, anunciar e testemunhar esta grande verdade do amor e do matrimónio cristão. A nossa vocação, sem dúvida, não é a do matrimónio, mas a do sacerdócio e da castidade pelo reino de Deus. Mas precisamente na castidade, acolhida e conservada com alegria, somos chamados a viver por nossa vez, de modo diferente mas contudo pleno, a verdade do amor, oferecendo-nos integralmente, com Cristo, a Deus, à Igreja, e aos irmãos em humanidade.

Desta forma a nossa castidade «mantém viva na Igreja a consciência do mistério do matrimónio e defende-o de todo o desvio e de todo o empobrecimento» (Familiaris consortio FC 16).

5. Realcei tantas vezes o papel fundamental e insubstituível que compete à família quer na vida da Igreja quer na da sociedade civil. Mas precisamente para apoiar as famílias cristãs nas suas tarefas empenhativas é necessária a nossa solicitude pastoral, como sacerdotes.

Por isso, na Exortação Apostólica Familiaris consortio recordei que o Bispo é «o primeiro responsável da pastoral familiar na Diocese» (n. 73). Analogamente, queridos sacerdotes, a vossa responsabilidade em relação às famílias «estende-se não só aos problemas morais e litúrgicos, mas também aos pessoais e sociais» (Ibid.). Vós sois chamados, em particular, a «sustentar a família nas suas dificuldades e sofrimentos» (Ibid.), pondo-vos ao lado dos seus membros e ajudando-os a levar a sua vida de esposos, de pais e de filhos à luz do Evangelho.

6. No cumprimento desta grande missão muitos de nós poderão obter uma grande ajuda da experiência vivida na própria família de origem, do testemunho de fé e de confiança em Deus, de amor e de dedicação, de capacidade de sacrifício e de perdão recebido dos próprios pais e familiares. Mas o mesmo contacto quotidiano oferece-nos exemplos sempre novos de vida segundo o Evangelho e, desta forma, estimula-nos a viver, por nossa vez, com fidelidade e com alegria a nossa vocação específica.

Por isso, caríssimos Sacerdotes, devemos considerar o nosso apostolado para as famílias não só como um preciso dever pastoral, mas antes como uma fonte de graça, uma doação que o Senhor nos faz.

Por conseguinte, não tenhais medo de vos empenhar pelas famílias, de lhes dedicar o vosso tempo e as vossas energias, os talentos espirituais que o Senhor vos deu. Sede para eles amigos cuidadosos e de confiança, além de pastores e mestres. Acompanhai-as e apoiai-as na oração, proponde-lhes com verdade e com amor, sem reservas ou interpretações arbitrárias, o Evangelho do matrimónio e da família. Estai próximos delas espiritualmente nas provas que a vida muitas vezes lhes reserva, ajudando-as a compreender que a Igreja para elas é sempre mãe e mestra. E ainda, educai os jovens a compreender e a valorizar o verdadeiro significado do amor e, desta forma, a preparem-se para formar famílias cristãs autênticas.

7. Os comportamentos errados e muitas vezes aberrantes que são propostos publicamente, e até ostentados e exaltados, e o próprio contacto quotidiano com as dificuldades e as crises que muitas famílias vivem, podem fazer surgir também em nós a tentação da desconfiança e da resignação.

Caríssimos Sacerdotes de Roma, devemos vencer precisamente esta tentação com a ajuda de Deus, em primeiro lugar dentro de nós, no nosso coração e na nossa inteligência. De facto, o desígnio de Deus não mudou; inscreveu no homem e na mulher a vocação para o amor e para a família. Hoje, não é menos forte a acção do Espírito Santo, dom de Cristo morto e ressuscitado. E nenhum erro nem pecado, nenhuma ideologia nem engano humano podem suprimir a estrutura profunda da nossa existência, que precisa de ser amada e que, por sua vez, é capaz de amor autêntico.

Por isso, quanto maiores forem as dificuldades, tanto mais forte é a nossa confiança no presente e no futuro da família e muito mais generoso e apaixonado deve ser o nosso serviço de Sacerdotes às famílias.

Caríssimos Presbíteros, obrigado por este encontro. Com esta confiança e com estes votos confio à Sagrada Família de Nazaré cada um de vós, e todas as famílias de Roma e abençoo-vos de coração, assim como as vossas comunidades.

No final do encontro com os párocos de Roma, o Sumo Pontífice improvisou as seguintes palavras:

Est tempus concludendi, sobretudo se olharmos para aqueles nossos irmãos que durante todo o tempo ficaram em pé porque as cadeiras não eram suficientes para todos: somos numerosos.
Desejo agradecer ao Cardeal Vigário e ao Colégio episcopal de Roma pela preparação deste encontro. Agora gostaria de sintetizar.

Em primeiro lugar, Roma: que significa Roma? Cidade petrina. E cada paróquia é petrina. São 340 as paróquias de Roma. Já visitei 300. Faltam 40. Mas comecemos já este sábado a completar o número das visitas. Espero que tudo corra bem.

Depois, Roma não é apenas paróquias: mas também Seminários, Universidades, diversas Instituições. Entre outras coisas falou-se também de todas estas instituições, directa ou indirectamente, neste nosso encontro.

O tema é a família: Família significa: «varão e mulher os criou». Significa: amor e responsabilidade. Destas duas palavras surgem todas as consequências. Ouviu-se falar muito acerca destas consequências em relação ao matrimónio, à família, aos pais, aos filhos, à escola.

Estou muito reconhecido a todos vós porque ilustrastes estas consequências, estas realidades. Sem dúvida, esta preocupação pertence à paróquia. Aprendi desde há muito tempo, quando estava em Cracóvia, a viver ao lado dos casais, das famílias. Segui também de perto o caminho que leva duas pessoas, um homem e uma mulher, a formar uma família e, com o matrimónio, a tornar-se esposos, pais, com todas as consequências que conhecemos.

Agradeço-vos porque a vossa solicitude pastoral se destina às famílias e porque procurais resolver todos aqueles problemas que a família pode ter em si. Dejevo-vos um bom prosseguimento neste campo importantíssimo, porque o futuro da Igreja e o futuro do mundo passam através da família. Desejo que prepareis este futuro bom para Roma, para a vossa Pátria, a Itália e para o mundo. Muitas felicidades!

Este é o texto que eu tinha preparado, mas deixei-o de lado! Podeis encontrá-lo em L'Osservatore Romano.

Aqui estão escritas algumas frases em dialecto romano: «Dàmose da fà!», «Volèmose bene!», «Semo romani!» – «Empenhemo-nos», «Amemo-nos», «Nós somos romanos». Não aprendi o dialecto romano: significa que não sou um bom Bispo de Roma?



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO IX GRUPO DE BISPOS DA CONFERÊNCIA


EPISCOPAL FRANCESA EM VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


Sexta-feira, 27 de Fevereiro de 2004




Queridos Irmãos no Episcopado

1. É com alegria que vos recebo, Pastores da Província de Besanção, assim como o Arcebispo e o Bispo auxiliar de Estrasburgo. O meu pensamento e a minha oração dirigem-se e acompanham D. Pierre Raffin, Bispo de Metz, que não pôde participar na visita ad Limina. Agradeço a D. André Lacrampe, as suas reflexões sobre os desafios e as esperanças da sociedade e da vida pastoral das vossas Dioceses, bem como sobre as perspectivas europeias, pelas quais vos preocupais em virtude também da vossa posição geográfica, de fronteira com vários países.

2. Estou particularmente sensibilizado por evocardes, mencionando o Conselho da Europa, a memória de D. Michael Courtney, Núncio Apostólico no Burundi, assassinado no passado mês de Dezembro. No tempo em que ele esteve em Estrasburgo como Observador permanente da Santa Sé, foi um artífice convicto da cooperação dos Estados do continente europeu. Hoje, convido as Igrejas locais a empenhar-se de maneira sempre mais determinada em favor da integração europeia. Para alcançar este resultado, seria conveniente voltar a ler a história e recordar-se de que, ao longo destes séculos, os valores antropológicos, morais e espirituais cristãos contribuíram em grande medida para modelar as diferentes nações europeias e para tecer os seus vínculos profundos. As numerosas e bonitas igrejas, sinais da fé dos nossos antepassados, que se erguem no continente, mostram isto de maneira evidente e recordam-nos que estes valores foram e ainda são o fundamento e a base das relações entre as pessoas e os povos; por conseguinte, a união não pode ser feita em desvantagem destes mesmos valores ou em oposição a eles. De facto, as relações entre os diversos países não podem basear-se apenas em interesses económicos ou políticos – os debates sobre a mundialização demonstram-no de modo evidente – ou ainda em alianças de conveniência, que debilitariam o alargamento em fase de realização e que poderia levar a um regresso das ideologias do passado, que desprezaram o homem e a humanidade. Estes vínculos devem ter por finalidade constituir uma Europa dos povos, permitindo também superar definitiva e radicalmente os conflitos que ensanguentaram o Continente durante todo o século XX. Com este preço, surgirá uma Europa cuja identidade estará ancorada numa comunidade de valores, uma Europa da fraternidade e da solidariedade, a única que pode ter em consideração as diferenças, pois tem como perspectiva a promoção do homem, o respeito dos seus direitos inalienáveis e a busca do bem comum, para o bem-estar e a prosperidade de todos. Mediante a sua presença plurissecular nos diferentes países do Continente, a sua participação na unidade entre os povos e entre as culturas, e na vida social, sobretudo nos âmbitos educativo, caritativo, da saúde e social, a Igreja deseja contribuir cada vez mais para a unidade do continente (cf. Ecclesia in Europa, 113). O que se procura em primeiro lugar, como recordei por ocasião do meu discurso à Presidência do Parlamento europeu (5 de Abril de 1979), é o serviço ao homem e aos povos, no respeito das crenças e das aspirações profundas.

3. No final da última Assembleia da vossa Conferência Episcopal, abordastes a questão do lugar da Igreja na sociedade, na perspectiva da pesquisa de um «melhor viver juntos». É uma das características dos discípulos de Cristo desejar participar activa ou individualmente, ou ainda em associações, na vida pública, em todos os níveis da sociedade, para estar ao serviço dos seus irmãos e irmãs. Em virtude da sua visão e do seu amor pelo homem, a Igreja não pode deixar de se interessar pela vida de cada um e considera o mundo como o próprio lugar da sua presença e da sua acção.

Nunca me canso de encorajar os pastores a prestarem especial atenção à formação integral dos jovens, principalmente daqueles que, amanhã, serão os responsáveis e os modelos da nação, para que, onde quer que eles trabalhem ou estiverem comprometidos, possuam os elementos necessários para a reflexão sobre as situações humanas e sociais, permanecendo atentos às pessoas para fundar as suas decisões sobre critérios morais; a Igreja deseja proporcionar-lhes a iluminação do Evangelho e do seu Magistério. As Universidades católicas têm neste campo uma missão específica de reflexão com o conjunto dos parceiros sociais, a fim de os ajudar a analizar as situações particulares e a enfrentar o modo de colocar sempre o homem no centro das decisões.

Um tal procedimento destina-se não só aos fiéis católicos mas também a todos os homens de boa vontade que desejam reflectir verdadeiramente sobre o devir da humanidade. A respeio disto, desejo congratular-me com o trabalho das Semanas sociais da França, instituição que vos é muito querida e que se prepara para festejar o seu centenário. Durante os encontros anuais que reúnem sempre mais participantes, sinal que as suas pesquisas correspondem a uma verdadeira expectativa, os participantes têm a possibilidade de se interrogarem sobre as questões com as quais o nosso mundo se deve confrontar, à luz do Evangelho e da Doutrina social da Igreja, que assim se enriquece constantemente, a partir da encíclica Rerum novarum, do meu predecessor Leão XIII. Alegro-me pelos vínculos que as Semanas sociais promovem e desenvolvem na Europa, criando desta forma no Continente um movimento de reflexão sobre as questões cada vez mais complexas do mundo actual e unindo os homens na elaboração dos fundamentos da sociedade do futuro.
Mediante tal participação na vida social sob todas as formas, primeiro campo do seu apostolado, os cristãos realizam verdadeiramente a sua vocação e missão, segundo o espírito do Concílio Vaticano II. Ao anunciar Cristo, eles são também os portadores de uma esperança nova para a sociedade; mediante «uma maior compreensão das leis da vida social» (Gaudium et spes, GS 23), convidam a uma transformação profunda da sociedade. Com excepção do direito e dever de anunciar o Evangelho a todas as nações, a Igreja está igualmente autorizada a «pronunciar-se a respeito de qualquer questão humana, enquanto o exigirem os direitos fundamentais da pessoa humana ou a salvação das almas» (C.D.C., cân. CIC 747). Na vida política, na economia, no lugar de trabalho e na família, compete aos fiéis tornar Cristo presente e fazer resplandecer os valores evangélicos, que manifestam com um impulso particular a dignidade do homem e o seu lugar central no universo, recordando também a primazia do humano sobre o interesse privado e sobre os organismos internacionais.

4. A participação dos cristãos na vida pública, a presença visível da Igreja católica e das outras confissões religiosas não põem mininamente em questão o princípio da laicidade, nem as prerrogativas do Estado. Como tive ocasião de recordar quando recebi o Corpo diplomático no passado mês de Janeiro, um laicado bem compreendido não deve ser confundido com o laicismo; ele não pode cancelar as crenças pessoais e comunitárias. Procurar limpar o campo social desta dimensão importante da vida das pessoas e dos povos, bem como os sinais que a manifestam, seria contrário a uma liberdade bem compreendida. A liberdade de culto não pode ser concebida sem a liberdade de praticar individual e colectivamente a sua religião, nem sem a liberdade da Igreja. A religião não pode limitar-se unicamente à esfera privada, correndo o risco de negar quanto ela possui de colectivo na sua vida e nas acções sociais e caritativas que desempenha no seio da sociedade para com todas as pessoas, sem distinção de crenças filosóficas ou religiosas. Todos os cristãos ou adeptos de uma religião têm o direito, na medida onde isto não põe em causa a segurança e a autoridade legítima do Estado, de ser respeitado nas suas convicções e nas suas práticas, em nome da liberdade religiosa, que constitui um dos aspectos fundamentais da liberdade de consciência (cf. Declaração sobre a liberdade religiosa, nn. 2-3).

5. É importante que os jovens possam ver o alcance do trabalho religioso na existência pessoal e na vida social, que tenham conhecimento das tradições religiosas que encontram e que possam ler com benevolência os símbolos religiosos e reconhecer as raízes cristãs das culturas e da história europeias. Isto leva a um reconhecimento respeitoso do próximo e das suas crenças, a um diálogo positivo, a uma superação dos comunitarismos e a um melhor entendimento social. Encontra-se no vosso país uma grande presença de muçulmanos com os quais, por intermédio dos responsáveis ou das comunidades locais, vós mantendes boas relações e promoveis o diálogo inter-religioso, que é, como tive ocasião de recordar, um diálogo da vida. Um diálogo como este deve também despertar nos cristãos a consciência da sua fé e o seu apego à Igreja, porque qualquer forma de relativismo só poderia prejudicar gravemente as relações entre as religiões.

Compete-vos prosseguir e intensificar, talvez em certos casos de modo mais institucional, as relações com a Autoridade civil e com as diferentes categorias de eleitos do vosso país, nos Parlamentos nacionais e europeus, sobretudo com os parlamentares católicos, e com as Instituições internacionais. Alegro-me pelas novas formas de diálogo recentemente estabelecidas entre a Santa Sé e os Responsáveis da vossa Nação, para regular as questões a resolver. Devido à missão que lhe é própria, em nome da Santa Sé, o Núncio Apostólico é chamado a participar activamente no mesmo e a seguir com atenção a vida da Igreja e a sua situação na sociedade.

6. Segundo a sua nobre tradição, a França tem numerosos vínculos com países do Terceiro Mundo, em particular no Continente africano. Hoje mais do que nunca, para que os povos da África se libertem da pobreza e das lutas sanguinolentas que não deixam de lesar a sua terra, convém continuar a dar uma assistência às populações, com a finalidade de socorrer as suas necessidades fundamentais, e sobretudo ajudá-los a tornarem-se os primeiros protagonistas do seu progresso, sobretudo mediante uma educação séria para a responsabilidade cívica e política. Isto deve permitir-lhes vencer as oposições de grupos, para que cada qual adquira verdadeiramente o sentido do Estado e que todos os cidadãos estejam unidos para criar um futuro de paz e de prosperidade. Nestes campos educativos, a Igreja possui uma experiência, a qual ela está como nunca chamada a transmitir, para o bem das pessoas e dos povos.

7. No momento em que estão para terminar os meus encontros com as diferentes províncias da França, dou graças pelo comprometimento corajoso dos Pastores e dos fiéis no anúncio do Evangelho. Que eles nunca desanimem perante as dificuldades e os resultados escassos alcançados à primeira vista! Devemos considerar-nos antes de mais nada cooperadores de Deus (cf. 2Co 6,2), realizando a nossa missão em fidelidade ao dom recebido, anunciando oportuna e inoportunamente a Palavra de Deus da qual o mundo precisa para ter esperança e para encontrar um novo estímulo. O Espírito Santo saberá fazer frutificar o trabalho dos homens. Cristo, o Redentor do homem, vem abrir a cada um o caminho da vida. Não tenhais medo de bradar ao mundo que Deus é a única felicidade definitiva da humanidade, nem de acompanhar os homens na descoberta de Cristo e na construção de um mundo em que é bom viver! Ao confiar-vos à intercessão da Virgem Maria, Padroeira da França, concedo-vos, bem como aos Pastores e a todos os fiéis das vossas Dioceses, uma afectuosa e paternal Bênção Apostólica.




DIscursos João Paulo II 2004