DIscursos João Paulo II 2004

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


NO LX ANIVERSÁRIO DA DESTRUIÇÃO-RECONSTRUÇÃO


DA ABADIA DE MONTECASSINO



Ao Venerado Irmão Dom Bernardo D'ONORIO, O.S.B.
Abade de Montecassino

Transcorreram sessenta anos depois dos acontecimentos bélicos, que marcaram dramaticamente a história de Montecassino e do seu território, mas o seu eco ainda está presente e vivo nos corações e nas vicissitudes de tantas pessoas e famílias desta antiga e ilustre Terra. A 15 de Fevereiro de 1944, um terrível bombardeamento arrasou a Abadia; mas um mês mais tarde, em 18 de Maio cessaram os combates e iniciou uma vida nova na região.

Estou-lhe grato, estimado Abade, por me ter informado sobre as celebrações que a comunidade da Diocese e da cidade, cingida à volta do venerado túmulo de São Bento, se prepara para realizar, voltando com o pensamento àqueles meses de sofrimento e de dor, mas também de esperança e de solidariedade. Aproveito de bom grado esta oportunidade para dirigir a todos a minha cordial saudação, com a certeza da minha proximidade espiritual, fortalecida pela recordação constante das visitas que tive a possibilidade de realizar à Abadia e ao anexo cemitério polaco.

Enquanto se comemoram os lutos e as destruições, uno-me na oração a quantos renovam o sufrágio cristão pelas vítimas. O pensamento dirige-se também, neste momento, a todos os que ofereceram o seu contributo à causa da justiça e da paz. Em particular, desejo fixar o olhar na Abadia de Montecassino, verdadeiro modelo de um tesouro precioso de espiritualidade, cultura e arte. O facto que o antigo Mosteiro tenha sido arrasado pela guerra, mas depois perfeitamente reconstruído, torna-se para nós crentes um convite à esperança, estimulando-nos a ver nesse acontecimento como que um símbolo da vitória de Cristo sobre o mal e da possibilidade que o homem tem, com a força da fé em Deus e do amor fraterno, de superar os conflitos mais ásperos para fazer triunfar o bem, a justiça e a concórdia.

A segunda guerra mundial foi uma voragem de violência, de destruição e de morte como nunca se tinha verificado (cf. Mensagem para o XXXVII Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 2004, n. 5). A vicissitude de Montecassino merece ser comemorada e proposta como admoestação à reflexão e constitui para todos uma chamada ao sentido de responsabilidade. As novas gerações italianas e europeias, por sorte, não viveram directamente a guerra. Contudo, elas também conheceram os dramas causados por guerras devido às vítimas que muitos conflitos estão a causar em várias partes do mundo. Os jovens são a esperança da humanidade: por conseguinte, devem poder crescer num clima de educação para a paz constante e efectiva. É necessário que aprendam da história uma lição fundamental de vida e de convivência solidária: o direito da força destrói, enquanto a força do direito constrói.

Eis o pensamento que confio à consideração de quantos participam nestas celebrações comemorativas. Nelas estarei presente espiritualmente com uma especial oração a São Bento, que há precisamente quarenta anos foi proclamado Padroeiro da Europa. Invoco também os Santos Cirilo e Metódio, Co-Padroeiros do Continente, dos quais celebramos ontem a festa, e sobretudo a Virgem Maria, Rainha da paz. Possa a família das Nações conhecer um renovado e unânime compromisso pela paz na justiça.

Envio de coração a Vossa Reverência, venerado Irmão, aos Reverendos Monges, às Autoridades civis e militares e a toda a população a implorada Bênção Apostólica.

Vaticano, 15 de Fevereiro de 2004.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS PARTICIPANTES NO CAPÍTULO GERAL


DAS IRMÃS MISSIONÁRIAS DO APOSTOLADO CATÓLICO


(PALOTINAS)


Terça-feira, 23 de Março de 2004


À Irmã Stella HOLISZ
Superiora-Geral das Irmãs Missionárias do Apostolado Católico

Com grande afecto no Senhor, envio as minhas saudações a Vossa Reverência e a todas as Irmãs Missionárias do Apostolado Católico por ocasião do vosso décimo quinto Capítulo Geral, durante o qual reflectistes sobre o tema "Reaviva o teu primeiro amor responde aos desafios actuais". Garantindo-vos as minhas orações pelo feliz êxito do vosso encontro, dou graças ao Senhor pela vossa dedicação ao seu Reino. Guiadas pelo Espírito Santo e inspiradas pelo exemplo de São Vicente Pallotti, tenho confiança em que o vosso Capítulo constituirá para todas as irmãs uma fonte de encorajamento para renovar o seu compromisso de testemunhar a unidade indissolúvel do amor de Deus e do próximo (cf. Vita consecrata VC 63).

A vossa vocação de missionárias, modelada sobre a vida dos Apóstolos, mostra de maneira eloquente que quanto mais se vive em Cristo, melhor se pode servi-lo no próximo, indo até à vanguarda da missão, e correndo os maiores riscos (cf. Ibid.,n. 76). O compromisso determinado de dar a conhecer e amar Cristo tem as suas origens sublimes no "amor fontal" do Pai tornado presente na missão do Filho e do Espírito Santo (cf. Ad gentes, AGD 2). Absorvidas pelo amor esponsal de Cristo, não podeis ficar caladas (cf. Act Ac 4,20) acerca desta fonte de esperança e de alegria que animou a vossa primeira resposta à chamada do Senhor, e que continuou a fortalecer-vos na vida de serviço apostólico aos demais.

Outro modo em que as sombras da pobreza, da injustiça e do secularismo obscurecem cada continente, a necessidade de autênticos discípulos de Jesus Cristo é urgente como nunca. É precisamente o testemunho do Evangelho de Cristo que dissipa a escuridão e que ilumina o caminho da paz, alimentando a esperança do coração das pessoas, também das mais marginalizadas e debilitadas. Os homens e as mulheres de muitas religiões, culturas e grupos sociais que encontrais, que procuram um significado e uma dignidade para a sua vida, nunca poderão ver os seus desejos satisfeitos por uma religiosidade vã. Só através de uma jubilosa fidelidade a Cristo e proclamando-o com audácia como Senhor um testemunho fundado no seu mandamento de ir e ensinar todas as nações (cf. Mt Mt 28,19) podeis ajudar os outros a conhecê-lo. Comportando-vos desta forma, conhecereis a beleza total e a fecundidade da vossa vocação missionária.

Queridas Irmãs, a Igreja olha para vós para que "faleis" de Cristo a quantos servis e lho "mostreis" (cf. Novo millennio ineunte, NM 16). Este testemunho exige que vós mesmas contempleis primeiro o rosto de Cristo. Por conseguinte, os vossos programas de formação inicial e permanente, devem ajudar todas as irmãs a conformarem-se totalmente com Cristo e com o seu amor de Pai. Para que esta formação seja autenticamente cristã, qualquer um dos seus aspectos deve basear-se em fundamentos espirituais profundos que modelem a vida de cada irmã. Desta forma, não só continuareis a "ver" Deus com os olhos da fé, mas sereis também eficazes ao tornar a sua presença "perceptível" ao próximo através do exemplo da vossa vida (cf. Vita consecrata VC 68), uma vida que se caracteriza pelo zelo e pela compaixão para com os pobres, tão facilmente associados ao vosso amado Fundador.

Ao invocar sobre vós a intercessão de São Vicente Pallotti, do qual hoje é celebrado o aniversário do dies natalis, e a protecção da vossa Padroeira, Maria, Rainha dos Apóstolos, concedo de bom grado a Vossa Reverência e a todas as Irmãs Missionárias do Apostolado Católico a minha Bênção Apostólica.

Vaticano, 22 de Janeiro de 2004.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE O CONFERIMENTO DO PRÉMIO


INTERNACIONAL "CARLOS MAGNO"


DA CIDADE DE AQUISGRANO (ALEMANHA)


24 de Março de 2004




Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara Municipal
Ilustres Membros da Direcção do Prémio Carlos Magno
Eminências Reverendíssimas
Estimados Hóspedes
Prezados Senhores!

1. Transmito a todos uma cordial saudação de boas-vindas aqui ao Vaticano. Dirijo uma saudação especial aos representantes da cidade de Aquisgrano, juntamente com o Presidente da Câmara Municipal, Senhor Linden, e aos hóspedes da República Federal Alemã. Conscientes de que a Igreja Católica tem a peito a união da Europa, viestes aqui para homenagear o Sucessor de Pedro com o Prémio Internacional Carlos Magno. Se hoje posso receber este Prémio, conferido de modo extraordinário e único, faço-o com gratidão para com Deus omnipotente, que cumulou os povos europeus com o espírito da reconciliação, da paz e da unidade.

2. O prémio, com o qual a cidade de Aquisgrano costuma honrar os méritos para com a Europa, com razão toma o nome do imperador Carlos Magno. De facto, o rei dos Francos, que constituiu Aquisgrano capital do seu reino, deu um contributo essencial aos fundamentos políticos e culturais da Europa e, portanto, já dos seus contemporâneos mereceu receber o nome de Pater Europae. A feliz união da cultura clássica com a fé cristã e as tradições de vários povos tomou forma no império de Carlos e desenvolveu-se de diversas maneiras como herança espiritual-cultural da Europa ao longo dos séculos. Embora a Europa moderna apresente sob muitos aspectos uma realidade nova, pode-se, todavia, reconhecer um alto valor simbólico à figura histórica de Carlos Magno.

3. A unidade europeia que hoje se está a desenvolver tem também outros "pais". Contudo, não devem ser subestimados os pensadores e homens políticos que deram e dão prioridade à reconciliação e ao crescimento comum dos seus povos, em vez de insistir sobre os próprios direitos e sobre a exclusão. Neste contexto, gostaria de lembrar aqueles que até agora foram premiados; podemos saudar alguns deles que se encontram aqui presentes. A Sé Apostólica reconhece e encoraja a sua actividade e o compromisso de muitas outras personalidades a favor da paz e da unidade dos povos europeus. Agradeço, particularmente, todos os que colocaram os seus esforços ao serviço da construção da Casa comum europeia, com base nos valores transmitidos pela fé cristã e também na cultura ocidental.

4. Como a Santa Sé se encontra em território europeu, a Igreja tem relações especiais com os povos desse Continente. Portanto, desde o início a Santa Sé participou no processo da integração europeia. Depois do terror da segunda Guerra Mundial, o meu venerável predecessor Pio XII mostrou o forte interesse da Igreja, apoiando explicitamente a ideia da formação de uma "união europeia", não deixando dúvidas a respeito do facto de que para uma válida e durável afirmação dessa união é necessário inspirar-se ao cristianismo como factor que cria identidade e unidade (cf. Discurso de 11 de Novembro de 1948 à união dos federalistas europeus em Roma).

5. Ilustres Senhores e Senhoras! Qual é a Europa que se deveria desejar hoje? Concedei-me traçar aqui um rápido esboço da visão que tenho de uma Europa unida.

Penso numa Europa sem nacionalismos egoístas, na qual as nações são vistas como centros vivos de uma riqueza cultural que merece ser protegida e promovida em vantagem de todos.

Sonho uma Europa em que as conquistas da ciência, da economia e do bem-estar social não sejam orientados para um consumismo sem sentido, mas estejam ao serviço de todos os homens necessitados e da ajuda solidária para os países que procuram alcançar a meta da segurança social.

Possa a Europa, que sofreu na sua história tantas guerras sangrentas, tornar-se um factor activo da paz no mundo!

Penso numa Europa cuja unidade se fundamente sobre a verdadeira liberdade. A liberdade de religião e as liberdades sociais amadureçam como frutos preciosos sobre o humus do Cristianismo. Sem liberdade não existe responsabilidade: nem diante de Deus, nem dos homens. A Igreja quer dar um amplo espaço à liberdade, sobretudo depois do Concílio Vaticano II. O estado moderno está consciente de que não pode ser um estado de direito se não proteger e promover a liberdade dos cidadãos nas suas possibilidades de expressão, tanto individuais como colectivas.

Sonho com uma Europa unida graças ao compromisso dos jovens. Os jovens entendem-se entre si com muita facilidade, além dos confins geográficos! Contudo, como pode nascer uma geração juvenil que seja aberta ao belo, ao nobre e a tudo que é digno de sacrifício, se na Europa a família já não se apresenta como uma instituição aberta à vida e ao amor desinteressado? Uma família da qual também os idosos são parte integrante em vista daquilo que é mais importante: a mediação activa dos valores e do sentido da vida.

A Europa que está na minha mente é uma unidade política, aliás espiritual, na qual os políticos cristãos de todos os países agem na consciência das riquezas humanas que a fé tem em si: homens e mulheres empenhados a tornar fecundos tais valores, pondo-se ao serviço de todos por uma Europa do homem, sobre a qual resplandeça o rosto de Deus.

Este é o sonho que trago no coração e que hoje gostaria de confiar a Vossa Excelência e às gerações futuras.

6. Ilustre Senhor Presidente da Câmara Municipal, desejo agradecer de novo a Vossa Excelência e à Direcção do Prémio Carlos Magno. De coração, concedo abundantes bênçãos de Deus sobre a sua Cidade e Diocese de Aquisgrano e sobre todos os que se empenham para o verdadeiro bem dos homens e dos povos da Europa.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS BISPOS DA AUSTRÁLIA EM VISITA

"AD LIMINA" APOSTOLORUM


26 de Março de 2004



Eminência
Caros irmãos no Episcopado

1. "Graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, Nosso Senhor" (1Tm 1,2). Com afecto fraterno dou-vos calorosas boas-vindas a vós, Bispos da Austrália. Agradeço ao Arcebispo Carroll pelos bons votos e gentis sentimentos expressos em vosso nome. Retribuo-os cordialmente e asseguro-vos as minhas orações por vós e por quantos estão confiados ao vosso cuidado pastoral. A vossa primeira visita ad Limina Apostolorum neste novo milénio é uma oportunidade para agradecer a Deus pelo imenso dom da fé em Jesus Cristo que foi acolhido de bom grado e preciosamente conservado pelos povos do vosso país (cf. Ecclesia in Oceania, 1). Como servidores do Evangelho para a esperança do mundo, a vossa vinda para ver Pedro (cf. Gl Ga 1,18) afirma e consolida aquela colegialidade que dá vida à unidade na diversidade e salvaguarda a integridade da tradição transmitida pelos Apóstolos (cf. Pastores gregis ).

2. O convite de Nosso Senhor "vem e segue-me" (Mt 4,19) é tão válido hoje como foi nas margens do mar da Galileia há mais de dois mil anos. A alegria e a esperança do discipulado cristão marcam a vida de inúmeros padres australianos, religiosos, homens e mulheres de fé que juntos procuram responder ao chamado de Cristo e trazem sua verdade para ser exercida na vida eclesial e cívica da vossa nação. Não obstante isso, perniciosas ideologias de secularismo encontraram terreno fértil na Austrália. Na raíz desse desenvolvimento preocupante, há a tentação de promover uma visão da humanidade sem Deus. Isso aumenta o individualismo, rompe o vínculo essencial entre a liberdade e a verdade e corrompe o relacionamento que caracteriza a vida social genuína. Os vossos relatórios descrevem algumas das consequências destrutivas desta eclipse do sentido de Deus: o enfraquecimento da vida familiar; o afastamento da Igreja; uma limitada visão de vida que não consegue despertar nas pessoas a chamada sublime a "voltar-se também para uma realidade que o transcende" (Fides et ratio FR 5).

Diante destes desafios, quando os ventos nos são contrários (cf. Mt Mt 6,48), diz o próprio Senhor: "Coragem, sou eu, não temais" (Mc 6,50). Permanecendo firmes na esperança também vós podeis afastar a apreensão e o medo. Sobretudo numa cultura do "aqui e agora" os Bispos devem distinguir-se como impávidos profetas, testemunhas e servos da esperança de Cristo (cf. Pastores gregis ). Ao proclamar esta esperança que emana da Cruz, estou confiante de que guiareis os homens e as mulheres das sombras da confusão moral e do modo de pensar ambíguo para o fulgor da verdade e do amor de Cristo. De facto, somente compreendendo a destinação final da humanidade, ou seja, a vida eterna no Céu, é possível explicar a multiplicidade das alegrias e dos desprazeres quotidianos, consentindo às pessoas de abraçar o mistério de sua vida com confiança (cf. Fides et ratio FR 81).

3. O testemunho da Igreja a respeito da fé que ela detém (cf. 1P 3,15) é particularmente poderoso quando se reúne para o culto. A Missa dominical, dada a sua especial solenidade e a presença obrigatória dos fiéis, e porque vem celebrada no dia em que Cristo venceu a morte, expressa com grande ênfase a dimensão eclesial inerente à Eucaristia: o mistério da Igreja torna-se presente de modo muito tangível (cf. Dies Domini, 34). Consequentemente, o domingo é o "dia supremo da fé", "um dia indispensável", "o dia da esperança cristã!".

Qualquer enfraquecimento na observância dominical da Santa Missa, enfraquece o discipulado cristão e ofusca a luz do testemunho da presença de Cristo no nosso mundo. Quando o domingo perde o seu significado fundamental e se torna subordinado a um conceito secular de "fim de semana" dominado por coisas como o entretenimento e o desporto, as pessoas permanecem fechadas num horizonte tão limitado que não conseguem mais ver o céu (cf. Dies Domini, 4). Em vez de ser verdadeiramente satisfeita ou animada permanece aprisionada em considerações sem sentido do novo e privada do vigor perene da "água viva" (Jn 4,11) de Cristo. É evidente que a secularização do dia do Senhor compreensivelmente vos causa muita preocupação; porém, podeis obter conforto da fidelidade do próprio Senhor, que continua a convidar o seu povo com um amor que desafia e convoca (cf. Ecclesia in Oceania, 3). Exortando os caros fiéis na Austrália e de modo especial os jovens a permanecerem fiéis à celebração da Missa dominical, faço minhas as palavras da Carta aos Hebreus: "Sem esmorecer, continuemos a afirmar a nossa esperança (...) não deixando as nossas reuniões (...) mas animando-nos uns aos outros" (He 10,23-25).

A vós, como Bispos, sugiro, enquanto moderadores da liturgia, que deis a prioridade pastoral a programas catequéticos que ensinem aos fiéis o verdadeiro significado do domingo e lhes inspirem a observá-lo plenamente. Para tal fim, reitero a leitura da minha Carta Apostólica Dies Domini. Ela delineia o carácter peregrino e escatológico do Povo de Deus que hoje pode ser tão facilmente esmaecido por uma compreensão sociológica superficial da comunidade. Memorial de um evento passado e celebração da presença viva do Senhor Ressuscitado em meio do seu povo, o domingo olha também para a glória futura da Sua nova vinda e para a plenitude da esperança e da alegria cristã.

4. Intimamente ligada à liturgia está a missão da Igreja de evangelizar.Enquanto a renovação litúrgica, ardentemente desejada pelo Concílio Vaticano II, levou justamente a uma participação mais ativa e consciente dos fiéis em suas próprias tarefas, este envolvimento não deve tornar-se um fim em si mesmo. "A finalidade que tem o estar com Jesus, é partir de Jesus, sempre contando com o seu poder e a sua graça" (Ecclesia in Oceania, 3). É precisamente esta dinâmica que vem articulada pela oração depois da comunhão e pelo rito conclusivo da Missa (cf. Dies Domini, 45). Mandados pelo mesmo Senhor para a vinha a própria casa, o lugar de trabalho, a escola, as organizações cívicas os discípulos de Cristo não podem estar "numa praça desocupados" (Mt 20,3), nem podem estar tão profundamente imersos na organização interna da vida paroquial a ponto de serem desobrigados do mandamento de evangelizar os outros de modo activo (cf. Christifideles laici CL 2). Renovados pela força do Senhor Ressuscitado e pelo seu Espírito, os seguidores de Cristo devem retornar para a sua "vinha" ardentes do desejo de "falar" de Cristo e de "mostrá-lo" ao mundo (cf. Novo Millennio ineunte NM 16).

5. A communio existente entre o Bispo e os seus sacerdotes exige que o bem-estar do presbitério esteja no coração de cada Bispo. O relatório conclusivo de 1998 (Encontro interdicasterial com uma representação de bispos australianos), considerou, com razão, a grande dedicação dos sacerdotes que servem a Igreja na Austrália (cf. n. 19). Expressando a minha satisfação pelo seu trabalho incansável e gratuito, encorajo-vos a ouvir sempre os vossos presbíteros como um pai ouviria o próprio filho. Num contexto secular como o vosso, é particularmente importante que ajudeis os vossos sacerdotes a compreender que a identidade espiritual deles deve caracterizar de modo consciente toda a sua actividade pastoral. O sacerdote jamais é um administrador ou um simples defensor de um particular ponto de vista. Imitando o Bom Pastor, ele é um discípulo que procura transceder os próprios limites pessoais e alegrar-se por uma vida de intimidade com Cristo. Um relacionamento de profunda comunhão e de amizade com Cristo, no qual o sacerdote habitualmente fala "de coração para o coração com nosso Senhor" (Instrução O presbítero, Pastor e guia da comunidade paroquial, n. 27), alimentará a sua busca da santidade enriquecendo não apenas a sua pessoa, mas igualmente toda a comunidade a quem serve.

É abraçando a vocação universal à santidade (cf. 1Th 4,3) que se encontra a particular vocação à qual Deus chama cada pessoa. Neste sentido, estou certo de que as vossas iniciativas em promover uma cultura da vocação e para apreciar os diversos estados da vida eclesial que existem para que o mundo creia (Jn 17,21) darão fruto. Quanto aos jovens que respondem generosamente ao chamado de Deus ao sacerdócio, mais uma vez insisto que eles devem receber toda a vossa ajuda enquanto buscam uma vida de simplicidade, de castidade e de serviço humilde na imitação de Cristo, o Eterno Sumo Sacerdote, do qual devem tornar-se ícones vivos (cf. Pastores dabo vobis PDV 33).

6. O contributo dos homens e das mulheres consagrados para a missão da Igreja e para a construção da sociedade civil teve um valor incomensurável na vossa Nação. Inumeráveis australianos beneficiaram da dedicação altruista dos religiosos no campo do ministério pastoral e da orientação espiritual, assim como no da educação, do trabalho social e médico e do cuidado aos idosos. Os vossos relatórios testemunham a vossa admiração por estes homens e por estas mulheres, cujo "dom de si por amor do Senhor Jesus e, n'Ele, por amor de cada membro da família humana" (Vita consecrata VC 3) enriquece muito a vida das vossas Dioceses.

Esta profunda simpatia pela vida consagrada é do mesmo modo acompanhada pela vossa preocupação pela diminuição do número das vocações religiosas no vosso País. É preciso uma renovada clareza para articular a particular contribuição dos religiosos na vida da Igreja: uma missão para tornar presente entre os homens o amor de Cristo (cf. Instrução Recomeçar por Cristo: um renovado esforço da vida consagrada no terceiro milénio, n. 5). Esta clareza suscitará um novo kairós, com os religiosos que confirmam novamente com confiança a sua vocação e, sob a orientação do Espírito Santo, propõem de novo aos jovens o ideal da consagração e da missão. Os conselhos evangélicos da castidade, da pobreza e da obediência, abraçados por amor a Deus, iluminam de modo esplêndido a fidelidade, a posse de si e a liberdade autêntica necessárias para viver a plenitude da vida a que são chamados todos os homens e mulheres. Com estes sentimentos, mais uma vez, asseguro aos sacerdotes religiosos, aos irmãos e irmãs o testemunho vital que oferecem seguindo de modo radical as pegadas de Cristo.

7. Queridos Irmãos, estou feliz em reconhecer os vossos firmes esforços em sustentar a unidade do matrimónio como pacto para toda a vida, fundado no generoso dom recíproco e no amor incondicional. O ensinamento da Igreja sobre o matrimónio e sobre a estabilidade da vida familiar oferece uma verdade salvífica para as pessoas e um sólido fundamento no qual ancorar as aspirações da vossa Nação. Explicar de modo incisivo e fiel a doutrina cristã sobre o matrimónio e sobre a família é muito importante a fim de contrastar a visão secular, pragmática e individualista que ganhou terreno no ambiente da legislação e até mesmo uma certa aceitação na opinião pública (cf. Ecclesia in Oceania, 45). Particularmente preocupante é a tendência em equiparar o matrimónio com outras formas de convivência. Isto ofusca a natureza mesma do matrimónio e viola o seu fim sagrado no desígnio de Deus para os homens (cf. Familiaris consortio FC 3).

Fazer crescer as famílias segundo o esplendor da verdade de Cristo significa participar da obra da criação de Deus. Está no centro da chamada para promover uma civilização do amor. O profundo amor das mães e dos pais pelos seus filhos é também o da Igreja, assim como a dor experimentada pelos pais quando os seus filhos caem vítimas de forças e de tendências que os afastam do caminho da verdade, deixando-os desorientados e confundidos. Os Bispos devem continuar a sustentar os pais que, não obstante as dificuldades sociais muitas vezes desconcertantes estão numa posição tal que exercem uma grande influência e oferecem horizontes mais amplos de esperança (cf. Pastores gregis ). É tarefa particular do Bispo assegurar que na sociedade civil incluindo os meios de comunicação social e os sectores da indústria de entretenimento sejam sustentados e defendidos os valores do matrimónio e da vida familiar (cf. Ibidem, n. 52).

8. Finalmente, desejo expressar o meu reconhecimento pelo nobre contributo que a Igreja na Austrália dá à consecução da justiça social e da solidariedade. A vossa orientação na defesa dos direitos fundamentais dos refugiados, dos migrantes e daqueles que pedem asilo, o sustento ao desenvolvimento oferecido aos australianos indígenas são luminosos exemplos do "esforço de um amor activo e concreto por cada ser humano" (Novo Millennio ineunte NM 49) para o qual convoquei toda a Igreja. O papel crescente da Austrália como guia na região do Pacífico represente para vós uma oportunidade para responder à necessidade premente de um atento discernimento do fenómeno da globalização. A atenta solicitude para com as pessoas pobres, abandonadas e maltratadas e a promoção de uma globalização da caridade contribuirão muito para indicar um caminho de desenvolvimento autêntico que supera a marginalização social e favoreça os benefícios económicos para todos (cf. Pastores gregis ).

9. Queridos irmãos, com afecto e gratidão fraterna vos ofereço estas reflexões e vos asseguro as minhas orações, enquanto procurais guiar os rebanhos que vos são confiados. Unidos na vossa proclamação da Boa Nova de Jesus Cristo, ide em frente com esperança. Com estes sentimentos recomendo-vos à protecção materna de Maria, Mãe da Igreja e à intercessão e guia da Bem-Aventurada Mary MacKillop. A vós, aos sacerdotes, aos diáconos, aos religiosos e aos fiéis leigos das vossas Dioceses, concedo de coração a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES DO CURSO PROMOVIDO


PELO TRIBUNAL DA PENITENCIARIA APOSTÓLICA


Sábado, 27 de Março de 2004




Senhor Cardeal
Venerados Irmãos no Sacerdócio
Caríssimos Jovens!

1. Estou feliz por acolher todos os participantes no Curso sobre o Foro íntimo, neste tempo santo da Quaresma, caminho da Igreja para a Páscoa no seguimento de Jesus Cristo. O Curso, promovido todos os anos pelo Tribunal da Penitenciaria Apostólica, é seguido com particular interesse não só pelos sacerdotes e confessores, mas também por seminaristas que pretendem preparar-se e exercer com generosidade e solicitude o ministério da Reconciliação, tão essencial para a vida da Igreja.

Antes de mais, saúdo o Senhor Cardeal James Francis Stafford que, como Penitenciário-Mor, acompanha pela primeira vez este distinto grupo de mestres e alunos, juntamente com os Oficiais do mesmo Tribunal. Vejo com alegria que estão presentes também os beneméritos Religiosos de várias Ordens dedicados ao ministério da Penitência nas Basílicas patriarcais de Roma, em benefício dos fiéis da Urbe e do Orbe. Saúdo todos com afecto.

2. Há trinta anos entrava em vigor na Itália o novo Rito da Penitência, promulgado alguns meses antes pela Congregação para o Culto Divino. Parece-me justo recordar esta data que colocou nas mãos dos sacerdotes e dos fiéis um precioso instrumento de renovação da Confissão sacramental, tanto nos preâmbulos doutrinais quanto nas indicações para uma digna celebração litúrgica. Gostaria de chamar a atenção para a ampla seara de textos da Sagrada Escritura e de orações, que o novo Rito apresenta, a fim de dar ao momento sacramental toda a beleza e a dignidade de uma confissão de fé e de louvor na presença de Deus.

Além disso, merece ser realçada a novidade da fórmula da absolvição sacramental, que esclarece a dimensão trinitária deste sacramento: a misericórdia do Pai, o mistério pascal da morte e da ressurreição do Filho, a efusão do Espírito Santo.

3. Com o novo Rito da Penitência, tão rico de sugestões bíblicas, teológicas e litúrgicas, a Igreja colocou nas nossas mãos uma ajuda oportuna para viver o Sacramento do perdão à luz de Cristo ressuscitado. No próprio dia da Páscoa, como recorda o evangelista, Jesus entrou no Cenáculo, estando as portas fechadas, soprou sobre os discípulos e disse: "Recebei o Espírito Santo. Os pecados daqueles que perdoardes, serão perdoados. Os pecados daqueles que não perdoardes, não serão perdoados" (Jn 20,22-23). Jesus comunica o seu Espírito, que é a "remissão de todos os pecados", como está escrito no Missal Romano (cf. sábado da VII semana da Páscoa, oração sobre as ofertas), a fim de que o penitente obtenha, pelo ministério dos presbíteros, a reconciliação e a paz.

Não só a remissão dos pecados, necessária para quem pecou, é fruto deste sacramento. Ele "leva a uma verdadeira "ressurreição espiritual", à restituição da dignidade e dos bens próprios da vida dos filhos de Deus, o mais precioso dos quais é a amizade do mesmo Deus" (Catecismo da Igreja Católica, CEC 1468). Seria ilusório querer alcançar a santidade, segundo a vocação que cada um recebeu de Deus, sem se aproximar com frequência e fervor deste sacramento da conversão e da santificação.

O horizonte da chamada universal à santidade, que propus como caminho pastoral da Igreja no início do terceiro milénio (cf. Novo millennio ineunte NM 30) tem no Sacramento da reconciliação uma premissa decisiva (cf. Ibid., 37). De facto, é o sacramento do perdão e da graça, do encontro que regenera e santifica, o sacramento que, juntamente com a Eucaristia, acompanha o caminho do cristão para a perfeição.

4. Pela sua natureza, ele exige uma purificação, tanto nos actos do penitente, que esvazia a sua consciência devido à profunda necessidade de ser perdoado e regenerado, quanto na efusão da graça sacramental que purifica e renova. Nunca seremos suficientemente santos a ponto de não precisar desta purificação sacramental: a confissão humilde, feita com amor, suscita uma pureza cada vez mais delicada no serviço de Deus e nas motivações que o sustentam.

A Penitência é sacramento de iluminação. A palavra de Deus, a graça sacramental, as exortações do confessor cheias do Espírito Santo, verdadeiro "guia espiritual", a humilde reflexão do penitente iluminam a sua consciência, fazem-lhe entender o mal que cometeu e dispõem-no a empenhar-se novamente no bem. Quem se confessa com frequência, e o faz com o desejo de progredir, sabe que recebe no sacramento, com o perdão de Deus e a graça do Espírito, uma luz preciosa para o seu caminho de perfeição.

Enfim, o Sacramento da penitência realiza um encontro unificador com Cristo. Progressivamente, de Confissão em Confissão, o fiel experimenta uma comunhão cada vez mais profunda com o Senhor misericordioso, até à plena identificação com Ele, que se tem naquela perfeita "vida em Cristo", na qual consiste a verdadeira santidade.

Visto o encontro com Deus Pai por Cristo no Espírito, o Sacramento da penitência revela assim não só a sua beleza, mas também a oportunidade da sua celebração assídua e fervorosa. Isso é um dom para nós, sacerdotes, que apesar de sermos chamados a exercer o ministério sacramental, temos também as nossas faltas, que nos devem ser perdoadas. A alegria de perdoar e de ser perdoado caminham paralelamente.

5. Exercer com bondade, sabedoria e coragem este ministério é a grande responsabilidade de todos os confessores. A sua tarefa é tornar amável e desejável este encontro, que purifica e renova o caminho para a perfeição cristã e a peregrinação para a Pátria.

Enquanto faço a todos vós, queridos confessores, os votos para que a graça do Senhor vos torne dignos ministros da "palavra da reconciliação" (cf. 2Co 5,19), confio o vosso precioso serviço à Virgem Mãe de Deus e nossa Mãe, que a Igreja neste tempo de Quaresma invoca, numa das Missas a ela dedicada, como "Mãe da Reconciliação".

Com estes sentimentos, concedo a todos com afecto a minha Bênção.




DIscursos João Paulo II 2004