DIscursos João Paulo II 2004

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CARDEAL RENATO RAFFAELE MARTINO


POR OCASIÃO DE UM SIMPÓSIO SOBRE


O TEMA "DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO


E SOCIAL DA ÁFRICA NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO"





Ao Senhor Cardeal RENATO RAFFAELE MARTINO
Presidente do Pontifício Conselho "Justiça e Paz"

Por ocasião do encontro organizado pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz, sobre o tema "desenvolvimento económico e social da África na era da globalização", dirijo a todos os participantes uma afectuosa saudação. Os numerosos focos de violência que ensanguentam a África, a Sida e outras epidemias, bem como os dramas da miséria e das injustiças, continuam a pesar sobre o futuro do Continente, causando efeitos negativos que hipotecam o progresso solidário da África, e o restabelecimento duradouro da paz e de uma sociedade justa e equitativa.

O Continente tem urgente necessidade de paz, de justiça e de reconciliação, bem como da ajuda dos países industrializados, que estão chamados a apoiar o seu desenvolvimento, a fim de que os povos da África sejam verdadeiramente os protagonistas do seu futuro, os actores e os sujeitos do seu destino. Para tal fim, convém formar as jovens gerações para as suas responsabilidades futuras, as quais serão amanhã as responsáveis dos diferentes âmbitos da sociedade. Possa a Comunidade internacional contribuir, com determinação e generosidade, para promover uma sociedade de justiça e de paz no Continente africano! As comunidades católicas de todo o mundo são convidadas a apoiar os seus irmãos da África, a fim de permitir que eles tenham uma vida mais humana e fraterna. Ao confiar todos os participantes no encontro à Virgem Maria, Nossa Senhora da África, concedo-lhes uma particular Bênção Apostólica.

Vaticano, 21 de Maio de 2004.

PAPA JOÃO PAULO II




DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À SENHORA HELEN CLARK


PRIMEIRA-MINISTRA DA NOVA ZELÂNDIA


Sexta-feira, 21 de Maio de 2004



Senhora Primeira-Ministra

É-me grato dar-lhe as boas-vindas ao Vaticano e, através da sua pessoa, saudar o povo da sua nação. Os neozelandeses sempre estimaram os valores fundamentais da liberdade, da justiça e da paz. Efectivamente, diante da agressão ou da ameaça, eles têm procurado defender e promover com generosidade estes direitos, tanto na região do Pacífico como noutras áreas.

Actualmente, no nosso mundo tão atormentado pelo flagelo das divisões raciais e pelos conflitos, encorajo-lhe, assim como os seus compatriotas, a promover o diálogo. Reconhecendo a dignidade fundamental de cada indivíduo como dádiva de Deus, o diálogo conduz ao reconhecimento da diversidade, enquanto abre a mente à aceitação recíproca e à colaboração autêntica, exigidas pela vocação essencial da família humana à unidade.

Sobre a sua pessoa e todo o povo da Nova Zelândia, invoco cordialmente a abundância das graças de Deus Todo-Poderoso.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DAS PROVÍNCIAS ECLESIÁSTICAS


DE SANTO ANTÓNIO E DE OKLAHOMA CITY (E.U.A.)


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


22 de Maio de 2004


Queridos Irmãos Bispos

1. É com alegria que vos recebo, Bispos provenientes das Províncias Eclesiásticas de Santo António e de Oklahoma City, por ocasião da vossa visita "ad limina Apostolorum". Sinto-me feliz porque, ao longo destes últimos meses, tive a alegria de me encontrar com um número tão elevado de Bispos do vosso País, casa de uma comunidade católica tão vasta e vibrante. "Damos continuamente graças a Deus por todos vós, sempre que nos recordamos de vós nas nossas orações. Com efeito, diante de Deus, nosso Pai, lembramo-nos sempre da vossa fé activa, do vosso amor capaz de sacrifícios e da esperança firme que vós depositais em nosso Senhor Jesus Cristo" (1Th 1,2-3). Estas visitas não só fortalecem o vínculo existente entre nós, mas oferecem-nos também a singular oportunidade de rever mais atentamente as boas obras já levadas a cabo e os desafios que ainda se estão a apresentar à Igreja que peregrina nos Estados Unidos da América.

Nos meus últimos discursos, abordei vários temas relacionados com o "munus santificandi". Em particular, falei sobre a vocação universal à santidade e sobre a importância de uma comunhão amorosa com Deus e de uns com os outros, como elemento fulcral para a santificação pessoal e comunitária. "Deus criou o homem à sua imagem e semelhança: chamando-o à existência através do amor, Ele chamou-o ao mesmo tempo ao amor" (Familiaris consortio FC 11 cf. Gn Gn 1,26-27). Estes relacionamentos fundamentais estão fundamentados sobre o amor de Deus, enquanto actuam como ponto de referência para toda a actividade do homem. A vocação e a responsabilidade de cada pessoa, em relação ao amor, oferece-nos não apenas a oportunidade de cooperar com o Senhor nesta missão santificadora, mas também desperta em nós o desejo de agir de maneira consequente. De igual modo, nesta reflexão final acerca do ofício de santificação, desejo concentrar a minha atenção de maneira especial num dos marcos essenciais da própria Igreja, nomeadamente, na relação complexa e interpessoal que é conhecida como família (cf. Familiaris consortio FC 11).

2. A vida familiar é santificada na união do homem e da mulher, na instituição sacramental do sagrado matrimónio. Consequentemente, é fundamental que o matrimónio cristão seja compreendido no seu sentido mais completo e apresentado quer como uma instituição natural quer como uma realidade sacramental. Hoje em dia, muitas pessoas têm um entendimento preclaro da natureza secular do matrimónio, que inclui os direitos e as responsabilidades das sociedades modernas, como factores determinantes para o contrato matrimonial. Não obstante, há também pessoas que parecem carecer de uma compreensão apropriada da dimensão intrinsecamente religiosa desta aliança.

A sociedade moderna raramente presta atenção à natureza permanente do matrimónio. Com efeito, a atitude da cultura contemporânea em relação ao casamento exige que a Igreja procure oferecer uma instrução pré-matrimonial mais aperfeiçoada, destinada a formar os noivos na sua vocação, insistindo para que as escolas e os programas de educação de índole católica garantam aos jovens muitos dos quais também provêm de famílias divididas desde a idade mais precoce, uma educação no ensinamento da Igreja sobre o sacramento do matrimónio. A este propósito, estou grato aos Bispos dos Estados Unidos da América pela sua solicitude em vista de apresentar aos fiéis das respectivas dioceses uma catequese correcta sobre o matrimónio. Encorajo-vos a continuar a pôr em forte evidência o matrimónio como vocação cristã a que os casais são chamados, e a oferecer-lhes os instrumentos necessários para o viver plenamente, mediante os programas de preparação matrimonial, que sejam "sérios na sua finalidade, excelentes no seu conteúdo, suficientes na sua extensão e obrigatórios na sua natureza" (Directório para o Ministério Pastoral dos Bispos, 202).

3. A Igreja ensina que o amor do homem e da mulher, que se torna sagrado através do sacramento do matrimónio, constitui um reflexo do amor eterno de Deus pela sua criação (cf. Prefácio ao Matrimónio, III). Analogamente, a comunhão de amor presente na vida familiar serve como modelo da relação existente no seio da família de Cristo, que é a Igreja."Uma das tarefas fundamentais da família cristã é o seu dever eclesial: a família põe-se ao serviço da edificação do Reino de Deus na história, mediante a participação na vida e na missão da Igreja" (Familiaris consortio FC 49). A fim de assegurar que a família seja capaz de cumprir a missão que lhe é própria, a Igreja tem a sagrada responsabilidade de levar a cabo tudo o que estiver ao seu alcance, para ajudar os casais a fazer da sua família uma "igreja doméstica" e a cumprir adequadamente a "função sacerdotal" a que cada família cristã é chamada (cf. ibid., n. 55). A maneira mais eficaz de cumprir esta tarefa consiste em ajudar os pais a tornar-se os primeiros anunciadores do Evangelho e a ser os principais catequistas no seio da família. Este apostolado especial exige mais do que uma simples instrução académica a respeito da vida familiar; ele requer que a Igreja compartilhe as dificuldades e os esforços dos pais e das famílias, assim como as suas alegrias. Deste modo, as comunidades cristãs deveriam levar a cabo todos os esforços em vista de ajudar os cônjuges a fazer das suas famílias escolas de santidade, oferecendo uma ajuda concreta ao ministério da vida familiar a nível local. Uma parte integrante desta responsabilidade é a tarefa satisfatória de resgatar muitos católicos que outrora se afastaram da Igreja e que agora, que têm a sua própria família, aspiram a voltar para o seio dela.

4. A família, como comunidade de amor, reflecte-se na vida da Igreja. Efectivamente, a Igreja pode ser considerada como uma família a Família de Deus, reunida como filhos e filhas do nosso Pai celestial. Como família, a Igreja constitui o lugar onde os seus membros se sentem livres de depositar os próprios sofrimentos, conscientes de que a presença de Jesus Cristo na oração do seu povo é o maior manancial de purificação. Por este motivo, a Igreja mantém um compromisso concreto a todos os níveis do ministério familiar, e de maneira especial nos sectores que envolvem os adolescentes e os jovens. Perante uma cultura secular que promove a gratificação imediata e o egoísmo, e não as virtudes da moderação e da generosidade, os jovens têm necessidade da ajuda e da orientação da Igreja. Encorajo-vos, juntamente com os vossos sacerdotes e os colaboradores leigos, a considerar o ministério juvenil como uma parte essencial dos vossos programas diocesanos (cf. Directório para o Ministério Pastoral dos Bispos, 203; cf. também Pastores gregis ). Muitos jovens procuram modelos vigorosos, comprometidos e responsáveis, que não tenham medo de professar um amor incondicional a Cristo e à sua Igreja. A este propósito, os presbíteros ofereceram sempre e deveriam continuar a oferecer uma contribuição especial e inestimável para a vida dos jovens católicos.

Como acontece em todas as famílias, por vezes a harmonia interna da Igreja pode ser desafiada por uma falta de caridade e pela presença de conflitos entre os seus membros. Isto pode levar à formação de facções no seio da Igreja que, com frequência, se preocupam tanto com os seus próprios interesses, que perdem de vista a unidade e a solidariedade, que constituem os fundamentos da vida eclesial e as fontes da comunhão na família de Deus. Para enfrentarem este fenómeno preocupante, os Bispos são chamados a agir com solicitude paternal, de tal maneira que "não haja divisão no corpo, mas os membros tenham igual cuidado uns pelos outros" (1Co 12,25). Isto exige que o Bispo se empenhe em vista de resolver qualquer divisão que possa vir a existir no meio da sua grei, procurando reconstruir um nível de confiança, reconciliação e entendimento recíproco no seio da família eclesial.

5. Meus Irmãos no Episcopado, no momento de concluir estas considerações sobre a vida familiar, rezo a fim de que deis continuidade aos vossos esforços, a fim de promover a santificação a níveis pessoal e comunitário, através das devoções da piedade popular.Durante séculos o Santo Rosário, as Estações da Via-Sacra, as orações antes e depois das refeições, bem como outras práticas devocionais, contribuíram para a formação de uma escola de oração nas famílias e nas paróquias, agindo como um rico e maravilhoso suplemento da vida sacramental dos católicos. A renovação de tais devoções ajudará não só os fiéis do vosso país no seu caminho de santidade pessoal, mas também agirá como uma nascente de fortaleza e de santificação para a Igreja católica que se encontra nos Estados Unidos da América.

No momento em que a vossa nação celebra de maneira particular o sesquicentenário da proclamação do dogma da Imaculada Conceição, despeço-me de vós com as palavras do meu ilustre Predecessor, o Beato Papa Pio IX: "Por conseguinte, nós temos uma esperança e uma confiança realmente convictas, de que a Santíssima Virgem vai assegurar, mediante o seu poderoso patrocínio, que todas as dificuldades sejam removidas e todos os erros dissipados, a fim de que a nossa Santa Mãe, a Igreja católica, possa florescer cada vez mais, espalhando-se em todas as nações e países, e possa reinar "de mar a mar e de rio a rio, até aos extremos confins da terra"" (Ineffabilis Deus). Invoco sobre vós a intercessão de Maria Imaculada, Padroeira dos Estados Unidos da América que, sem mancha de pecado, intercede incessantemente pela santificação dos cristãos, enquanto vos concedo cordialmente a minha Bênção Apostólica como penhor de fortaleza e de júbilo em Jesus Cristo.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO RABINO-CHEFE DE ROMA


POR OCASIÃO DA COMEMORAÇÃO


DO CENTENÁRIO DO TEMPLO MAIOR


Ao Ilustríssimo Dr. RICCARDO DI SEGNI

Rabino-Chefe de Roma

Shalom!

"Vede como é bom e agradável que os irmãos vivam unidos
Hinneh ma tov u-ma na'im, shevet akhim gam yakhad!" (Ps 133 [132], 1).

1. Uno-me com profunda alegria à Comunidade hebraica de Roma em festa para celebrar os cem anos do Templo Maior, símbolo e recordação da milenária presença nesta cidade do povo da Aliança do Sinai. Há mais de dois mil anos a vossa comunidade é parte integrante da vida da Urbe; ela pode orgulhar-se de ser a Comunidade hebraica mais antiga da Europa ocidental e de ter desempenhado uma função relevante para a difusão do hebraísmo neste Continente. Por conseguinte, a comemoração de hoje assume um significado particular para a vida religiosa, cultural e social da Capital e não pode deixar de ter um reflexo muito especial também no coração do Bispo de Roma! Não podendo participar pessoalmente, pedi ao meu Vigário-Geral para a Diocese de Roma, Cardeal Camillo Ruini, o qual é acompanhado pelo Presidente da Comissão da Santa Sé para as Relações Religiosas com o Hebraísmo, Cardeal Walter Kasper, que me representasse nessa celebração. São eles que exprimem concretamente o meu desejo de estar convosco neste dia.

Ao dirigir-lhe a minha deferente saudação, ilustre Dr. Riccardo Di Segni, faço o meu cordial pensamento extensivo a todos os Membros da Comunidade, ao seu Presidente, Eng. Leone Elio Paserman, e a quantos se reuniram para testemunhar mais uma vez a importância e o vigor da herança religiosa que se celebra cada sábado no Templo Maior. Desejo dirigir uma saudação particular ao Grão-Rabino emérito, Prof. Elio Toaff, que com espírito aberto e generoso me recebeu na Sinagoga por ocasião da minha visita de 13 de Abril de 1986. Este acontecimento permanece gravado na minha memória e no meu coração como símbolo da novidade que caracterizou, nos últimos decénios, as relações entre o povo hebraico e a Igreja Católica, depois de períodos por vezes difíceis e atormentados.

2. A festa de hoje, a cuja alegria todos nos unimos de coração, recorda o primeiro século deste majestoso Templo Maior, que, na harmonia das suas linhas arquitectónicas, se eleva sobre as margens do Tibre como testemunho de fé e de louvor ao Omnipotente. A Comunidade crista de Roma, através do Sucessor de Pedro, participa convosco no agradecimento ao Senhor pela fausta celebração. Como tive a oportunidade de dizer na mencionada visita, nós saudamos-vos como nossos "irmaos predilectos" na fé de Abrãao, nosso patriarca, de Isaac e de Jacob, de Sara e Rebeca, de Raquel e Elias. Já São Paulo, escrevendo aos Romanos (cf. Rm Rm 11,16-18), falava da raíz santa de Israel, sobre a qual os pagãos sao inseridos em Cristo; "os dons e o chamamento de Deus sao irrevogáveis (Rm 11,29) e vós continuais a ser o povo primogénito da Aliança (Liturgia da Sexta-Feira Santa, Oração Universal, Pelos Hebreus).

Vós sois cidadãos desta Cidade de Roma há mais de dois mil anos, ainda antes que Pedro, o pescador, e Paulo em cadeias aqui chegassem, apoiados interiormente pelo sopro do Espírito. Não só as Escrituras sagradas, que partilhamos em grande medida, não só a liturgia, mas também as antiquíssimas expressões artísticas testemunham o profundo vínculo da Igreja com a Sinagoga, pela herança espiritual que, sem ser dividida, nem repudiada, foi participada aos crentes em Cristo, e constitui um vínculo inseparável entre nós e vós, povo da Torr de Moisés, oliveira boa sobre a qual foi enxertado o novo ramo (cf. Rm Rm 11,17).

Durante a Idade Média, também alguns dos vossos grandes pensadores, como Yehudr ha-Levi Maimonides, procuraram perscrutar de que maneira fosse possível adorar ao mesmo tempo o Senhor e servir a humanidade sofredora, preparando assim os caminhos da paz. O grande filósofo e teólogo, muito conhecido por Sao Tomás de Aquino, Maimonides de Córdova (1138-1204), do qual recordamos este ano o oitavo centenário da sua morte, expressou o desejo de que um melhor relacionamento entre hebreus e cristãos possa levar "o mundo inteiro à adoração unânime de Deus, como foi dito: "Então darei aos povos lábios puros, para que sirvam o Senhor lado a lado" (So 3,9)" (Mishneh Torr, Hilkhnt Melakhim XI, 4, ed. Jerusalém, Mossad Harav Kook).

3. Percorremos muito caminho juntos a partir daquele 13 de Abril de 1986, quando, pela primeira vez depois do Apóstolo Pedro o Bispo de Roma lhe rendeu visita: foi o abraço dos irmãos que se tinham reencontrado depois de um longo período em que não faltaram incompreensões, recusa e sofrimentos. A Igreja católica, com o Concílio Ecuménico Vaticano II, inaugurado pelo Papa João XXIII, sobretudo depois da Declaração Nostra aetate (28 de Outubro de 1965), alargou os seus braços para vós, recordando-se de que "Jesus é hebreu, e para sempre" (Comissão para as Relações Religiosas com o Hebraísmo, Notas e sugestões [1985]: III 12). No Concílio Vaticano II, a Igreja recordou de maneira clara e definitiva a recusa do anti-semitismo em todas as suas expressões. Contudo, não é suficiente, apesar de ser um dever, a deploração e condenação das hostilidades contra o povo hebraico que muitas vezes caracterizaram a história; é necessário desenvolver também a amizade, a estima e as relações fraternas com ele. Estas relações amistosas, fortalecidas e incrementadas depois da assembleia conciliar do século passado, vêem-nos unidos na recordação de todas as vítimas da Shoah, especialmente de quantos, em Outubro de 1943, aqui foram arrancados às suas famílias e à vossa querida Comunidade hebraica romana para serem confinados em Auschwitz. A sua recordação seja uma benção e nos estimule a trabalhar como irmãos.

Portanto, é um dever recordar todos aqueles cristãos que, sob o impulso de uma natural bondade e rectidão de consciência, amparados pela fé e pelo ensinamento evangélico, reagiram com coragem, também nesta cidade de Roma, para socorrer concretamente os Hebreus perseguidos, oferecendo solidariedade e ajuda, por vezes também arriscando a sua própria vida. A sua memória bendita permanece viva, juntamente com a certeza de que para eles, como para todos os "justos das nações", os tzaddiqim, é preparado um lugar no mundo futuro, na ressurreição dos mortos. Nem podemos esquecer, ao lado dos pronunciamentos oficiais, a acção, muitas vezes escondida, da Sé Apostólica, que ajudou de várias formas os Hebreus em perigo, como foi reconhecido também pelos seus representantes autorizados (cf. "Nós recordamos: uma reflexão sobre a Shoah", 16 de Março de 1998).

4. Ao percorrer, com a ajuda do Céu, este caminho de fraternidade, a Igreja nao hesitou em "deplorar as faltas dos seus filhos e das suas filhas em todos os tempos", e num acto de arrependimento (teshuvr), ela pediu perdão pelas suas responsabilidades, relacionadas de uma ou de outra forma com as chagas do antijudaísmo e do anti-semitismo (ibidem). Durante o Grande Jubileu, invocamos a misericórdia de Deus, na Basílica consagrada à memória de Pedro em Roma, e em Jerusalém, a cidade amada por todos os Hebreus, coração daquela Terra que é santa para todos nós. O Sucessor de Pedro subiu como peregrino aos montes da Judeia, prestou homenagem às vítimas da Shoah em Yad Vashem, rezou ao vosso lado no monte Sião, aos pés daquele Lugar santo.

Infelizmente, o pensamento dirigido para a Terra Santa suscita nos corações preocupação e sofrimento pela violência que continua a marcar aquela região, devido ao demasiado sangue inocente de israelitas e palestinos, que obscurece o surgimento de uma aurora de paz na justiça. Por isso, hoje queremos dirigir uma fervorosa oração ao Eterno, na fé e na esperança, ao Deus do Shalom, para que a inimizade não arraste mais para o ódio aqueles que se reconhecem no pai Abrãao hebreus, cristãos e muçulmanos e ceda o lugar à consciência clara dos vínculos que os unem e da responsabilidade que pesa sobre os ombros de uns e outros.

Temos ainda muito caminho para percorrer: o Deus da justiça e da paz, da misericórdia e da reconciliação, chama-nos a colaborar sem hesitações no nosso mundo contemporâneo, dilacerado por conflitos e inimizades. Se soubermos unir os nossos corações e as nossas mãos para responder ao chamamento divino, a luz do Eterno aproximar-se-á para iluminar todos os povos mostrando-nos os caminhos da paz, do Shalom. Desejamos percorrê-los com um só coração.

5. Não só em Jerusalém e na Terra de Israel, mas também aqui, em Roma, podemos fazer muito juntos: por quantos sofrem perto de nós devido à marginalização, pelos imigrados e pelos estrangeiros, pelos débeis e pelos indigentes. Partilhando os valores pela defesa da vida e da dignidade de cada pessoa humana, poderemos aumentar a nossa fraterna cooperação de maneiras concretas.

O encontro de hoje é quase uma preparação para a vossa iminente solenidade de Shavu'nt e para o nosso Pentecostes, que celebram a plenitude das respectivas festas de Páscoa. Espero que estas festas nos possam ver unidos na oração do Hallel pascal de David:

"Hallelu et Adonay goin
shabbehuHu kol ha-ummim
ki gavar 'alenu khasdo
we-emet Adonay le-'olam"
"Laudate Dominum, omnes gentes,
collaudate Eum, omnes populi.
Quoniam confirmata est super
nos misericordia eius, et veritas
Domini manet in aeternum"
Hallelu-Yah (Ps 117 [116]).


Vaticano, 22 de Maio de 2004.

JOÃO PAULO II




DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UMA DELEGAÇÃO DA REPÚBLICA DA MACEDÓNIA


VINDOS PARA A FESTA DOS SANTOS CIRILO E METÓDIO


24 de Maio de 2004



Senhor Presidente
Ilustres Senhoras e Senhores

1. É-me grato dar-vos as boas-vindas ao Vaticano, durante a vossa visita a Roma, para a tradicional homenagem de afecto que vós prestais aos Santos Cirilo e Metódio, Apóstolos dos Povos Eslavos, cuja memória está conservada na venerável Basílica de São Clemente.

Estendo a Vossa Excelência, Senhor Presidente, as minhas cordiais saudações e os meus sinceros parabéns pelo cargo que, recentemente, foi lhe confiado, ao serviço da sua nação. O meu pensamento dirige-se a todas as pessoas que o acompanham, aos representantes das Igrejas e a toda a comunidade nacional, que conservo no meu coração.

2. O vosso país confirmou sabiamente o seu compromisso no seguimento do caminho da paz e da reconciliação. E este é um crédito para todos os vossos cidadãos, além de constituir um encorajamento a continuar ao longo desta mesma vereda. O diálogo e a busca de harmonia permitir-vos-ão dedicar todos os recursos humanos e espirituais em vista de alcançar o progresso material e moral do vosso povo, num espírito de frutuosa cooperação com os países vizinhos.

Os vossos olhos estão legitimamente voltados para a Europa. As vossas tradições e a vossa cultura pertencem ao espírito que imbui este Continente. Formulo votos para que, verdadeiramente, as vossas aspirações recebam a justa consideração e que os cidadãos da vossa República possam, um dia, ser plenos membros de uma Europa unida, em que cada povo se sinta em casa e plenamente valorizado.

3. Com a certeza das minhas preces por todos vós e pelo povo da Macedónia, imploro sobre vós as bênçãos do Altíssimo como penhor de prosperidade e de paz.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À DELEGAÇÃO DA BULGÁRIA PARA A FESTA


DOS SANTOS CIRILO E METÓDIO


Segunda-feira, 24 de Maio de 2004



Senhor Presidente
Amados Irmãos no Episcopado
e no sacerdócio
Minhas Senhoras e meus Senhores!

1. No âmbito da vossa tradicional visita em memória dos Santos Cirilo e Metódio, honrados na venerável Basílica de São Clemente, desejastes encontrar-vos comigo para me saudar e me apresentar os vossos votos, por ocasião do meu 84º aniversário. Agradeço-vos este gesto cordial, que aprecio, e dou-vos as boas-vindas.

Desejo agradecer ao Presidente da Assembleia nacional as gentis palavras que me dirigiu em nome de todos. Retribuo pedindo-lhe a amabilidade de expressar os meus respeitosos votos ao Senhor Presidente da República bem como os meus sentimentos de afecto ao amado povo búlgaro, recordando-me da minha feliz visita ao vosso país, há dois anos.

2. Dirijo uma saudação particular ao vosso venerado Patriarca, Sua Santidade Máximo, assim como aos membros do Santo Sínodo da Igreja ortodoxa búlgara. O exemplo dos santos irmãos de Tessalonica ampare os esforços de todos para afirmar os valores espirituais que conferem à alma do povo búlgaro a sua identidade e a sua força!

Desde há alguns anos o vosso país reencontrou o seu lugar no cenário internacional e prossegue o seu caminho de liberdade e democracia, procurando também consolidar a concórdia no seio da nação. Actualmente ele está comprometido num esforço paciente para alcançar de maneira estável as instituições da União Europeia. A respeito disto, faço votos por que a Bulgária possa realizar as suas aspirações legítimas, contribuindo, graças às riquezas culturais e espirituais que herdou das suas tradições seculares, para a construção europeia.

Para esta finalidade, peço a Deus que abençoe a Bulgária, o país das rosas, e conceda que todos os seus habitantes vivam e progridam na serenidade e na paz.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CARDEAL FIORENZO ANGELINI


NA INAUGURAÇÃO DO CENTRO DE SAÚDE


NA ROMÉNIA




Ao Venerado Irmão Card. FIORENZO ANGELINI
Presidente Emérito do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde


1. Foi com prazer que tomei conhecimento de que Vossa Eminência irá inaugurar o Centro sócio-sanitário "Casa Santa Face de Jesus", que a benemérita Congregação das Irmãs Beneditinas Reparadoras da S. Face de Nosso Senhor Jesus Cristo, cumprindo a Sua inspiração e orientação, realizou na colina de Magura na cidade de Baucau. Dirijo a minha cordial saudação a Vossa Eminência, ao Bispo de Iasi, D. Petru Gherghel, aos venerados Irmãos no Episcopado, bem como às Autoridades civis, religiosas e militares, aos sacerdotes, às pessoas consagradas e aos leigos, que participarão no significativo acontecimento.

Com a mente e com o coração dirijo-me espiritualmente para a Roménia, Nação que me é tão querida, recordando com profunda emoção a memorável visita que tive a alegria de realizar ali em 1999. Peregrino de fé e de esperança, fui recebido muito calorosamente pelo Presidente e pelas Autoridades estatais, por Sua Beatitude o Patriarca Teoctisto e por todo o povo da venerável Igreja Ortodoxa da Roménia. Recebi um abraço particularmente fraterno dos Bispos e das amadas Comunidades católicas, de rito quer bizantino quer latino.

2. A nova estrutura assistencial, com o anexo lugar de culto dedicado a Jesus eterno Sacerdote, destina-se ao acolhimento de pessoas idosas e inábeis, começando pelos sacerdotes. Trata-se de um importante serviço em favor de quantos se encontram em situações de pobreza ou de doença e não tem familiares capazes de enfrentar as suas necessidades. Por conseguinte, a iniciativa constitui uma resposta concreta ao mandamento divino de amar Deus e o próximo com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças (cf. Mc Mc 12,29-31). Ao mesmo tempo, ela dá um contributo solidário às necessidades do Pais que, tendo saído do jugo comunista, está a reorganizar a sua vida económica e social.

É-me grato expressar, nesta circunstância, o meu profundo apreço a Vossa Eminência, Senhor Cardeal, à Superiora-Geral e às Irmãs Beneditinas Reparadoras da Santa Face de Nosso Senhor Jesus Cristo, bem como a quantos apoiaram e realizaram concretamente esta obra providencial. Ela coloca-se como ajuda significativa aos pobres, aos doentes e aos idosos, testemunhando de maneira concreta aquela "fantasia da caridade", à qual convidei a Igreja na Carta apostólica Novo millennio ineunte (cf. n. 50).

3. Através da dedicação de quantos trabalham na nova estrutrura, muitas pessoas poderão experimentar a ternura providencial do Pai celeste. Faço votos por que os esforços realizados em vista deste importante serviço social suscitem na comunidade dos discípulos de Cristo propósitos renovados de solidariedade e de cooperação generosa numa Nação, como a Roménia, que se situa na encruzilhada entre o Oriente e o Ocidente.

Com estes sentimentos, enquanto invoco abundantes recompensas celestes sobre quantos cooperaram de todas as formas para a construção do importante Centro de Saúde, concedo de coração a Vossa Eminência, Venerado Irmão, e às pessoas presentes na solene inauguração a implorada Bênção Apostólica.

Vaticano, 13 de Maio de 2004.

JOÃO PAULO II



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO SENHOR YAHYA ALI MOHAMED AL-ABIAD

NOVO EMBAIXADOR DO IÊMEN


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DA CARTAS CREDENCIAIS


27 de Maio de 2004





Excelência

É com prazer que lhe dou as boas-vindas ao Vaticano, no momento em que Vossa Excelência apresenta as Cartas Credenciais, através das quais é designado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República do Iêmen junto da Santa Sé. Estou-lhe reconhecido pelas cordiais saudações que me transmitiu da parte do Presidente, Sua Excelência o Senhor Ali Abdallah Saleh.

Retribuo calorosamente, assegurando ao Governo e aos cidadãos da sua Nação as minhas orações pela paz e pela prosperidade da sua Pátria. Fomulo votos ardentes a fim de que a amizade que se desenvolveu ao longo dos últimos anos entre a República do Iêmen e a Santa Sé consiga ser aprofundada ainda mais e se caracterize por ulteriores sinais de confiança e respeito recíprocos.

Estou grato pelas observações que Vossa Excelência fez, em reconhecimento dos esforços indefessos da Santa Sé, em ordem a promover o diálogo como instrumento de paz e de resolução dos conflitos no Médio Oriente e noutras regiões deste nosso mundo, tão agitado. Sem dúvida, a Igreja compartilha a aspiração do Iêmen, de alicerçar os fundamentos sólidos da paz sobre princípios morais que encontrem a sua nascente na dignidade fundamental de cada pessoa humana, como dom de Deus. Com efeito, a actividade da Santa Sé na arena internacional deriva da sua visão específica da pessoa humana, assim como da sua convicção de que, quando a mesma é espezinhada ou abandonada, o próprio fundamento da sociedade humana passa a ser ameaçado.

Esta perspectiva de desenvolvimento exige um ulterior progresso da liberdade, através do reconhecimento político do dever de oferecer uma garantia aos direitos humanos. E não menos importantes, dentre estes direitos, são: a liberdade da prática religiosa autêntica; a possibilidade de edificar e conservar lugares de culto, inclusivamente para as minorias religiosas; a participação activa de todos os cidadãos na vida cívica democrática; e o acesso à educação.

Contra o pano de fundo da tragédia humana da tirania e da guerra, para as nações manifestou-se a oportunidade na realidade, o dever de construir a paz duradoura a que a família humana aspira (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2004, Introdução). Isto exige a convicção firme de que a paz é possível, de que ela pode ser ensinada e salvaguardada e que qualquer actividade levada a cabo por simples indivíduos ou por grupos, que seja contrária à paz, é inaceitável (cf. ibid., nn. 4-5). Os recentes esforços positivos, realizados por parte do seu Governo, em vista de erradicar o mal perpetuado por determinados grupos terroristas, foram justamente reconhecidos pela comunidade internacional. Tais iniciativas são passos positivos e necessários rumo à edificação de uma civilização de amor, em que todos os povos possam sentir-se seguros e viver em paz.

Desde a unificação entre o Iêmen do Norte e o Iêmen do Sul, ocorrida há quase quinze anos, o seu governo introduziu vários programas com a finalidade de melhorar o padrão de vida dos cidadãos.


DIscursos João Paulo II 2004