DIscursos João Paulo II 2004

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR KINGSLEY SUNNY EBENYI


NOVO EMBAIXADOR DA NIGÉRIA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


27 de Maio de 2004




Senhor Embaixador

No momento em que Vossa Excelência chega ao Vaticano para a apresentação das Cartas Credenciais mediante as quais é nomeado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Federal da Nigéria junto da Santa Sé, transmito-lhe as minhas cordiais saudações de boas-vindas. A sua presença hoje aqui traz-me à mente não apenas a calorosa e entusiasmante hospitalidade que me foi reservada, durante as minhas Visitas Pastorais ao seu país em 1981 e em 1998, mas também a amável saudação do Presidente, Sua Excelência o Senhor Obasanjo, renova a memória do nosso feliz encontro realizado aqui no Vaticano, durante o Grande Jubileu do Ano 2000. Peço-lhe que transmita os meus melhores votos a Sua Excelência o Senhor Presidente, garantindo-lhe as minhas preces pelo bem-estar de toda a sua Nação.

É-me grato ouvir Vossa Excelência fazer referências ao compromisso do seu País em prol do bom governo e da consolidação da democracia. Com efeito, depois da realização da importante transição do sistema militar para uma forma de governo civil, o desafio que agora se lhe apresenta consiste em edificar e fortalecer a sua jovem democracia, aumentando a participação de todos os segmentos da população num ordenamento da vida pública que seja representativo e juridicamente salvaguardado. Uma exigência fundamental a este propósito é a necessidade do exercício transparente e confiável da autoridade política. A vida pública, tanto a nível nacional como internacional, deve orientar-se "pelos quatro requisitos do espírito humano: a verdade, a justiça, o amor e a liberdade" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2003, n. 3). Encorajo a Nigéria a comprometer-se cada vez mais neste corajoso empreendimento democrático, com um profundo sentido e espírito de serviço em favor do seu próprio povo.

Efectivamente, existe um vínculo inseparável entre a paz e a verdade, que deve ser reconhecido se os homens e as mulheres quiserem viver em liberdade, justiça e segurança. "A honestidade na difusão das informações, e igualdade nos sistemas legais e a abertura nos procedimentos democráticos oferecem aos cidadãos um sentido de segurança, a prontidão na resolução das controvérsias através de instrumentos pacíficos e a aspiração a um diálogo genuíno e construtivo; todas estas são as verdadeiras premissas para uma paz duradoura" (Ibid., n. 8). Quando as pessoas compreendem mais plenamente o significado e as consequências dos acontecimentos que se verificam nas suas próprias existências e no mundo em geral, elas ficam melhores preparadas para oferecer uma contribuição eficaz em favor da paz, especialmente através do uso próprio das estruturas e dos mecanismos sociais jurídicos, políticos e económicos em ordem ao serviço do bem comum.

Naturalmente, enquanto a República Federal se encontra em busca de uma estabilidade e unidade nacionais cada vez maiores ao longo do caminho da aumentada democratização da sociedade e das suas instituições, também não faltam os desafios. A coragem moral e a sabedoria política são necessárias, por exemplo, numa abordagem eficaz dos excessos de violência na região do Delta do Níger, das tensões políticas e étnicas na região Noroeste e dos problemas ligados à corrupção, à pobreza e às doenças. Só através de um compromisso decidido em vista de trabalhar incansável e constantemente pela causa da paz, pela salvaguarda da dignidade humana, pela defesa dos direitos humanos e pelo desenvolvimento integral de cada indivíduo, aqueles desafios poderão ser enfrentados, e preparado o caminho para aumentar a consciência acerca do destino e da interdependência comuns que unem todos os nigerianos, e na realidade todos os povos, como membros de uma única e grande família humana. Gradualmente, a Nigéria tem-se sobressaído como um país disposto a servir a causa da paz e do progresso, mediante instituições internacionais como a União Africana e a Organização das Nações Unidas. Encorajo os líderes nigerianos a permanecerem firmes na sua solidariedade para com as outras nações, a fim de que um mundo livre e justo possa tornar-se uma realidade.

No serviço para o bem da paz, que constitui inclusivamente o serviço à verdade, a religião tem um papel vital a desempenhar. Ela oferece a sua contribuição mais eficaz neste campo, concentrando-se nos elementos que lhe são próprios: "A atenção a Deus, a promoção da fraternidade universal e a difusão de uma cultura da solidariedade humana" (Ibid., n. 9). Pois bem, quando comunidades ou povos de diferentes convicções religiosas ou culturas vivem na mesma área, às vezes pode acontecer que se desenvolvam ou aumentem as tensões e que as mesmas, em virtude das fortes paixões envolvidas, se degenerem em conflitos violentos. Por este motivo, é de importância fundamental recordar que "o recurso à violência em nome de um credo religioso constitui uma deturpação dos próprios ensinamentos das principais religiões. Volto a afirmar aqui o que muitas figuras religiosas reiteraram com tanta frequência: o recurso à violência nunca pode ser reivindicado com uma justificação religiosa, nem pode fomentar o crescimento do verdadeiro sentimento religioso" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1999, n. 5).

A Igreja católica que se encontra na Nigéria está comprometida no progresso pacífico da nação, especialmente através da sua presença nos campos da educação, da assistência à saúde e dos seviços sociais. A garantia efectiva do direito à liberdade religiosa dará aos católicos a possibilidade de continuar a trabalhar pela prosperidade espiritual e material da sociedade. A este propósito, estou persuadido de que o Governo do Senhor Embaixador cumprirá o seu compromisso em ordem a resolver as dificuldades que estão a ser enfrentadas pelos agentes missionários estrangeiros em busca da renovação dos seus vistos. Formulo também votos ardentes para que as tensões entre as várias comunidades étnicas e religiosas, que atingem ao ponto da violência e até mesmo da morte nalgumas regiões do seu País, sejam resolvidas através de diálogo e esforços sinceros, orientados para a reconciliação e a compreensão e cooperação recíprocas.

Senhor Embaixador, estou certo de que a sua missão aqui contribuirá para revigorar os vínculos de amizade que já existem entre o seu País e a Santa Sé. No momento em que Vossa Excelência assume as suas novas responsabilidades, formulo-lhe os meus sinceros bons votos e asseguro-lhe que os diversos Departamentos da Cúria Romana estarão prontos para o ajudar no cumprimento dos seus deveres. Sobre o Senhor Embaixador e o amado povo da Nigéria, invoco cordialmente as abundantes bênçãos de Deus Todo-Poderoso.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE O ENCONTRO COM OS SETE


NOVOS EMBAIXADORES PARA A APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


Quinta-feira, 27 de maio de 2004





Excelências

1. É com alegria que vos recebo por ocasião da apresentação das Cartas que vos acreditam como Embaixadores extraordinários e plenipotenciários dos vossos países: Suriname, Sri Lanka, Mali, Iêmen, Zâmbia, Nigéria e Tunísia. Agradeço-vos por me terdes transmitido palavras gentis da parte dos vossos Chefes de Estado, e peço-vos que lhes expresseis os meus deferentes votos pelas suas pessoas e pela sua nobre missão ao serviço dos seus países. Através de vós, saúdo também os Responsáveis da sociedade civil e as Autoridades religiosas das vossas nações, e todos os vossos compatriotas. Aproveito a vossa presença no Vaticano para transmitir os meus votos fervorosos à comunidade católica dos vossos respectivos países e os meus cordiais bons votos a todos os vossos concidadãos.

2. Chegam continuamente de todos os continentes informações preocupantes sobre a situação dos direitos do homem, que mostram que pessoas, homens, mulheres e crianças, são torturadas e profundamente injuriadas na sua dignidade, o que contrasta com a Declaração universal dos Direitos do homem (cf. art. 5). Desta forma, a humanidade inteira é ofendida e ferida. Dado que todos os homens são nossos irmãos em humanidade, não podemos silenciar perante tais abusos, que não devem ser tolerados. Compete a todos os homens de boa vontade, quer desempenhem responsabilidades quer sejam simples cidadãos, fazer o possível pelo respeito de todos os seres humanos.

3. Faço hoje um apelo à consciência dos nossos contemporâneos. De facto, é a consciência dos homens que deve ser educada, para que se ponha fim definitivamente às violências insuportáveis que pesam sobre os nossos irmãos em humanidade e que todos os homens se mobilizem em defesa do respeito dos direitos mais fundamentais de todas as pessoas. Não poderemos viver em paz e o nosso coração não poderá permanecer em paz enquanto os homens não forem tratados com dignidade. É nosso dever sermos solidários com todos. A paz não se poderá obter enquanto todos nós não nos mobilizarmos, sobretudo vós, que sois diplomatas, para que cada homem do planeta seja respeitado. Unicamente a paz permite ter esperança no futuro. Por isto, a vossa missão consiste em pôr-vos ao serviço das relações fraternas entre as pessoas e entre os povos.

4. Por conseguinte, formulo pelos vossos governos e por todos os habitantes dos vossos países, bem como por toda a humanidade, votos de paz. No momento em que dais início à vossa alta missão junto da Santa Sé, apresento-vos os meus melhores votos, invocando a abundância das Bênçãos divinas sobre vós próprios, sobre as vossas famílias, os vossos colaboradores e sobre as nações que representais.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA


DA CIDADE DE SAMPETERSBURGO (FEDERAÇÃO RUSSA)


27 de Maio de 2004


Senhor Presidente
Ilustres Senhores

Estou-vos particularmente grato pelo gesto amável e apreciado que hoje vos trouxe a esta casa. Ele deseja dar testemunho dos sentimentos de atenção recíproca e de relações intensas que Sampetersburgo e a Sé Apostólica entreteceram ao longo dos três séculos desde a fundação da cidade. Sede todos bem-vindos!

Senhor Presidente, agradeço-lhe as amáveis expressões que me dirigiu em nome dos presentes e de toda a Assembleia Legislativa da vossa maravilhosa cidade, situada à margem do rio Neva. Acolho com reconhecimento a medalha comemorativa do vosso terceiro centenário, que hoje me entregais.

Em Sampetersburgo, porta que introduz no grande país da Federação Russa, tudo fala do fecundo diálogo cultural, espiritual, artístico e humano entre o Oeste e o Leste da Europa. Formulo votos a fim de que esta construtiva atitude de abertura continue a exercer a sua influência positiva, para a plena vantagem da compreensão recíproca entre os povos de diferentes tradições humanas, religiosas e espirituais. Ao invocar sobre vós e os vossos compatriotas a abundância das bênçãos de Deus, faço votos de prosperidade tranquila e de paz à querida cidade de Sampetersburgo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR ANTON ROP


PRIMEIRO-MINISTRO DA REPÚBLICA


DA ESLOVÉNIA


Sexta-feira, 28 de Maio de 2004




Senhor Primeiro-Ministro
Senhoras e Senhores!

1. É-me grato apresentar as minhas boas-vindas a Vossa Excelência e à Delegação que o acompanha. A sua visita de hoje realiza-se depois do acto solene do intercâmbio dos documentos de ratificação do Acordo estabelecido entre a Eslovénia e a Santa Sé sobre alguns temas jurídicos de interesse comum. Enquanto lhe agradeço as gentis expressões que me digiriu, peço-lhe que transmita a minha deferente saudação ao Senhor Janez Drnovsek, Presidente da República.

2. O acordo que hoje entrou em vigor testemunha o compromisso da República da Eslovénia por manter boas relações com a Sé Apostólica. Estas relações estão fundadas no respeito recíproco e na colaboração leal em beneficio de todos os habitantes do vosso Pais, que recentemente fez o seu ingresso na Uniao Europeia. Sei que a Eslovénia deseja contribuir para o comum compromisso de fazer da Europa uma verdadeira família de Povos num contexto de liberdade e de cooperação recíproca, salvaguardando ao mesmo tempo a própria identidade cultural e espiritual.

Senhor Primeiro-Ministro, tenho a certeza de que a Eslovénia poderá oferecer este seu contributo de maneira eficaz, porque pode fazer referencia também aos valores cristãos, que constituem uma parte integrante da sua história e da sua cultura. Permaneça sempre fiel a estes valores!

3. Dirijo mais uma vez o meu pensamento afectuoso e a certeza da minha constante oração ao amado Povo esloveno, que visitei com grande alegria duas vezes. Deus o ajude a progredir constantemente pelo caminho do desenvolvimento e da paz. Deus abençoe a querida Eslovénia!

Com estes sentimentos, concedo de bom grado a Vossa Excelência e aos seus concidadãos a minha Bênção.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DAS PROVÍNCIAS ECLESIÁSTICAS


DE INDIANÁPOLIS, CHICAGO E MILWAUKEE (E.U.A.)


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


28 de Maio de 2004




Dilectos Irmãos Bispos

1. É com alegria e afecto fraterno que vos dou as boas-vindas, Bispos oriundos das Províncias Eclesiásticas de Indianápolis, Chicago e Milwaukee, por ocasião da vossa visita quinquenal ad limina Apostolorum. Que estes dias de reflexão e oração no âmago da Igreja vos confirmem no vosso testemunho de Jesus Cristo, "o mesmo ontem, hoje e por toda a eternidade" (He 13,8) e na "palavra da Sua graça, que possui o poder de edificar e de vos conceder a herança entre todos os santificados" (Ac 20,32).

Nas minhas constantes reflexões convosco e com os vossos Irmãos Bispos, sobre o exercício do múnus episcopal, agora desejo passar da missão de santificação, confiada aos Sucessores dos Apóstolos, à missão profética, que eles realizam como "arautos da fé e doutores autênticos que anunciam a fé" (Lumen gentium, LG 25), na comunhão de todo o Povo de Deus. Com efeito, existe uma relação intrínseca entre santidade e testemunho cristão. Mediante o renascimento no Baptismo, "todos os fiéis formam um sacerdócio santo e real, oferecendo a Deus hóstias espirituais por intermédio de Jesus Cristo e anunciando a grandeza daquele que os chamou, para os tirar das trevas e acolher na sua luz maravilhosa" (Presbyterorum ordinis, PO 2 cf. 1P 2,9). No cumprimento desta missão profética, cada cristão assumiu a responsabilidade pessoal da verdade divina, revelada no Verbo encarnado, transmitida na tradição viva da Igreja e manifestada no esforço dos fiéis, em vista de difundir a fé e de transformar o mundo mediante a luz e o vigor do Evangelho (cf. Redemptor hominis RH 19).

2. Esta "responsabilidade pela verdade" exige da Igreja um testemunho directo e credível do Depósito da Fé. Requer uma compreensão correcta do próprio acto de fé, como consenso repleto de graça à Palavra de Deus, que ilumina a mente e reforça o espírito a fim de que se eleve à contemplação da verdade incriada e para que, conhecendo e amando Deus, os homens e as mulhers possam chegar também à verdade integral acerca de si mesmos (cf. Fides et ratio, Proémio). Uma proclamação eficaz do Evangelho, na sociedade ocidental contemporânea, deverá ter em conta directamente o difundido espírito de agnosticismo e de relativismo que tem suscitado dúvidas sobre as capacidades da razão, de conhecer tais verdades, a única que pode satisfazer a busca incansável de significado por parte do coração humano. Ao mesmo tempo, é necessário defender com determinação a Igreja, enquanto ela é, em Jesus Cristo, o ministro autêntico do Evangelho e "a coluna e o sustentáculo" da sua verdade salvífica (cf. 1Tm 3,15 cf. também Lumen gentium, LG 8).

Por este motivo, a nova evangelização exorta a uma apresentação da fé desprovida de ambiguidades, como virtude sobrenatural, por intermédio da qual permanecemos unidos a Deus e chegamos a compartilhar o seu conhecimento, em resposta à sua Palavra revelada. A apresentação de uma interpretação genuína do acto de fé, que ressalte as dimensões do conhecimento e da fé, contribuirá para a superação de abordagens simplesmente subjectivas e facilitará também uma profunda valorização do papel da Igreja, propondo de forma autorizada "a fé em que acreditar e a pôr em prática" (cf. Lumen gentium, LG 25). Um elemento essencial do diálogo eclesial com a sociedade contemporânea deve ser inclusivamente a apresentação correcta da relação entre a fé e a razão, no âmbito da catequese e da pregação. Tudo isto levará a uma compreensão mais fecunda das dinâmicas espirituais da conversão, como a obediência à palavra de Deus, a disponibilidade aos "mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo" (Ph 2,5) e a sensibilidade ao sensus fidei sobrenatural, através do qual "o povo de Deus, sob a orientação do magistério sagrado, ao qual se há-de conformar com fidelidade, adere indefectivelmente "à fé transmitida aos santos"" (Lumen gentium, LG 12).

3. A palavra de Deus não pode ser acorrentada (cf. 2Tm 2,9); pelo contrário, deve ressoar no mundo em toda a sua verdade libertadora, como Palavra de graça e de salvação. "Cristo, que é o novo Adão, revela o homem ao homem, levando-o a compreender a sua excelsa vocação" (Gaudium et spes, GS 22); por conseguinte, todos os esforços da Igreja devem concentrar-se e orientar-se para esta única finalidade: fazer com que Cristo seja conhecido e amado em toda a parte, como "caminho, verdade e vida" (Jn 14,5). Isto exigirá uma profunda renovação do sentido missionário profético de todo o Povo de Deus e a mobilização consciente dos recursos da Igreja numa evangelização que permita a todos os cristãos explicar a razão da sua própria esperança (cf. 1P 3,15) e leve a Igreja a falar corajosamente e com voz unânime, na hora de enfrentar as importantes questões morais e espirituais que interpelam os homens e as mulheres do nosso tempo.

Mediante a sua rede impressionante de instituições caritativas e educativas, a Igreja que está nos Estados Unidos da América deve enfrentar o desafio de uma evangelização da cultura, que seja capaz de haurir da sabedoria do Evangelho "coisas novas e coisas antigas" (Mt 13,52). Ela é chamada a responder às profundas necessidades e aspirações religiosas de uma sociedade que corre cada vez mais o perigo de esquecer as suas raízes espirituais e que está a ceder a uma visão do mundo meramente materialista e sem alma. Todavia, enfrentar este desafio exigirá uma leitura realista e completa da fé católica e, em particular, a preparação dos jovens para o diálogo com os seus coetâneos, sobre a mensagem evangélica e sobre a sua importância para a edificação de um mundo mais justo, humano e pacífico. Então, esta é sobretudo a hora dos fiéis leigos que, em virtude da sua vocação específica de plasmar o mundo em conformidade com o Evangelho, são chamados a desempenhar a missão profética da Igreja, evangelizando os diversos sectores da vida familiar, social, profissional e cultural (cf. Ecclesia in America ).

4. Nestas reflexões sobre a missão profética da Igreja, não posso deixar de expressar o meu apreço pelos esforços que os Bispos norte-americanos têm levado a cabo, a partir do Concílio Ecuménico Vaticano II, quer a nível individual quer como Conferência Episcopal dos Bispos Católicos dos Estados Unidos da América, contribuindo assim para um debate informado e respeitador sobre as importantes problemáticas que dizem respeito à vida da vossa nação.

Desta maneira, a luz do Evangelho esclareceu determinadas questões controversas, como o respeito pela vida humana, os problemas da justiça e da paz, a imigração, a defesa dos valores familiares e a importância da solidez do matrimónio. Este testemunho profético, que foi prestado através da abordagem de alguns temas tirados não só das convicções religiosas que os católicos compartilham, mas inclusivamente da recta razão e da jurisprudência, constitui um serviço significativo em benefício do bem comum, numa democracia como a vossa.

Queridos Irmãos Bispos, no exercício quotidiano do vosso ministério de ensinamento, encorajo-vos a garantir que a espiritualidade de comunhão e de missão encontre a expressão de um compromisso sincero da parte de todos os fiéis e de cada uma das instituições, em vista da proclamação do Evangelho como "a única resposta plenamente válida aos problemas e às esperanças que a vida apresenta a cada homem e a todas as sociedades" (Christifideles laici CL 34).

A profissão da religião católica exige de cada um dos fiéis um testemunho concreto da verdade do Evangelho e os requisitos objectivos da lei moral. Enquanto trabalhais em vista de cumprir a vossa missão de apóstolos, que consiste em anunciar a palavra, insistir em todas as ocasiões, oportuna e inoportunamente, admoestar, repreender e exortar (cf. 2 Tm 4, 2), permanecei cada vez mais unidos espiritualmente e trabalhai de forma incansável, para permitir que o rebanho confiado à vossa solicitude pastoral seja testemunha de esperança, arauto do Reino de Deus e edificador da civilização do amor, satisfazendo as aspirações mais profundas do coração humano!

Com estes sentimentos, confio-vos todos, o clero, os religiosos e os fiéis leigos das vossas Igrejas particulares à intercessão amorosa da Bem-Aventurada Virgem Maria, enquanto vos concedo a minha Bênção Apostólica como penhor de alegria e de paz no Senhor.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS SUPERIORES E ALUNOS


DA PONTIFÍCIA ACADEMIA ECLESIÁSTICA


29 de Maio de 2004

Senhor Presidente

Queridos Sacerdotes alunos da Pontifícia Academia Eclesiástica!

1. Sinto-me feliz por vos receber em audiência especial, na conclusão do vosso ano académico, e saúdo-vos a todos com afecto. Saúdo em primeiro lugar o Presidente, D. Mullor García, ao qual manifesto profunda gratidão por se ter feito intérprete dos comuns sentimentos de afecto e de adesão filial ao Sucessor do apóstolo Pedro. Renovo-lhe cordiais bons votos para o XXV aniversário de Ordenação episcopal.

Faço a minha saudação extensiva a todos os que fazem parte da Pontifícia Academia Eclesiástica, e em particular a quantos se dedicam à vossa formação, queridos alunos que provindes de várias nações. Envio um deferente pensamento também aos Pastores das vossas respectivas dioceses, agradecendo-lhes por vos ter destinado para este peculiar serviço pastoral.

2. Como o vosso Presidente acabou de recordar, o nosso encontro realiza-se na vigília de Pentecostes, solenidade litúrgica que realça a vocação missionária da Igreja. Depois de ter recebido o Espírito Santo, os Apóstolos partiram cheios de coragem e de entusiasmo de Jerusalém, e começaram a percorrer o mundo anunciando a Boa Nova. Desde então nunca mais deixou de ressoar entre os homens este anúncio: Cristo, Filho unigénito de Deus, é o Salvador do homem, de cada homem e de todos os homens.

Com o passar dos séculos, a evangelização tornou-se confronto com culturas diversas e, sobretudo recentemente, também diálogo com as instituições civis nacionais e internacionais.

Queridos alunos da Pontifícia Academia Eclesiástica, insere-se neste contexto a vossa participação específica na missão evangelizadora da Igreja. Mantendo-se em contacto com o Papa, as Representações Pontifícias são chamadas a representá-lo junto das Comunidades eclesiais dos Países onde se encontram a trabalhar, junto dos governos das Nações e dos Organismos internacionais. Isto exige que o pessoal que desempenha tais missões tenha a capacidade do diálogo, conhecimento dos vários povos, das suas expressões culturais e religiosas, bem como das suas legítimas expectativas. É indispensável, ao mesmo tempo, uma adequada formação teológica e pastoral, e sobretudo uma fidelidade madura e total a Cristo. Unicamente se vos mantiverdes unidos a Ele com a oração e com a busca constante da sua vontade, o vosso trabalho poderá ser proveitoso e sentireis o vosso sacerdócio plenamente realizado.

3. Queridos alunos, desejo-vos que mantenhais aceso na mente e no coração o fogo vivificante do Espírito Santo, que nestes dias imploramos fervorosamente, e que sejais testemunhas de paz e de amor onde quer que a Providência divina vos conduzir.

A Virgem Maria vigie sobre vós e vos torne apóstolos mansos e corajosos do seu Filho divino. Que as dificuldades nunca impeçam a vossa generosa dedicação a Cristo e à sua Igreja.

Garanto-vos a recordação quotidiana na oração e abençoo-vos com afecto, juntamente com as vossas famílias e quantos vos são queridos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS PARTICIPANTES NO CAPÍTULO GERAL


DAS IRMÃS DA FAMÍLIA MONÁSTICA DE BELÉM


31 de Maio de 2004



Queridas Irmãs da Família monástica de Belém
e da Assunção da Virgem e de São Bruno!

Sinto-me feliz em vos receber por ocasião do vosso Capítulo geral. Saúdo particularmente a Irmã Isabel, vossa Priora, bem como os membros do Conselho geral. Transmito também as cordiais boas-vindas aos membros do Conselho do ramo masculino da vossa Família monástica, presentes aqui convosco. Neste tempo de Pentecostes, faço votos por que o Espírito vos confirme na vossa missão específica e vos esclareça nas decisões que devereis tomar. Reavivando a vossa sede de beber na fonte do carisma do Fundador, o Sopro de Deus permitir-vos-á entrar numa intimidade cada vez maior com Cristo, fonte da eficiência do vosso testemunho e motor da vossa caridade fraterna!

Através da humilde e audaciosa fidelidade, no silêncio que caracteriza a vossa vida escondida, sois amparadas pela oração da Virgem Maria. Por meio da vossa vida contemplativa, elevais o mundo a Deus e recordais aos homens do nosso tempo o lugar que o silêncio e a oração têm na existência.

Que São Bruno, sentinela incansável do Reino que virá, interceda para que permaneçais vigilantes na oração, permanecendo "em guarda, santa e perseverante, na expectativa da vinda do Mestre, para lhe abrir a porta quando ele bater" (cf. Carta a Raul, n. 4)! Convido sobretudo a vossa Família monástica, que tem no seu título o nome Belém, lugar de nascimento de Emanuel, a intensificar a sua oração pelo Próximo Oriente, implorando ao Senhor para que conceda a graça da paz e da reconciliação a todos os habitantes desta região martirizada pela violência.

De todo o coração, concedo-vos de bom grado uma afectuosa Bênção apostólica, que faço extensiva a todas as Irmãs da vossa Família monástica, aos membros do ramo masculino e a todas as pessoas que vos estão próximas.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


PARA O ENCERRAMENTO DO MÊS MARIANO




Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Desejo unir-me espiritualmente a vós, que participais no tradicional encontro mariano, na conclusão do mês de Maio no Vaticano. Dirijo a minha cordial saudação aos Senhores Cardeais e Prelados, aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas e a todos os presentes. Agradeço a quantos colaboraram para a realização deste sugestivo momento de oração.

2. O mês de Maio termina com a festa litúrgica da Visitação: segundo mistério gozoso, que infunde nos corações um sopro de esperança sempre novo. O encontro de Maria com Isabel é completamente animado pelo Espírito Santo, que enche de júbilo as mães e faz saltar de alegria o profeta nascituro. Além disso, celebramos neste ano esta festa depois de Pentecostes, e isto faz pensar no sopro do Espírito que estimula Maria, e com ela a Igreja, pelos caminhos do mundo, para levar a todos Cristo, esperança da humanidade.

3. Também as chamas das velas, que levastes em procissão, significam a esperança que Cristo, morto e ressuscitado, deu à humanidade. Caríssimos Irmãos e Irmãs, sede sempre portadores desta luz. Aliás, como recomenda o Senhor aos discípulos, sede vós próprios luz (cf. Mt Mt 5,14) nas vossas casas, em todos os ambientes e em qualquer circunstância da vida. Sede luz com o vosso fiel testemunho evangélico, pondo-vos todos os dias na escola de Maria, discípula perfeita do seu Filho divino.

Ela obtenha para vós este dom do Mestre interior, que é o Espírito Santo. Também eu o peço para vós ao Senhor, enquanto vos renovo o minha afectuosa saudação e vos abençoo de coração.

Vaticano, 31 de Maio de 2004.



                                                                              Junho de 2004

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO SÍNODO PERMANENTE


DA IGREJA GRECO-CATÓLICA UCRANIANA


Quinta-feira, 3 de Junho de 2004



Senhor Cardeal
Venerados Irmãos no Episcopado

1. É-me grato poder realizar este encontro convosco, que aqui estais a representar a Igreja Greco-Católica Ucraniana, os seus pastores, os religiosos, as religiosas, assim como todos os seus fiéis leigos.

Senhor Cardeal, agradeço-lhe as amáveis expressões que me dirigiu em nome de todos os seus coirmãos, e desejo assegurar-lhe que estou próximo de vós com o meu afecto, a oração e a admiração mais profunda pela vitalidade da vossa Igreja e pela fidelidade que a tem caracterizado ao longo dos séculos.

Enriquecida pelos testemunhos heróicos, prestados inclusivamente nos períodos mais recentes, ela continua a comprometer-se em programas pastorais que contam com a colaboração generosa e concorde do clero e dos leigos, em ordem a uma obra eficaz de evangelização, favorecida por um clima de liberdade que hoje se respira também no vosso País.

2. É por estes motivos que compartilho a vossa aspiração, solidamente alicerçada inclusive na disciplina canónica e conciliar, a gozar da plena configuração jurídico-eclesial. Compartilho-a na oração e também no sofrimento, esperando o dia estabelecido em que, como Sucessor do Apóstolo Pedro, poderei confirmar o fruto maduro do vosso desenvolvimento eclesial. Entretanto, bem sabeis que o vosso pedido está a ser analisado com seriedade, inclusivamente à luz das avaliações feitas pelas outras Igrejas cristãs.

Que esta expectativa não constitua um impedimento para a vossa coragem apostólica, nem um motivo para extinguir ou então atenuar o júbilo do Espírito Santo, que o anima e estimula, querido Cardeal Husar, assim como os seus Irmãos Bispos, juntamente com os sacerdotes, os religiosos e os fiéis leigos, a assumir um compromisso cada vez mais intenso no anúncio do Evangelho e no consolidamento da vossa tradição eclesial.

Venerados Irmãos, peço-vos que transmitais aos vossos fiéis a expressão da minha lembrança sincera e a certeza da minha oração constante, juntamente com a Bênção Apostólica que, do íntimo do coração, vos concedo a vós e a todos os membros da Igreja Greco-Católica Ucraniana!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DAS PROVÍNCIAS ECLESIÁSTICAS


DO COLORADO, WYOMING, UTAH, ARIZONA,


NOVO MÉXICO E TEXAS OCIDENTAL (E.U.A.)


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sexta-feira, 4 de Junho de 2004




Queridos Irmãos Bispos

1. "O motivo da nossa acção de graças contínua a Deus é o seguinte: quando ouvistes a Palavra de Deus, que vos anunciámos, acolheste-la não como uma palavra humana, mas como ela realmente é, como Palavra de Deus, que age com eficácia em vós que acreditais" (1Th 2,13). É com este trecho de São Paulo que vos dou as afectuosas boas-vindas, Bispos da Igreja que está no Colorado, Wyoming, Utah, Arizona, Novo México e Texas Ocidental, por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum. Enquanto dou continuidade à minha reflexão sobre o munus propheticum do Bispo, desejo considerar hoje sobre a vossa tarefa urgente de evangelizar a cultura.

2. Persuadida da sua competência de portadora da Revelação de Jesus Cristo (cf. Fides et ratio ), a partir de Pentecostes a Igreja empreende a sua própria peregrinação, proclamando: "Jesus Cristo, o Filho de Deus, é o "caminho, a verdade e a vida"" (Jn 14,6). A sua confiança fundamenta-se sobre o facto de ela saber que tal mensagem encontra a sua origem no próprio Deus. Na sua bondade e sabedoria, Deus entrou na história humana a fim de que nós, através do seu Filho, a soma total da Revelação, compartilhássemos a sua vida divina (cf. Dei Verbum, DV 2).
Por conseguinte, a dinâmica fundamental da missão profética da Igreja consiste em mediar o conteúdo de fé presente nas várias culturas, permitindo que as pessoas sejam transformadas pela força do Evangelho, que imbui o seu modo de pensar, os seus paradigmas de juízo e as suas normas de comportamento (cf. Sapientia christiana, Prefácio I).

A observação do meu predecessor, o Papa Paulo VI, de que "a ruptura entre o Evangelho e a cultura é, sem dúvida, o drama do nosso tempo", hoje é evidente como "crise de significado" (cf. Fides et ratio FR 81). Posições morais ambíguas, a deturpação da razão por parte de particulares grupos de interesse e a absolutização da dimensão subjectiva são apenas alguns exemplos de uma perspectiva de vida que não busca a verdade e abandona a procura do fim último e do significado da existência humana (cf. ibid., n. 47).

Contra a obscuridade desta confusão, a luz da verdade que proclamais abertamente (cf. 2Co 4,2) há-de resplandecer como "diaconia" de esperança, orientando os homens e as mulheres a fim de que cheguem a compreender o mistério da sua vida de modo coerente (cf. ibid., n. 15).

3. Como ministros da verdade, com a coragem que vos foi transmitida pelo Espírito Santo (cf. Pastores gregis ), o vosso testemunho anunciado e vivido do "sim" extraordinário de Deus à humanidade (cf. 2Co 1,20) manifesta-se como um sinal de força e de confiança no Senhor e gera uma vida nova no Espírito.

Hoje, há pessoas que consideram que o cristianismo está a ser esmagado pelas estruturas, dado que é incapaz de corresponder às exigências espirituais das pessoas em geral. Todavia, longe de ser algo meramente institucional, o centro vivo da vossa pregação do Evangelho é o encontro com nosso Senhor. Com efeito, somente conhecendo, amando e imitando Cristo podemos, juntamente com Ele, transformar a História fazendo com que os valores evangélicos exerçam uma influência na sociedade e na cultura.

Então, é óbvio que as vossas actividades devem orientar-se para a proclamação de Cristo. Efectivamente, o vosso dever de integridade pessoal torna contraditória qualquer separação entre vida e missão. Enviados em nome de Cristo, como Pastores para o pastoreio de algumas porções do Povo de Deus, vós deveis crescer com eles como uma só mente e um só coração, no Espírito Santo (cf. Pastores gregis ). Portanto, exorto-vos a estar próximos dos vossos sacerdotes e do povo a vós confiado: imitai o Bom Pastor, que conhece as suas ovelhas e chama cada um pelo nome. Inspirados pelos grandes Pastores que nos precederam, como São Carlos Borromeu, a vossa amizade e a vossa escuta dos sacerdotes e dos fiéis leigos, assim como o vosso contacto directo com os marginalizados, serão quasi anima episcopalis regiminis. Desta maneira, difundi o vosso ensinamento, mediante o exemplo concreto de fé e serviço humildes, encorajando nos outros o desejo de levar uma vida de seguimento autêntico.

4. Um elemento fulcral para um novo ímpeto na vida cristã, a que exortei toda a Igreja (cf. Novo millennio ineunte NM 29), é o testemunho profético inequívoco por parte dos homens e das mulheres consagrados à plenitude da verdade de Cristo.

Tendo a sua origem na natureza radical da sua sequela de Cristo, este testemunho profético dos religiosos caracteriza-se pela sua profunda convicção do primado com que Deus e as verdades do Evangelho conseguem plasmar a vida da Igreja, e pelo seu compromisso em assistir a comunidade cristã na promoção de todos os sectores da sociedade civil, mediante estas mesmas verdades.

Na esteira do secularismo crescente e da aumentada fragmentação do saber (cf. Fides et ratio FR 81), surgiram "novas formas de pobreza", de modo particular nas culturas que gozam de bem-estar material, que reflectem "o desespero da falta de sentido" (Instrução da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica Recomeçar a partir de Cristo: Um renovado compromisso da vida consagrada no terceiro milênio, n. 35). A falta de confiança na capacidade do ser humano de conhecer; a aceitação de "verdades parciais e provisórias" ( Fides et ratio FR 5); e a busca insensata de novidades; tudo isto põe em evidência a tarefa cada vez mais difícil de transmitir às pessoas, de modo particular aos jovens, uma compreensão do fundamento e da finalidade autênticos da vida do homem.

Diante destas imperfeições trágicas do desenvolvimento social, a maravilhosa gama de carismas próprios de cada um dos Institutos religiosos deve ser colocada ao serviço do conhecimento e da realização total do Evangelho de Jesus Cristo, o único que "revela plenamente o homem ao próprio homem, descobrindo-lhe a sua excelsa vocação" (Gaudium et spes, GS 22). De particular importância nas culturas dominadas pelo secularismo é o compromisso dos religiosos no apostolado de "caridade intelectual". A caridade "ao serviço da inteligência", através da promoção da excelência nas escolas, do compromisso em prol do saber, do aprofundamento da relação entre a fé e a cultura, farão com "que se respeitem, por toda parte, os princípios fundamentais de que depende uma civilização digna do homem" (Instrução... op. cit., n. 38), também nos campos político, jurídico e educativo.

5. O nascimento da missão profética dos leigos constitui um dos tesouros da Igreja no terceiro milénio. O Concílio Vaticano II justamente analisou de modo pormenorizado o dever dos leigos, de "procurar o sinal de Deus, tratando das coisas temporais e orientando-as em conformidade com Deus" (Lumen gentium, LG 31). Todavia, é também verdade que ao longo dos últimos quarenta anos, enquanto a atenção política à subjectividade do homem se concentrou nos direitos individuais, no cenário público houve uma rejeição crescente do reconhecimento de que todos os homens e todas as mulheres recebem a sua dignidade essencial e comum de Deus e, juntamente com ela, a capacidade de orientar para a verdade e a bondade (cf. Centesimus annus, CA 38). Desapegados desta visão de unidade fundamental e de finalidade de toda a família humana, por vezes os direitos reduzem-se a reivindicações egoístas: a difusão da prostituição e da pornografia, em nome de uma opção adulta; a aceitação do aborto, em nome dos direitos da mulher; e a aprovação de uniões entre indivíduos do mesmo sexo, em nome dos direitos das pessoas que são homossexuais.

Perante este pensamento erróneo mas difundido, deveis fazer tudo o que vos for possível para animar os leigos na sua "responsabilidade singular" de "evangelizar a cultura... e de promover valores cristãos na sociedade e na vida pública" (Pastores gregis ). Falsas formas seculares de "humanismo", que exaltam os indivíduos de maneira a fazer deles autênticos ídolos (cf. Christifideles laici CL 5) somente podem ser contrastadas mediante a descoberta da dignidade genuína e inviolável de cada pessoa humana. Esta dignidade sublime manifesta-se em todo o seu esplendor quando se consideram a origem e o destino da pessoa. Criados por Deus e redimidos por Cristo, nós fomos chamados a ser "filhos do Filho" (cf. ibid., n. 37).

Desta maneira, repito agora ao povo dos Estados Unidos da América que o Mistério pascal de Cristo é o único ponto de referência seguro para toda a humanidade, na sua peregrinação de unidade e de paz autênticas (cf. Ecclesia in America ).

6. Estimados Irmãos, é com afecto e gratidão fraterna que compartilho convosco estas reflexões e que vos encorajo a dividir os frutos do carisma de verdade, que o Espírito derramou sobre vós. Unidos na proclamação da Boa Nova de Jesus Cristo e orientados pelo exemplo dos Santos, continuai a caminhar com esperança!

Enquanto invoco sobre as vossas pessoas a intercessão de Maria, "Estrela da Nova Evangelização", concedo-vos do íntimo do coração a minha Bênção Apostólica, assim como aos vossos presbíteros, aos religiosos e aos fiéis leigos das vossas dioceses.




DIscursos João Paulo II 2004