Discursos João Paulo II 1978 - Quarta-feira, 6 de Dezembro de 1978

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PROFESSORES, ALUNOS E AMIGOS


DA UNIVERSIDADE CATÓLICA


DO SAGRADO CORAÇÃO


Sexta-feira, 8 de Dezembro de 1978



Ilustríssimo Senhor Reitor

1. As nobres expressões, com que desejou confirmar, neste primeiro encontro com o novo Sucessor de Pedro, a fiel adesão a Cristo na pessoa do seu Vigário e o generoso compromisso de servir a verdade na caridade, que animam os membros da grande família da Universidade Católica do Sagrado Coração, despertaram no meu espírito sentimentos de viva comoção e sincero apreço. A si, portanto, aos preclaros representantes do Corpo Académico, aos caros Estudantes, aos Senhores do pessoal administrativo e auxiliar, e a todos os que estão aqui reunidos, a expressão do meu reconhecimento paternal e da minha especial benevolência.

Tenho o gosto de apresentar-vos as minhas cordiais boas-vindas, filhos caríssimos, e de saudar em vós as figuras qualificadas duma instituição, que há muitos anos desempenha na Itália um papel de primeira importância para a inspiração cristã do mundo da cultura. Com este encontro, por vós solicitado e por mim concedido com alegria, quisestes concluir de modo significativo as celebrações pelo centenário do nascimento do Padre Agostinho Gemelli, o ilustre franciscano que, dotado de sabedoria de longo alcance, apostólica caridade e indómita coragem, deu vida a esse esplêndido conjunto de pessoas e obras, de vida e pensamento, de estudo e acção, que e a vossa Universidade.

No decurso deste ano detivestes-vos a reflectir, com renovada intensidade de afecto, sobre a figura, o pensamento e a obra do Religioso insigne, a quem tanto deve a comunidade dos católicos italianos e até o mundo todo da cultura e da investigação científica. Manuseaste-lhe de novo os escritos, de novo lhe meditastes os ensinamentos. Pareceu-vos evidente, de facto, que não lhe poderíeis oferecer melhor tributo de gratidão do que fazendo ouvir o seu pensamento, cujo eco muitos de vós conservam ainda no coração, a fim de que "o Padre" pudesse repropor, aos continuadores actuais da sua obra, metas ideais e projectos concretos de acção, perspectivas aliciantes e, por outro lado, perigos insidiosos, temores sempre ameaçadores e esperanças nunca extintas.

2. Também neste instante vai o nosso pensamento para ele, com a intenção de recolher alguns aspectos significativos da sua mensagem e deles tirar conforto e estímulo nas dificuldades não leves da hora presente. Ora, há uma "constante" — assim ao menos me parece que orientou e manteve a acção do Padre Gemelli durante toda a sua existência: o interesse pelo homem: pelo homem concreto, dotado de certas capacidades físicas e psíquicas, condicionado por certos factores ambientais, debilitado por certas doenças e empenhado na conquista de certos ideais.

Não foi acaso este interesse que levou o jovem estudante à Faculdade de Medicina, isto é àquela ciência que vê o próprio programa e a própria bandeira em servir a vida humana? E não foi ainda o mesmo interesse que lhe sugeriu — sendo já Religioso — a especialização em psicologia experimental, orientando-o para a ciência que polarizará a sua atenção e o seu interesse de investigador genial e infatigável, durante todo o resto da vida? O interesse pelo homem impeliu-o a voltar-se com especial paixão para as situações mais penosas e difíceis: as do trabalho operário, para estudar "o factor humano do trabalho" e, ao cabo de experiências realizadas directamente nas sulfataras da Sicília ou nas oficinas do Norte, chegar a concluir, no que foi então pioneiro, que não é o homem que deve adaptar-se à máquina, mas que é esta que deve ser construída à medida do homem; impeliu-o a voltar-se para as situações dos soldados expostos às experiências perturbadoras da violência bélica, ou para as dos aviadores usando aparelhos rudimentares e de grandes riscos, a fim de encontrar remédios próprios para os traumas psicológicos cada vez mais numerosos entre os militares das primeiras linhas: e enfim, a voltar-se para as situações dos condenados a penas perpétuas. a um grupo dos quais ofereceu hospitalidade nos locais do Laboratório de psicologia da Universidade Católica, para estudar de perto as reacções e deduzir as normas duma eficaz intervenção reeducativa.

3. Estes traços biográficos apenas esboçados mostram de que género era o interesse que o Padre Gemelli alimentava pelo homem: não o interesse do cientista isolado da realidade, considerada pelo homem corno puro objecto de análise, mas a paixão sentida por quem se vê arrastado intimamente pelos problemas de que são vítimas os seus semelhantes. O interesse pelo homem significou, para o Padre Gemelli, vontade de servir o homem. Como? A experiência ensinou ao animoso frade que o serviço mais necessário e urgente, para oferecer ao próximo, era o de ajudá-lo "a bem pensar", para o dizer com as palavras de Pascal (1), porque "pensée fait la grandeur de 1'homme" (2). Na rectidão do pensar está o pressuposto do procedimento recto; e na rectidão do proceder está a esperança de solução duradoira para os graves males que afligem a humanidade.

"Aquilo, de que o mundo precisa, são sobretudo ideias": era a sua convicção (3). E como as ideias se elaboram e comunicam na escola, dai o projecto ousado dum Instituto que recolhesse especialistas de valor, animados pelo ideal da investigação científica séria e desinteressada, e, ao lado deles, jovens empreendedores, animados pelo desejo de acompanhar os mestres na investigação da verdade, para a ela se aplicarem apaixonadamente e depois transmitirem generosamente aos outros as riquezas conseguidas, tornadas já substância da própria vida (4).

Mas é capaz a razão humana de atingir, sozinha, o porto confortante da verdade? O doloroso afã dos anos juvenis, só pacificado com a experiência tranquilizadora da conversão, fez que o Padre Gemelli apalpasse a necessidade da fé para uma resposta plenamente satisfatória aos problemas fundamentais da existência humana. Não temerá por isso declarar: "A solução destes problemas não devemos ir buscá-la às ciências, nem puras nem aplicadas, não a devemos ir buscar à filosofia, mas sim à religião". E com clareza programática declarará: "Devemos subir até Deus, não a um Deus qualquer, que nos apresente a religião natural, mas a um Deus vivo, a Jesus Cristo, razão suprema do nosso viver, beleza suprema para se contemplar, bondade suprema para se imitar, prémio supremo para se conseguir" (5).

4. A Universidade Católica nasceu para satisfazer estas exigências. Tal foi a intenção do seu Fundador, que nela quis constituir um "verdadeiro e eficaz braseiro de cultura católica", como veio a declarar quando o grandioso projecto estava quase a realizar-se (6), e como confirmou logo a seguir à inauguração oficial declarando: "A Universidade Católica foi concebida sob o signo audaz de tornar conhecido, amado e seguido, o catolicismo na Itália" (7).

Não se tratava, é óbvio, de contestar dalguma forma o método e a liberdade que dizem respeito a cada disciplina científica: desse método e dessa liberdade descreveu o Padre Gemelli a natureza e patrocinou-lhes a defesa em variadas ocasiões. Tratava-se antes de realizar, a nível universitário, aquele "conúbio da fé com a ciência", a que aludia numa carta escrita na Polónia o então Núncio Apostólico Dom Achille Ratai (8), conúbio que o Magistério oficial, particularmente o do Concilio Vaticano II, tantas vezes reconheceu como possível, desejável e fecundo (9).

Na fé compreendida e vivida encontra, de facto, o progresso cultural, não um obstáculo mas um auxílio incomparável para resolver a vencer as antinomias, a que ele está hoje dramaticamente exposto: pense-se, por exemplo, na exigência de promover o dinamismo e a expansão da cultura sem pôr em risco a sabedoria atávica dos povos; pense-se ainda na urgência de salvaguardar, apesar do fraccionamento das várias disciplinas, a necessária síntese; pense-se, por fim, no problema de reconhecer, por um lado, a legítima autonomia da cultura, evitando contudo, por outro lado, o risco dum humanismo fechado, circunscrito a um horizonte puramente terreno, e exposto, por consequência, a desenvolvimentos claramente desumanos (10).

O Padre Gemelli viu na Universidade Católica o lugar privilegiado, em que seria possível lançar urna ponte entre o passado e o futuro, entre a antiga cultura clássica e a nova cultura científica, entre os valores da cultura moderna e a eterna mensagem do Evangelho. De tal síntese fecunda derivaria — esperava ele com razão — eficacíssimo impulso para se realizar um humanismo plenário, dinamicamente aberto para os horizontes ilimitados da divinização, a que é chamado o homem histórico. Com isso se realizaria, no melhor dos modos, aquele fim para que — segundo eu disse há anos — foi totalmente dirigida a vida do Padre Gemelli, o fim que 'está em servir o homem. "Eu creio — afirmava ele na abertura do ano académico 1957-1958, isto é, no termo da sua operosa existência — eu creio que a Universidade contemporânea, se tem o dever de colaborar para o progresso das ciências e de seguir a metodologia requerida por cada urna delas, não deve nunca, por outro lado, colocar em segunda ordem aquilo que exige o reconhecimento do seu primado, quer dizer, o homem, a pessoa humana, o mundo da espiritualidade" (11).

5. Foram estas as convicções que orientaram e sustentaram a acção do Padre Gemelli ao gizar e levar a termo, entre dificuldades de todo o género, o projecto titânico duma Universidade livre e católica na Itália. São estas as convicções que devem continuar a ser também hoje a orientação da actividade daqueles que escolheram livremente — como responsáveis, como professores ou como alunos — entrar a fazer parte da Universidade Católica do Sagrado Coração.

Estou certo de interpretar o sentimento profundo do Padre Gemelli, dizendo-vos hoje: tende brio na qualificação de "católica" que distingue a vossa Universidade. Ela não destrói o vosso propósito de promover todos os valores humanos autênticos. Se é verdade que "1'homme passe infiniment l'homme", como intuiu Pascal (12), é então necessário dizer que a pessoa humana não encontra a plena realização de si mesma senão numa referência Àquele que forma a razão fundamental de todos os nossos juízes sobre o ser, o bem, a verdade e a beleza. E como a infinita transcendência deste Deus, que alguém indicou corno o "totalmente Outro", se aproximou de nós em Cristo Jesus, feito carne para ser totalmente participante da nossa história, é necessário então concluir que a fé cristã nos habilita, a nós crentes, a interpretarmos, melhor que qualquer outro, as exigências mais profundas do ser humano e a indicar, com serena e tranquila segurança, os caminhos dele e os meios duma plena consecução.

É este, portanto, o testemunho que a comunidade cristã e até o mundo da cultura esperam de vós, professores e alunos da Universidade, a que deu início a fé intrépida do Padre Gemelli: mostrar com os factos que a inteligência não só não fica diminuída, mas é antes estimulada e fortificada, por aquela fonte incomparável de compreensão da realidade humana, que é a Palavra de Deus; mostrar com factos que à volta desta Palavra é possível construir uma comunidade de homens e mulheres (a "universitas personarum" das origens) que fazem prosseguir a sua investigação nos diversos campos sectoriais, sem perder o contacto com os pontos de referência essenciais duma visão cristã da vida; comunidade de homens e mulheres que procuram respostas particulares a problemas particulares, mas encontram alento na alegre consciência de possuírem juntos a resposta última aos problemas últimos; comunidade de homens e mulheres que principalmente se esforçam por encarnar, na sua existência e no ambiente social de que são parte, o anúncio de salvação que receberam d'Aquele que é a luz verdadeira que ilumina iodo o homem (13); comunidade de homens e mulheres que se sentem obrigados — se bem que no respeito da legítima autonomia das realidades terrenas, criadas por Deus, d'Ele dependentes e para Ele ordenadas — a "inscrever a lei divina na vida da cidade terrena" (14).

A ufania pela qualidade de "católica" contém ainda em si o compromisso duma distinta fidelidade da Universidade da Igreja para com o Papa e os Bispos, a quem ela sempre foi e continua a ser muito querida, e para com toda a comunidade eclesial italiana, pela qual é sustentada com sacrifícios e considerada com afecto, mas também com exigente esperança. Esta fidelidade — pelo Padre Gemelli tão insistentemente inculcada e tão coerentemente vivida garantia daquela unidade e daquela caridade fraterna, que formam o sinal característico da vossa, como de qualquer outra instituição destinada ao serviço do Povo de Deus.

Este o vosso encargo, filhos caríssimos, esta a missão que o Papa vos confia; e estes também os votos que formula. Votos que dirijo de modo particularíssimo aos jovens, em cujas mãos se encontram os futuros destinos do glorioso Ateneu católico, mas sobretudo as esperanças de ser inspirada cristãmente a sociedade de amanhã. Ressoa ainda para eles, vindo dos lábios do Papa, um aviso que o Reitor Magnífico lhes dirigia numa hora difícil da história italiana e mundial: "Não é hora de palavriados ocos nem de atitudes estouvadas, dizia ele. É hora de importantes tarefas. Sois vós especialmente, ó jovens, aqueles a quem toca a construção do dia de amanhã, a construção da nova época da história. Onde quer que vos encontreis, mostrai-vos conscientes desta vossa missão. Sede chamas que ardam, iluminem, guiem e confortem. A nobreza do sentimento, a pobreza da vida, o ódio à vulgaridade e a tudo o que abaixa, nunca foram dever como são hoje" (15).

E agora, ao despedir-me de vós, filhos caríssimos, o pensamento sobe implorante para Aquela que hoje veneramos no privilégio da sua Imaculada Conceição. O Padre Gemelli amou Nossa Senhora com devoção filial e contra os caluniadores defendeu-a com ardor apaixonado a ponto de merecer, entre os amigos, o qualificativo de "Cavaleiro da Virgem", Queira Maria reservar um olhar de maternal predilecção para a Universidade Católica do Sagrado Coração, em favor da qual este seu filho generoso tanto trabalhou, sofreu e orou. Ela, que a Igreja invoca como "Sedes Sapientiae", seja generosa em luzes e confortos para com os actuais continuadores duma Obra, para a qual a Santa Sé e toda a Igreja italiana olham com inalterado afecto, confiança constante e esperança sempre viva.

Formulando estes votos, tenho o prazer de vos conceder a vós, às vossas famílias e a todos os amigos da Universidade Católica a minha paternal e propiciadora Bênção Apostólica. Sei que estão presentes a este encontro também os membros da Associação dos Pais dos alunos das Escolas Católicas, a qual está a celebrar nestes dias em Roma o primeiro congresso dos próprios Delegados Regionais.

Sei que estão presentes a este encontro também os membros da Associação dos Pais dos alunos das Escolas Católicas, a qual está a celebrar nestes dias em Roma o primeiro congresso dos próprios Delegados Regionais. Também a eles faço chegar a minha saudação e a minha bênção, fazendo votos por que o Senhor os acompanhe no seu generoso propósito em favor duma adequada formação cultural, moral e religiosa da juventude.

Notas

1) PASCAL, Pensées, n. 347.

2) Ibid., n. 346.

3) Cfr. A. GEMELLI, A Universidade para a paz social, em "Vita e Pensiero", Janeiro de 1950.

4) Cfr. A. GEMELLI, O progresso dos estudos científicos entre os católicos italianos, em: "Studium", Junho de 1907.

5) A. GEMELLI, A função religiosa da cultura, em ""Vita e Pensiero", Abril de 1919.

6) Cfr. A. GEMELLI, Porque devem os católicos italianos ter uma Universidade própria, em: "Vita e Pensiero", Julho de 1919.

7) "Bolletino degli Amici", n. 1, Janeiro de 1922.

8) Cfr. Carta de Dom Achille Ratti ao Padre Gemelli, em 28 de Março de 1921.

9) Cfr. Declaração Gravissimum Educationis, 8 e 10, e os precedentes documentos do Magistério aí citados.

10) Cfr. DE LUBAC, Le drame de l'humanisme athée, Paris 1945.

11) A. GEMELLI, As conquistas da ciência e os direitos do espírito, em "Vita e Pensiero", Janeiro dc 1958.

12) Cfr. PASCAL, Pensées, n. 434.

13) Jo. 1, 9.

14) Gaudium et Spes, 43.

15) "Folha para os estudantes'", Outubro de 1940.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À EQUIPA DE FUTEBOL DO BOLONHA


Sábado, 9 de Dezembro de 1978



Queridos jovens desportistas!

É-me particularmente grato receber-vos e dar-vos as minhas cordiais boas-vindas, a vós jogadores da equipa de futebol do Bolonha, aos vossos Dirigentes e aos vossos Familiares, que desejaram tomar parte neste feliz encontro.

Estou-vos grato por esta vossa presença, que desperta no meu espírito recordações indeléveis dos anos passados junto da juventude desportiva, com quem vivi momentos intensos de júbilo humano e espiritual.

Vós sabeis como os jovens são objecto da predilecção da Igreja e do Papa, a quem apraz encontrar-se com eles para dar e receber entusiasmo e força. Mas vós, jovens desportistas, ocupais um lugar particular, porque ofereceis, de modo eminente, um espectáculo de força, de lealdade e de autodomínio e ainda porque tendes, de modo pronunciado, o sentido da honra, da amizade e da solidariedade fraterna: virtudes estas que a Igreja promove e exalta.

Continuai, queridos jovens, a dar o melhor de vós mesmos nas competições desportivas, recordando-vos sempre que a luta desportiva, embora tão nobre em si, não deve ser fim a si mesma, mas subordinada às exigências, muito mais nobres, do espírito. Por conseguinte, ao repetir-vos "sede bons desportistas", digo-vos também "sede bons cidadãos na vida familiar e social, e, mais ainda, sede bons cristãos", que sabem dar um sentido superior a vida, de modo que ponham em prática o que o Apóstolo Paulo dizia dos atletas aos cristãos do seu tempo: Não sabeis vós que os que correm no estádio correm todos, mas só uni ganha o prémio? Correi, pois, desse modo para o conseguirdes alcançar. Aquele que se prepara para a luta abstém-se de tudo, a fim de alcançar uma coisa corruptível; nós, porém, para alcançar uma coroa incorruptível (1Co 9,24-25).

Com estes sentimentos, exprimo a todos vós a minha saudação e o meu encorajamento, que desejo corroborar com uma Bênção especial.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE TRABALHADORES CRISTÃOS


Sábado, 9 de Dezembro de 1978



Queridos Irmãos e Irmãs, trabalhadores e trabalhadoras da Montedison, da Sociedade Alfa Romeo, da Pirelli, do Corriere della Sera e ainda de outras Sociedades, pertencentes ao "Grupo de compromisso e presença cristã". Sede bem-vindos à casa do Pai comum!

1. Sei que desde há tempo esperais esta audiência do Papa. Já teríeis querido encontrar-vos com o Papa João Paulo I, de venerável memória, que — segundo me dizem — tinha muita familiariedade com a grande indústria de Porto Marghera. O Senhor chamou-o a Si depois de um pontificado muito breve, mas tão intenso que deixou comoção imensa no mundo. E eis-vos diante do novo Papa, que sente particular complacência em receber hoje esta numerosa representação da Indústria Italiana qualificada e bem conhecida no mundo inteiro. A todos saúdo com o maior afecto e agradeço a alegria que me proporcionais com a vossa visita.

2. Como sabeis também eu fui trabalhador: por breve período da minha vida, durante o último conflito mundial, também eu fiz urna experiência directa do trabalho em fábrica. Conheço, pois, o que significa a obrigação da fadiga quotidiana na dependência de outros; conheço-lhe o peso e a monotonia; conheço as necessidades dos trabalhadores e as suas justas exigências e legitimas aspirações. E sei como é necessário que o trabalho não seja nunca alienante e frustrador, mas sempre correspondente à superior dignidade espiritual do homem.

3. Sabeis, além disso, como a Igreja, seguindo o exemplo do divino Mestre, sempre estimou, protegeu e defendeu o homem e o seu trabalho: desde a condenação da escravidão, até à exposição sistemática da Doutrina social cristã; do ensinamento da caridade evangélica como preceito supremo, às grandes Encíclicas sociais como a Rerum Novarum de Leão XIII, a Quadragesimo Anno de Pio XI, a Mater et Magistra de João XXIII, e a Populorum Progressio de Paulo VI. A Igreja, no meio das aflições e tribulações da história humana, no processo dramático da sistematização social e política dos povos, sempre defendeu o trabalhador, propugnando a urgência de uma justiça social autêntica, unida à caridade cristã, num clima de liberdade, de respeito recíproco e de fraternidade. A este propósito quereria recordar apenas a Radiomensagem do Papa João XXIII aos trabalhadores da Polónia, a 26 de Maio de 1963, poucos dias antes de falecer: "Não nos pouparemos à fadiga, enquanto vivermos, para que se tenham por vós solicitudes e cuidados. Tende confiança no amor da Igreja e confiai-vos a ela tranquilamente, na certeza de que os seus pensamentos são pensamentos de paz e não de aflição".

4. E agora que vos hei-de dizer, trabalhadores cristãos, que hei-de dizer em particular que possa servir-vos como recordação do nosso encontro?

Antes de tudo, faço ardentes votos por que o trabalho seja um direito real para cada pessoa humana. A situação nacional e internacional é hoje tão difícil e complicada que não podemos ser simplistas. Mas, como sabemos que o trabalho é vida, serenidade, empenho, interesse e significado, devemos desejá-lo acima de tudo.

Quem tem um trabalho sente ser útil, válido, empenhado em alguma coisa que dá valor à própria vida. Não ter trabalho é psicologicamente negativo e perigoso, ainda mais para os jovens e para aqueles que têm família a manter. Por conseguinte, enquanto devemos agradecer ao Senhor se temos uni trabalho, devemos também sentir o sofrimento e a ansiedade dos desempregados e, na medida em que nos for possível, estudar o modo de valer a estas dolorosas situações. Não bastam palavras! É necessário ajudar concretamente, cristãmente! Ao fazer apelo aos responsáveis da Sociedade, dirijo-me também a cada um de vós directamente: empenhai-vos também vós, a fim de que todos possam ter um trabalho!

Em segundo lugar, exorto à prática da justiça social. Também aqui os problemas são muitos, são enormes; mas apelo para a consciência de todos, para os dadores de trabalho e os trabalhadores. Os direitos e os deveres são de ambas as partes e, para que a sociedade possa manter-se no equilíbrio da paz e do bem-estar comum, é necessário o empenho de todos para se combater e vencer o egoísmo. Empresa certamente difícil, mas o cristão deve ter a preocupação de ser justo em tudo e com todos, quer em remunerar e proteger o trabalho, quer em gastar as próprias forças. Ele, de facto, deve ser testemunha de Cristo, em toda a parte, e por conseguinte também no trabalho.

Por fim, convido-vos à santificação do trabalho. Nem sempre o trabalho é fácil, agradável e satisfatório; algumas vezes pode ser pesado, não considerado, não bem retribuído, até perigoso. É necessário então recordar que todo o trabalho é colaboração com Deus para aperfeiçoar a natureza por Ele criada, e é serviço aos irmãos. É preciso, por conseguinte, trabalhar com amor e por amor! Então estar-se-á sempre contente e sereno, e, embora o trabalho canse, toma-se a cruz juntamente com Jesus Cristo e suporta-se a fadiga com coragem.
Caríssimos trabalhadores e trabalhadoras!

Sabei que o Papa vos ama, vos segue nas vossas fábricas e nas vossas oficinas, vos traz no coração! Mantende alto o nome cristão nos lugares do vosso trabalho, juntamente com o da vossa, ou melhor, da nossa Itália!

Com a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO MOVIMENTO APOSTÓLICO DOS CEGOS


Sábado, 9 de Dezembro de 1978

Sala Clementina



Filhos muito queridos,

Exprimo antes de tudo a minha sincera alegria por me encontrar hoje convosco, Consultores eclesiásticos, Conselheiros nacionais, e Delegados missionários dos mais de sessenta grupos diocesanos do "Movimento Apostólico dos Cegos", que celebra nestes dias o quinquagésimo aniversário da sua fundação.

À minha alegria une-se viva satisfação pelas benemerências que o Movimento conquistou nestes longos anos, ritmados pelo sacrifício silencioso, pelo compromisso sério e pela dedicação constante com o fim de estimular e ajudar os irmãos invisuais crianças, jovens e anciãos — a inserirem-se de maneira pessoal e responsável na vida da Igreja e da sociedade civil, a maturarem interiormente o próprio itinerário com Cristo, a oferecerem um testemunho exterior, coerente e límpido, da própria profissão de fé na mensagem evangélica.

E a bondade e fecundidade da vossa actividade multiforme tiveram a própria confirmação na exigência insuprimível de expandir e dilatar também as vossas iniciativas em favor dos invisuais do Terceiro Mundo: desde há dez anos o vosso Movimento implantou — podemos dizer — pequenas estações missionárias no Brasil, na Guiné-Bissau, no império Centro-Africano, no Quénia, no Sudão, na Tanzãnia e no Uganda, quer dizer, em particular na grande África. Aplaudimo-vos! Verdadeiramente mereceis aplauso! Li com profunda comoção os relatórios contidos na vossa bonita revista.

Este nosso e vosso olhar para o passado é certamente motivo de prazer e satisfação; mas é necessário olhar também e sobretudo para o futuro: milhões de irmãs e irmãos invisuais em todo o mundo esperam de nós — se não o prodígio da cura — a compreensão, a solidariedade, o afecto e o auxilio; numa palavra, a nossa autêntica caridade, fundada sobre a fé. E é exactamente esta fé que deve actuar em nós pela caridade (Cfr. Gál Ga 5,6), como nos adverte São Paulo. Tende bem presente a recomendação de Jesus: Brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem vosso Pai, que está nos Céus (Mt 5,16).

Continuai com entusiasmo e com empenho este vosso trabalho apostólico. Não vos deixeis abater pelas dificuldades ou pelo desânimo. É-me grato aplicar a vós as palavras, tão actuais, que Santo Inácio, Bispo de Antíoquia, martirizado em Roma cerca do ano 107, dirigiu aos cristãos de Éfeso: "Como a árvore se reconhece pelos seus frutos, assim também aqueles que se dizem discípulos de Cristo se reconhecerão pelas suas obras. Hoje não se trata de professar a fé com as palavras, mas é necessária a força íntima da fé viva e operante para que nos encontrem fiéis até ao fim" (Santo Inácio de Antioquia, Carta aos Efésios, XIV, 2).

Sobre vós, sobre todos os membros do Movimento, e sobre todos os invisuais, invoco a graça, a força e o conforto de Cristo "luz do mundo" (Cfr. Jo Jn 1, 5, 9; 3, 19; 8, 12; 9, 5; 12, 46), e concedo-vos de todo o coração uma especial Bênção Apostólica.



APELO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PRESIDENTES DA ARGENTINA E DO CHILE


PELA CONVIVÊNCIA FRATERNA ENTRE OS POVOS


Terça-feira, 12 de Dezembro de 1978



Senhor Presidente

Desejo dirigir a minha atenção para o iminente encontro entre os Senhores Chanceleres da Argentina e do Chile com viva esperança de ver superada a controvérsia que divide os vossos Países e que tanta mágoa causa ao meu coração.

Oxalá o colóquio abra o caminho a uma ulterior reflexão que, evitando passos susceptíveis de consequências imprevistas, Leve a prosseguir um exame sereno e responsável dos contrastes. Assim poderão prevalecer as exigências da justiça, da equidade e da prudência, como fundamento seguro e estável da convivência fraterna dos vossos povos que corresponde à sua profunda aspiração de paz interior e exterior, sobre as quais se possa construir um futuro melhor.

O diálogo não prejudica os direitos e amplia o campo das possibilidades razoáveis, para honra de todos quantos têm a força e o bom senso de o continuar incansavelmente contra todos os obstáculos.

Será urna solicitude abençoada por Deus e sustida pelo consenso dos vossos povos e o aplauso da Comunidade internacional.

O meu apelo é ditado pelo afecto paterno que sinto por ambas essas Nações tão queridas, e pela confiança que me inspira o sentido de responsabilidade de que até agora elas deram prova e da qual espero um novo testemunho.

Com os meus melhores votos e a minha Bênção.

JOÃO PAULO PP. II




DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE A AUDIÊNCIA GERAL AOS JOVENS


NA BASÍLICA VATICANA


Quarta-feira, 13 de Dezembro de 1978



Queridos meninos e meninas e queridos jovens

Constitui verdadeira alegria ver-vos aqui diante de mim, saudar-vos com toda a efusão do coração e deter-me brevemente convosco, num diálogo simples e afectuoso. Quase desejaria que não passasse o tempo, a fim de exortar-vos a viver com empenho estes anos da vossa juventude e convidar-vos a ser testemunhas intrépidas da vossa fé no mundo de hoje. Participo assim, dalgum modo, na alegria dos vossos pais, quando no interior das casas vos vêem à volta da mesa, vos falam e vos dão os seus conselhos e sugestões, preparando-vos desse modo para a vida. Há sempre especial atractivo em vós, jovens, devido àquela vossa instintiva bondade não contaminada pelo mal, e devido à vossa particular disposição para acolher a verdade e praticá-la. E, corno Deus é a verdade, vós, amando e acolhendo a verdade, sois quem se encontra mais perto do Céu.

Sabeis que nos encontramos agora no período do Advento. "Advento" significa — como disse nas semanas passadas — "vinda": é o tempo em que nos preparamos para a vinda do Redentor. Jesus, de facto, nasceu uma só vez; mas a Igreja, que é nossa mãe na vida sobrenatural, faz que nos lembremos todos os anos do nascimento d'Ele não só para que O adoremos e Lhe agradeçamos, mas para recebermos os mesmos dons que trouxe aos pastores e aos Magos: quer dizer, a graça, o amor para com Deus, a bondade para com o próximo e a humildade para com todos.

"Advento", portanto, é a vinda de Jesus, e a expectativa desta vinda. Talvez alguns dos mais pequenos dentre vós esperem o Natal por causa dos presentes que os pais já prepararam. Não está mal. Deveis contudo esperá-lo especialmente por causa dos dons da graça, que é a coisa mais importante na vida.

Preparai-vos bem para a festa do Natal. Como? Como nos indica a Igreja nas leituras da sua Liturgia. Escutai-me.

Vós sabeis que Deus criou todas as coisas, inclusive o homem. Ele, além disso, submeteu ao poder do homem os campos, os frutos, o sol, a chuva, os animais, e tudo o que lhe era necessário. De maneira que, tudo o que o homem era e tinha, constituía dom do amor de Deus: exactamente como acontece nas vossas famílias, onde os pais não só vos dão a vida colaborando com Deus, mas tudo o que serve para a vossa vida. Não deviam, Adão e Eva, ser fiéis a Deus? Com certeza. Mas, desobedeceram, e assim perderam a sua amizade. Deus expulsou-os do Paraíso Terreal, como bem sabeis pela Bíblia.

Pobrezinhos, expulsos do Paraíso, sem Deus e condenados ao inferno!

Mas o Senhor amava-os, como os vossos pais amam a cada um de vós. Então pensou em salvá-los mandando um Redentor, quer dizer, Jesus Cristo, seu Filho. Ele havia de vir e de ensinar o caminho da verdade, e depois morreria para reparar o pecado dos homens, Vede, então, a bondade de Deus: castigou Adão e Eva e os seus descendentes; mas prometeu logo a salvação por meio do Redentor.

O Senhor não mandou, porém, imediatamente o Salvador. E durante a longa expectativa os homens viveram esperando e desejando o Redentor. E os Profetas, especialmente Isaías, como mantiveram viva esta esperança! Quanto rezavam para que o Redentor viesse prontamente!

Pois bem, é isso mesmo que deve fazer também cada um de vós neste tempo do Advento: desejar que Jesus venha no Natal, que nos dê a sua graça, que nos ame sempre, que nos ajude a vencer o pecado. Mas ao mesmo tempo, deveis ser melhores e tornar-vos dignos de Deus que vem. Portanto, neste período haveis de esforçar-vos por ser mais religiosos, mais obedientes, mais estudiosos. mais sérios e mais puros.

Faço desde já votos por que todos tenham bom Natal. E peço-vos que leveis este meu augúrio aos vossos pais e a todos os que vos são queridos. E ao mesmo tempo que torno extensiva a minha saudação a todos os que vos acompanharam até aqui, concedo-vos de coração a minha bênção.




Discursos João Paulo II 1978 - Quarta-feira, 6 de Dezembro de 1978