Discursos João Paulo II 1978 - Sexta-feira, 22 de Dezembro de 1978

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS JOVENS DA ACÇÃO CATÓLICA


Sábado, 23 de Dezembro de 1978



Caríssimos Jovens

Constitui para mim razão de grande alegria e consolação espiritual íntima receber-vos esta manhã, a vós, representantes regionais da Acção Católica Juvenil, que, juntamente com os vossos solícitos dirigentes, viestes aqui apresentar ao Papa os votos de boas festas.

Saúdo de coração e começo por dirigir a minha saudação ao caro Dom Marco Cè, que deixa o cargo de Assistente-Geral da Acção Católica para tomar o novo ministério que lhe foi confiado, e saúdo o Presidente da Acção Católica, Professor Mario Agnes.

Gostaria de ter mais tempo à disposição para expressar totalmente tantas e tantas coisas que sinto dever comunicar-vos, mas, não sendo agora possível, adio o discurso — mais longo, e adequado ao afecto que a vós, Jovens, dedico — para outra ocasião mais oportuna.

Por agora, limito-me a agradecer-vos esta bela visita e retribuo os votos de Bom Natal e feliz Ano Novo. Para 1979 sei que escolhestes o "slogan": "Olá, cá estamos também nós". Este mote, embora expresso em amigável forma jocosa, sintetiza bens a razão da vossa actividade, que ambiciona ser, antes de tudo e sobretudo, presença cristã e testemunho evangélico no meio do ambiente em que viveis. Recordai-vos porém que, se quereis que tal presença seja eficaz e frutuosa, é necessário que vos empenheis em conhecer cada vez melhor a Cristo e em ir buscar a Ele, que é o grande amigo das crianças, a força para serdes realmente, e não só em desejo, o sal da terra e a luz do mundo moderno (Cfr. Mt Mt 5,13-14).

Voltando às nossas belas regiões da Itália, que representais aqui, dizei aos vossos amigos da Acção Católica que o Papa vos ama de maneira especial e vos acompanha na alegre escolha que fizestes de Cristo, a quem nestes dias venerais sob a forma dum Menino. Dizei que o Papa está com todos os jovens: pela recordação contínua, pela benevolência paternal, pela oração incessante e pela Bênção Apostólica, que agora de todo o coração concedo a vós, a todos os jovens que aqui representais e às pessoas queridas das vossas famílias, em penhor de escolhidas graças de Jesus Menino.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PRESIDENTE DA CÂMARA


E À VEREAÇÃO DE ROMA


Sábado, 23 de Dezembro de 1978



Senhor Presidente da Câmara

Tenho pena de não poder dar resposta adequada aos problemas que apresentou. A minha breve experiência em Roma não me permite fazê-lo.

Agradeço-lhe do fundo da alma as palavras de saudação e bons votos que, ao aproximar-se a Solenidade Natalícia e o Novo Ano, veio pessoalmente apresentar-me, juntamente com os Responsáveis da "Giunta Capitolina", realizando um acto de apreciada cortesia. E muito prazer tenho em retribuir esses nobres auspícios de prosperidade, paz e progresso, não só para Si e seus Colaboradores, mas também e sobretudo para toda a querida população desta extraordinárias Cidade de Roma.

São precisamente estes cidadãos que a sua presença, Senhor "Sindaco", hoje me recorda, pois sinto vivamente que participo consigo dessa responsabilidade: não a civil, que pertence de direito a essa Administração Camarária, mas a religiosa e cristã, a mim confiada por graça de Deus com a recente eleição para Bispo de Roma por parte dos Senhores Cardeais, que, embora espalhados por todo o mundo, são, em virtude do Direito Canónico, parte eminente do Clero desta Diocese.

Quando Pedro da Galileia, por meados do primeiro século, chegou a esta Urbe, encontrou nela uma Capital imperial, a que, segundo o historiador Tácito reconhecia sem hesitação, "confluíam todas as atrocidades e vergonhas" (Tácito, Annales 15, 44). Mas já não é essa cidade que eu hoje encontro diante dos olhos. Por divina bondade e pela diligência de muitas gerações de homens ilustres, Roma tornou-se cada vez mais civilizada e laboriosa, ponto de confluência e de irradiação de múltiplos valores cristãos e humanos.

Assim falando, não me passam despercebidos os problemas reais e as necessidades urgentes, que ainda hoje pesam sobre os cidadãos, nos campos quer urbanístico quer social e assistencial. Sobretudo é desejável que, juntando-se e adiantando-se mesmo à afirmação da justiça, melhore a qualidade da vida moral e espiritual dos cidadãos, de modo que se estabeleça uma atmosfera de relações recíprocas de mútua compreensão, alheias a qualquer forma de ódio e violência. É firme persuasão do Cristianismo que os valores humanos só podem triunfar quando se estabelece um clima de amor, de que o respeito dos direitos de todos (tanto de cada cidadão como das várias categorias sociais), a tolerância, a concórdia e até a justiça são necessária expressão.

Para isto sobretudo pretende contribuir a Igreja, mediante a obra de apostolado, de educação e de caridade, realizada pelas paróquias, pelas comunidades religiosas e pelas instituições livres, nascidas da generosa iniciativa dos católicos em serviço do próximo. E alegra-me que esta obra, tão altamente meritória, tenha sido e seja cada vez mais apreciada, requerida e sustentada pela população.

Conforta-me saber que será sempre tida na devida conta a característica peculiar desta Cidade, que não representa só uma convivência humana como as outras, nem só a Capital da querida Itália, mas se apresenta também como centro visível da Igreja Católica e ponto de referência para toda a cristandade, tanto porque dá acolhimento à Sé Episcopal de Pedro, como porque a sua terra está banhada pelo sangue venerando de não poucos mártires das primeiras gerações cristas.

Desejo acrescentar agora que, durante os vinte anos do meu ministério de Bispo, sempre me dediquei, com todo o empenho e solicitude, para que fosse reconhecido e garantido o direito de ter cada família uma casa própria. Foi questão que tive sempre especialmente a peito, e a brevidade da minha experiência como Bispo de Roma não me impede de reconhecer, em toda a sua gravidade, este problema em vista duma vida humana digna.

Todos estes motivos são os que dão sentido e substância ao nosso encontro de hoje. Por isso, renovo os meus votos mais sentidos para Si, Senhor "Sindaco", e para os Membros da "Giunta Capitolina", a fim de que se realize um trabalho profícuo e desinteressado, que verdadeiramente se proponha como objectivo o bem-estar do homem e do homem completo. Além disso, o meu augúrio de todo o bem abrange ainda todos aqueles que Vós representais, isto é, as vossas Famílias e ainda todos os Romanos indistintamente. Eles ocupam o primeiro lugar no meu coração de Pastor universal, e para eles peço ao Senhor as mais abundantes e fecundes bênçãos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS JOVENS NA BASÍLICA VATICANA


Quarta-feira, 27 de Dezembro de 1978



Queridos meninos e meninas,
e queridos jovens!

Também hoje viestes numerosos fazer visita ao Papa. E eu agradeço de coração este encontro tão festivo e afectuoso, que dá alegria e esperança, prolongando a atmosfera da serenidade natalícia, tão suave e tão bela.

Em particular, desejo dirigir uma cordial saudação aos peregrinos provenientes da Diocese de Caserta, acompanhados pelo seu estimado Bispo. Sede bem-vindos! Estou muito satisfeito por vos receber.

1. Estamos na semana do Natal e o sentimento mais profundo que persistimos em experimentar é o da alegria. Quem sabe que magnífico dia de Natal tereis passado com os vossos pais, com os vossos irmãos, com os parentes e com os amigos! Tereis preparado o presépio e tereis participado na Missa da Meia-noite, e talvez alguns de vós tenham cantado os sugestivos cantos natalícios no coro da sua Paróquia... Sobretudo muitos — muitíssimos, espero — terão recebido Jesus na Sagrada Eucaristia, encontrando assim pessoalmente o Divino Mestre, nascido nesta terra há perto de 2.000 anos. Muito bem! Não se apague das vossas almas esta alegria íntima!

Mas donde nasce toda esta alegria tão pura, tão doce, tão misteriosa? Nasce de Jesus ter vindo a esta terra, de o próprio Deus se ter feito homem e ter querido inserir-se na nossa pobre e longa história humana. Jesus é o dom maior e mais precioso que o Pai fez aos homens e por ele exultam os nossos corações de alegria.

Sabemos bem que, mesmo durante as festas natalícias, houve e continuam ainda lágrimas e amarguras; muitos meninos talvez tivessem passado o Natal no frio, na fome, no choro e na solidão... Todavia, apesar da dor que às vezes penetra na nossa vida, o Natal é um raio de luz para todos, porque nos revela o amor de Deus e nos faz sentir a presença de Jesus ao lado de todos, especialmente dos que sofrem. Precisamente por causa disto quis Jesus nascer na pobreza e no abandono duma gruta e ser colocado numa manjedoira.

Vem-me espontaneamente ao espírito a recordação dos meus sentimentos e da minha existência, a começar dos tempos da infância na casa paterna, atravessando os anos difíceis da juventude, o período da segunda guerra, a guerra mundial. Oxalá tal calamidade não se torne a repetir na história da Europa e do mundo! Contudo, mesmo nos anos piores, o Natal trouxe sempre consigo algum raio de luz. E este penetrava até nas mais duras experiências de desprezo pelo homem, de aniquilação da sua dignidade e de crueldade. Basta, para o reconhecermos, pegar nas memórias dos homens que passaram pelas prisões ou pelos campos de concentração, pelas frentes de guerra e pelos interrogatórios e os processos.

2. O segundo sentimento que brota espontâneo destes dias natalícios é, por isso, o do reconhecimento.

Quem é Jesus Menino? Quem é aquela criança, pobre e frágil, nascida numa gruta e colocada numa manjedoira? Sabemos que é o Filho de Deus feito homem. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jn 1,14).

A doutrina cristã ensina-nos que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, ou seja a Inteligência Infinita do Pai (o Verbo) assumiu em si a "natureza humana" no seio de Maria Santíssima e por obra do Espírito Santo, tomando um corpo e uma alma como nós temos.

Eis a nossa certeza: sabemos que Jesus é homem como nós, mas ao mesmo tempo é o "Verbo Encarnado", é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade tornada homem; por isso, em Jesus é a natureza humana, e por isso toda a humanidade, remida, salva e nobilitada, até ao ponto de se tornar participante da "vida divina" mediante a Graça.

Em Jesus encontramo-nos todos; a nossa verdadeira nobreza e dignidade têm a sua origem no grande e sublime acontecimento do Natal.

Por isso, é espontâneo e é lógico um sentimento de profundo e alegro reconhecimento a Jesus que nasceu para cada um de nós, por nosso amor e para a nossa salvação. Relede e meditai sozinhos as páginas do Evangelho de Mateus e de Lucas; reflecti sobre o mistério de Belém para compreenderdes cada vez mais o grande valor do Natal e não o deixardes nunca vir a decair numa testa consumística, ou só externa.

3. Por fim, aludo ainda a um terceiro sentimento que deriva do episódio dos pastores. O anjo anuncia aos pastores, completamente ignorantes, ter-se dado em Belém um grande acontecimento: nasceu o Salvador e hão-de encontrá-lo envolto em panos e deitado numa manjedoira. Que é que fizeram os pastores? Foram apressadamente e encontraram Maria, José e o Menino, deitado na manjedoira (Lc 2,16).

Compreendestes a lição dos pastores? Ouvem a voz do anjo, põem-se logo à procura e por fim encontram Jesus. E facto histórico muito eloquente e significativo, e simboliza a busca a que o homem deve lançar-se para encontrar a Deus. O homem é o ser que procura a Deus, pois procura a felicidade.

Todos devemos procurar a Jesus. Muitas vezes é preciso procurá-lo porque ainda não se conhece; outras vezes porque se perdeu; outras, pelo contrário, procura-se para o conhecer melhor, para o amar mais e para fazer que o amem.

Pode-se dizer que toda a vida humana é grande procura de Jesus.

Às vezes a procura pode ser estorvada por dificuldades intelectuais e por motivos existenciais, vendo a pessoa tanta dor e tanto mal à volta de si e dentro de si; e vendo-se ainda estorvada por problemas morais, pois é de prever que depois seja preciso mudar a mentalidade e o modo de viver.

É preciso não nos deixarmos tolher pelas dificuldades; mas, como os pastores de Belém, devemos partir com ânimo e lançar-nos à procura. Todos os homens devem ter o direito e a liberdade de procurar Jesus. Todos os homens devem ser respeitados enquanto procuram, qualquer que seja o ponto do caminho em que se encontrem. Todos devem ainda ter a boa vontade de não vaguear daqui para acolá, sem se comprometerem a fundo, mas devem orientar-se decididamente para Belém. Alguns contaram a história e o itinerário do seu caminho e do seu encontro com Jesus, em livros bastante interessantes que merecem ser lidos. A maioria porém conserva escondido no seu íntimo a estupenda aventura espiritual que se viveu. O essencial é procurar para encontrar, recordando a famosa frase que o grande filósofo e matemático francês Blaise Pascal põe nos lábios de Jesus: "Tu não me procurarias ele facto, se não me tivesses encontrado" (B. Pascal, Pensées, 553; Le mystère de Jésus).

Queridos meninos e meninas!

Os pastores encontraram Jesus e voltaram glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido, conforme lhes fora anunciado (Lc 2,20).

Felizes de nós que procurámos e encontrámos Jesus!

Não percamos Jesus! Não perdais Jesus! Pelo contrário, como os pastores, sede testemunhas do seu amor! Estes são os votos de Natal que vos expresso do fundo do coração.

Peço a Maria Santíssima, mãe de Jesus e mãe nossa, que — nos vossos ânimos, nas vossas famílias, nas vossas escolas e nos vossos jogos seja sempre Natal, com a alegria da vossa fé, com o ardor da vossa bondade e com o esplendor da vossa inocência.

Ajude-vos e ampare-vos também a minha bênção, que dou, com paternal afecto, a vós, àqueles que estimais, e a todos quantos vos estão unidos nesta Audiência.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MÉDICOS CATÓLICOS ITALIANOS


Quinta-feira, 28 de Dezembro de 1978



Ilustres Senhores e dilectos filhos
da Associação dos Médicos Católicos Italianos

Ao dar-vos cordialmente as boas-vindas a esta, que se tornou agora a minha casa, desejo começar por exprimir-vos a minha alegria por este encontro, durante o qual posso travar conhecimento com tantas pessoas eminentes por méritos científicos, admiráveis pelo alto sentido do dever e exemplares pela corajosa profissão da fé cristã. Estou-vos sinceramente grato pela cortesia e afecto, de que esta vossa visita é sinal manifesto e consolador, e tenho, por conseguinte, o prazer de apresentar as minhas saudações ao vosso zeloso Assistente Eclesiástico, o venerado Irmão Dom Fiorenzo Angelini, ao vosso ilustre Presidente, Prof. Pietro de Franciscis, eficazmente coadjuvado pelos três Vice-Presidentes, ao infatigável Secretário-Geral, Prof. Domenico Di Virgilio, aos Membros do Conselho Nacional, aos Delegados Regionais e aos Presidentes das Secções Diocesanas, à Representação dos membros da Associação, como também ao Grupo dos enfermeiros católicos, cuja presença quer ser hoje aqui testemunho da íntima colaboração que estes vos querem dar, a vós médicos, no serviço dos doentes.

De bom grado aproveito a ocasião para manifestar publicamente a grande estima que tenho por uma profissão como a vossa, por todos e sempre considerada, mais como missão do que como trabalho comum. A dignidade e responsabilidade de tal missão nunca serão suficientemente compreendidas nem devidamente expressas. Assistir, cuidar, confortar e curar a dor humana, é compromisso que — por nobreza, por utilidade e por idealismo — muito se aproxima da vocação mesma do Sacerdote. De facto, tanto num como noutro cargo, encontra mais imediata e evidente manifestação o supremo mandamento do amor do próximo, amor não raro chamado a manifestar-se também em formas que sobem a verdadeiro heroísmo. Não deve, por isso, admirar-nos a solene recomendação da Sagrada Escritura: Ao médico presta as honras que lhe são devidas, em consideração dos serviços que presta, porque também a ele o criou o Senhor. Na verdade, é do Altíssimo que vem a cura (Si 38,1-2).

Foi criada a vossa Associação para ajudar a que se consigam as altas finalidades duma profissão e estas se enriqueçam por meio do contributo próprio dos valores cristãos. Para medir a importância do contributo que. ela deseja prestar à vossa actividade de médicos cristãos, basta recordar o teor do artigo 2° do Estatuto, em que estão indicadas, como finalidades da Associação, melhorar a formação moral, científica e profissional dos Sócios, promover os estudos médico-morais à luz dos princípios da doutrina católica, fomentar o espírito de autêntico serviço humano e cristão dos médicos nas relações com o doente, trabalhar pela segurança do exercício mais digno da profissão e pela defesa dos justos interesses da classe médica, preparar os Sócios para a justa co-responsabilidade eclesial e para a generosa disponibilidade a serviço de qualquer actividade caritativa relacionada com o exercício da profissão.

Não se trata de propósitos que tenham ficado só no papel. Com prazer presto homenagem à actividade de sensibilização e orientação, desempenhada pela Associação nestes anos entre a classe médica italiana, quer por meio da variada e prestimosa produção editorial, quer mediante a apreciada revista "Orizzonte Medico", quer nos "Cursos de Estudo" (do recente, sobre "O Homem do Sudário", foram-me gentilmente oferecidas as Actas), Cursos que viram, nestes onze anos, notáveis especialistas das diversas ciências encarar temas antropológicos de fundamental interesse, à procura duma resposta que satisfaça o homem e o cristão. Não posso senão manifestar apreço e aplauso: a finalidade formativa, que mediante tais instrumentos se tem em vista, merece ser cordialmente aprovada e os esforços realizados em tal direcção devem ser calorosamente animados.

Vale isto sobretudo no dia de hoje, quando fortes correntes de opinião, sustentadas eficazmente por grandes meios de comunicação de massa, procuram de todos os modos influir na consciência dos médicos, para levá-los a prestar os seus serviços em actuações contrárias à ética, não só cristã mas até simplesmente natural, em manifesta contradição com a deontologia profissional, expressa no celebérrimo juramento do antigo médico pagão.

Na Mensagem para o Dia Mundial da Paz do passado 1° de Janeiro, o meu grande Predecessor Paulo VI, de veneranda memória, dirigindo uma palavra especial aos médicos, indicados como "sábios e generosos tutores da vida humana", expressou a confiança de que ao "ministério religioso" viesse juntar-se o "ministério terapêutico" dos médicos, na afirmação e na defesa da vida humana em todas "aquelas singulares contingências em que a vida mesma pode ser comprometida por causa de um deliberado e iníquo propósito da vontade humana". Estou certo que este apelo, amargurado e profético, encontrou e encontra vastíssimo eco de concordância, não só entre os médicos católicos, mas também entre os que, embora não apoiados na fé, são todavia profundamente sensíveis às superiores exigências da sua profissão.

Como ministro daquele Deus, que na Sagrada Escritura é apresentado como Aquele que ama a vida (Sg 11 Sg 26), desejo exprimir, eu também, a minha sincera admiração por todos os operadores sanitários que, seguindo a voz da recta consciência, conseguem resistir quotidianamente a lisonjas, pressões, ameaças e às vezes até violências físicas, para não se mancharem com atitudes dalgum modo lesivas daquele bem sagrado, que é a vida humana: o seu testemunho corajoso e coerente forma importantíssimo contributo para a construção duma sociedade que, para estar à altura do homem, não pode deixar de basear-se no respeito e na tutela do pressuposto humano, isto e, no atreito a viver.

O Papa tem a satisfação de unir a sua voz à de todos os médicos de recta consciência e faz próprias as exigências fundamentais que apresentam: primeiramente, a exigência de verem reconhecida a natureza mais íntima da sua nobre profissão, que os quer ministros da vida e nunca instrumentos de morte; em seguida, a exigência dum respeito pleno e total, na legislação e na prática, da liberdade de consciência, entendida como direito fundamental de a pessoa não ser forçada a proceder contra a própria consciência nem impedida de comportar-se em conformidade coro ela; por fim, além da exigência duma indispensável e firme tutela jurídica da vida humana em todos os seus estádios, também a de adequadas estruturas práticas, que favoreçam o acolhimento alegre da vida nascente, a promoção eficaz dela - durante o desenvolvimento e a maturidade — e a sua tutela desvelada e delicada, quando começa a declinar e até ao seu apagar-se natural.

O serviço à vida deve ver empenhados, com generoso entusiasmo, sobretudo os médicos católicos, que — na sua fé em Deus criador, de que é imagem o homem, e no mistério do Verbo eterno, descido do céu na frágil carne dum Menino indefeso - encontram novo e mais alto motivo de atenta dedicação ao cuidado amoroso e à defesa desinteressada de cada irmão, especialmente se pequeno, pobre, inerme e ameaçado. Conforta-me saber que estas convicções estão profundamente radicadas no vosso espírito: inspiram e orientam a vossa quotidiana actividade profissional e conseguem sugerir-vos, quando necessário, tomadas de posição, mesmo públicas, claras e inequívocas.

Como deixar de mencionar, a este propósito, o testemunho exemplar que destes aderindo, prontamente e em massa, às iniciações do Episcopado, na recente e dolorosa disputa sobre a legislação abortiva. Foi testemunho em que — sublinho-o com orgulho na minha qualidade de Bispo de Roma — esta Cidade especialmente se distinguiu, oferecendo também aos médicos não católicos uma admoestação e um incitamento de eficácia providencial. Este gesto responsável atingirá mais eficazmente os seus objectivos — de afirmação do direito de liberdade de consciência do pessoal médico e paramédico, sancionado por especial cláusula na lei, de coerência pessoal, de defesa do direito a vida e de denúncia social duma situação legislativa lesiva da justiça — uma vez que esse gesto foi adoptado com autenticidade de motivações e confirmado por desinteressada generosidade aberta a todos os empenhos e iniciativas ao serviço da pessoa humana.

Não ignoro poder, a coerência com os princípios cristãos, significar para vós a necessidade de vos expordes ao risco de incompreensões, mal-entendidos e até de incómodas discriminações. Na hipótese bem triste de tais coisas virem a suceder, ajude-vos a palavra programática em que se inspirou constantemente um vosso grande colega, o Beato José Moscati: "Ama a verdade — escrevia ele numa nota pessoal a 17 de Outubro de 1922 —; mostra-te tal qual és, sem fingimentos, sem temores e sem respeitos humanos. E se a verdade te custar perseguição, aceita-a; se tormento, suporta-o. E se pela verdade houvesses de sacrificar a tua pessoa e a tua vida, sê forte no sacrifício" (Cfr. Positio super virtutibus. Romae 1972). Não é porventura normal, aliás, que se realize na vida do cristão a profecia de Cristo: Se me perseguiram a Mim, perseguir-vos-ão também a vós (Jn 15,20)? Será então o caso de recordar que o Mestre divino reservou uma bem-aventurança especial para aqueles que são insultados e perseguidos "por Sua causa" (Cfr. Mt Mt 5,11-12).

Ao confirmar-vos, portanto, junta. mente com a minha estima, o cordial incentivo a prosseguirdes no caminho do testemunho corajoso e do serviço exemplar em favor da vida humana. imploro sobre os vossos bons propósitos o auxílio da Virgem Santíssima, que vós gostais de invocar como "Salus Infirmorum et Mater Scientiae", imploro a protecção de São Lucas caríssimo médico (Col 4,14), que vós honrais como patrono, e — pensando com afecto paternal nos vossos Colegas da Associação espalhados por toda a Itália, nas respectivas famílias, como também em tantos doentes, a quem se dirigem as vossas solicitudes quotidianas — sobre vós e sobre eles levanto as minhas mãos para conceder, com efusão cordial, urna especial Bênção Apostólica, propiciatória de todos os desejados confortos celestiais.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS DELEGADOS DA FEDERAÇÃO


DOS INSTITUTOS DE ACTIVIDADE EDUCATIVAS


Sexta-feira, 29 de Dezembro de 1978

: Caríssimos Delegados da Federação
dos Institutos de Actividades Educativas

Sabendo da vossa presença em Roma por ocasião da tradicional assembleia do fim do ano, quis reservar-vos e reservar-me um encontro particular convosco, não só por motivo do vosso grande número, mas também e sobretudo pelo qualificado testemunho que vós aqui prestais, como representantes da Escola Católica na Itália. Foi-me dito que o meu venerado Predecessor Paulo VI nunca deixou de vos dirigir a sua iluminada palavra, em análogas circunstâncias dos anos passados. Então pensei que eu poderia fazer também o mesmo e começar por responder à deferência, à devoção e ao fervor da vossa visita.

Sim, irmãos e filhos caríssimos, desejo agradecer-vos os vossos sentimentos afectuosos, e mais ainda, o trabalho inteligente, indefesso, e tornado mais precioso pelos numerosos sacrifícios — pequenos e grandes —, que a actividade escolar-educativa comporta nos nossos dias, Não falo só do trabalho de coordenação e organização que é necessário para esta Federação qua talis poder funcionar bem, difundindo para utilidade comum, entre os numerosos Institutos que ela reúne, informações, orientações, propostas e iniciativas; falo especialmente do trabalho que realiza quotidianamente cada Instituto e, no seu âmbito, cada um dos Dirigentes e dos Professores, enfrentando e resolvendo não fáceis problemas, para tornar cada vez mais vigorosa, profícua, original e exemplar a função das Escolas, fundadas pela Autoridade Eclesiástica ou dela dependentes, que fazem parte das instituições de instrução pública.

A minha palavra quer ser reconhecimento e ao mesmo tempo incentivo. Reconhecimento em italiano — sei-o pela óbvia razão etimológica — quer dizer também gratidão: ora o reconhecimento-gratidão, que recebestes da Conferência Episcopal Italiana, fá-lo também plenamente seu o Papa, que afiança seguir-vos com simpatia, e cheio de confiança na vossa benemérita actividade. Numa época como a nossa, é urgente, mais que no passado, conservar a imagem — diria, a tipologia — duma escola cristã que, na sempre leal observância das normas gerais previstas pela legislação escolar de cada País, tome, como ponto de partida e também como alvo, o ideal duma educação integral — humana, moral e religiosa —, segundo o Evangelho de Nosso Senhor. Antes dos programas de estudo, antes das matérias dos diversos cursos de ensino — vós bem o sabeis —, para uma Escola autenticamente católica, é e continua a ser essencial, esta insuprimível referência à pedagogia superior e transcendente de Cristo-Mestre. Sem ela, faltar-lhe-ia mesmo a fonte da inspiração, faltar-lhe ia o eixo central, fartar-lhe-ia aquele elemento específico que a define e a caracteriza no meio das outras estruturas organizativas didácticas ou dos outros centros de promoção cultural. É justo, portanto, que tal coisa seja requerida de cada um dos Institutos que formam a vossa associação, e também de quantas pessoas neles trabalham responsavelmente nos vários níveis.

Querendo interpretar a sigla FIDAE, notei que recentemente adoptastes uma leitura, em parte nova, para insistirdes na "actividade educativa". Esta mais clara finalidade pedagógica e formativa reverte em honra vossa, pois quer exactamente dizer que para vós o ensino das disciplinas escolares e a aplicação dos instrumentos didácticos necessários para a instrução figuram no mais vasto programa daquela "paideia" cristã, que faz parte, por sua vez, da missão evangelizadora, confiada à Igreja pelo seu divino Fundador.

Agrada-me sinceramente esta orientação e muito aprecio tal colaboração. Exorto-vos portanto a que vos mantenhais sempre coerentes convosco e fiéis a uma e outra, animados pelo pensamento ou, melhor, pela convicção de assim realizardes um precioso serviço eclesial, além de cultural e civil.

Com a minha cordial Bênção.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA ACÇÃO CATÓLICA ITALIANA


Sábado, 30 de Dezembro de 1978

: Irmãs e Irmãos caríssimos

Grande e paternal alegria invade o meu coração ao receber-vos hoje pela primeira vez na atmosfera tão sugestiva e tocante cio Natal.

Vós, Membros da Acção Católica Italiana, pedistes para "ver Pedro" e viestes em número extraordinariamente elevado, cheios de fervor e alegria, trazer o vosso testemunho de fidelidade e amor, e ouvir a palavra do Vigário de Cristo; e eu agradeço-vos sentidamente, e a cada um de vós em pessoa dirijo a minha saudação cheia de afecto. Em particular, agradeço ao vosso Presidente as elevadas palavras com que desejou interpretar os vossos sentimentos.

1. Desejo, antes de mais, exprimir-vos a minha satisfação por aquilo que representais na Igreja italiana. Há mais de cem anos, na verdade, vive e trabalha a Acção Católica nesta dilecta Nação, em que a sua presença se revelou como rica fonte de formação para tantos fiéis de todas as idades e categorias, das crianças aos adultos, dos estudantes aos trabalhadores, dos mestres aos doutores; viveiro de vocações para a vida sacerdotal e religiosa; escola de apostolado concreto e directo nos vários locais de esforço e de trabalho. Quantos Bispos e quantos Sacerdotes não provêm das fileiras da Acção Católica! Quantas vocações religiosas brotaram do seio da Acção Católica! E quantos pais e mães foram, e são ainda, verdadeiros educadores e formadores da consciência dos próprios filhos, graças à formação recebida nos encontros da "Associação", e graças ao apostolado exercido por cada um com amor e entusiasmo, na própria Paróquia e na própria Diocese!

Em vós, portanto, posso e devo confiar.

Compreendestes o que diz o artigo 2º do vosso Estatuto, no qual o objectivo da Acção Católica Italiana é "a evangelização, a santificação dos homens, a formação cristã das suas consciências, de tal forma que cheguem a impregnar de espírito evangélico as comunidades e os vários ambientes"; conheceis as directrizes dadas pela Conferência Episcopal Italiana numa carta de 2 de Fevereiro de 1976; segundo ela a Acção Católica trabalha em três direcções: o esforço formativo; o serviço pastoral efectivo dentro das estruturas eclesiais e nas situações de vida; e o restabelecimento prático da síntese entre fé e vida em todos os ambientes; por fim, vós tendes ainda presentes as palavras iluminadoras do grande Papa Paulo VI, de venerada memória, que a 15 de Abril de 1977, dizia aos participantes na Assembleia nacional: "A Acção Católica deve descobrir de novo a paixão pelo anúncio do Evangelho, única salvação num mundo desesperado sem Ele. Certamente, a Acção Católica ama o mundo, mas com um amor que se inspira no exemplo de Cristo. O seu modo de servir o mundo e de promover os valores do homem é primariamente o de evangelizar, em lógica coerência com a convicção de estar encerrado no Evangelho o potencial mais activo, capaz de fazer verdadeiramente novas, todas as coisas".

Confio em vós, porque a Acção Católica, pela sua natureza íntima, tem particulares relações com o Papa e portanto com os Bispos e os Sacerdotes: esta é a sua característica essencial. Cada grupo "eclesial" é um modo e um meio para viver mais intensamente o Baptismo e o Crisma; mas a Acção Católica deve fazê-lo de maneira muito especial, porque ela se apresenta como ajuda directa da Hierarquia, participando nas suas ansiedades apostólicas. Por isso, eu, como Vigário de Cristo, apertando idealmente a mão aos 650.000 inscritos, digo a cada um: "Coragem! Sê forte e generoso! Conto contigo! Dá honra a Cristo, à Igreja e ao Papa!".

2. Neste excepcional encontro, que posso dizer-vos que vos acompanhe e fortifique, nestes momentos não fáceis, em que a Providência destinou que vivêssemos?

Muito se disse já e muito se dirá ainda durante esta segunda metade do século XX tão agitado e inquieto — analisando os vários fenómenos económicos, sociais e políticos, que lhe caracterizam a fisionomia. Mas entre as várias características, a que se vai revelando possivelmente cada vez mais, como fundamental, é o "pluralismo ideológico".

Esse conceito merece indubitavelmente profunda verificação no que diz respeito ao conteúdo teórico e às suas implicações práticas. Se queremos que este "pluralismo", a nível prático, não traga consigo unicamente a contraposição radical dos valores, a preocupante dispersão cultural, o "laicismo" unilateral nas estruturas estatais, a crise das instituições e ainda uma inquietação dramática das consciências — de que todos os dias fazemos experiência tanto nas relações públicas como nas privadas — então é necessária aquela amadurecida consciência cristã da Igreja, à qual, de modo previdente, se referia o Papa Paulo VI na encíclica Ecclesiam Suam.

Exactamente para esta renovada consciência da Igreja, isto é, para uma fé aprofundada, amadurecida, e sensível a todos os "sinais dos tempos", nos preparou o Concílio Vaticano II.

Por isso, grande e importante é o encargo da Acção Católica no nosso tempo, nesta "terra dolorosa, dramática e magnífica", como a classificou o meu Predecessor Paulo VI no seu Testamento.

a) Primeiro que tudo, tende o culto da Verdade.

Para poder verdadeiramente aplicar o próprio tempo e as próprias capacidades na salvação e santificação das almas, primeira e principal missão da Igreja, é necessário possuir primeiramente certeza e clareza acerca das Verdades que se devem crer e praticar. Estando-se inseguro, incerto, confundido e vítima de contradições, não se pode construir. Hoje especialmente é necessário possuir uma fé iluminada e convicta, para se poder iluminar e convencer os outros. O fenómeno da cultura de massa exige fé aprofundada, clara e segura. Por este motivo vos exorto a que sigais com fidelidade o ensinamento do Magistério. A este propósito, como não recordar as palavras do meu Predecessor João Paulo I na sua primeira e única radiomensagem de 27 de Agosto último? Disse isto:

"Superando as tensões internas, que aqui e além se foram criando, vencendo as tentações de identificação com os gostos e costumes do mundo, e bem assim as atracções dum fácil aplauso, unidos no único vínculo do amor que deve informar a vida íntima da Igreja como também as formas externas da sua disciplina, os fiéis devem estar prontos a dar testemunho da própria fé cliente do mundo: Sempre prontos a responder, para vossa defesa, e todo aquele que vos pergunte a razão da vossa esperança (1P 3,15).


Discursos João Paulo II 1978 - Sexta-feira, 22 de Dezembro de 1978