DIscursos João Paulo II 2005

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À COMISSÃO INTERNACIONAL


PARA O DIÁLOGO TEOLÓGICO


Sexta-feira, 28 de Janeiro de 2005



Eminências
Excelências
Queridos Sacerdotes
Irmãos em Cristo

É-me grato dar-vos as boas-vindas por ocasião da vossa segunda Assembleia Plenária, enquanto agradeço a Sua Graça Anba Bishoy as amáveis palavras que proferiu. Agradeço de maneira especial aos representantes das Igrejas Ortodoxas Orientais e, através de vós, torno extensivos os meus melhores votos fraternos aos Veneráveis Irmãos, Chefes das vossas Igrejas.

Uno-me a vós em oração por que os vínculos genuínos de comunhão existentes entre nós possam ser ulteriormente refortalecidos mediante uma espiritualidade de comunhão que contemple "o mistério da Trindade que habita em nós", e veja assim "o que há de positivo no outro, para o acolher e valorizar como dom de Deus" (Novo millennio ineunte NM 43).

Com estes sentimentos, encorajo os vossos esforços em vista de promover a compreensão recíproca e a comunhão entre os cristãos do Oriente e do Ocidente, enquanto invoco as bênçãos de Deus Todo-Poderoso sobre as vossas deliberações.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR ROBERT KOCHARIAN


PRESIDENTE DA REPÚBLICA DA ARMÉNIA


Sexta-feira, 28 de Janeiro de 2005

Senhor Presidente!


1. É com grande alegria que o recebo e agradeço-lhe cordialmente esta agradável visita, assim como as palavras que teve a amabilidade de me dirigir. A sua presença hoje aqui traz à minha memória o nosso primeiro encontro que teve lugar aqui, no Vaticano, em Março de 1999, por ocasião da inauguração da exposição "Roma Arménia", e dos que foram realizados em Setembro de 2001 em Yerevan durante a minha peregrinação apostólica na Arménia para as celebrações jubilares dos 1700 anos da conversão ao cristianismo do Povo arménio.

Aproveito de bom grado a ocasião para enviar a todo o Povo arménio uma afectuosa saudação, fazendo-a extensiva a milhões de Arménios que, mesmo encontrando-se em tantas partes do mundo, permanecem sempre ligados à sua cultura e às suas tradições cristãs.

2. Senhor Presidente, desejo manifestar o meu apreço sincero pelas boas relações que ligam a Santa Sé ao governo do seu País. Sei que a comunidade católica é bem acolhida e respeitada e que as suas várias actividades contribuem para o bem-estar de toda a nação.

É desejo sentido por todos que aumente cada vez mais a colaboração entre a Santa Sé e o governo arménio e, onde as situações o exigirem, sejam feitos eventuais aperfeiçoamentos ao status da Igreja Católica.

3. Além disso, são boas também as relações de estima e de amizade entre a Igreja Católica e a Igreja Apostólica arménia. Esse entendimento, que se tornou ainda mais activo graças à iniciativa do Catholicos Karekin II, terá certamente repercussões positivas para a convivência pacífica entre o Povo arménio, chamado a enfrentar numerosos desafios sociais e económicos.

Desejo também que surja uma paz verdadeira e estável na região do Nagorno-Karabagh, região da qual Vossa Excelência provém. Isto poderá surgir da recusa decidida da violência e de um diálogo paciente entre as partes, graças também a uma activa mediação internacional.

4. A Santa Sé, que no decorrer dos séculos não deixou de denunciar a violência e de defender os direitos dos débeis, continuará a defender todos os esforços que se destinem a construir uma paz sólida e duradoura.

Senhor Presidente, garanto a minha oração pela sua pessoa, pela sua família e pelo Povo arménio, invocando sobre todos a abundância das bênçãos de Deus.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NA SOLENE INAUGURAÇÃO


DO ANO JUDICIÁRIO DO TRIBUNAL


DA ROTA ROMANA


Sábado, 20 de Janeiro de 2005

1. Queridos Prelados Auditores do Tribunal Apostólico da Rota Romana, este encontro anual convosco põe em evidência o vínculo essencial do vosso precioso trabalho com o aspecto judicial do ministério petrino. As palavras do Decano do vosso Colégio expressaram o compromisso comum da plena fidelidade no vosso serviço eclesial.


É neste horizonte que, hoje, gostaria de inserir algumas considerações acerca da dimensão moral da actividade dos agentes jurídicos nos Tribunais eclesiásticos, sobretudo no que diz respeito ao dever de se adaptar à verdade sobre o matrimónio, da forma como ela é ensinada pela Igreja.

2. Desde sempre se levantou a questão ética com especial intensidade em qualquer género de processo judiciário. Com efeito, os interesses individuais e colectivos podem induzir as partes a recorrer a vários tipos de falsidade e até mesmo de corrupção, com a finalidade de alcançar uma sentença favorável.

Deste risco não estão imunes nem sequer os processos canónicos, em que se procura conhecer a verdade sobre a existência ou não de um matrimónio. A relevância indubitável que isto reveste para a consciência moral das partes torna menos provável a aquiescência a interesses alheios à busca da verdade. Não obstante, podem verificar-se casos em que se manifeste uma semelhante aquiescência, que compromete a regularidade do percurso processual. A reacção firme da norma canónica a tais comportamentos é bem conhecida (cf. Códico de Direito Canónico, cânn. 1389, 1391, 1457 e 1488-1489).

3. Todavia, nas actuais circunstâncias existe também outro risco incumbente. Em nome de presumíveis exigências pastorais, levantaram-se algumas vozes com a proposta de declarar nulas as uniões totalmente malogradas. Para obter este resultado, sugere-se que se recorra ao expediente de manter as aparências processuais e substanciais, dissimulando a inexistência de um verdadeiro juízo processual. Assim, há a tentação de prover a uma elaboração dos pontos de nulidade e a uma sua prova em contraste com os princípios mais elementares da normativa e do magistério da Igreja.

É evidente a gravidade jurídica e moral objectiva de tais comportamentos, que certamente não constituem a solução pastoralmente válida dos problemas levantados pelas crises matrimoniais. Graças a Deus, não faltam fiéis cuja consciência não se deixa enganar, e entre eles encontram-se também não poucos que, embora estejam envolvidos pessoalmente numa crise conjugal, não estão dispostos a resolvê-la, a não ser no seguimento do caminho da verdade.

4. Nos dicursos anuais à Rota Romana, recordei numerosas vezes o relacionamento essencial que o processo tem com a busca da verdade objectiva. Isto deve ser assumido em primeiro lugar pelos Bispos que, por direito divino, são os juízes das suas comunidades. É em nome deles que os Tribunais administram a justiça. Por conseguinte, eles são chamados a comprometer-se pessoalmente em vista de cuidar da idoneidade dos membros dos Tribunais diocesanos e interdiocesanos, dos quais eles são os Moderadores, e de verificar a conformidade das sentenças com a recta doutrina.

Os sagrados Pastores não podem pensar que os actos dos seus Tribunais são uma questão meramente "técnica", da qual eles podem desinteressar-se, confiando-a inteiramente aos seus juízes vigários (cf. Códico de Direito Canónico, cânn. 391, 1419 e 1423 1).

5. A deontologia do juiz encontra o seu critério inspirador no amor pela verdade. Portanto, ele deve estar sobretudo convencido de que a verdade existe. Por isso, é necessário procurá-la com o autêntico desejo de a conhecer, apesar de todos os inconvenientes que possam derivar de tal conhecimento. É preciso resistir ao medo da verdade, que por vezes pode nascer do temor de ferir as pessoas. A verdade, que é o próprio Cristo (cf. Jo ), liberta-nos de todas as formas de compromisso com as mentiras interessadas.

O juiz que verdadeiramente age como tal, ou seja, com justiça, não se deixa condicionar por sentimentos de falsa compaixão pelas pessoas, nem por falsos modelos de pensamento, mesmo que sejam difundidos no ambiente. Ele sabe que as sentenças injustas nunca constituem uma verdadeira solução pastoral e que o juízo de Deus acerca do próprio agir é o que conta para a eternidade.

6. Além disso, o juiz deve respeitar as leis canónicas, rectamente interpretadas. Por isso, ele jamais pode perder de vista a conexão intrínseca das normas jurídicas com a doutrina da Igreja. Com efeito, quantas vezes o homem pretende separar as leis da Igreja dos ensinamentos magisteriais, como se eles pertencessem a dois sectores distintos, dos quais o primeiro seria o único a ter uma força juridicamente vinculante, enquanto o segundo teria um valor meramente orientativo ou exortativo.

Um delineamente semelhante revela, em última análise, uma mentalidade positivista, que se encontra em contraste com a melhor tradição jurídica clássica e cristã sobre o direito. Na realidade, a interpretação autêntica da palavra de Deus, realizada pelo magistério da Igreja (cf. Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina Dei Verbum DV 10 § 2), tem valor jurídico na medida em que diz respeito ao âmbito do direito, sem ter necessidade de uma outra passagem formal para se tornar jurídica e moralmente vinculante.

Além disso, para uma hermenêutica jurídica sadia é indispensável compreender o conjunto dos ensinamentos da Igreja, inserindo organicamente todas as afirmações na esteira da tradição. Desta maneira, poder-se-á evitar tanto as interpretações selectivas e deformadas, como as críticas estéreis a cada instante.

Por fim, um momento importante da busca da verdade é o da instrução da causa. Ela está ameaçada na sua própria razão de ser e degenera em puro formalismo, quando o êxito do processo se dá por certo. É verdade que também o dever de uma justiça tempestiva faz parte do serviço concreto da verdade e constitui um direito das pessoas. Todavia, uma pressa falsa que prejudique a verdade é ainda mais gravemente injusta.

7. Gostaria de concluir este encontro com um agradecimento do íntimo do coração a vós, Prelados Auditores, aos Oficiais, aos Advogados e a todos aqueles que trabalham neste Tribunal Apostólico, assim como aos membros do Estudo da Rota.

Vós sabeis que podeis contar com a oração do Papa e de numerosíssimas pessoas de boa vontade que reconhecem o valor do vosso trabalho ao serviço da verdade. O Senhor recompensará os vossos esforços quotidianos não só na vida futura, mas já a partir desta, com a paz e a alegria da consciência e com a estima e o apoio daqueles que amam a justiça.

Enquanto manifesto os bons votos para que a verdade da justiça resplandeça cada vez mais na Igreja e na vossa vida, concedo-vos a todos, do íntimo do coração, a minha Bênção.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO CAPÍTULO GERAL


DOS LEGIONÁRIOS DE CRISTO


31 de Janeiro de 2005


Queridos irmãos!

1. Por ocasião do terceiro Capítulo Geral do vosso Instituto, é-me grato enviar a minha saudação de modo particular ao Pe. Marcial Maciel, vosso Fundador, assim como ao Pe. Álvaro Corcuera, recém-eleito Director-Geral da Congregação dos Legionários de Cristo e do Movimento Regnum Christi. Faço a minha saudação extensiva também aos membros do Conselho Geral e aos demais Padres Capitulares.

2. O Capítulo Geral é sempre um acontecimento muito importante para revitalizar o próprio carisma fundacional, examinar com o coração agradecido as maravilhas que Deus realizou na vossa história e enfrentar os desafios actuais da Igreja com a espiritualidade que vos é própria, em comunhão com a grande variedade de carismas que o Espírito Santo derramou nela ao longo dos séculos.

Encontrais-vos num momento histórico para a vida do Instituto, no qual tem início uma nova fase. Tivestes a alegria de caminhar durante 64 anos sob a orientação do vosso Fundador. Assim, crescestes e desenvolvestes-vos até alcançar a maturidade. Agora deveis prosseguir o caminho guiados pelo novo Director-Geral, que não vos fará faltar a companhia, o afecto paterno e a experiência do Pe. Maciel, que renunciou a um novo período de governo. Isto compromete-vos a guardar, viver e transmitir fielmente os dons que por meio dele recebestes do Senhor.

3. Tendes diante de vós a tarefa de desenvolver a obra inspirada no Fundador, a qual procura distinguir-se pela entrega ao serviço à Igreja e à formação da juventude em sólidos princípios cristãos e humanos que, baseados na liberdade e responsabilidade pessoal, contribuam para a sua maturidade espiritual, social e cultural, em fidelidade ao Magistério e em plena comunhão com o Papa. Pude participar pessoalmente, em várias ocasiões, na vida da vossa Congregação, concretamente com a aprovação definitiva das Constituições, em Junho de 1983 e, recentemente, aprovando os Estatutos do Movimento Regnum Christi.

4. Queridos irmãos, estimulo-vos a continuar a irradiar a vossa espiritualidade e dinamismo apostólico, rico na diversidade das suas obras e sempre aberto a novas expressões, de acordo com as necessidades mais urgentes da Igreja nos diversos tempos e lugares. Fiéis ao carisma do Instituto e firmemente unidos à Rocha de Pedro, o vosso contributo à missão evangelizadora da Igreja será realmente fecundo.

Peço ao Espírito Santo, pela intercessão materna da Santíssima Virgem Maria, que vos ilumine nos vossos trabalhos capitulares, e concedo-vos de coração a minha Bênção Apostólica.

Vaticano, 31 de Janeiro de 2005.



                                                                         Fevereiro de 2005

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA PLENÁRIA DA


CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA


Ao Venerado Irmão Senhor Cardeal ZENON GROCHOLEWSKI

Prefeito da Congregação para a Educação Católica

1. É com prazer que dirijo a minha cordial saudação a Vossa Eminência, aos Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, assim como a todos os componentes desta Congregação, reunidos aqui por ocasião da Sessão Plenária. Formulo votos de bom êxito para os trabalhos destes dias, durante os quais estais a examinar algumas problemáticas relativas aos Seminários, às Faculdades Eclesiásticas e às Universidades Católicas.

2. Estais a reservar uma atenção particular ao projecto educativo nos Seminários, que tem em conta a complementaridade fundamental das quatro dimensões da formação: humana, intelectual, espiritual e pastoral (cf. Pastores dabo vobis PDV 43-59).

À luz das actuais mudanças sociais e culturais, por vezes pode ser útil que os educadores se valham da obra de especialistas competentes para ajudar os seminaristas a compreender mais profundamente as exigências do sacerdócio, reconhecendo no celibato uma dádiva do amor ao Senhor e aos irmãos. Já a partir do momento da admissão dos jovens no Seminário deve ser verificada atentamente a sua idoneidade para viver o celibato, de maneira a alcançarem, antes da Ordenação, uma certeza moral acerca da sua maturidade afectiva e sexual.

3. A vossa Sessão Plenária dirigiu a sua atenção também às Faculdades Eclesiásticas e às Universidades Católicas, que representam um rico património para a Igreja. Na "grande primavera cristã" que Deus está a preparar (cf. Carta Encíclica Redemptoris missio RMi 86), elas devem distinguir-se pela qualidade do ensino e da investigação, de maneira a serem capazes de dialogar plenamente com as outras Faculdades e Universidades.

Tendo em consideração a velocidade do actual desenvolvimento científico e tecnológico, estas Instituições são chamadas a uma renovação permanente, em que hão-de avaliar "as conquistas da ciência e da técnica, na perspectiva da totalidade da pessoa humana" (Ex corde Ecclesiae, 7). Sob este ponto de vista, o diálogo interdisciplinar é sem dúvida útil. E revela-se fecundo, de maneira particular, o confronto com "uma filosofia de alcance autenticamente metafísico" (Fides et ratio FR 83) e com a própria teologia.

4. Outro tema interessante dos vossos trabalhos é a educação cristã através das Instituições escolares. A este propósito, há quarenta anos a Declaração conciliar Gravissimum educationis delineou determinados princípios que, em seguida, a Congregação para a Educação Católica quis desenvolver ulteriormente.

No contexto da globalização e no cruzamento mutável dos povos e das culturas, a Igreja sente a urgência do mandato de anunciar o Evangelho com um renovado impulso missionário.

Por conseguinte, a educação católica manifesta-se cada vez mais como o fruto de uma missão que deve ser "compartilhada" pelos sacerdotes, pelas pessoas consagradas e pelos fiéis leigos. É neste horizonte que se insere o serviço eclesial prestado pelos professores de religião católica nas escolas. O seu ensino contribui para o desenvolvimento integral dos estudantes e para o conhecimento do outro no respeito recíproco. Consequentemente, formulam-se votos sinceros por que o ensino da religião seja reconhecido em toda a parte e chegue a desempenhar um papel adequado no projecto educativo dos Institutos escolares.

5. Por fim, gostaria de mencionar a eficaz tarefa vocacional que está a ser desempenhada pela Pontifícia Obra para as Vocações Sacerdotais, instituída pelo meu venerado Predecessor Pio XII. Ela promove sobretudo o "Dia Mundial de Oração pelas Vocações": um encontro anual ao redor do qual se entrelaçam várias iniciativas e acontecimentos da pastoral vocacional em todas as dioceses.

Ao manifestar o meu vivo reconhecimento por esta instituição benemérita e fecunda, é de bom grado que encorajo quantos dedicam o seu tempo e as suas energias para promover uma pastoral das vocações abrangente no interior da comunidade eclesial. De resto, parece-me oportuna a iniciativa espiritual por ela empreendida durante o ano consagrado à Eucaristia, ou seja, a de criar através de turnos de oração em todos os continentes, um vínculo orante que ligue entre si as comunidades cristãs do mundo inteiro.

6. A este propósito, gostaria de reiterar que a Eucaristia é o manancial e o alimento de todas as vocações sacerdotais e religiosas. Portanto, desejo expressar o meu apreço por todas as iniciativas inseridas nesta "rede" de oração pelas vocações que, estes são os meus votos, possa envolver o mundo inteiro. Que Maria, "Mulher eucarística", vele sobre quantos dedicam as suas energias à pastoral vocacional.

A todos vós e a quantos vos são queridos, concedo de coração a Bênção Apostólica.

Vaticano, 1 de Fevereiro de 2005.



JOÃO PAULO II




MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA SESSÃO


DO GRUPO DE ESTUDO


DA PONTIFÍCIA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS


Ilustres Senhoras e Senhores


1. Dirijo a todos vós as minhas cordiais saudações e gostaria de manifestar o meu apreço à Pontifícia Academia das Ciências, incessantemente devotada à sua tradicional tarefa de estudo e de reflexão sobre as delicadas problemáticas científicas que se apresentam à sociedade contemporânea.

A Pontifícia Academia das Ciências escolheu para esta sessão do grupo de estudo como em duas ocasiões precedentes, durante os anos 80 um tema de particular complexidade e importância: o dos "sinais da morte", no contexto da prática dos transplantes de órgãos de pessoas mortas.

2. Vós sabeis que o Magistério da Igreja conservou desde o início um interesse constante e informado pelo desenvolvimento da prática cirúrgica dos transplantes de órgãos, em vista de salvar vidas humanas da morte iminente e de permitir que os doentes continuem a viver por um período de anos mais prolongado.

Desde a época do meu venerável predecessor Pio XII, durante cujo Pontificado teve início a prática cirúrgica dos transplantes de órgãos, o Magistério da Igreja ofereceu continuamente contribuições neste campo.

Por um lado, a Igreja tem encorajado a livre doação de órgãos e, por outro, não deixa de ressaltar as condições éticas para tais doações, salientando a obrigação de salvaguardar a vida e a dignidade tanto dos doadores como dos receptores; além disso, ela não deixa de frisar os deveres dos especialistas que realizam estas práticas dos transplantes de órgãos. A finalidade consiste em favorecer um serviço complexo à vida, harmonizando o progresso técnico com o rigor ético, humanizando os relacionamentos entre as pessoas e informando o público de forma correcta.

3. Em virtude do progresso constante dos conhecimentos científicos experimentais, todos aqueles que realizam transplantes de órgãos têm necessidade de promover a busca da investigação incessante a nível técnico-científico, de maneira a assegurar o máximo êxito da operação e a melhor expectativa de vida possível para as pessoas doentes. Ao mesmo tempo, é necessário um diálogo permanente com os peritos nas matérias antropológicas e éticas, de forma a garantir o respeito pela vida e pela pessoa humana, e de modo a fazer com que os legisladores disponham dos dados necessários para estabelecer normas rigorosas neste sector.

Nesta perspectiva, vós desejastes explorar uma vez mais, com um sério estudo interdisciplinar, a questão especial dos "sinais da morte", em cujo fundamento a morte clínica da pessoa pode ser estabelecida com certeza moral, em ordem a realizar a remoção dos órgãos a serem transplantados.

4. No contexto do horizonte da antropologia cristã, sabe-se muito bem que para cada pessoa o momento da morte consiste na perda definitiva da unidade constitutiva do corpo e do espírito. Com efeito, cada ser humano é vivo, precisamente enquanto é "corpore et anima unus" (Gaudium et spes, GS 14), e assim permanecerá, na medida em que subsistir esta substancial unidade-na-totalidade. É óbvio que, à luz desta verdade antropológica, como já tive a ocasião de observar, "a morte da pessoa, entendida neste sentido original, é um evento que não pode ser directamente identificado por qualquer técnica científica ou método empírico" (Discurso aos participantes no XVIII Congresso Internacional sobre os Transplantes, em: ed. port. de L'Osservatore Romano de 2 de Setembro de 2000, pág. 9, n. 4).

Contudo, sob o ponto de vista clínico, o único modo correcto e inclusivamente a única maneira possível de abordar o problema da averiguação da morte de um ser humano consiste em dedicar a atenção e a pesquisa à identificação de "sinais de morte" adequados, conhecidos através da sua manifestação física em cada sujeito individualmente.

Evidentemente, trata-se de um tema de importância fundamental, motivo pelo qual, portanto, a posição atenta e rigorosa da ciência deve ser ouvida em primeira instância, como o Papa Pio XII já ensinava, declarando que "compete ao médico dar uma definição clara e específica da "morte" e do "momento da morte" do doente que cai num estado de inconsciência" (Discurso de 24 de Novembro de 1957, em: AAS 49 [1957], pág. 1031).

5. Alicerçando-se sobre os dados oferecidos pela ciência, as considerações antropológicas e as reflexões éticas têm o dever de promover uma análise igualmente rigorosa, ouvindo atentamente ao Magistério da Igreja.

Desejo assegurar-vos que os esforços que estais a levar a cabo são louváveis e certamente serão úteis para as Congregações competentes da Santa Sé de maneira especial a Congregação para a Doutrina da Fé que não deixarão de ponderar sobre os resultados da vossa reflexão, oferecendo assim também os necessários esclarecimentos para o bem da comunidade em geral, de modo particular o bem das pessoas doentes e dos especialistas, que são chamados a dedicar as suas capacidades profissionais ao serviço da vida.

Enquanto vos exorto a perseverar neste compromisso conjunto em vista de alcançar o bem genuíno do homem, invoco as copiosas dádivas iluminadoras do Senhor sobre todos vós e as vossas investigações, em penhor das quais concedo a todos vós a minha Bênção.

Vaticano, 1 de Fevereiro de 2005.

JOÃO PAULO II




MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA FESTA DA APRESENTAÇÃO


DO SENHOR NO TEMPLO


E DO DIA DA VIDA CONSAGRADA


Quarta-feira, 2 de Fevereiro de 2005

No início da Santa Missa, concelebrada na Basílica de São Pedro, antes de ler a mensagem escrita pelo Sumo Pontífice para essa circunstância, D. Franc Rodé pronunciou as seguintes palavras de introdução:



Na festa da Apresentação do Senhor no Templo, dia em que o Filho de Deus gerado nos séculos eternos, é proclamado pelo Espírito Santo, "glória de Israel" e "luz dos povos", estamos reunidos para a nossa consagração ao Senhor. A todos vós, caros irmãos e irmãs, transmito a saudação pessoal do Santo Padre, que vos agradece o afecto manifestado e a ardente oração. Neste momento, ele está presente no meio de nós com a sua oração e envia-nos a sua Bênção. Ouçamos com o coração agradecido a sua Mensagem aos consagrados e às consagradas do mundo:

Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Hoje celebra-se o Dia da Vida Consagrada, ocasião propícia para agradecer ao Senhor juntamente com aquele que, por Ele chamados à prática dos conselhos evangélicos, "fielmente os observam, dando-se de maneira particular ao Senhor, seguindo a Cristo que, virgem e pobre (cf. Mt Mt 8,20 Lc 9,58), redimiu e santificou os homens pela obediência até à morte de Cruz (cf. Fl Ph 2,8)" (Perfectae caritatis PC 1).No corrente ano, esta celebração adquire um significado especial, porque se celebra o 40º aniversárioda promulgação do Decreto Perfectae caritatis, com que o Concílio Ecuménico Vaticano II traçou as linhas-guia para a renovação da vida consagrada.

Ao longo destes quarenta anos, seguindo as directrizes do magistério da Igreja, os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica percorreram um fecundo caminho de renovação, marcado por um lado pelo desejo de fidelidade ao dom recebido do Espírito, por intermédio dos Fundadores e das Fundadoras e, por outro, pelo anseio de adaptar a norma de vida, de oração e de acção "às actuais condições físicas e psíquicas dos membros e, segundo o exige o carácter de cada Instituto [...] às necessidades do apostolado, às exigências da cultura, às condições sociais e económicas" (cf. Perfectae caritatis PC 3).

Como deixar de dar graças ao Senhor por esta oportuna "actualização" da vida consagrada? Estou persuadido de que, também graças a ela, se hão-de multiplicar os frutos de santidade e de operosidade missionária, sob a condição de que as pessoas consagradas conservem um inalterado ardor ascético e que consigam transformá-lo em obras apostólicas.

2. O segredo deste ardor espiritual é a Eucaristia. Ao longo do corrente ano, a ela particularmente dedicado, gostaria de exortar todos os religiosos e as religiosas a "instaurar com Ele [Cristo] uma comunhão cada vez mais profunda por meio da participação diária no Sacramento que O torna presente, no sacrifício que actualiza o seu dom de amor do Gólgota, no banquete que alimenta e sustenta o Povo de Deus peregrino. [...] A Eucaristia como pude afirmar na Exortação Apostólica Vita consecrata por sua natureza, está no centro da vida consagrada pessoal e comunitária" (n. 95).

Jesus entrega-se como Pão "partido" e como Sangue "derramado", para que todos possam "ter vida, e vida em abundância" (cf. Jo Jn 10,10). Ele oferece-se a si mesmo pela salvação de toda a humanidade. Participar no seu banquete sacrifical não comporta somente repetir o gesto por Ele levado a cabo, mas também beber do seu cálice e participar na sua própria imolação. Assim como Cristo se faz "pão partido" e "sangue derramado", também cada cristão e, ainda mais, cada consagrado e cada consagrada é chamado a dar a vida pelos irmãos, em união com a do Redentor.

3. A Eucaristia é a fonte inesgotável da fidelidade ao Evangelho, porque é neste Sacramento, coração da vida eclesial, que se realizam plenamente a identificação íntima e a conformação total com Cristo, às quais os consagrados e as consagradas são chamados. "Concentram-se na Eucaristia todas as formas de oração, proclama-se e é acolhida a Palavra de Deus, somos interpelados a respeito de nossa relação com Deus, com os irmãos e com todos os homens: é o sacramento da filiação, da fraternidade e da missão. Sacramento da unidade com Cristo, a Eucaristia é contemporaneamente sacramento da unidade eclesial e da unidade da comunidade dos consagrados. Em suma, ela se revela como "fonte da espiritualidade do indivíduo e do Instituto" (Instrução da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica Partir de Cristo, n. 26). Da Eucaristia, as pessoas consagradas aprendem "uma maior liberdade no exercício do apostolado, uma irradiação mais consciente, uma solidariedade que se exprime com o saber estar ao lado das pessoas, assumindo-lhes os problemas para responder-lhes, pois, com uma forte atenção aos sinais dos tempos e às suas exigências" (Ibid., n. 36).

Caríssimos Irmãos e Irmãs, nós entramos no mistério da Eucaristia orientados pela Santíssima Virgem e seguindo o seu exemplo! Que Maria, Mulher eucarística, ajude quantos são chamados a uma especial intimidade com Cristo a ser frequentadores assíduos da Santa Missa e obtenha para eles o dom de uma obediência imediata, de uma pobreza fiel e de uma virgindade fecunda; que Ela os torne santos discípulos de Cristo eucarístico.

Com estes sentimentos, enquanto asseguro uma lembrança na oração, é de bom grado que abençoo todas as pessoas consagradas e as comunidades cristãs no interior das quais elas são chamadas a desempenhar a sua missão.

Vaticano, 2 de Fevereiro de 2005.

JOÃO PAULO II




DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


PARA O ENCONTRO DE ORAÇÃO


DO PONTIFÍCIO SEMINÁRIO ROMANO MAIOR


NA FESTA DE NOSSA SENHORA DA CONFIANÇA


5 de Fevereiro de 2005

O discurso preparado pelo Santo Padre para esta solene ocasião foi lido pelo Arcebispo Leonardo Sandri, Substituto da Secretaria de Estado.


Caríssimos!

1. É com grande alegria que me uno a vós, no dia da Festa de Nossa Senhora da Confiança, padroeira do Seminário Romano Maior. Saúdo o Cardeal Vigário, os Bispos Auxiliares, o Reitor e demais Superiores e, com afecto especial, saúdo a vós, queridos Seminaristas, e os vossos familiares. Saúdo o Coro e a Orquestra diocesanos, guiados por Mons. Marco Frisina, assim como os jovens amigos do Seminário Romano. Para mim vós sois motivo de conforto, porque representais um sinal privilegiado de amor do Senhor pela sua amada Igreja que está em Roma.
2. "Contemplar o rosto de Cristo e contemplá-lo com Maria é o "programa" que propus à Igreja na aurora do terceiro milénio, convidando-a a fazer-se ao largo no mar da história, lançando-se com entusiasmo na nova evangelização" (Ecclesia de Eucharistia EE 6). Vós quisestes fazer destas minhas palavras o tema de reflexão para a vossa festa.

Mane nobiscum Domine! O oratório de Mons. Marco Frisina fez ressoar na Sala Paulo VI esta invocação intensa e sempre actual para os cristãos, sobretudo nos momentos do sofrimento e da prova. Festejar Maria no Ano da Eucaristia significa, para vós, colocar no centro da atenção o sacrifício do seu Filho divino, que se faz sacramentalmente actual em cada santa Missa.

3. Caríssimos Seminaristas, como é significativo o gesto de Jesus no ícone de Nossa Senhora da Confiança que venerais no vosso Seminário! Ao indicar a Mãe, parece que o Menino antecipa, sem palavras, aquilo que no final, na Cruz, dirá ao discípulo João: "Eis a tua mãe" (Jn 19,27). Também eu hoje vos repito: eis a vossa Mãe, que deve ser amada e imitada com confiança total, para vos tornardes sacerdotes capazes de pronunciar não uma vez, mas sempre, a palavra decisiva da fé: "Eis-me", "Fiat".

"Mater mea, fiducia mea"! Esta jaculatória possa ser a síntese profunda e simples dos vossos dias, vividos em contemplação de Cristo com Maria.

4. Gostaria de fazer estes votos extensivos a todos os jovens presentes, sobretudo aos que estão a completar o caminho de verificação vocacional em vista de ingressar no Seminário; a quantos seguem com interesse o itinerário vocacional da diocese de Roma oferecido a meninos, adolescentes e jovens. Penso, em particular, nos pequenos ministrantes e nos grupos juvenis das paróquias. Queridos meninos, o Senhor passa e chama (cf Mt 4,18-22), estai prontos para colaborar com Ele.

Recomendo-vos a Nossa Senhora da Confiança. E pedi ao dono da messe para que não faltem trabalhadores na sua messe (cf. Mt Mt 9,38).

Abençoo-vos a todos com grande afecto.






DIscursos João Paulo II 2005