Discursos João Paulo II 1978 - Sábado, 25 de Novembro de 1978

O homem é ser inteligente e livre, por natural destino ordenado a realizar as potencialidades da sua pessoa na sociedade. Expressões desta sua conatural socialidade são a sociedade natural, fundada sobre o matrimónio uno e indissolúvel, como é a família, e as livres formações intermédias; a comunidade política, de que o Estado nas suas várias articulações institucionais é a forma jurídica. Isto deve assegurar a todos os seus membros a possibilidade de um desenvolvimento pleno pessoal. E exige que àqueles que se encontram em condições de necessidade e de carência por doença, pobreza, diminuições de vário género — sejam oferecidos aqueles serviços e aqueles auxílios, que requerem essas situações especiais. Antes ainda de ser obrigação de justiça por parte do Estado, é obrigação de solidariedade por parte de cada cidadão.

Para o crente, em seguida, é exigência insuprimível da sua fé em Deus Pai, que chama todos os homens a constituir uma comunhão de irmãos em Cristo (Cf Mt 23,8-9); é alegre obediência ao mandamento bíblico: Deus mandavit illis inicuique de proximo suo — Deus impôs a cada um deveres para com o próximo (Cfr. Sir Si 17,12); é a realização plena do desejo de descobrir, de encontrar a Cristo no próximo que sofre: Sempre que fizestes estas coisas a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes (Cfr. Mt Mt 25,34-40).

Sobre tudo isto se funda o dever da assistência, mas também na sua insuprimível liberdade. O cidadão, sozinho ou associado, deve ser livre para oferecer serviços de assistência em conformidade com as próprias capacidades e a própria inspiração ideal.

Deve ser livre a Igreja, que — como já desde as suas primeiras origens, unindo ao mesmo tempo o "ágape com a ceia Eucarística — se manifestava toda unida no vínculo da caridade à volta de Cristo, assim também, em todos os tempos, se reconhece por este sinal da caridade, e, ao mesmo tempo que beneficia das iniciativas alheias, reivindica as obras de caridade como dever seu e direito inalienável" (Decre. Apostolicam Actuositatem, AA 8).

Estas liberdades não seriam respeitadas, nem na letra nem no espírito, se prevalecesse a tendência de atribuir ao Estado e às outras expressões territoriais do poder público uma função centralizadora e exclusivista de organização e de gestão directa dos serviços ou de rígidas fiscalizações, que viria a desnaturar a função legitima, que lhes é própria, de promoção, propulsão, integração e ainda — se necessário — de substituição da iniciativa das livres formações sociais segundo o princípio de subsidiaridade.

O Episcopado Italiano — como é sabido manifestou ainda recentemente as suas preocupações com o perigo real de que seja reduzida e cada vez mais limitada a livre acção das pessoas, dos corpos intermédios e até das associações civis e religiosas, em favor do poder público com o resultado de "desresponsabilizar e criar perigosos pressupostos duma colectividade que perde o homem, suprimindo os seus direitos fundamentais e as suas livres capacidades de expressão" (Comunicado da Conferencia Episcopal Italiana.Janeiro de 1975).

Como também o mesmo Episcopado Italiano expressou a preocupação de que obras beneméritas — que durante séculos, sob o impulso da caridade cristã. tomaram cuidado dos órfãos, cegos, surdos-mudos, anciãos e de todo o género de necessitados, graças à generosidade dos doadores e ao sacrifício pessoal, às vezes heróico, de Religiosas e Religiosos, obras essas que em virtude de disposições legislativas se tinham visto obrigadas a assumir contra vontade a figura jurídica de Instituições públicas de Assistência e Beneficência, com certa garantia, por outro lado, quanto aos seus fins institucionais — sejam suprimidas ou dalgum modo não garantidas suficiente e eficazmente.

O Papa não pode manter-se estranho a estas preocupações, que se referem à possibilidade mesma, para a Igreja, de cumprir a sua missão de caridade, e se referem ainda à liberdade dos católicos e ele todos os cidadãos, individual ou associativamente, de darem vida a obras conformes aos seus ideais, dentro do respeito das leis justas e em serviço do próximo necessitado.

Faço votos portanto por que o vosso Encontro tenha feliz resultado no estudo dum tema que diz respeito à natureza mesma da Igreja no seu empenho originário de doação aos outros; e ainda por que a vossa benemérita União continue a dar à sociedade italiana um contributo fecundo de ideias, de propostas, mas sobretudo um testemunho de inspiração e de vida cristã especialmente no campo profissional.

Com tais votos, da melhor das vontades e de todo o coração vos concedo a Bênção Apostólica, que desejo fazer chegar também a todos os juristas católicos e às pessoas que vos são queridas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À PEREGRINAÇÃO DE SEREGNO


Sábado, 25 de Novembro de 1978

: Filhos caríssimos de Seregno

Saúdo a todos com cordialidade especialmente calorosa, a começar pelo meu amadíssimo irmão Dom Bernardo Citterio, Bispo Auxiliar de Milão e anteriormente Prior da vossa Paróquia, Mons. Luigi Ganaini, Prior actual, as Autoridades locais e depois cada um de vós, não excluindo ninguém.

Alegro-me com a vossa presença e por ela vos agradeço. O vínculo que a vós me liga sobe ao já longínquo 1963, quando pela primeira vez me dirigi à vossa vila e celebrei a Santa Missa na vossa Colegiada. Foi esse o primeiro duma série de encontros pessoais ou epistolares, que vieram constelar estes quinze anos.

Tudo começou com o pedido que o Pároco de São Floriano, de Cracóvia, e depois eu mesmo fizemos ao então Arcebispo de Milão, Cardeal Giovanni Battista Montini, de recuperarmos para aquela igreja três novos sinos que tomassem o lugar dos precedentes perdidos durante a guerra. Fostes vós, os habitantes de Seregno, que, com a graça de Deus e a vossa concreta generosidade cristã, traduzistes em realidade esse desejo, manifestando também assim a vossa desinteressada comunhão eclesial. Agora os sinos que soam em Cracóvia na igreja de São Floriano. Padroeiro daquela amada Arquidiocese, cantam também a vossa solicitude fraterna e testemunham aquele vínculo de amor mútuo que deve sempre caracterizar a Igreja de Cristo.

Até agora havia no meu ânimo um sincero pesar: quando, em Agosto de 1973, fostes a Cracóvia em peregrinação, eu não pude receber-vos por estar ausente devido a obrigações pastorais. Sinto portanto grande prazer em remediar hoje aquele encontro falhado, acolhendo-vos aqui de todo o coração e com profunda benevolência. Desta vez porém vós, na minha humilde pessoa, não encontrais já o Bispo de Cracóvia mas o Bispo de Roma, que é por isso mesmo Sucessor de Pedro e, portanto, sinal de unidade da Igreja inteira fundada por Cristo. O que não diminui, antes aumenta, o reconhecimento que vos dedico.

A uma coisa quero exortar-vos: continuai, mesmo com outras iniciativas edificantes, no vosso empenho de comunhão com a grande Comunidade católica espalhada pelo mundo. Então, como já prometia Paulo aos Cristãos da Grécia que se interessavam, até materialmente, pelos de Jerusalém, Deus multiplicará a vossa semente e fará crescer os frutos da vossa justiça (2Co 9,10).

Objecto dos meus votos pela vossa Comunidade paroquial e por cada um de vós é exactamente isto: que ajudados pelo Senhor cresçais mais e mais na intensidade duma vida crista, que se funda numa fé sólida e floresce na beleza do amor; só assim nos tornamos luzes sobre o alqueire, testemunhas eficazes do Evangelho diante dos homens, para que, vendo eles as vossas boas obras. glorifiquem vosso Pai que está nos céus (Mt 5,16).

Com estes votos e com a promessa duma oração especial, concedo-vos de boa vontade, em penhor da duradoura e sempre fecunda protecção celeste, a mais abundante Bênção Apostólica, extensiva também às vossas Famílias e aos vossos comparoquianos que não puderam vir.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO «CERTAMEN VATICANUM»


Segunda-feira, 27 de Novembro de 1978



Venerável Irmão Nosso
e amados filhos

Saudamo-vos com prazer, a vós que vos aplicais a cultivar e fazer avançar a língua latina: nomeadamente o Venerável Irmão Nosso Cardeal Péricles Felici, que é conhecido como peritíssimo cultor de tal idioma, os directores e membros da Fundação "Latinitas", criada com acerto pelo Nosso Predecessor de boa memória, Paulo VI; desses ocupam-se alguns na Nossa Secretaria de Estado em redigir os documentos latinos; e encontram-se também aqui os vencedores do 21° Concurso Vaticano.

Este Concurso, instituído com a aprovação e auxílio de Pio XII, muito o louvamos, pois incita a mais perfeito conhecimento e uso da mesma língua.

Não há quem ignore que a época actual favorece menos os estudos do Latim, sendo os nossos contemporâneos mais inclinados para as ciências técnicas e maiores apreciadores das línguas modernas. Não queremos todavia apartar-nos dos autorizados documentos dos Nossos Predecessores, que insistiram repetidamente na importância do idioma latino mesmo na actualidade, especialmente para a Igreja. Na verdade, o Latim é língua universal, que ultrapassa os limites das nações e é usada com persistência pela Sé Apostólica nas cartas e outros documentos que se dirigem a toda a Família católica.

Deve também notar-se que as fontes das ciências eclesiásticas se encontram na maior parte redigidas no idioma latino. Que se há-de dizer das notabilíssimas obras dos Santos Padres e doutros escritores de grande nome, que usaram esta mesma língua? Não se deve considerar verdadeiro sábio quem não compreende a língua de tais escritos mas se tem de servir de traduções, se é que existem; e estas raras vezes apresentam o sentido pleno do texto primitivo. Por isso, o Concílio Vaticano II com razão recomendou aos seminaristas: "adquiram o conhecimento da língua latina, com que possam compreender e utilizar as fontes de numerosas ciências e os documentos da Igreja" (Decr. Optatam totius OT 13).

Nesta época em que estão decadentes, como é sabido, a cultura latina e os estudos humanísticos em muitas regiões, voltamo-nos em primeiro lugar para os jovens que é necessário recebam com entusiasmo e tornem rendosa esta espécie de património que é a língua latina, muito apreciado pela Igreja. Reconheçam que este pensamento de Cícero a eles se refere dalgum modo: "Não... é tão honroso saber latim, quanto é vergonhoso ignorá-lo" (Brutus, 37, 140).

A todos vós aqui presentes e aos que vos auxiliam exortamos Nós a continuardes o nobre trabalho empreendido e a erguerdes o facho da Latinidade, que é também, embora presentemente dentro de limites mais reduzidos que outrora, um certo vínculo entre os homens diversificados pelas línguas. Disto seja auspício a Bênção Apostólica que no Senhor concedemos a todos e cada um de vós.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE FIÉIS DA ÁUSTRIA


Segunda-feira, 27 de Novembro de 1978



Senhor Cardeal,
Senhoras e Senhores

Dou-vos cordiais boas-vindas ao Vaticano, na primeira visita ao novo Papa. Acedi com especial alegria ao vosso desejo deste encontro, pois um conhecimento pessoal e laços de amizade me unem desde há anos a Vossa Eminência e ao País que todos vós aqui representais. Estas relações humanas, naturais, tornaram-se agora mais estreitas e profundas com a minha eleição para a Sede de Pedro, Também vós, por vosso lado, sublinhais este laço espiritual não só com esta visita ao actual Sucessor de São Pedro, mas também por terdes participado ontem na Ordenação episcopal de Dom Donato Squicciarini, um dos meus íntimos colaboradores, que durante vários anos trabalhou na Nunciatura do vosso País.

Desejaria aproveitar esta oportunidade para exprimir a minha estima pelo vosso povo, pela sua cultura e por todos os valores que a Cristandade e a Igreja lhe deram. Por conseguinte, o nosso voto comum não pode deixar de ser por que a Igreja possa continuar a tomar parte na vida social no vosso País como o "fermento" do Evangelho, que dá à vida dos homens e das nações, às famílias e às relações sociais um sabor salutar. São estes os meus votos para a Igreja na Áustria, para o seu povo e para o seu Estado. Ainda recordo muito bem a participação amistosa do vosso Presidente, Dr. Kirchschläger, na Missa de início do novo pontificado.

Estes votos são especialmente para Vossa Eminência, Senhor Cardeal, como Arcebispo de Viena, e para todos os Vossos Irmãos no ministério episcopal, que trabalham na pátria. Mais uma vez desejaria exprimir aqui os meus agradecimentos por tudo o que Vossa Eminência fez antes e durante o Concilio, e que ainda está a ser feito no período pós-conciliar, a fim de manter relações entre diferentes Igrejas locais e entre cristãos em diferentes países. Também lhe agradeço de modo particular ter aceitado a direcção do Secretariado para os Não-Crentes, Organismo não isento de dificuldades, mas que ao mesmo tempo é indispensável para a vida da Igreja hodierna. Tenho a esperança de que poderemos obter uma grande ajuda na sua experiência e sabedoria neste campo. Teria muito mais a acrescentar se dissesse tudo o que me vai no coração. Embora me detenha aqui, podeis estar certos, Senhor Cardeal e estimados Senhores, que me é grato recordar nas orações o que vos diz respeito pessoalmente, e o que se refere à Igreja na Áustria e aos seus fiéis. De coração vos abençoo a todos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA


DO PONTIFÍCIO CONSELHO « COR UNUM »


Terça-feira, 28 de Novembro de 1978



Queridos Amigos de "Cor Unum"

Tenho muita satisfação em vos receber aqui, durante a vossa sétima Assembleia plenária. Muitos entre vós fazem parte de Conferências episcopais, das que estão em condições de oferecer uma ajuda material ou das que têm necessidades para dar a conhecer; a maior parte representam Organismos caritativos que provêm directamente destas Conferências ou foram constituídos para realizar a entreajuda e comparticipação, em espírito cristão e segundo um objectivo particular, no plano nacional ou internacional.

Dado que fostes chamados a trabalhar num Conselho "pontifício", compete-me manifestar-vos a viva gratidão da Santa Sé, tanto maior quanto sei que já estais sobrecarregados com as múltiplas tarefas das vossas instituições particulares, tarefas que não permitem muita demora de execução. Ainda assim, sentis a necessidade de vir assiduamente às Assembleias e reuniões deste Conselho. O Papa pessoalmente, a Santa Sé e a Igreja universal depõem muita confiança nestes encontros, à maior altura, de cristãos eminentemente comprometidos no serviço da promoção humana e da caridade, de homens e mulheres que podem fazê-los beneficiar do seu conhecimento e do seu zelo no plano pastoral, e também da sua competência de peritos nos aspectos técnicos da entreajuda sempre vista segundo a solicitude de caridade da Igreja. Sim, encorajo-vos vivamente a esta participação, activa e regular, nos trabalhos do Conselho pontifício.

Os relatórios sobre as actividades de Cor Unum mostram claramente como progride e amadurece o espírito de coordenação que levou à fundação desta instituição e permanece a sua razão de ser. Parece que este resultado foi largamente favorecido pelos grupos de trabalho que o Conselho organizou entre os diferentes membros, consultores e outros peritos, sobre temas ou objectivos precisos. Esta norma permite esperar resultados cada vez mais frutuosos. Certamente, as Igrejas locais são as primeiras a que diz respeito a fase da oferta ou do beneficio, da preparação ou da execução, e a sua participação é necessária. Mas parece não menos necessário que todos os agentes da comparticipação se harmonizem e se amparem mutuamente, para além de intercâmbios bilaterais, no contexto da Igreja universal, porque se trata de uma responsabilidade e de uma missão verdadeiramente universais da Igreja. E o Pontifício Conselho Cor Unum é precisamente o terreno normal e eficaz de encontro e coordenação para todos os esforços de assistência e de promoção na Igreja. O que mostra a confiança que os meus predecessores depuseram nesta obra, confiança que me apraz hoje renovar-vos.

Não me é possível, durante este breve encontro, abordar os numerosos aspectos que vós próprios examinastes e deveis ter a peito. Estamos absolutamente convencidos que é a caridade segundo Cristo que deve motivar as nossas acções de promoção humana: o evangelho lido este ano na festa de Cristo Rei continua a ser a carta dessa motivação. É-nos preciso vigiar igualmente para situar bem a promoção no contexto da evangelização, que é a plenitude da promoção humana, pois anuncia e oferece a salvação plena do homem.

Por outro lado, um aspecto, particular mas capital, da vossa acção consiste em manter o impulso de generosidade. Vós conheceis as situações de urgência que se apresentam, quer se trate de calamidades naturais ou de calamidades provocadas pelos homens, pelas suas violências ou pelos seus egoísmos obstinados. Situações como estas provocam não raro, graças a Deus, impulsos imediatos de generosidade na consciência dos homens movidos pela solidariedade, tanto mais que os órgãos de informação dão, nesses momentos, largo eco ao carácter sensacional dos factos. Mas se há catástrofes cujos efeitos podem ser eliminados mediante uma acção decisiva de breve duração, em geral não é assim: as necessidades persistem muitas vezes durante longos períodos. E uma das vossas tarefas é então manter desperta ou reanimar a generosidade e o cuidado de informar, enquanto durarem as necessidades dos nossos irmãos.

Oxalá o Espírito Santo vos ilumine e fortifique na obra magnífica que vos está confiada! Vós contribuís para dar o testemunho que melhor caracteriza os discípulos de Cristo: a caridade, a caridade universal, que não conhece fronteiras nem inimigos. De todo o coração vos abençoo, com todos os que colaboram convosco.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS JOVENS PRESENTES NA BASÍLICA VATICANA


Quarta-feira, 29 de Novembro de 1978



Queridos jovens, rapazes e meninas

Obrigado pelo entusiasmo que me reservastes, enquanto eu passava, nesta esplêndida Basílica Vaticana, por entre os vossos grupos exultantes de alegria juvenil e de sincera dedicação à pessoa do sucessor de Pedro sobre cujo túmulo nos reunimos para obtermos dele inspiração e alento.

Vós vindes das escolas, das paróquias, dos oratórios, dos institutos e das associações católicas, para manifestardes ao Papa os vossos ideais cristãos e a vossa boa vontade de vos preparardes com seriedade e com generoso empenho para o vosso futuro e para as vossas futuras responsabilidades de cristãos e de cidadãos. Também por isso, e sobretudo por isso, vos reitero o meu cordial obrigado, que desejo fazer extensivo aos vossos pais, aos vossos educadores, aos vossos professores e aos vosso párocos, que vos trouxeram a este encontro.

Antes de vos falar sobre o tema geral desta quarta-feira, centrado no Advento (no próximo domingo, como sabeis, inicia-se o tempo litúrgico do Advento), quero dirigir, com paterna benevolência, uma saudação especial a dois grupos de jovens: o dos doentinhos do "Centro Spastici Villa Margherita" de Montefiascone, dirigido pelos Religiosos da Congregação dos Filhos da Imaculada Conceição; e o dos surdos-mudos do Instituto Gualandi de Roma: sede bem-vindos, filhos caríssimos! A vossa presença e as vossas condições particulares merecem um lugar especial no coração do Papa que vos abraça com comovida predilecção. Oxalá que para vós seja motivo de conforto e de serenidade — em meio dos sofrimentos que entretecem a vida quotidiana — a amorosa solicitude dos que se dedicam a assistir-vos e a instruir-vos, e que hoje, com um gesto merecedor de menção à parte, aqui vos acompanharam, em espírito de operante solidariedade com os irmãos mais necessitados.

E agora, na antevéspera do Advento, como dizia, vamos interrogar-nos sobre o significado do Advento, pois estamos tão habituados a esta palavra que corremos o risco de já não sentirmos a necessidade de procurarmos penetrar melhor no seu profundo significado.

Advento quer dizer chegada, ou vinda. E isto sabei-lo também vós, os mais pequeninos, que me escutais e bem vos lembrais da vinda de Jesus na Noite de Natal, numa gruta que servia de estábulo. Mas vós, jovens maiores, que já fazeis estudos superiores, pondes-vos perguntas para aprofundardes ainda mais esta fascinante realidade do Cristianismo que é o Advento.

Resumindo em breves palavras o que mais extensamente vou dizer na segunda Audiência desta manhã: o Advento é a história das primeiras relações entre Deus e o homem. O cristão, logo que toma consciência da sua vocação sobrenatural dá abrigo ao mistério da vinda de Deus à própria alma, e com esta realidade lhe palpita e lateja constantemente o coração, sendo ela nada menos que a própria vida do Cristianismo.

Para melhor compreender o papel de Deus e do homem no mistério do Advento, devemos voltar à primeira página da Sagrada Escritura, quer dizer, ao Génesis, onde se lêem as palavras: "Beresit bara! "No princípio, Deus criou...". Ele, Deus, cria, isto é, "dá inicio" a tudo o que não é Deus, ao mundo visível e invisível (segundo o Génesis: o céu e a terra). Neste contexto, o verbo "criar" manifesta a plenitude do ser de Deus, plenitude que se revela como omnipotência que ao mesmo tempo é Sabedoria e Amor.

Mas a mesma página da Bíblia apresenta-nos ainda outro protagonista do Advento: o homem. Nela lemos que Deus o cria à Sua imagem e semelhança: Disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, à nossa semelhança (Gn 1,26). Sobre este segundo protagonista do Advento, o homem, falarei na próxima quarta-feira; mas dele já queria apontar-vos para esta relação particular que entretece a teologia do Advento, entre Deus e a imagem de Deus, que é o homem.

E, como primeiro compromisso da nova estação litúrgica que está para abrir-se, procurai dar, levados pelas breves considerações bíblicas que juntos acabamos de fazer, uma resposta vossa pessoal a duas interrogações implicitamente formuladas em quanto acabamos de dizer: primeira — que é que significa o Advento?; segunda — porque é que o Advento é parte essencial do Cristianismo?

Ao voltardes às vossas casas, às vossas escolas e às vossas associações, dizei a todos que o Papa conta muito com os jovens. Dizei que os jovens são o conforto e a força do Papa, e que o Papa deseja vê-los a todos para lhes fazer ouvir a sua voz a dar-lhes coragem em meio das dificuldades que consigo traz a inserção na sociedade. E dizei, ainda, que reflictam, quer individualmente quer durante os seus encontros, no significado do novo período litúrgico e nas incidências que ele deve ter no empenho quotidiano da necessária renovação espiritual

Na actuação dos vossos propósitos seja-vos de ajuda e estímulo a Bênção Apostólica que, neste momento, de coração vos dou, a vós e a todos os que vos são queridos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À CONGREGAÇÃO DE SÃO JOSÉ


(JOSEFINOS DE MURIALDO)


Sexta-feira, 1 de Dezembro de 1978

Caríssimos Filhos

Reunidos em Roma para o vosso anual Encontro Organizativo, que desta vez coincide com o 150º aniversário do nascimento do Fundador do vosso Instituto, São Leonardo Murialdo, exprimistes o desejo de vos encontrardes com o novo Papa para manifestar ao Vigário de Cristo a vossa fidelidade e receber d'Ele uma palavra.

Ao expressar-vos o meu reconhecimento por este gesto desvelado e gentil, começo por dirigir a cada um de vós a minha saudação mais cordial e uno-me com o maior prazer a esta vossa celebração, fazendo votos por que ela vos estimule a um renovado empenho na vossa vida espiritual e no vosso zelo apostólico.

Desejo, em seguida, aproveitar o encontro para vos exortar a manterdes-vos fiéis a três recomendações do vosso Fundador:

1. A busca da santidade.

"Fazei-vos santos e depressa" era a exortação constante de São Leonardo. Deve ser esta a primeira preocupação nossa e o nosso empenho fundamental.

A santidade consiste em primeiro lugar em viver convictamente a realidade do amor de Deus, apesar das dificuldades da história e da própria vida.

No "Testamento espiritual" escreveu Murialdo: "Desejaria que a Congregação de São José pensasse sobretudo em difundir à sua volta, e especialmente dentro de si, o conhecimento do amor infinito, actual e individual, que Deus tem para todas as almas, sobretudo dos fiéis, e em modo particular para os seus eleitos e preferidos — os sacerdotes e os religiosos — o amor pessoal que Ele tem por cada um. Lê-se nos livros de piedade, prega-se do púlpito que Deus amou muito os homens, mas não se reflecte que é agora — actualmente, nesta mesma hora — que Deus nos ama verdadeira e infinitamente...".

Isto quero também eu dizer a vós todos: nas vossas dificuldades quotidianas, nos momentos da prova e do desânimo, quando parece que todo o esforço está vazio de qualquer interesse e valor, recordai-vos que Deus conhece as nossas canseiras. Deus ama-vos um por um, está perto de vós e compreende-vos. Confiai n'Ele e encontrai nesta certeza a coragem e a alegria de cumprir com amor e prontidão o vosso dever.

A "santidade" consiste, além disso, na vida oculta e de humildade: em saber alguém mergulhar nos sofrimentos quotidianos dos homens, mas em silêncio, sem alardes de crónica e sem ecos mundanos. "Realizemos e calemos!": era o mote e programa do vosso Fundador. Realizar e calar! Como é actual ainda hoje este programa de vida e apostolado!

Aproveitai como tesouro, caríssimos Filhos, os ensinamentos do vosso Santo. Indicam o caminho seguro para o Advento do Reino de Deus.

2. Segunda característica de São Leonardo Murialdo foi o afã pedagógico. Era indubitavelmente um grande educador, como Don Bosco, e dedicou toda a vida à educação das crianças e dos jovens, convencido como estava do valor cio método preventivo e da orientação cristocêntrica.

Meditemos juntos naquilo que ele escreveu aos irmãos, recolhidos nos Exercícios Espirituais de 1898: "O amor de Deus produza o zelo pela salvação das crianças: 'ne perdantur' diz São João Crisóstomo (para que não se percam), não se condenem, e portanto... zelo autêntico de salvá-los, de instrui-los bem na religião, de lhes insinuar o amor de Deus, de Jesus Cristo, de Maria e o cuidado de se salvarem. Mas nada disto se obterá se não houver humildade de coração".

É exortação de que o Papa se quer tornar eco esta manhã. Seja esta a vossa preocupação: educar para salvar!

A "pedagogia da salvação eterna" produz logicamente a "pedagogia do amor". Dedicai totalmente a vossa vida a edificar, a formar as crianças e os jovens, comportando-vos de maneira que a vossa vida seja para eles exemplo incessante de virtude: é necessário fazerdes-vos pequeninos com os pequeninos e tudo a todos a fim de a todos ganhardes para Cristo. A bondade do coração, a afabilidade, a paciência, a boa educação e a hilaridade são elementos necessários para cativar, para formar, para levar a Cristo e para salvar; muitas vezes estas atitudes exigem esforço e sacrifício. Apesar das dificuldades, haveis de continuar na vossa fadiga com amor e dedicação, porque a obra do educador tem valor eterno.

3. Por fim, desejaria fazer notar urna última característica, que me parece importante para definir mais completamente a fisionomia de Murialdo; é a sua profunda fidelidade à Igreja e ao Papa. Viveu em época bastante difícil para a Igreja, especialmente na Itália, e, como homem inteligente e clarividente que era, compreendera perfeitamente que os tempos estavam mudando rapidamente e que era melhor para a Igreja não continuar a ter as preocupações do "poder temporal". Mostram-no as suas cartas, tão profundas e equilibradas. Confiava na Providência, seguindo o exemplo de São José, cujo nome tem a vossa Congregação.

Fazei também vós assim. Amai a Igreja. Sede dóceis aos seus ensinamentos e às suas directrizes, bem convencidos que o Senhor quer a unidade na verdade e na caridade, e que o Espírito Santo assiste o Vigário de Cristo na sua obra indispensável e salvífica. Rezai e fazei que rezem os vossos jovens e os vossos fiéis, pelo Papa e pela Igreja.

Só podemos concluir dirigindo-nos a Maria Santíssima, tão amada e venerada por Leonardo Murialdo, que a Ela recorria como à Medianeira Universal de todas as graças. Nas suas cartas voltava continuamente ao pensamento de Maria, nelas inculcava a reza do Terço, confiava a seus Filhos a difusão da devoção à Virgem Santíssima, e afirmava: "Se é que se quer fazer um pouco de bem aos jovens, é preciso infundir-lhes o amor a Maria". A obra benéfica, realizada pelo vosso Fundador, constitui disso a melhor confirmação. Segui-lhe, portanto, também nisto 0 exemplo.

Com estes votos — enquanto penso com admiração no grande trabalho por vós realizado em várias partes do mundo, especialmente em favor da juventude — imploro do Senhor a abundância das suas graças e dos seus favores sobre o vosso apostolado, e com especial benevolência concedo a vós, caríssimos filhos, e a todos os vossos jovens e às vossas paróquias, a propiciadora Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS JOVENS PRESENTES NA BASÍLICA VATICANA


Quarta-feira, 6 de Dezembro de 1978



Queridos meninos e meninas e queridos jovens

Encontro-vos numerosos, exuberantes como sempre. Estou satisfeito de poder encontrar-me hoje convosco, tanto para sentir a vossa calorosa comunhão com o Papa, que é Sucessor de Pedro, quanto para dizer-vos que vos dedico especial afecto, porque vejo em todos vós as prometedoras esperanças da Igreja e do mundo de amanhã. Recordai-vos sempre que só podereis construir alguma coisa de verdadeiramente grande e duradoiro se vos firmardes, como diz São Paulo, no único fundamento que é Jesus Cristo (1Co 3,11).

Preparai-vos para a vida com seriedade e empenho. Neste momento da juventude, tão importante para a plena maturação da vossa personalidade, sabei dar sempre o lugar justo ao elemento religioso na vossa formação, aquele que leva o homem à sua plena dignidade, que é a de ser filho de Deus.

Como bem sabeis, nestes dias os cristãos estão a viver o período litúrgico do Advento, que é a preparação imediata para o Natal. Já na quarta-feira passada falei a muitos outros jovens corno vós, explicando que Advento quer dizer "vinda", isto é vinda de Deus ao meio dos homens para tornar parte nos sofrimentos deles e promover a alegria na vida dos mesmos. Hoje desejaria dizer-vos em geral quem é o homem, que é chamado ao encontro e à amizade com o Senhor.

As primeiras páginas da Bíblia, que penso já lestes, dizem-nos que Deus criou o homem à sua imagem (Gn 1,27). Quer isto dizer que o homem, todo o ser humano, e portanto também cada um de vós, tem parentesco especial com Deus. Embora pertencendo à criação visível, à natureza e ao mundo animal, cada um de nós diferencia-se dalgum modo de todas as outras criaturas. Sabeis que alguns cientistas afirmam que o homem depende da evolução da natureza e inserem-no na transformação mutável das várias espécies. Estas afirmações, na medida em que estejam verdadeiramente provadas, são muito importantes, porque nos dizem que devemos respeitar o mundo natural de que fazemos parte. Mas, se descemos ao íntimo do homem, vemos que ele se distingue da natureza mais do que a ela se assemelha. O homem possui o espírito, a inteligência, a liberdade e a consciência; por isso mais se parece com Deus do que com o mundo criado. ainda o primeiro livro da Bíblia, o Génesis, que nos diz que Adão impôs nome a todos os animais do céu e da terra, demonstrando assim a própria superioridade em relação com eles; mas em todos estes seres o homem não encontrou para si uma auxiliar adequada (Gn 2,20). Nota que é diverso de todas as criaturas vivas, embora dotadas como ele de vida vegetativa e sensitiva. Poder-se-ia dizer que este primeiro homem faz o que normalmente realiza todo o homem de qualquer época, isto é, reflecte sobre a própria identidade e pergunta-se quem é ele próprio. O resultado de tal atitude é a verificação duma diferença fundamental: eu sou diverso de todo o resto, sou mais diverso do que parecido.

Tudo isto nos ajuda a compreender melhor o mistério do Advento que estamos a viver. Se Deus, conforme dissemos, "vem" ao homem, fá-lo porque no ser humano há uma capacidade de expectativa e uma capacidade de acolhimento, como não existem em nenhuma outra criatura. Deus vem para o homem, melhor vem ao homem, e estabelece com ele uma comunhão particularíssima.

Por isso convido-vos também, queridos jovens, enquanto esperais o Santo Natal, a reservar-Lhe lugar, a preparar-vos para o encontro com Ele, a fim de Ele encontrar em cada um de vós a sua imagem verdadeira. clara e fiel.

Com estes votos, abençoo-vos de coração, e convosco abençoo os vossos pais, os vossos mestres e todos os que vos acompanharam.




Discursos João Paulo II 1978 - Sábado, 25 de Novembro de 1978