Jó (CNB) 15

15 1 Então Elifaz de Temã tomou a palavra:
2
Acaso responderá o sábio com uma sabedoria de vento
e encherá o estômago com o vento quente,
3
argüindo com palavras que de nada servem
e com razões que de nada aproveitam?
4
Tu, porém, destróis a religião
e deturpas a devoção diante de Deus!
5
É a tua iniqüidade que guia a tua boca
e assumes a língua dos astutos.
6
Tua própria boca, não eu, te condenará
e teus lábios testemunharão contra ti.
7
Acaso és tu o primeiro que nasceu,
e foste formado antes das colinas?
8
Acaso ouviste o conselho secreto de Deus
e adquiriste a exclusividade da Sabedoria?
9
Que sabes, que nós não saibamos?
que entendes, que nós ignoremos?
10
Também entre nós há anciãos e velhos,
muito mais idosos que teu pai.
11
Acaso são pouco para ti as consolações de Deus,
e as palavras moderadas a ti dirigidas?
12
Por que te exalta o teu coração
e manténs escancarados os teus olhos?
13
Por que voltas contra Deus o teu ímpeto
e deixas sair tais palavras de tua boca?
14
Que é o ser humano, para bancar o imaculado?
e o que nasce de mulher, para que apareça como justo?
15
Mesmo em seus anjos Deus não confia,
nem os céus são puros a seus olhos;
16
quanto mais abominável e corrupto é o ser humano,
que bebe a iniqüidade como água?

 Destino do ímpio

17 Eu te mostrarei, escuta-me; o que vi, te contarei,
18
aquilo que os sábios testemunham,
o que seus antepassados não ocultaram.
19
De fato, só a eles foi dada a terra,
e nenhum estrangeiro infiltrou-se entre eles.
20
Em todos os dias de sua vida o ímpio é atormentado,
e o número dos anos é incerto para o opressor.
21
O som do medo está sempre em seus ouvidos,
como se, mesmo na paz, o devastador irrompesse contra ele.
22
Não crê que se possa voltar das trevas,
uma vez que está destinado à espada.
23
Quando sai perguntando onde está o alimento,
sabe que está preparado, para ele, o dia das trevas.
24
A tribulação e a angústia lhe causarão terror,
e o cercarão como a um rei que se prepara para a batalha.
25
Ele estendeu contra Deus a sua mão,
ousou desafiar o Poderoso:
26
correu contra ele com o pescoço erguido,
empunhando o escudo reforçado;
27
a gordura cobriu o seu rosto,
e de seus quadris pende a obesidade.
28
Em cidades devastadas habitou,
em casas desertas, transformadas em ruínas.
29
Mas não se enriquecerá, e sua fortuna não vai durar,
pois não aprofundará na terra a sua raiz.
30
Ele não escapará das trevas;
a chama queimará seus ramos e o vento arrancará sua flor.
31
E não confie na enganação, iludido pelo erro,
pois a enganação vai ser a sua recompensa.
32
Antes de se completarem, seus dias serão cortados,
e seu ramo não tornará a ficar verde.
33
Seu cacho se estragará, como o da videira em sua primeira floração
e como a oliveira, que deixa cair sua flor.
34
Pois a corja dos ímpios é estéril,
e o fogo devorará as tendas dos corruptos.
35
Quem concebe o sofrimento dá à luz a iniqüidade
e seu ventre só prepara enganos.


RESPOSTA DE JÓ

 Consolações inúteis

16 1 Jó, porém, retrucou:
2
“Já ouvi muitas vezes tais coisas,
consoladores importunos que sois, todos vós!
3
Pois me dizeis: ‘Não terão fim essas palavras de vento?’
ou: ‘O que te move a retrucar assim?’
4
Poderia, também eu, falar coisas semelhantes,
se estivésseis vós no meu lugar.
Comporia discursos a vosso respeito e balançaria minha cabeça contra vós.
5
Eu vos reconfortaria com a minha boca
e não impediria o movimento de meus lábios.

 Jó, alvo de inimizade

6 Se eu falar, minha dor não cessa;
e, se calar, ela não se aparta de mim.
7
Agora, porém, minha dor me esgota, ó Deus,
pois acabaste com toda a minha família.
8
Minhas rugas testemunham contra mim,
e um mentiroso aparece à minha frente, contradizendo-me.
9
A sua ira me dilacerou, posicionou-se contra mim,
e me atacou, rangendo os dentes.
Meu inimigo aguça os olhos em minha direção.
10
Abriram a boca contra mim
e, com suas afrontas, me esbofetearam, caindo em bloco por cima de mim.
11
Deus me encurralou junto do iníquo
e me entregou às mãos dos ímpios.
12
E eu, outrora tranqüilo, de repente fui esmagado;
ele segurou-me pelo pescoço, esganou-me,
E transformou-me em seu alvo.
13
Ele cercou-me com seus lanceiros
e atravessou-me os rins, sem compaixão,
derramando por terra o meu fígado.
14
Arrebentou-me, quebrando e demolindo,
arremeteu contra mim como um gigante.
15
E eu, sobre a minha pele costurei o cilício
e deixei cair até o chão a minha fronte.
16
Meu rosto está vermelho de tanto chorar
e minhas pálpebras se escureceram,
17
apesar de minhas mãos não terem praticado a maldade
e de ser pura a minha oração.

 A misteriosa testemunha

18 Ó terra, não encubras o meu sangue
e não se esconda em ti o meu clamor!
19
Pois vede: no céu está a minha testemunha,
o meu fiador, nas alturas.
20
Meus pensamentos são meus intérpretes:
é para Deus que correm minhas lágrimas.
21
Quem dera se julgasse entre o homem e Deus,
como se julga entre o ser humano e seu semelhante.
22
Pois os anos, tão breves, estão passando
e eu sigo por um caminho sem volta.

17 1 Meu espírito está extenuado;
meus dias, apagados;
só me resta o sepulcro.
2
Acaso não me rodeiam as zombarias
e meus olhos não vêem só amargura?
3
Dá-me uma garantia, a meu favor, junto a ti;
pois quem jamais me estenderia a mão como fiador?
4
Afastaste seus corações da retidão:
por isso, não serão exaltados.
5
São como alguém que promete a presa aos companheiros,
enquanto os olhos dos próprios filhos desfalecem.
6
Ele me transformou em zombaria do povo,
em alvo de escarros no rosto.
7
Meus olhos se escureceram de mágoa
e meus membros se reduziram a sombras.
8
Os justos se espantarão disso
e o inocente se levantará contra o ímpio.
9
Sim, o justo persevere no seu caminho,
e aquele que tem as mãos puras redobre a coragem.
10
Por isso, todos vós, voltai e vinde:
nenhum sábio encontrarei entre vós.
11
Meus dias passaram, desvaneceram-se meus projetos
e os desejos do meu coração.
12
Eles me apresentam a noite como dia;
pois dizem, depois das trevas vem logo a luz.
13
Ainda que tarde, a morada dos mortos é a minha casa,
e nas trevas preparo minha cama.
14
Digo ao esterco: ‘Tu és meu pai’,
e aos vermes: ‘Minha mãe e minha irmã!’
15
Onde está agora minha esperança?
e a minha constância, quem a considera?
16
Tudo o que é meu descerá ao mais profundo abismo;
mas então, no pó, haverá descanso para mim?”


SEGUNDO DISCURSO DE BALDAD

 Quem são castigados são os maus

18 1 Nesse momento falou Baldad de Suás:
2
“Até quando lançarás palavras a esmo?
Procura entender, e depois falaremos.
3
Por que motivo somos equiparados a jumentos
e nos tornamos imundos diante de ti?
4
Mas tu, que em teu furor perdes o controle,
porventura ficará deserta a terra por tua causa
e se removerão do seu lugar os rochedos?
5
Pois a luz do ímpio se apagará
e a chama do seu fogo não brilhará.
6
A luz se escurecerá na sua tenda
e a lâmpada acima dele se apagará.
7
Seus passos vigorosos ficarão curtos,
e sua própria prudência o derrubará.
8
Seus pés estão enleados numa rede
e é sobre malhas que ele anda.
9
A armadilha prende seu calcanhar
e o alçapão se fecha em cima dele.
10
Escondida no chão está a cilada,
e a arapuca, em seu caminho.
11
De toda parte os terrores o amedrontam
e lhe imobilizam os pés.
12
Sua robustez é enfraquecida pela fome
e a desgraça está alerta ao seu lado.
13
Ela devora nacos de sua pele,
e o primogênito da morte lhe consome os membros.
14
De sua tenda é arrancada a confiança
e tu o arrastarás ao rei dos terrores.
15
Tomarás lugar na tenda que já não é dele;
na sua morada se espalha o enxofre.
16
Em baixo, secam as suas raízes;
em cima, são cortados os seus ramos.
17
Sua lembrança desapareceu da terra
e seu nome não será celebrado nas praças.
18
Da luz o lançarão nas trevas
e o desterrarão do mundo.
19
Ele não terá descendência nem
posteridade no seu povo,
nem resto algum deixará na sua morada.
20
No seu dia ficarão espantados os do Ocidente,
e aos do Oriente assaltará o horror.
21
Tais são as tendas do iníquo:
este é o lugar de quem não conhece a Deus”.


RESPOSTA DE JÓ

 Desgraça: “A mão do Senhor me feriu”

19 1 A essas palavras, Jó respondeu:
2
“Até quando afligireis minha alma
e me magoareis com vossos discursos?
3
Já por dez vezes me censurastes
e não vos envergonhais de me oprimir.
4
Na verdade, mesmo que eu tivesse errado,
meu erro importaria somente a mim.
5
Se vos exaltais à minha custa,
lançando-me em rosto o que me envergonha,
6
ao menos agora compreendei:
Não foi com justiça que Deus me afligiu e me apanhou na sua rede.
7
Embora eu clame: ‘Sofro violência!’, não sou ouvido;
levanto a voz, e não há quem me defenda.
8
Ele fechou o meu caminho, não posso passar;
com trevas escureceu a minha trilha.
9
Despojou-me da minha glória
e tirou-me a coroa da cabeça.
10
Demoliu tudo ao meu redor e estou morrendo,
e arrancou, como a uma árvore, minha esperança.
11
Acendeu sua ira contra mim,
tratando-me como seu inimigo.
12
Chegam em tropel seus esquadrões,
em minha direção abrem caminho
e acampam em volta da minha tenda.
13
Afastou de mim os meus irmãos,
e meus parentes, como estranhos, me evitam.
14
Abandonaram-me meus vizinhos
e os que me conheciam esqueceram-se de mim.
15
Os que moravam em minha casa, e até minhas servas,
consideraram-me um estranho:
aos seus olhos tornei-me um forasteiro.
16
Chamei meu servo e não me respondeu,
apesar de suplicá-lo com minha própria boca.
17
Minha mulher enojou-se do meu hálito
e tornei-me asqueroso aos filhos de minha mãe.
18
Até as crianças me desprezavam,
insultando-me, quando procurava levantar-me.
19
Abominam-me os que outrora foram meus conselheiros,
aquele a quem eu mais amava desviou-se de mim.
20
À minha pele, consumidas as carnes, pegaram-se os ossos,
desapareceu a gengiva ao redor dos meus dentes.
21
Piedade, piedade de mim, ao menos vós, meus amigos,
pois a mão de Deus me feriu!
22
Por que me perseguis, como me persegue o próprio Deus,
por que não vos fartais de minha carne?
23
Quem dera se escrevessem minhas palavras!
Quem dera fossem elas gravadas num livro
24
e, com estilete de ferro e com chumbo,
fossem esculpidas em granito para sempre!

 Esperança: “Meu redentor está vivo”

25 Pois eu sei que meu redentor está vivo
e que, no fim, se levantará sobre o pó;
26
e, depois que tiverem arrancado esta minha pele,
sem minha carne, verei a Deus.
27
Eu mesmo o verei,
meus olhos o contemplarão, e não a um estranho.
No meu íntimo abrasam-se os meus rins.
28
E se disserdes agora: ‘Como vamos persegui-lo,
que pretexto encontraremos contra ele?’
29
temei o fio da espada,
pois a espada vingará os crimes e sabereis que há um julgamento”.


SEGUNDO DISCURSO DE SOFAR

 O malvado perecerá

20 1 Então respondeu Sofar, de Naamat:
2
“É por isso que minhas reflexões me trazem de volta,
e o entendimento rebrilhou em mim.
3
Ouvirei a tese com a qual me acusas,
mas o espírito da minha inteligência responderá por mim.
4
Acaso não sabes isto desde o começo,
desde quando foi posto o ser humano sobre a terra:
5
que a alegria dos iníquos é breve
e que o gozo dos ímpios dura um momento?
6
Ainda que tenha subido até o céu a sua soberba
e sua cabeça tenha tocado as nuvens,
7
no fim ele perecerá como o esterco
e os que o tinham visto dirão: ‘Onde está?’
8
Como um sonho que voa, não será achado,
e passará como visão noturna.
9
O olho que o tinha visto não o verá mais,
e o lugar em que estava não mais o contemplará.
10
Seus filhos se esforçarão por indenizar os pobres
e suas mãos devolverão os seus bens.
11
Seus ossos, que se enchiam de vigor juvenil,
com ele dormirão no pó.
12
Como o mal é doce na sua boca, ele o esconde sob a língua;
13
ele o guarda e não o abandona,
mas o oculta na garganta.
14
O seu pão, nas suas entranhas,
se transforma interiormente em fel de víboras.
15
Ele vomitará as riquezas que devorou,
pois do seu ventre Deus as extrairá.
16
Veneno de serpentes ele sorvia,
a língua da víbora o matará.
17
Que ele não veja os rios de óleo,
nem as torrentes de mel e de manteiga.
18
Devolverá os seus lucros sem os engolir,
e não se alegrará com as riquezas de seus negócios.
19
Porque, explorando, despojou os pobres,
e saqueou a casa que não tinha edificado.
20
Assim mesmo, não se fartou o seu ventre,
e não pôde escapar com seus tesouros.
21
Não sobraram restos da sua comida,
e por isso nada permanecerá dos seus bens.
22
Quando estiver farto, ver-se-á angustiado;
toda sorte de dores virá sobre ele.
23
Embora encha seu ventre,
Deus mandará sobre ele a ira do seu furor,
e sobre ele fará chover seu arsenal.
24
Ele escapará das armas de ferro,
mas cairá sob o arco de bronze.
25
A flecha traspassará seu corpo e o relâmpago, seu fígado;
vão e vêm sobre ele coisas horríveis.
26
Todas as trevas estão escondidas onde ele se esconde;
vai devorá-lo um fogo que ninguém acendeu;
será afligido quem restar na sua tenda.
27
Os céus revelarão a sua iniqüidade
e a terra se levantará contra ele.
28
As riquezas da sua casa serão tiradas,
arrancadas, no dia do furor de Deus.
29
Esta é, da parte de Deus, a sorte do ímpio,
a herança dos seus atos, da parte do Senhor”.


RESPOSTA DE JÓ

 Coragem da veracidade

21 1 Jó, então, respondeu:
2
“Ouvi, por favor, minhas palavras,
e seja esse o consolo que me dais.
3
Tolerai-me, e falarei;
depois de minhas palavras, podereis rir.
4
Acaso é contra um ser humano a minha disputa,
Não terei por acaso razão de ficar impaciente?
5
Atentai para mim e admirai-vos,
ponde o dedo sobre vossa boca.
6
Também eu, quando me recordo, fico amedrontado
e um calafrio agita meu corpo.

 Enigma do bem-estar dos ímpios

7 Por que, então, os ímpios continuam a viver,
envelhecem e têm o conforto das riquezas?
8
Sua descendência permanece diante deles;
sua posteridade, frente a seus olhos.
9
Suas casas estão seguras e em paz,
e a vara de Deus não está sobre eles.
10
Seus touros geram e não falham em fecundar,
suas vacas procriam e não perdem seus bezerros.
11
Como um rebanho, seus filhos saem de casa,
suas crianças saltam em folguedos.
12
Tocam o pandeiro e a cítara
e alegram-se ao som da flauta.
13
Passam na prosperidade os seus dias
e, tranqüilos, descem ao mundo dos mortos.
14
São estes os que disseram a Deus:
‘Afasta-te de nós!
Não queremos o conhecimento dos teus caminhos!
15
Quem é o Poderoso para que o sirvamos,
e que nos adiantaria fazer-lhe orações?’
16
Embora estejam com os bens deles em mãos,
o projeto dos ímpios fique longe de mim.
17
Entretanto, quantas vezes se apaga a lâmpada dos ímpios
e a desgraça irrompe sobre eles
e Deus, na sua ira, lhes reparte dores?
18
Diz-se: ‘Eles serão como palha ao vento
e como cisco, que o redemoinho espalha.’
19
Reservará Deus para os filhos a iniqüidade do ímpio?
Que a retribua ao próprio ímpio, para que aprenda!
20
Então seus olhos veriam sua própria morte
e do furor do Poderoso ele beberia.
21
Pois que lhe importa a sua casa depois dele,
depois que tiver sido cortado o número de seus meses?
22
Acaso ensinará alguém a Deus o conhecimento,
a ele, que julga os que estão nas alturas?
23
Este morre com saúde e robusto,
rico e feliz;
24
   suas entranhas estão cobertas de gordura,
e seus ossos estão cheios de tutano.
25
Aquele, ao contrário, morre na amargura de sua alma,
sem quaisquer recursos.
26
Contudo, ambos dormirão juntos no pó
e os vermes os cobrirão.
27
Por certo conheço vossos pensamentos,
e vossas sentenças iníquas contra mim.
28
Pois dizeis: ‘Onde está a casa do príncipe
e onde, as tendas dos ímpios?’
29
Acaso não interrogastes a qualquer
dos viajantes
e não acreditastes no que dizem?
30
Que, no dia do desastre, o mau é preservado,
e no dia do furor ele escapa?
31
Quem lhe reprovará frente à frente o seu proceder,
e quem lhe dará a paga pelo que fez?
32
De fato, ele será transportado aos sepulcros,
e sobre seu túmulo montarão guardas.
33
Leve será para ele a terra da sepultura,
e atrairá depois toda a população,
como à sua frente foram atraídos inúmeros.
34
Como, pois, quereis consolar-me em vão,
se da vossa resposta só resta a falsidade?”


TERCEIRO DISCURSO DE ELIFAZ

 Impassibilidade de Deus e crimes de Jó

22 1 Então, Elifaz de Temã tomou a palavra:
2
“Acaso pode o homem ser útil a Deus,
quando mal e mal o inteligente é útil a si mesmo?
3
Que adianta ao Poderoso se fores justo,
ou que proveito lhe trazes em guardar íntegro o teu caminho?
4
Acaso te repreenderá pela tua piedade
ou entrará contigo em juízo?
5
Não antes, por causa da tua múltipla maldade
e das tuas infinitas iniqüidades?
6
De fato, penhoraste os teus irmãos sem motivo
e aos seminus despojaste de suas vestes.
7
Não deste água ao cansado
e ao faminto negaste o pão.
8
Acaso é só ao forte que pertence a terra
e só o favorecido habitará nela?
9
As viúvas despediste de mãos vazias
e violaste o direito dos órfãos.
10
Por isso estás cercado de laços
e repentino terror te perturba.
11
As próprias trevas tu não vês
e o ímpeto das águas te oprime.
12
‘Acaso Deus não é mais exaltado que o céu?
Considera o vértice das estrelas: como é alto!’
13
Mesmo assim dizes: ‘Que é que Deus sabe?
Acaso ele julga através da escuridão?
14
As nuvens são o seu esconderijo,
e ele não considera as nossas coisas;
pelo alto do céu ele passeia.
15
   Acaso desejas trilhar o caminho de sempre,
que homens iníquos pisaram?
16
Arrebatados antes do seu tempo,
uma torrente subverteu seus fundamentos.
17
Pois diziam a Deus: ‘Afasta-te de nós!’
e: ‘Que poderia fazer-nos o Poderoso?’
18
Contudo, ele é quem tinha enchido
de bens as suas casas,
apesar do pensamento dos malvados
estar longe dele.
19
Os justos verão e se alegrarão
e o inocente zombará deles:
20
‘Na verdade, foi destruída a sua estabilidade,
e o fogo devorou os seus restos’.
21
Reconcilia-te, pois, com ele e terás paz;
por estes meios conseguirás os
melhores frutos.
22
Recebe de sua boca a Lei
e guarda as suas palavras no teu coração.
23
Se te converteres ao Poderoso progredirás,
se removeres a iniqüidade para longe
de tua tenda.
24
E adquirirás ouro como terra
e como a areia da torrente de Ofir.
25
E o Poderoso será o teu ouro,
e a prata se amontoará para ti.
26
Então, nadarás em delícias no Poderoso
e elevarás a Deus o teu rosto.
27
Suplicante o rogarás e ele te ouvirá,
e pagarás as tuas promessas.
28
Farás um projeto, e se realizará,
e nos teus caminhos brilhará a luz.
29
Pois ele humilha quem fala coisas soberbas,
mas quem for humilde será salvo.
30
Ele liberta o inocente,
que será salvo pela pureza de suas mãos”.


RESPOSTA DE JÓ

 O ser humano percebe Deus como ausente…

23 1 Replicando, porém, Jó falou:
2
“Agora, também minha queixa
torna-se amarga,
pois a mão de Deus torna ainda mais
pesados meus gemidos.
3
Quem me dera eu soubesse onde
encontrá-lo
e pudesse aproximar-me do seu trono!
4
Exporia ante ele a minha causa
e encheria minha boca de acusações,
5
para saber com que palavras me
responderia,
e entender o que ele teria a me dizer.
6
Acaso discutiria comigo com prepotência?
Não! Ele só teria de me escutar.
7
Então, um justo debateria com ele
e eu escaparia, uma vez por todas,
do meu Juiz.
8
Se eu for para o Oriente, ele não aparece;
se para o Ocidente, não O percebo.
9
Se continuo para a esquerda, não
O alcanço;
se me volto à direita, não O vejo.

 …mas ele está presente

10 Ele, porém, conhece o meu caminho
e, se me puser à prova, sairei como o ouro.
11
Meus pés seguiram suas pegadas:
guardei o seu caminho, e dele não me desviei.
12
Dos mandamentos de Seus lábios nunca me afastei
e no meu íntimo guardei as palavras da Sua boca.
13
Pois ele é único: quem poderá repeli-lo?
E sua vontade, o que decidir, isto o fará.
14
Quando tiver cumprido em mim sua decisão,
muitas outras coisas semelhantes estarão a seu dispor.
15
Por isso me perturbo por comparecer
perante sua face
e, olhando para ele, sou agitado pelo temor.
16
O próprio Deus enfraqueceu meu coração,
o Poderoso me aterrorizou.
17
Pois não desfaleci por causa das trevas que se aproximam,
nem porque a escuridão tenha encoberto meu rosto.

 Deus admite a injustiça?

24 1 Uma vez que os tempos não estão escondidos ao Poderoso,
por que seus íntimos não conhecem seus dias?
2
Alguns deslocam os marcos dos limites,
roubam os rebanhos e os levam a pastar.
3
Apropriam-se do jumento dos órfãos
e penhoram o boi que pertence à viúva.
4
Dificultam a vida dos pobres,
enquanto os humildes do país são
obrigados a se esconder.
5
Outros, como asnos selvagens no deserto,
saem para o seu trabalho:
madrugam em busca da presa,
na terra árida, à cata do pão para os filhos.
6
Ceifam o campo, mas não para si,
e vindimam a vinha do pecador.
7
Passam a noite nus, sem terem o que vestir,
e não dispõem de coberta para o frio.
8
Ensopados com a chuva das montanhas
e sem abrigo, penetram nas fendas dos
rochedos.
9
 \Aqueles arrancam o órfão do peito materno
e penhoram as coisas do pobre;
10
e estes passam a andar nus, sem roupa,
enquanto, famintos, carregam as espigas.
11
No recinto \dos donos espremem o azeite
mas, depois de calcar os lagares, eles
mesmos passam sede.

 Oração inútil dos ímpios

12 Desde as cidades, os moribundos gemem,
a alma dos feridos clama,
mas Deus não presta ouvidos à sua oração.
13
Eles foram rebeldes à luz,
ignoraram os seus caminhos
e não permaneceram nas suas veredas.
14
De madrugada levanta-se o assassino,
mata o indigente e pobre,
e à noite atua como ladrão.
15
O olho do adúltero observa a escuridão
e diz: ‘Ninguém vê!’, e cobre o rosto.
16
Invade nas trevas as casas, pois de dia se escondem
e não conhecem a luz.
17
Se de repente aparecer a aurora, pensam
que é a sombra da morte,
pois estão habituados aos seus terrores.
18
Vós dizeis: ‘Ele flutua na superfície
das águas;
é maldita a sua sorte na terra
e não há quem se dirija às suas vinhas.
19
Como a seca e o calor desfazem as
águas da neve,
assim o mundo dos mortos engole
os que pecaram.
20
Que o seio de sua mãe se esqueça dele
e os vermes se tornem a sua doçura;
não esteja mais na memória,
mas se quebre o injusto como o galho seco.
21 Ele procedeu mal para com a estéril,
que não deu à luz,
e deixou de fazer o bem à viúva.
22
Com a sua força destroçou os valentes
mas, embora estando em pé, ele mesmo
não confia na sua vida.
23
Deus lhe deu um lugar aparentemente
seguro, no qual se apoia;
mas os olhos divinos observam como se porta.
24
Foram exaltados um pouco, mas não agüentarão;
serão humilhados como todos os outros e arrebatados,
triturados como as pontas das espigas’.
25
Se não é assim, quem poderá acusar-me de ter mentido,
e reduzirá a nada as minhas palavras?”


TERCEIRO DISCURSO DE BALDAD

 A soberania de Deus

25 1 Baldad de Suás, por sua vez, falou:
2
“Poder e terror estão junto dele,
daquele que faz reinar a paz nas suas alturas.
3
  Acaso têm número os seus soldados?
Sobre quem não se levanta a sua luz?
4
  Acaso pode o homem pretender ser
justo, comparado a Deus,
ou aparecer puro, aquele que nasceu de mulher?
5
  Eis que a própria lua não tem brilho,
e as estrelas não são puras a seus olhos.
6
  Quanto mais o ser humano, uma larva,
e o filho de Adão, um verme?”


RESPOSTA DE JÓ

 Futilidade de Baldad e sabedoria de Deus

26 1 Jó, porém, replicou:
2
“Como tu ajudas ao fraco!
Como sustentas o braço de quem não
tem força!
3  Então deste conselho ao que não tem sabedoria,
e a tua prudência imensa demonstraste!
4
A quem quiseste ensinar?
e de quem é a inspiração que sai de tua boca?
5
Eis que gemem sob as águas,
as sombras \dos mortos e os que com elas moram.
6
  O mundo dos mortos está descoberto diante dele,
véu algum esconde a ele o Abismo.
7
  É ele que estende o firmamento sobre o vazio
e suspende a terra sobre o nada.
8
  É ele que condensa as águas nas nuvens,
para que não desabem de uma vez sobre a terra.
9
  É ele que encobre a face do seu trono,
sobre o qual estende a sua névoa.
10
Traçou um limite ao redor das águas,
até onde a luz confina com as trevas.
11
As colunas do céu estremecem
e se aterrorizam com a sua reprimenda.
12
Com a sua força ele apavorou o mar
e com a sua perspicácia abateu o
monstro marinho.
13
Seu Espírito serenou os céus
e sua mão traspassou a serpente fugidia.
14
Estas coisas são apenas os inícios de seus caminhos:
Se apenas ouvimos pequeno eco de sua palavra,
quem poderia intuir o trovão da sua grandeza?”


RESPOSTA GERAL DE JÓ

 Inocência de Jó e castigo do malvado

27 1 E Jó acrescentou, ao retomar seu discurso:
2
  “Pelo Deus vivo que rejeitou o meu direito,
pelo Poderoso, que mergulhou minha alma na amargura,
3
\juro: enquanto em mim restar alento
e o sopro de Deus estiver em minhas narinas,
4
  meus lábios não falarão iniqüidade
nem minha língua pronunciará mentiras.
5
Longe de mim, porém, dar-vos razão:
enquanto eu respirar, não me apartarei
da minha inocência.
6
  Não largarei a minha defesa, que
comecei a fazer,
pois meu coração nada me reprova em
toda a minha vida.
7
   Seja considerado como ímpio o meu inimigo
e como iníquo, o meu adversário.
8
  Vós dizeis: ‘Qual é a esperança do ímpio,
quando secar,
quando Deus arrebatar-lhe a vida?
9
  Acaso Deus ouvirá o seu clamor,
quando vier sobre ele a angústia?
10
E ele mesmo, encontrará alegria
no Poderoso
e invocará a Deus em todo o tempo?’
11
Ensinar-vos-ei o que é a mão de Deus,
e não esconderei o que tem o Poderoso.
12
Aliás, vós todos já o constatastes:
por que, então, ventilais coisas vãs
sem motivo?
13
Vós dizeis: ‘Esta é a parte do ímpio
junto a Deus,
a herança dos violentos, que eles
receberão do Poderoso:
14
Caso seus filhos se multipliquem, será
para a espada,
e seus netos não se fartarão de pão.
15
Os que dele restarem serão sepultados
na ruína
e as suas viúvas não chorarão.
16
Mesmo que acumulasse prata como terra,
e como barro amontoasse as vestes,
17
amontoará, sim, mas o justo se vestirá
com elas
e o inocente herdará a prata.
18
Ele construiu sua casa como a aranha
ou como o abrigo do vigia.
19
O rico, ao deitar-se, nada leva consigo;
abre os olhos e nada encontra.
20
A miséria o surpreenderá como a inundação;
numa noite a tempestade o arrebatará.
21
O vento abrasador o atingirá e o levará,
como um turbilhão o varrerá do seu lugar.
22
Cairá por cima dele e não o poupará,
enquanto ele tenta escapar de suas mãos.
23
E à sua queda baterão palmas,
assobiando da sua própria casa contra ele.

 Digressão sobre a sabedoria

28 1 A prata tem seus veios, dos quais é extraída
e o ouro, um lugar onde é depurado.
2
  O ferro é extraído da terra
e a pedra, fundida ao calor, torna-se cobre.
3
  O ser humano põe um limite às trevas
e sonda até o extremo do universo,
até a rocha escura e tenebrosa.
4
  Gente estranha abre galerias,
esquecendo-se dos próprios pés:
suspensos, oscilam de um lado para o outro.
5
  A terra, que antes produzia pão,
embaixo é revolvida como pelo fogo.
6
  Suas pedras são jazidas de safiras,
seus torrões contêm pepitas de ouro.
7
  Tal caminho não é conhecido do abutre,
nem o viu o olho do falcão;
8
  Não o percorreram feras majestosas,
nem por ele passa a leoa.
9
   É o ser humano que estende a mão sobre o granito,
e derruba as montanhas pela base;
10
abre canais nas rochas,
com o olhar atento a tudo o que é precioso;
11
investiga também as profundezas dos rios
e traz à luz o que estava escondido.
12
A Sabedoria, porém, onde se encontra?
qual é o paradeiro da inteligência?
13
O homem não sabe qual a sua estrutura,
e ela não se encontra neste mundo.
14
Diz o abismo: ‘Ela não está em mim’,
e o mar responde: ‘Não está comigo!’
15
Ela não se compra com o ouro mais fino,
nem se troca a peso de prata;
16
não se paga com o ouro de Ofir,
nem com a pedra mais preciosa ou a safira.
17
Não a iguala o ouro, nem o vidro,
nem se trocarão por ela vasos de ouro.
18
Em comparação com ela nada valem
os cristais,
e adquirir a Sabedoria custa mais que
comprar pérolas!
19
Não se compara com ela o topázio
da Etiópia
nem o ouro mais fino a iguala.
20
De onde vem, pois, a Sabedoria?
e qual é o paradeiro da Inteligência?
21
Ela está oculta aos olhos de todos
os mortais,
e mesmo às aves do céu ela se esconde.
22
O Abismo e a Morte declaram:
‘Sua fama chegou aos nossos ouvidos’…
23
Mas só Deus conhece o seu caminho,
só ele sabe do seu paradeiro;
24
pois só ele contempla os confins do mundo
e vê tudo o que existe debaixo do céu.
25
É ele quem calibrou a força do vento
e fixou a medida das águas.
26
Quando impôs uma lei às chuvas
e uma rota às tempestades ruidosas,
27
ele a viu e a descreveu,
preparou-a e a esquadrinhou.
28
E disse à humanidade:
‘O temor do Senhor, aí está a Sabedoria;
apartar-se do mal, eis a Inteligência’”.


MONÓLOGO FINAL DE JÓ

 As alegrias de outrora

29 1 Retomando seu discurso, Jó continuou a falar, dizendo:
2
“Quem me dera ser como nos tempos de outrora,
como nos dias em que Deus me protegia,
3
  quando sua lâmpada brilhava sobre minha cabeça
e à sua luz eu andava até na escuridão!
4
   Tal era eu nos dias de minha adolescência,
quando Deus era familiar à minha tenda,
5
quando o Poderoso ainda estava comigo
e ao meu redor estavam meus filhos;
6
quando banhava meus pés com leite
e a rocha derramava para mim rios de azeite.
7
Quando me dirigia à porta da cidade
e, na praça, ocupava o meu assento,
8
  os jovens, ao ver-me, retiravam-se
e os anciãos se levantavam e ficavam de pé;
9
  os chefes interrompiam suas conversas
e punham o dedo sobre a boca;
10
a voz dos chefes se calava
e sua língua se colava ao céu da boca.
11
Quem me ouvia me felicitava,
e quem me via dava bom testemunho de mim.
12
Porque eu socorria ao pobre que clamava
e ao órfão, que não tinha quem o ajudasse.
13
A bênção do moribundo vinha sobre mim
e eu alegrava o coração da viúva.
14
Eu me cobria da justiça e ela me revestia;
meu direito era o meu manto e diadema.
15
Eu era os olhos do cego
e os pés do coxo;
16
era o pai dos pobres
e com cuidado examinava a causa do desconhecido.
17
Eu quebrava o queixo do iníquo
e dos seus dentes arrancava a presa.
18
E dizia: No meu pequeno ninho morrerei
e como a palmeira multiplicarei meus dias.
19
Minha raiz estendeu-se até as águas
e o orvalho permanece nos meus ramos.
20
Minha glória sempre se renovará
e meu arco será restaurado em minha mão.
21
Os que me ouviam sentiam-se lisonjeados
e calavam-se, atentos ao meu conselho.
22
Não ousavam acrescentar coisa alguma
às minhas palavras
e sobre eles, gota a gota, caía o meu discurso.
23
Esperavam-me como se espera a chuva
e abriam a boca, como para a chuva tardia.
24
Quando eu sorria para eles, quase não acreditavam,
e a luz do meu rosto não caía por terra.
25
Quando queria visitá-los, sentava-me por primeiro;
acampando como rei, com o exército ao redor,
eu era o consolador dos aflitos.

 A tristeza atual

30 1 Mas agora, zombam de mim os de menos idade do que eu,
cujos pais eu não teria deixado entre os
cães do meu rebanho.
2
  Sua força de trabalho não tinha valor
algum para mim
e sua força juvenil perecera inteiramente.
3
  Consumidos pela miséria e fome, eles
roíam o que encontrassem na solidão;
no período noturno tornavam-se um
turbilhão devastador;
4
  mastigavam ervas e brotos das árvores,
e as raízes do mato eram seu alimento.
5
Eram expulsos do convívio humano
e gritava-se contra eles como se
fossem ladrões;
6
  habitavam às margens das torrentes,
nas cavernas da terra e nos rochedos;
7
  bramiam entre os arbustos
e amontoavam-se sob os espinheiros;
8
  filhos de insensatos e de infames,
totalmente escorraçados da terra…
9
  Agora, porém, tornei-me sua canção
de desprezo,
motivo de piada para eles.
10
Abominam-me e fogem para longe de mim,
e não receiam cuspir-me no rosto.
11
Pois Deus abriu a sua aljava e me afligiu
e pôs um freio em minha boca.
12
À minha direita levanta-se uma corja:
fazem tropeçar meus pés
e aplanam as veredas da minha ruína.
13
Embaralharam meus caminhos,
contra mim armaram ciladas e
prevaleceram,
e não houve quem me trouxesse ajuda.
14 Como por uma brecha na muralha,
irromperam contra mim,
revolvendo-me sob os escombros.
15
Eles se voltam, metendo medo em mim
e, como o vento, varrem minha honra:
minha salvação passou como uma nuvem.
16
Agora, no meu íntimo, derrama-se a
minha alma
e os dias da aflição apoderaram-se de mim.
17
De noite, meus ossos são trespassados
de dores:
os males que me devoram não dormem.
18
Com toda a sua força agarram-me as vestes
e como pela gola da túnica me prendem.
19
Arremessam-me ao lodo
e eu me confundo com a poeira e a cinza.
20
Clamo por ti, e não me atendes;
insisto, e nem olhas para mim.
21
Tu te transformaste em meu carrasco
e me atacas com a brutalidade de tua mão.
22
Tu me levantas e me fazes cavalgar o vento,
para me dissolveres na tempestade.
23
Bem sei que me entregarás à morte,
onde se encontra a casa destinada a todo mortal.
24
Contudo, não é para a ruína que ele estende a mão
e mesmo na queda por ele provocada há salvação.
25
Acaso eu não chorava outrora por aquele
que estava aflito,
e minha alma não se compadecia do pobre?
26
Esperava coisas boas, e vieram-me males;
aguardava a luz, e irromperam as trevas.
27
Sem descanso, minhas entranhas
se abrasaram,
surpreenderam-me os dias da aflição.
28
Com o rosto sombrio, eu caminhava
sem consolo;
levantando-me no meio da multidão, eu gritava.
29
Eu era como irmão dos chacais
e companheiro dos avestruzes.
30
A pele escureceu-se sobre mim,
e meus ossos ressecaram-se pela febre.
31
Minha cítara aprendeu a chorar
e minha flauta, a ser a voz dos que lamentam.


Jó (CNB) 15