Jó (CNB) 31

 Jó faz protesto de inocência

31 1 Eu havia feito um pacto com meus olhos,
de nem sequer pensar numa virgem.
2
  Entretanto, qual a minha parte junto a Deus lá em cima,
e qual a minha herança junto ao Poderoso nas alturas?
3
Acaso a desgraça não é para o iníquo
e a perda dos bens, para os que praticam a injustiça?
4
  Será que ele não vê os meus caminhos
e não conta todos os meus passos?
5
Se caminhei na falsidade
se meu pé se apressou para a fraude,
6
  que Deus me pese numa balança exata
e reconhecerá a minha integridade.
7
     Se meus passos se desviaram do caminho
e meu coração seguiu meus olhos,
e se alguma nódoa se apegou às
minhas mãos,
8
  que outro coma o que semeei,
e minha descendência seja arrancada!
9
  Se meu coração se deixou seduzir
por uma mulher
e se fiquei à espreita, à porta do vizinho,
10
que minha mulher gire a mó para outro
e que outros se deitem sobre ela!
11
Pois aquilo teria sido uma infâmia,
um crime digno de julgamento,
12
um fogo que consome até o Abismo,
desarraigando todos os meus bens.
13
Se recusei submeter-me a juízo com meu
servo e minha serva,
quando reclamavam contra mim,
14
que farei quando Deus se levantar para
o julgamento,
e que vou responder-lhe quando
me interrogar?
15
Quem me formou no ventre materno
também não formou \meu servo?
Ele nos formou a ambos nas entranhas!
16
Se neguei aos pobres o que eles queriam
e fiz desfalecerem os olhos da viúva;
17
se comi minha fatia de pão sozinho
sem reparti-la com o órfão
18
– a ele, desde a infância, eduquei
como um pai
e desde pequeno o conduzi –;
19
se desprezei a quem perecia por não
ter roupa,
e a um pobre sem cobertor;
20
se não me agradeceram os seus ombros,
por serem aquecidos com a lã de
minhas ovelhas;
21
se levantei a mão contra o órfão,
ao ver que eu tinha apoio no tribunal…
22
então, que meu ombro se desloque
da clavícula
e meu braço se desconjunte!
23
Sim, porque o castigo de Deus seria o
terror para mim,
e eu nada poderia fazer diante da
Sua grandeza.
24
Se pensei que o ouro era minha segurança
e disse ao metal precioso: ‘És minha
confiança!’,
25
se me deliciei com minhas grandes riquezas
e porque minhas mãos alcançaram
muitas coisas;
26
se olhei em adoração para o sol
resplandecente
ou para a lua que caminha na sua claridade;
27
se meu coração me seduziu secretamente
e \lhes mandei beijos com a minha mão,
28
tudo isto seria uma iniqüidade digna
de julgamento,
pois eu teria renegado ao Deus do alto.
29
Por acaso, alegrei-me com a ruína de
quem me odiava,
e fiquei feliz com a desgraça que o atingiu?
30
Pois nunca permiti que minha boca pecasse,
exigindo com pragas a morte de ninguém!
31
Não disseram os que moravam na
minha tenda:
‘Quem há que não se tenha fartado
da carne provida por ele?’
32
Na verdade, o estrangeiro não pernoitou
ao relento
e a minha porta permaneceu aberta
ao viajante.
33
Se, como um ser humano, escondi
o meu pecado,
ocultando no peito a minha iniqüidade,
34
se fiquei com medo da grande multidão
e o desprezo dos parentes me atemorizou
a ponto de manter-me calado, sem sair
da minha porta…
35
Quem me apresentaria alguém que
me escutasse?
É isso que assino. Que me responda o
Poderoso!
Quanto à acusação, redigida por meu
adversário,
36
eu a carregaria sobre os ombros
e a cingiria como um diadema.
37
A ele eu daria conta de meus passos
e dele me aproximaria, como de
um príncipe!
38
Se clama contra mim a terra que eu possuo
e se com ela choram os seus sulcos;
39
se comi de seus frutos sem pagar
e se afligi os que a lavraram,
40
que me nasçam espinhos em vez de trigo,
e erva daninha em lugar de cevada”.
– Aqui terminam as palavras de Jó.
A intervenção de Eliú

 Eliú entra em cena

32 1 Aqueles três homens não responderam mais a Jó, porque ele teimava em considerar-se inocente. 2 Então inflamou-se a ira de Eliú, filho de Baraquel, de Buz, da família de Ram, indignando-se contra Jó, pelo fato de ele proclamar-se justo diante de Deus. 3 Indignou-se também contra seus três amigos, por não terem achado resposta, mas somente condenarem Jó. 4 Por isso, Eliú esperou que Jó terminasse de falar, pois eram mais velhos do que ele os que tomavam a palavra. 5 Mas, ao ver que os três não con­seguiam responder devidamente, encheu-se de indignação.


PRIMEIRO DISCURSO DE ELIÚ

 A voz da juventude…

6 Afinal, Eliú filho de Baraquel, de Buz, interveio, dizendo:
“Sou jovem ainda, e vós sois idosos;
por isso, intimidado, não me atrevia
a expor-vos o meu parecer.
7
Dizia eu: ‘A idade falará,
os anos ensinarão a Sabedoria’.
8
  Mas, pelo que vejo, ela é um espírito
no ser humano,
e a inspiração do Poderoso é que dá
a inteligência.
9
  Não é a idade que torna sábio,
nem são os anciãos que entendem de
julgamento.
10
Por isso eu digo: Ouvi-me
e vos mostrarei, também eu, minha
sabedoria.
11
Esperei, enquanto faláveis,
apliquei o ouvido à vossa prudência,
enquanto investigáveis.
12
Esforcei-me por entender-vos.
Como vejo, porém, não há quem possa
contradizer a Jó
nem, dentre vós, quem responda às
suas palavras.
13
E não digais: ‘Nós é que encontramos
a sabedoria;
foi Deus quem o rejeitou, não um homem.’
14
Quanto a mim, não prepararei palavras,
nem responderei com vossos argumentos.
15
Estão com medo e não respondem mais;
a si mesmos tiraram as palavras.
16
Portanto, uma vez que esperei, e não
falaram,
pararam, e não mais respondem,
17
apresentarei eu a minha resposta
e mostrarei o meu conhecimento.
18
Estou repleto de palavras
e sinto o espírito comprimir-se em
meu peito;
19
Meu interior é como vinho fermentando
sem respiradouro:
faz rebentar até os odres novos.
20
Falarei, pois, para desabafar um pouco:
abrirei meus lábios e responderei.
21
Não farei acepção de pessoas
e não vou bajular ninguém.
22
Por sinal, não sei bajular
e, se o fizesse, meu Criador logo me
arrasaria.

 A educação por Deus

33 1 Tu, portanto, Jó, escuta minhas palavras
e presta atenção a tudo que eu disser.
2
  Abro agora a boca:
em minha garganta fale a minha língua.
3
   Meus discursos provêm de um reto coração
e meus lábios proferirão com pureza
o que eu sei.
4
  Foi o espírito de Deus que me fez
e o sopro do Poderoso me deu a vida.
5  Contesta-me, se podes;
prepara-te diante de mim e toma posição!
6
   Também eu, diante de Deus, sou como tu,
também eu, extraído do mesmo barro.
7
  Por isso, não tenhas medo de mim,
nem te esmague o meu peso.
8
Pois disseste aos meus ouvidos,
e ouço ainda o eco de tuas palavras:
9
  ‘Sou puro e sem delito,
sem mancha, e não há iniqüidade em mim.
10
Contudo, porque encontrou pretextos
contra mim,
\Deus me considerou seu inimigo;
11
prendeu meus pés no cepo
e vigiou todas as minhas veredas.’
12
Pois é nisto que estás errado, digo-te eu,
porque Deus é maior que o ser humano.
13
Por que motivo discutes com ele,
pelo fato de não responder-te palavra
por palavra?
14
Deus fala uma só vez,
e não repete segunda vez a mesma coisa.
15
Em sonho ou em visão noturna,
quando o sono profundo cai sobre
as pessoas
adormecidas em seu leito,
16
então lhes abre os ouvidos
e as atemoriza com aparições.
17
Isto, para afastar o mortal daquilo que
está para fazer
e livrá-lo do orgulho,
18
impedindo sua alma de cair na cova
e sua vida, de cruzar o canal da morte.
19
Deus o corrige também no leito, com
o sofrimento,
quando os ossos tremem sem parar,
20
a ponto de, mesmo em vida, ele
detestar o pão
e ter repugnância pelo alimento
antes apetitoso.
21
Sua carne se consome à vista de todos,
e os ossos, que antes não se viam, aparecem;
22
ele se aproxima da podridão da cova
e sua vida, das paragens da morte.

 O intercessor

23 Se comparecer junto dele um anjo, um
intérprete entre milhares,
para anunciar ao ser humano o que convém,
24
para dele ter compaixão e dizer a Deus:
‘Livra-o, para que não desça à cova,
pois achei motivo para ser-lhe propício’.
25
Então seu corpo recobrará a seiva juvenil,
e ele voltará aos dias da sua mocidade.
26
Suplicará a Deus, e Deus lhe será propício;
e verá com alegria a sua face,
a face de quem ao ser humano faz justiça.
27
Então cantará, diante de todos, dizendo:
‘Eu tinha pecado, violei a justiça,
mas não fui submetido ao castigo.
28
Ele me livrou do caminho da cova
para que, vivendo, pudesse ver a luz!’
Uma vez que está acima da nação e acima
dos indivíduos?
29
Pois Deus faz todas estas coisas
duas e três vezes, com o ser humano,
30
para retirá-lo vivo da cova
e iluminá-lo com a luz dos viventes.
31
Presta atenção, Jó, e escuta;
cala-te, enquanto eu falo.
32
Se, porém, tens o que dizer, responde-me;
fala, pois quero que apareça a tua justiça.
33
Se não, escuta-me;
cala-te, e eu te ensinarei a Sabedoria”.


SEGUNDO DISCURSO DE ELIÚ

 Eliú acaba repetindo os argumentos antigos

34 1 Pronunciou-se Eliú e disse ainda o que segue:
2
“Ouvi, ó sábios, as minhas palavras,
vós, entendidos, escutai-me.
3
Pois o ouvido prova as palavras
como o paladar distingue as comidas.
4
Escolhamos, pois, nós mesmos, o
julgamento
e vejamos, entre nós, o que seja melhor.
5
Porque Jó disse: ‘Eu sou justo,
mas Deus não reconhece o meu direito;
6
ao me julgarem está havendo mentira,
e violenta é a flecha que me atinge, sem
eu ter pecado!’
7
Que homem há, semelhante a Jó,
que bebe a zombaria como água,
8
que anda com os que praticam
a iniqüidade
e caminha com os perversos?
9
Pois ele disse: ‘Não adianta nada
gozar da familiaridade de Deus’.
10
Por isso, gente sensata, ouvi-me:
Longe de Deus a impiedade, longe do
Poderoso a iniqüidade!
11
Ele retribui a cada um segundo a sua obra
e de acordo com os caminhos de cada
um Ele recompensa.
12
Pois Deus não pratica o mal,
e o Poderoso não retorce o direito.
13
Quem lhe confiou a terra, que é dele,
ou quem estabeleceu todo o mundo?
14
Se ele pensasse apenas em si,
concentrando em si mesmo o espírito
e o sopro,
15
toda carne a um só tempo definharia,
e o ser humano voltaria ao pó.
16
Se, pois, tens inteligência, ouve isto
e escuta o teor de minhas palavras:
17
Acaso poderá reinar quem não ama o
direito?
E tu, quererás condenar Aquele que é
grandiosamente justo,
18
que ousa dizer ao rei: ‘Perverso!’
e chama os juízes de ‘ímpios!’,
19 que não dá preferência aos príncipes
nem favorece o opulento em disputa
com o pobre,
porque todos são obras de suas mãos?
20
Eles morrerão repentinamente. Pois,
à meia-noite,
hão de rebelar-se os povos e passarão,
e eliminarão o violento sem que possa
resistir.
21
De fato, os olhos de Deus observam os caminhos dos mortais
e Ele analisa todos os seus passos.
22
Não há trevas, e não há sombra da morte
onde possam esconder-se os que
praticam a iniqüidade.
23
Pois ele não previne o ser humano
quanto ao lugar do encontro,
quanto ao momento de comparecer
para o julgamento.
24
Ele esmaga os poderosos sem inquérito
e faz surgir outros em lugar deles.
25
Pois conhece as suas obras
e por isso faz vir a noite, e serão esmagados.
26
Como a ímpios, ele os ferirá,
à vista de muitos.
27
Esses são os que, como de propósito,
apartaram-se dele
e não quiseram compreender todos
os seus caminhos,
28
enquanto ele fazia chegar a si o clamor
do indigente
e ouvia a voz dos pobres.
29
Mas, se ficar impassível, quem o condenará?
E se esconder o rosto, quem o contemplará,
uma vez que está acima da nação e
acima dos indivíduos?
30
Que não reine o ímpio,
a fim de que não haja armadilhas para
o povo.
31
Entretanto, alguém diz a Deus:
‘Sofri bastante, não mais agirei
perversamente.
32
Enquanto vejo, ensina-me;
se pratiquei a iniqüidade, não mais o farei!’
33
Acaso Deus pagará por ti, porque o
rejeitaste?
És tu quem escolhe, não eu;
se sabes algo melhor, fala.
34
Pessoas inteligentes me dirão,
como também o sábio, que está me ouvindo:
35
‘Jó não falou com sabedoria,
e suas palavras não são sensatas!’
36
Sim, Jó seja provado até o fim
por causa de suas respostas, dignas de
gente perversa.
37
Pois aos seus pecados acrescenta ainda
o crime
de exibir seu escárnio entre nós
e multiplicar seus protestos contra Deus”.


TERCEIRO DISCURSO DE ELIÚ

 Eliú aperfeiçoa os argumentos dos anciãos

35 1 Depois, Eliú continuou falando:
2
“Acaso parece justo o teu pensamento,
a ponto de dizeres: ‘Minha causa está garantida diante de Deus?’
3
     Pois \a Deus tu disseste: ‘Que te importa?’
Ou: ‘Que te adiantaria, se eu tivesse pecado?’
4
  Por isso responderei aos teus discursos
e a teus amigos contigo.
5
Levanta o olhar para o céu e vê;
contempla as nuvens, que são mais altas do que tu.
6
  Se pecares, o que lhe fazes?
se as tuas iniqüidades se multiplicam, que
fazes contra ele?
7
  Por outro lado, se agires com justiça, que lhe dás?
Ou que recebe ele de tua mão?
8
   Tua impiedade atinge só teus semelhantes,
como a tua justiça é só ao ser humano que aproveita.
9
  Por causa da multidão dos que os
oprimem, eles clamarão,
e se lamentarão por causa da violência dos tiranos,
10
mas ninguém diz: ‘Onde está Deus, que me fez,
Aquele que inspira cantos de louvor em plena noite,
11
que nos ensina mais do que aos animais da terra,
e nos instrui mais do que às aves do céu?’
12
Então clamarão, mas ele não ouvirá,
por causa da soberba dos maus.
13
Sim, em vão: Deus não os ouvirá
e o Poderoso não olhará para eles.
14
Pois, ainda que digas: ‘Ele não vê’,
a tua causa está diante dele, e deves aguardar.
15
Mesmo agora, ao dizeres: ‘A sua ira não castiga,
ele não se vinga severamente dos crimes’,
16
Jó abre em vão a boca
e sem conhecimento multiplica as palavras”.


QUARTO DISCURSO DE ELIÚ

 A pedagogia divina

36 1 Acrescentou ainda Eliú:
2
“Tem um pouco de paciência
comigo e te instruirei,
pois resta-me algo a dizer em favor de Deus.
3
  De longe trarei o meu conhecimento
e do meu Criador defenderei a justiça.
4
   De fato, não há mentira em minhas palavras
e está comigo quem é perfeito
no conhecimento.
5
  Deus é poderoso, mas a ninguém rejeita,
poderoso, na firmeza de suas decisões.
6
Ele não deixa viver o ímpio
mas faz justiça aos pobres.
7
Não tira seus olhos do justo
e é ele quem entroniza os reis para sempre,
os quais por ele são exaltados.
8
  Quando estiverem presos em grilhões
e amarrados com as cordas da pobreza,
9
  ele vai lembrar-lhes suas obras,
e seus crimes, porque foram violentos.
10
Abrirá também seus ouvidos, para censurá-los
e lhes falará, para que se convertam de sua iniqüidade.
11
Se ouvirem e obedecerem,
completarão seus dias na felicidade
e seus anos em delícias.
12
Se, porém, não ouvirem, passarão pelo canal da morte
e acabarão na sua insensatez.
13
Os ímpios de coração reservam para si a ira de Deus
e nem poderão clamar, quando se virem apanhados.
14
Na juventude se extinguirá sua existência
e na adolescência, a sua vida.
15
Deus, porém, libertará de sua angústia o pobre
e na tribulação lhe dará ouvido.
16
Por isso, ele te salvará da entrada estreita,
e a amplidão sem aperto estará ao teu dispor:
a tranqüilidade da tua mesa estará cheia
de gostosa comida.
17
Mas tua causa foi julgada como a de um ímpio;
por isso, eles manterão a causa e o julgamento.
18
Toma cuidado, pois, para que a
abundância não te seduza,
nem te corrompa a quantidade dos presentes.
19
Acaso se ouvirá o teu clamor, se não na
angústia?
e que dizer de todas as tentativas de força?
20
Não suspires pela noite,
para que suba uma multidão…
21
Toma cuidado, para não te inclinares
para a iniqüidade;
pois foi por causa disso que experimentaste a miséria.
22
Deus é sublime, no seu poder.
Que mestre será semelhante a ele?
23
Quem poderá fiscalizar a sua conduta,
ou quem poderá dizer-lhe: ‘Praticaste a iniqüidade’?
24
Lembra-te de engrandecer sua obra,
que a humanidade, cantando, celebra.
25
Todas as pessoas o vêem,
mas cada um o contempla de longe.

 O Senhor das quatro estações

26 Com efeito, Deus é grande, e supera o
nosso conhecimento:
o número de seus anos é incalculável.
27
Ele recolhe as gotas da chuva
e derrama como um rio os aguaceiros.
28
As nuvens soltam essas águas
e as fazem gotejar sobre a multidão humana.
29
De fato, quem entende a expansão das nuvens
e o trovão que sai da sua tenda?
30
Ele estende ao seu redor a sua luz
e cobre os fundamentos do mar.
31
É por estas coisas que ele governa os povos
e lhes dá alimento em abundância.
32
Em suas mãos esconde o relâmpago
e lhe ordena que atinja o alvo.
33
O seu trovão dá notícias dele,
que é cioso na ira contra a iniqüidade.

37 1 Diante disso espanta-se o meu coração,
saltando do seu lugar.
2
  Escutai, pois, a vibração da sua voz,
E o rumor que sai de sua boca.
3
  Ele o solta debaixo de todos os céus
e seu relâmpago chega aos confins da terra.
4
Por detrás dele ouve-se o seu rugido,
trovejando com o estrondo de sua grandeza;
e não retardará, quando se ouvir a sua voz.
5
   Deus troveja com sua voz maravilhosamente,
ele, que faz coisas grandes e inexplicáveis!
6
   Ele ordena à neve, que desça sobre a terra,
e às chuvas do inverno e ao aguaceiro,
que redobrem de intensidade.
7
  Ele assinala a mão de todos os mortais
para que reconheçam, cada um, suas obras.
8
  A fera entrará no seu esconderijo
e permanecerá na sua caverna.
9
Das profundezas sai a tempestade
e do polo norte, o frio.
10
Ao sopro de Deus acontece a geada,
e a superfície das águas se congela.
11
O relâmpago é arremessado da nuvem
e as nuvens propagam seu clarão.
12
Elas iluminam ao redor,
onde quer que as conduza a vontade de
Quem as governa,
até realizarem, sobre a superfície
terrestre, tudo o que ele mandar.
13
E isso, quer para castigo da sua terra,
quer para manifestar-lhe a sua misericórdia.
14
Escuta estas coisas, Jó!
Pára, e considera as maravilhas de Deus!
15
Acaso sabes quando foi que Deus ordenou
às suas nuvens, para que
resplandecessem de luz?
16
Acaso conheces as grandes rotas das nuvens
e as maravilhas daquele que tudo sabe?
17
Não estão quentes as tuas roupas
quando a terra se acalma com o vento do deserto?
18
Por acaso, com ele desdobraste os céus,
que foram fundidos tão solidamente como o bronze?
19
Mostra-nos o que possamos dizer a ele:
pois não encontramos palavras, envoltos
que estamos em trevas.
20
Quem lhe exporá aquilo que estou dizendo?
Pois, se falar, esse homem será engolido!
21
No entanto, agora já não vêem a luz:
o ar está ofuscado pelas nuvens
mas o vento, passando, as afugentará.
22
Do norte vem o clarão dourado:
ao redor de Deus, terrível majestade!
23
Não podemos alcançar o Poderoso, que é imensamente forte,
mas ele não pode perverter o direito e a plena justiça.
24
Por isso o temem os mortais,
mas ele não leva em conta os que se julgam sábios”.


manifestação de Deus

 Primeiro desafio de Deus: os mistérios do universo

38 1 Então o Senhor, do meio da tempestade, respondeu a Jó:
2
“Quem é este que obscurece o meu Projeto
com palavras insensatas?
3
   Cinge, pois, os teus rins, como um valente!
Vou interrogar-te, e tu me ensinarás.
4
  Onde estavas, quando lancei os fundamentos da terra?
Informa-me, se tens o entendimento!
5
  Quem lhe deu as medidas, se sabes?
ou quem estendeu o cordel sobre ela?
6
Onde se encaixam suas bases,
ou quem assentou a sua pedra angular
7
  enquanto aclamavam em coro os astros da manhã
e jubilavam todos os filhos de Deus?
8
  Quem fechou com portas o mar,
quando ele irrompeu como se saísse das entranhas,
9
  quando eu lhe dava a nuvem por vestido
e o envolvia de escuridão como de fralda?
10
Eu o demarquei com meus limites
e lhe pus ferrolho e portas,
11
dizendo: ‘Até aqui chegarás, e não além;
aqui dominarás as tuas ondas encapeladas!’
12
Alguma vez na vida deste ordens à manhã,
ou indicaste à aurora o seu lugar,
13
para que, segurando as extremidades da terra,
dela fossem sacudidos os malfeitores?
14
E a terra se transformaria como argila modelada
e se apresentaria em trajes de gala.
15
Aos ímpios, porém, sua própria luz lhes é tirada
e se quebra o seu braço levantado.
16
Acaso penetraste dentro das nascentes do mar
ou passeaste nas profundezas do Abismo?
17
Foram-te franqueadas as portas da Morte,
ou viste os umbrais das Trevas?
18
Examinaste a extensão da Terra?
Informa-me, se sabes tudo!
19
Em que direção habita a luz,
e qual é o lugar das trevas?
20
Então conduzirias cada coisa a seus limites
e conhecerias os acessos para a morada de cada um!
21
Deverias sabê-lo, pois já tinhas nascido
e é grande o número dos teus anos!
22
Acaso entraste nos depósitos da neve,
ou examinaste os reservatórios do granizo
23
que guardo para o tempo da angústia,
para os dias de guerra e de batalha?
24
Por que caminhos se espalha a luz
ou se difunde o vento quente sobre a terra?
25
Quem deu saída para o aguaceiro torrencial
e uma rota para o relâmpago trovejante,
26
para que chova sobre a terra despovoada
e no deserto, onde nenhum mortal habita,
27
inundando a região inacessível e desolada,
fazendo brotar ervas na estepe?
28
Quem é o pai da chuva?
quem gerou as gotas do orvalho?
29
Do seio de quem saiu o gelo?
e quem gerou a geada que cai do céu?
30
A água se endurece como pedra
e se torna sólida a superfície do abismo!
31
Acaso podes atar os laços das Plêiades,
ou desatar as cordas do Órion?
32
Podes fazer sair a seu tempo os signos do Zodíaco,
ou guiar a \constelação da Ursa com seus filhotes?
33
Conheces as leis do céu,
e determinas sua influência na terra?
34
Basta-te levantar a voz para a névoa,
afim de que te cubra uma torrente de águas?
35
Acaso lanças os raios e eles correm,
e te dizem: ‘Aqui estamos’?
36
Quem pôs sabedoria nas entranhas do íbis,
ou deu inteligência ao galo?
37
Quem pode contar as nuvens com sabedoria
e quem entorna os odres do céu,
38 para que o pó se derreta em lama
e os torrões se aglutinem?
39
És tu quem caça a presa para a leoa,
ou sacia a fome dos seus filhotes
40
quando se recolhem nos seus covis
ou se põem de emboscada nas cavernas?
41
És tu quem prepara ao corvo o alimento
quando seus filhotes gritam para Deus,
vagueando por não terem comida?

39 1 Acaso sabes o tempo em que as cabras monteses dão cria nos rochedos,
ou observaste as corças dando à luz?
2
  Contaste os meses da sua gestação
e sabes o tempo do seu parto?
3
Elas agacham-se para darem à luz,
expelindo suas crias.
4
  Seus filhotes ficam robustos e crescem no campo,
saem e não retornam para elas.
5
   Quem deixou o asno selvagem em liberdade,
e quem soltou-lhe as amarras?
6
  Dei-lhe um abrigo no ermo,
e seu paradeiro encontra-se em terra de água salobra.
7
  Ele despreza o burburinho da cidade
e não ouve a gritaria do capataz.
8
   Perpassa as montanhas em busca do pasto
e anda à procura de tudo o que é verde.
9
   Acaso o touro chucro vai querer servir-te,
ou permanecerá na tua estrebaria?
10
Acaso o prenderás com a tua correia para lavrar,
a fim de que ele desmanche os torrões
dos vales atrás de ti?
11
Terás confiança na sua grande força,
deixando a ele os teus trabalhos?
12
Acaso confiarás em que ele volte
e reúna o grão no teu terreiro?
13
O avestruz bate as asas alegremente;
com penas de cegonha, foge rápido.
14
Entretanto, quando deixa os ovos no chão,
a fim de que se aqueçam na areia,
15
esquece-se de que algum pé poderá pisá-los
ou que algum animal do campo os venha a esmagar.
16
É cruel com seus filhotes como se não fossem seus
e, embora penando em vão, não o perturba temor algum.
17
Pois Deus o privou da sabedoria,e não
lhe deu a inteligência.
18
Mas, chegado o tempo, levanta as asas para o alto
e zomba do cavalo e do cavaleiro.
19
Acaso darás força ao cavalo
ou revestirás seu pescoço de crinas?
20
Acaso o fazes pular como gafanhoto?
A glória do seu relincho causa medo;
21
escava o vale com o casco, salta audaciosamente,
enfrenta os que estão armados.
22
Despreza o pavor, não se assusta
e não cede nem à espada.
23
Em cima dele chocalha a aljava,
cintila a lança e a espada.
24
Espumando e fremindo, devora o espaço
e não pára, mesmo ao soar da trombeta.
25
Ao ouvir o clarim, relincha,
farejando de longe a batalha,
as ordens dos chefes e a gritaria do exército.
26
Será pela tua sabedoria que o falcão se cobre de penas
e estende suas asas para o sul?
27
Porventura é por tua ordem que a águia levanta vôo
e constrói seu ninho em lugares inacessíveis?
28
Ela mora nos rochedos,
nas rochas abruptas se entoca,
nos picos, como numa fortaleza.
29
De lá espreita a presa,
pois mesmo de longe, seus olhos enxergam.
30
Seus filhotes chupam o sangue;
e onde há um cadáver, ela aí está”.

 Interpelação de Deus e resposta de Jó

40 1 Continuando a falar, o Senhor interpelou Jó:
2
“Então, quem censura o Poderoso, quer ainda discutir?
Quem acusa o próprio Deus, deve agora responder!”
3
  Tomando a palavra, Jó disse ao Senhor:
4
  “Fui leviano ao falar. Que é que vou responder?
Porei minha mão sobre a boca.
5  Disse uma coisa, mas não repetirei;
e ainda outra, mas nada acrescentarei”.

 Segundo desafio de Deus

6 O Senhor falou então a Jó, do meio da tempestade:
7
“Cinge os teus rins como um valente:
vou interrogar-te, e tu me instruirás.
8
   Pretendes mesmo anular meu julgamento
ou condenar-me, para te justificar?
9
  Acaso tens um braço como o de Deus
e trovejas com voz semelhante à dele?
10
Reveste-te de esplendor e majestade,
cobre-te de glória e de grandeza;
11
dá livre curso ao ardor de tua ira
e, com um simples olhar, abate o arrogante;
12
encara todos os soberbos e humilha-os,
e esmaga os ímpios onde eles se encontram;
13
enterra-os todos juntos no pó
e amordaça-os para sempre na cova.
14
Então eu também reconhecerei
que a tua mão direita poderá salvar-te.
15
Considera o Beemot, que criei como criei a ti
e que se alimenta de erva como o boi.
16
Vê a força de suas ancas
e o vigor do seu ventre musculoso.
17
Ele enrijece a cauda como um cedro,
trançados os nervos da coxa.
18
Seus ossos são como tubos de bronze
e sua carcaça, como barras de ferro.
19
Ele é a obra-prima dos feitos de Deus:
quem o fez, proveu-o de espada.
20
As montanhas fornecem-lhe alimento
e todas as feras da estepe brincam ao seu lado.
21
Sob a ramagem dos lotos silvestres se deita,
no esconderijo do canavial e em paragens úmidas.
22
Os lotos silvestres o protegem com sua sombra
e os salgueiros da torrente o rodeiam.
23
Ainda que o rio transborde, não se assusta,
fica tranqüilo, mesmo que as ondas cheguem à sua boca.
24
Quem poderá agarrá-lo pela frente,
ou atravessar-lhe o focinho com um gancho?
25
E o Leviatã,
acaso poderás pescá-lo com o anzol
e travar-lhe a língua com a corda?
26
Serás capaz de lhe passar uma vara de junco nas ventas,
ou de lhe perfurar as queixadas com um gancho?
27
Acaso virá a ti com muitas súplicas,
ou te falará com palavras carinhosas?
28
Fará aliança contigo,
para que o aceites como teu servo para sempre?
29
Brincarás com ele como se fosse um pássaro,
ou o prenderás com a coleira, para \passear
com as tuas filhas?
30
Vão fazer leilão sobre ele os teus amigos,
e os negociantes o repartirão entre si?
31
Poderás crivar-lhe o couro com dardos,
ou a cabeça com arpões de pesca?
32
Põe a tua mão sobre ele:
ao te lembrares das conseqüências, não o farás de novo!

41 1 Olha como, diante dele, toda esperança se frustra:
basta a sua vista para derrubar por terra.
2
   Ninguém é tão temerário para provocá-lo,
pois ninguém poderia resistir ao seu olhar.
3
Quem jamais se atreveu a atacá-lo e saiu ileso?
Quem, debaixo de todo o céu?
4
Não deixarei de descrever seus membros
e falarei de sua força e da beleza da sua estrutura.
5
Quem abrirá pela frente a sua veste
ou passará entre as duas mandíbulas?
6
Quem vai abrir as portas da sua boca?
Em torno dos seus dentes, só terror!
7
Seu dorso é como escudos fundidos,
compacto como se estivessem lacrados em pedra:
8
um escudo se junta ao outro,
de tal modo que nem um sopro passa entre eles;
9
um adere ao outro e, travando-se entre si, não se podem separar.
10
Seu espirro é como centelhas de fogo
e seus olhos, como as pálpebras da aurora.
11
De sua boca irrompem tochas acesas,
como centelhas de fogo respingadas.
12
De suas narinas sai fumaça,
como de uma panela fervendo ao fogo.
13
Seu bafo faz as brasas se inflamarem
e chamas irrompem de sua goela.
14
No seu pescoço está sua força
e à sua frente vai o pavor.
15
As dobras dos seus músculos são maciças:
quando apertadas, não se movem.
16
Seu coração é duro como a pedra,
duro como a pedra do moinho.
17
Quando se levanta, tremem os valentes
e fogem das águas em debandada.
18
Se alguém o atacar, a espada não vai penetrá-lo,
nem lança, nem flecha, nem dardo.
19
Para ele o ferro é como palha
e o bronze, como madeira podre.
20
Não o afugenta o flecheiro,
e as pedras da funda são para ele como palha ao vento.
21
Também como palha considera o porrete
e ri-se do sibilo da espada.
22
Debaixo do ventre ele tem cacos pontiagudos,
como uma grade que se arrasta sobre o lodo.
23
Faz ferver o abismo como caldeira
e transforma o mar num caldeirão de óleo.
24
Deixa atrás de si um rastro iluminado,
e a água parece uma cabeleira branca.
25
Não há, sobre a terra, poder igual,
pois foi criado para não ter medo de ninguém.
26
Ele enfrenta os seres mais altivos,
de todos os monstros é ele o rei”.

 Arrependimento de Jó

42 1 Então Jó respondeu ao Senhor:
2
“Reconheço que podes tudo
e que para ti nenhum pensamento é oculto.
3
Disseste: ‘Quem é esse que obscurece o meu Projeto
sem nada entender?’
– Pois eu falei, sem nada entender,
de maravilhas que ultrapassam meu conhecimento.
4
‘Escuta-me’, eu disse, ‘e vou falar,
vou perguntar-te e tu responderás!’
5
Eu te conhecia só por ouvir dizer,
mas, agora, vejo-te com meus próprios olhos.
6
Por isso, acuso-me a mim mesmo
e me arrependo, no pó e na cinza”.
A história de Jó: final feliz

 Os “mestres” é que estavam errados

7 Tendo acabado de falar com Jó, o Senhor dirigiu-se a Elifaz de Temã: “Estou indignado contra ti e os teus dois amigos, porque não falastes corretamente de mim, como o fez meu servo Jó. 8 Tomai, pois, sete novilhas e sete carneiros e dirigi-vos ao meu servo Jó. Oferecei-os em holocausto, e Jó, meu servo, intercederá por vós. Em atenção a ele, não vos tratarei como merece a vossa insensatez. Pois não falastes corretamente de mim, como meu servo Jó. 9 Elifaz de Temã, Baldad de Suás e Sofar de Naamat fizeram como o Senhor lhes ordenou, e o Senhor atendeu às orações de Jó.

 Jó restabelecido e intercedendo pelos “mestres”

10 Então o Senhor mudou a sorte de Jó, quando este intercedeu por seus amigos, e restituiu-lhe todos os bens, o dobro do que antes possuía. 11 Vieram, pois, visitá-lo todos os irmãos e todas as suas irmãs e os antigos conhecidos. Comeram com ele em sua casa, consolaram-no e o confortaram pela desgraça que o Senhor lhe tinha enviado, e cada qual ofereceu-lhe uma moeda de prata e um brinco de ouro.
12
O Senhor abençoou Jó no fim de sua vida mais do que no princípio: ele possuía agora quatorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de bois e mil jumentas. 13 Teve, também, outros sete filhos e três filhas: 14 a primeira chamava-se Rola, a segunda, Cássia e a terceira, Azeviche. 15 Não havia, em toda a terra, mulheres mais belas que as filhas de Jó. Seu pai destinou-lhes uma parte da herança entre seus irmãos.
16
Depois desses acontecimentos, Jó viveu ainda cento e quarenta e quatro anos e viu seus filhos e os filhos de seus filhos até a quarta geração. 17 E morreu velho e cumu­lado de dias.



Jó (CNB) 31