AUDIÊNCIAS 2000 - AUDIÊNCIA


AUDIÊNCIA

Quarta-feira 26 de Abril de 2000

Queridos irmãos e irmãs,


1. Nesta Oitava de Páscoa, considerada como um único grande dia, a liturgia repete sem se cansar o anúncio da ressurreição: "Verdadeiramente Jesus ressuscitou!" Este anúncio abre um novo horizonte à humanidade inteira. Na ressurreição torna-se realidade tudo o que durante a Transfiguração no Tabor estava misteriosamente oculto. Naquela ocasião, o Salvador revelava a Pedro, Tiago e João o prodígio de glória e de luz selado pela voz do Pai: "Este é o Meu Filho amado!" (Mc 9,7).

Na festa da Páscoa, estas palavras monstram-se na sua plenitude de verdade. O Filho predilecto do Pai, Cristo crucificado e morto, ressuscitou para nós. Na sua luz nós, crentes, vemos a luz e, "elevados pelo Espírito - como afirma a liturgia da Igreja do Oriente - cantamos a Trindade consubstancial em todos os séculos" (Grandes Vésperas da Transfiguração de Cristo). Com o coração repleto de alegria pascal subimos hoje idealmente ao monte santo, que domina sobre a planície da Galileia, para contemplar o acontecimento que ali se realizou, antecipando os eventos pascais.

2. Cristo está no centro da Transfiguração. Para Ele convergem duas testemunhas da Primeira Aliança: Moisés, mediador da Lei, e Elias, profeta do Deus vivo. A divindade de Cristo, proclamada pela voz do Pai, é também revelada pelos símbolos que Marcos caracteriza com o seu estilo pitoresco. De facto, há uma luz e uma pureza que representam a eternidade e a transcendência. "As suas vestes ficaram brilhantes e tão brancas, como nenhuma lavadeira do mundo as poderia branquear" (Mc 9,3). Depois, há a nuvem, sinal da presença de Deus no caminho do Êxodo de Israel e na tenda da Aliança (cf. Êx Ex 13,21-22 Ex 14,19 Ex 14,24 Ex 40,34 Ex 40,38).
A liturgia Oriental canta ainda no Ofício das matinas da Transfiguração: "Luz imutável da luz do Pai, o Verbo, na tua brilhante luz nós hoje vimos no Tabor a luz que é o Pai e a luz que é o Espírito, luz que ilumina toda a criatura".

3. Este texto litúrgico ressalta a dimensão trinitária da transfiguração de Cristo no monte. Com efeito, é explícita a presença do Pai com a sua voz reveladora. A tradição cristã entrevê implicitamente também a presença do Espírito Santo, na esteira do acontecimento paralelo do Baptismo no Jordão, onde o Espírito Santo desceu sobre Cristo em forma de pomba (cf Mc 1,10). De facto, o mandamento dado pelo Pai: "Escutai o que Ele diz" (Mc 9,7) pressupõe que Jesus esteja repleto do Espírito Santo, de maneira que as suas palavras sejam "espírito de vida" (Jn 6,63 cf. Jn 3,34-35).

Por conseguinte, é possível subir ao monte para se deter, contemplar e se imergir no mistério de luz de Deus. No Tabor estão representados todos os montes que nos conduzem a Deus, de acordo com uma imagem querida aos místicos. Outro texto da Igreja do Oriente convida-nos a esta ascensão para o alto rumo à luz: "Vinde povos, segui-me! Subamos ao monte santo e celeste, detenhamo-nos espiritualmente na cidade do Deus vivo e contemplemos em espírito a divindade do Pai e do Espírito que resplandece no Filho unigénito" (tropário na conclusão do Cânone de S. João Damasceno).

4. Na Transfiguração contemplamos não só o mistério de Deus, passando de luz em luz (cf. Sl Ps 36,10), mas somos também convidados a ouvir a palavra divina que se dirige a nós. Acima da palavra da Lei em Moisés e da profecia em Elias, ressoa a palavra do Pai que remete para a do Filho, como acabei de recordar. Ao apresentar o "Filho predilecto", o Pai acrescenta o convite a escutá-l'O (cf Mc 9,7).

Ao comentar a cena da Transfiguração, a Segunda Carta de Pedro põe em grande evidência a voz divina. Jesus Cristo "recebeu de Deus Pai a honra e a glória, quando uma voz vinda da Sua Glória Lhe disse: "Este é o Meu Filho amado: n'Ele encontro o Meu agrado". Esta voz veio do céu e nós próprios a ouvimos quando estávamos com Ele no monte santo. Por isso, acreditamos com mais firmeza na palavra dos profetas. E vós fazeis bem em considerá-la como uma luz que brilha num lugar escuro, até que venha o dia em que a estrela da manhã brilhe nos vossos corações" (2P 1,17-19).

5. Visão e escuta, contemplação e obediência são, portanto, os caminhos que nos levam ao monte santo no qual a Trindade se revela na glória do Filho. "A Transfiguração dá-nos um antegozo da vinda gloriosa de Cristo "que transformará o nosso corpo miserável para o conformar ao seu corpo glorioso" (Ph 3,21). Mas lembra-nos também que "temos de passar por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus" (Ac 14,22)" (CEC 556).

A liturgia da Transfiguração, como sugere a espiritualidade da Igreja do Oriente, apresenta nos três apóstolos Pedro, Tiago e João, uma "tríade" humana que contempla a Trindade divina. Como os três jovens da fornalha ardente do livro de Daniel (3, 51-90), a liturgia "abençoa Deus Pai Criador, canta o Verbo que desceu em sua ajuda e transforma o fogo em orvalho, e exalta o Espírito Santo que a todos dá a vida nos séculos" (Ofício das matinas da festa da Transfiguração).

Também nós agora rezamos a Cristo transfigurado com as palavras do Cânone de S. João Damasceno: "Seduziste-me com o desejo de ti, ó Cristo, e transformaste-me com o teu amor divino. Queima os meus pecados com o fogo imaterial e digna-te encher-me da tua doçura para que, transbordando de alegria, eu exalte as tuas manifestações".

Saudações

Amados peregrinos de Portugal e do Brasil, nomeadamente o grupo «Pueri Cantores» e os membros da paróquia de Nossa Senhora de Fátima e Santo Amaro de Guarujá, sede benvindos!

Temos a estrada desimpedida até ao Céu. Que nada vos impeça de viver e crescer na amizade de Deus, e testemunhar a todos a sua bondade e misericórdia! Sobre vós e vossas famílias, desça a minha Bênção Apostólica.





                                                                                 Maio de 2000

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 3 de Maio de 2000




Queridos irmãos e irmãs,

1. No fim da narração da morte de Cristo, o Evangelho faz ressoar a voz do centurião romano, que antecipa a profissão de fé da Igreja: "Verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus" (Mc 15,39). Nas últimas horas da existência terrena de Jesus, actua-se nas trevas a suprema epifania trinitária. De facto, a narração evangélica da paixão e morte de Cristo regista, apesar do abismo do sofrimento, a permanência da sua íntima relação com o Pai celeste.

Tudo inicia na tarde da Última Ceia entre as paredes tranquilas do Cenáculo onde, porém, já paira a sombra da traição. João conservou-nos aquelas palavras de despedida, que sublinham de maneira estupenda o vínculo profundo e a imanência recíproca entre Jesus e o Pai: "Se vós Me conhecêsseis, também conheceríeis Meu Pai... Quem Me vê, vê o Pai... As palavras que Eu vos digo, não as digo de Mim mesmo, mas o Pai que está em Mim é que faz as obras. Acreditai que estou no Pai, e o Pai em Mim" (Jn 14,7 Jn 14,9-11).

Ao dizer isto, Jesus retoma as palavras que havia pronunciado pouco tempo antes, quando declarara de modo lapidar: "Eu e o Pai somos um... O Pai está em Mim e Eu n'Ele" (Jn 10,30 Jn 10,38). E na oração que sela os discursos do Cenáculo, ao dirigir-se ao Pai na contemplação da sua glória, Ele reafirma: "Pai Santo. Guarda em Teu nome aqueles que Me deste, para que sejam um, assim como Nós" (Jn 17,11). Com esta confiança absoluta no Pai, Jesus prepara-se para realizar o seu acto supremo de amor (cf. Jn 13,1).

2. O vínculo que O une ao Pai manifesta-se na paixão de modo particularmente intenso e, ao mesmo tempo, dramático. O Filho de Deus vive em plenitude a sua humanidade, penetrando na obscuridade do sofrimento e da morte que pertencem à nossa condição humana. No Getsémani, durante uma oração semelhante a uma luta, a uma "agonia", Jesus dirige-se ao Pai com o apelativo aramaico da intimidade filial: "Abbá, Pai! Tudo Te é possível, afasta de Mim este cálice!

Contudo, não se faça o que Eu quero, mas o que Tu queres" (Mc 14,36).

Dali a pouco, quando se desencadeia contra Ele a hostilidade dos homens, recorda a Pedro que esta hora das trevas faz parte de um desígnio divino do Pai: "Julgas que não posso rogar a Meu Pai que, imediatamente, Me enviaria mais de doze legiões de anjos? Como se cumpririam então as Escrituras que dizem que tudo deve acontecer assim?" (Mt 26,53-54).

3. Também o diálogo processual com o Sumo Sacerdote se transforma numa revelação da glória messiânica e divina que envolve o Filho de Deus. "O Sumo Sacerdote disse-Lhe: "Intimo-Te, pelo Deus vivo, que nos digas se és o Cristo, o Filho de Deus". Jesus respondeu-lhe: "Tu o disseste. E Eu digo-vos: Vereis um dia o Filho do Homem sentado à direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do céus"" (Mt 26,63-64).

Quando Ele estiver na cruz, os espectadores recordar-Lhe-ão de maneira sarcástica esta sua proclamação: "Confiou em Deus; Ele que O livre agora, se O ama, pois disse: "Eu sou Filho de Deus!"" (Mt 27,43). Mas para aquela hora estava-Lhe reservado o silêncio do Pai, para que Ele pudesse fazer-se plenamente solidário com os pecadores e redimi-los. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica: "Jesus não conheceu a reprovação, como se tivesse pecado pessoalmente. Mas, no amor redentor que O unia de modo constante ao Pai, assumiu-nos no nosso pecado" (CEC 603).

4. Na cruz, de facto Jesus continua a manter o diálogo íntimo com o Pai, vivendo-o em toda a sua humanidade lacerada e sofredora, sem jamais perder a atitude confiante do Filho que é "um" com o Pai. Com efeito, por um lado, há aquele silêncio misterioso do Pai, acompanhado pela escuridão cósmica e sublinhado pelo brado: ""Eli, Eli, lamá sabactâni?", isto é: "Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonaste?"" (Mt 27,46).

Por outro lado, o Salmo 22, aqui citado por Jesus, termina num hino ao Senhor soberano do mundo e da história; e este aspecto é evidenciado na narração de Lucas, segundo o qual as últimas palavras de Cristo moribundo são uma luminosa citação sálmica, com o acréscimo da invocação: "Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito" (Lc 23,46 cf. Sl Ps 31,6).

5. Neste diálogo constante entre o Pai e o Filho participa também o Espírito Santo. Di-no-lo a Carta aos Hebreus, quando descreve com uma fórmula de certo modo trinitária a oferenda sacrifical de Cristo, declarando que Ele, "com um Espírito eterno, Se ofereceu a Deus" (9, 14).

Na sua Paixão, de facto, Cristo abriu plenamente o seu ser humano angustiado à acção do Espírito Santo, e este deu-Lhe o impulso necessário para fazer da sua morte uma perfeita oferenda ao Pai.
Por seu lado, o quarto Evangelho estabelece um nexo estreito do dom do Paráclito com a "morte" de Jesus, isto é, com a sua Paixão e a sua morte, quando refere esta palavra do Salvador:

"Digo-vos a verdade: é melhor para vós que Eu vá, porque se não for, o Advogado não virá a vós. Mas, se Eu for, enviar-vo-l'O-ei" (Jn 16,7). Depois da morte de Jesus na cruz, na água que corre do seu lado trespassado (cf. Jo Jn 19,34) é possível reconhecer um símbolo do dom do Espírito (cf. Jo Jn 7,37-39). O Pai glorifica então o seu Filho, dando-Lhe a capacidade de comunicar o Espírito a todos os homens.

À Trindade, que se revela também no dia do sofrimento e das trevas, elevemos a nossa contemplação, relendo as palavras do "testamento" espiritual de Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein): "Só a actividade humana não nos pode ajudar, mas sim a paixão de Cristo: participar nela é o meu verdadeiro desejo. Acolho desde agora a morte que Deus me destinou, com perfeita união à sua santa vontade. Acolhe, Senhor, para Tua glória e Teu louvor a minha vida e a minha morte pelas intenções da Igreja. O Senhor seja acolhido entre os seus e venha a nós o seu Reino com glória" (O poder da Cruz).

Saudação

Amados peregrinos do Brasil e de Portugal, a minha cordial saudação a todos vós, nomeadamente ao grupo da Matriz da Póvoa de Varzim e à paróquia de São João de Deus, em Lisboa. O céu cubra de graças o vosso caminho jubilar, para que a vossa vida, de olhos fixos em Jesus que Se deixou guiar pelo Espírito Santo, seja cheia de coragem, mansidão e esperança. Sobre vós, vossos familiares e comunidades eclesiais, desça a minha Bênção.

Dirijo uma saudação cordial aos polacos presentes nesta audiência.

1. Os nossos pensamentos dirigem-se à Mãe de Deus, Rainha da Polónia, cuja festa é celebrada precisamente hoje. Na solenidade do dia 3 de Maio, retornam à mente as palavras do Rei João Casimiro, pronunciadas diante da Imagem de Nossa Senhora das Graças, na catedral de Leópolis, a 1 de Abril de 1656: "Grande Mãe de Deus-Homem, Santíssima Virgem! Eu, João Casimiro, rei por misericórdia do teu Filho, Rei dos reis [...] prostrado aos teus santíssimos pés, tomo-Te hoje como minha Protectora e Rainha dos meus Estados". Com este histórico e solene acto, o Rei João Casimiro colocou todo o nosso País sob a protecção da Mãe de Deus.

O dia 3 de Maio é também o aniversário da Constituição de 1791. Essa coincidência faz com que no mesmo dia celebremos as festas religiosa e nacional.

Não nos é lícito esquecer estes eventos arraigados de modo tão profundo na história da nação. Entraram de maneira tão forte na consciência dos polacos, que a memória deles superou todos os mais difíceis momentos vividos pela nação: o período das separações, que durou mais de cem anos; o tempo de pesadas guerras, de perseguições; e a dominação durante muitos anos, por parte do sistema comunista.

2. Hoje, os nossos pensamentos dirigem-se também aos Santos mártires testemunhas de Cristo no início da nossa história: Santo Adalberto e Santo Estanislau. O testemunho da morte de Adalberto por martírio, o testemunho do sangue, selou de modo particular o Baptismo recebido pelos nossos antepassados há mil anos. O seu martírio foi posto nas bases do cristianismo em toda a terra polaca. Sobre essa herança, num certo sentido, vela Santo Estanislau, Padroeiro da ordem moral. Vigia sobre aquilo que é mais importante na vida do cristão e está na base da nossa Pátria. Vela sobre a ordem moral na vida da pessoa e da sociedade. E o que é esta ordem moral? Ela está unida à observância da lei, à fidelidade aos mandamentos e à fidelidade à consciência cristã.

Graças a ela, pode-se distinguir o bem do mal, é possível libertar-se de várias formas de escravidão moral. Estes dois santos Bispos e mártires completam o tríptico das festas patronais: A Mãe de Deus Rainha da Polónia, Santo Adalberto e Santo Estanislau.

3. O testemunho do martírio dado, há mil anos, na nossa terra pelo Bispo de Praga e pelo Bispo de Cracóvia, perdura no decurso dos séculos de geração em geração, e produz abundantes frutos de santidade. Um fruto deste tipo é também a canonização da Irmã Faustina Kowalska, que se realizou no domingo passado. Esta religiosa simples recordou ao mundo que Deus é amor, rico em misericórdia, que o seu amor é mais forte do que a morte, mais poderoso que o pecado e todo o mal. É o amor que eleva o homem das maiores quedas e o livra dos maiores perigos.

4. "Não esqueçamos as grandes obras de Deus" (cf. Sl 77[78], 7), exclama o Salmista maravilhado com a sabedoria e a bondade de Deus. Esta reflexão hodierna se torne para nós um encorajamento, a fim de conservarmos a grande riqueza contida desde o seu início na história da nossa Pátria. Que de geração em geração se transmita a memória das grandes obras de Deus, que se realizavam e se realizam na nossa terra. Elas não pertencem somente ao passado. São uma fonte incessante da força da Nação no seu caminho de fidelidade ao Evangelho, rumo ao futuro.



AUDIÊNCIA

Quarta-feira 10 de Maio de 2000




Queridos irmãos e irmãs,

1. O itinerário da vida de Cristo não tem como meta a obscuridade do sepulcro, mas o céu luminoso da ressurreição. A fé cristã está fundada sobre este mistério (cf. 1Co 15,1-20), como nos recorda o Catecismo da Igreja Católica: "A Ressurreição de Jesus é a verdade culminante da nossa fé em Cristo, acreditada e vivida como verdade central pela primeira comunidade cristã, transmitida como fundamental pela Tradição, estabelecida pelos documentos do Novo Testamento, pregada como parte essencial do mistério pascal, juntamente com a cruz" (CEC 638).
Um escritor místico espanhol do século XVI afirmava: "Em Deus, quanto mais se navega tanto mais mares se descobrem" (Frei Luís de León). Ao longo da imensidade do mistério queremos agora navegar rumo à luz da presença trinitária nos eventos da Páscoa. É uma presença que se prolonga nos cinquenta dias pós-pascais.

2. Diversamente dos escritos apócrifos, os Evangelhos canónicos não apresentam o evento da ressurreição em si, mas antes a nova e diferente presença de Cristo ressuscitado no meio dos seus discípulos. Precisamente esta novidade é ressaltada pela primeira cena, na qual nos queremos deter. É a aparição que se realiza numa Jerusalém ainda imersa na luz ténue da aurora: uma mulher, Maria Madalena, e um homem encontram-se dentro duma área do cemitério. Primeiro, a mulher não reconhece aquele que dela se aproxima: no entanto, é aquele Jesus de Nazaré, que ela escutou e que lhe transformou a vida. Para O reconhecer, é necessário outro canal de conhecimento, diferente da razão e dos sentidos. É o caminho da fé, que se abre quando ela se sente chamada pelo próprio nome (cf. Jo Jn 20,11-18).

Fixemos a nossa atenção no interior daquela cena, nas palavras do Ressuscitado. Ele declara: "Vou subir para junto de Meu Pai, que é vosso Pai, de Meu Deus, que é o vosso Deus" (Jn 20,17). Aparece, então o Pai celeste, em cujos confrontos Cristo, com a expressão "Meu Pai", sublinha um vínculo especial e único, diferente daquele que existe entre o Pai e os discípulos: "vosso Pai". Só no Evangelho de Mateus, por 17 vezes Jesus chama a Deus "Meu Pai". O quarto Evangelista usará dois vocábulos gregos diferentes, um hyiós para indicar a plena e perfeita filiação divina de Cristo, e o outro tékna que se refere ao nosso ser filhos de Deus de modo real mas derivado.

3. A segunda cena conduz-nos de Jerusalém para a região setentrional da Galileia, para o alto dum monte. Lá em cima, efectua-se outra cristofania, na qual o Ressuscitado se revela aos apóstolos (cf. Mt Mt 28,16-20). É um solene evento de revelação, reconhecimento e missão. Na plenitude dos seus poderes salvíficos, Ele confere à Igreja o mandato de anunciar o Evangelho, de baptizar e ensinar a viver segundo os seus mandamentos. E é a Trindade que emerge naquelas palavras essenciais, que ressoam também na fórmula do baptismo cristão, tal como a Igreja o administrará: "Baptizai (todas as nações) em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28,19).

Um antigo escritor cristão, Teodoro de Mopsuestia (séculos IV-V), comenta: "A expressão no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo indica Aquele que dá os bens do baptismo: o novo nascimento, a renovação, a imortalidade, a incorruptibilidade, a impassibilidade, a imutabilidade, a libertação da morte, da escravidão e de todos os males, o gozo da liberdade e a participação nos bens futuros e sublimes. Eis por que se é baptizado! Portanto, são invocados o Pai, o Filho e o Espírito Santo para que conheças a fonte dos bens do baptismo" (II Homilia, Sobre o Baptismo, 17).

4. Assim, chegamos à terceira cena que queremos evocar. Ela leva-nos para o passado, quando Jesus ainda caminhava pelas estradas da Terra Santa, falando e agindo. Durante a solenidade hebraica outonal dos Tabernáculos, Ele proclama: "Se alguém tem sede venha a Mim e beba! Do seio daquele que acreditar em Mim, correrão rios de água viva, como diz a Escritura" (Jn 7,38). O evangelista João interpreta essas palavras precisamente à luz da Páscoa de glória e do dom do Espírito Santo: "Jesus falava do Espírito que deviam receber os que n'Ele acreditassem; pois o Espírito ainda não viera, por Jesus não ter sido ainda glorificado" (Jn 7,39).

Acontecerá a glorificação da Páscoa e com ela também o dom do Espírito no Pentecostes, que Jesus antecipará para os seus Apóstolos na própria tarde do dia da ressurreição. Ao comparecer no cenáculo, soprará sobre eles e dirá: "Recebei o Espírito Santo" (Jn 20,22).

5. Portanto, na hora suprema da redenção o Pai e o Espírito estão unidos ao Filho. É o que Paulo afirma numa página particularmente luminosa da Carta aos Romanos, onde evoca a Trindade precisamente em conexão com a ressurreição de Cristo e de todos nós: "Se o Espírito d'Aquele que ressuscitou a Jesus dos mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou a Jesus Cristo dos mortos, há-de dar igualmente a vida aos vossos corpos mortais por meio do Seu Espírito, que habita em vós" (8, 11).

A condição para que se realize esta promessa é indicada pelo Apóstolo na mesma Carta: "Se confessares com a tua boca o Senhor Jesus e creres no teu coração que Deus O ressuscitou dentre os mortos, serás salvo" (Rm 10,9). À natureza trinitária do evento pascal corresponde o aspecto trinitário da profissão de fé. Com efeito, "ninguém pode dizer: "Jesus é o Senhor", senão por influência do Espírito Santo" (1Co 12,3) e quem o diz, di-lo "para glória de Deus Pai" (Ph 2,11).

Acolhamos, pois, a fé pascal e a alegria que dela resulta, fazendo nosso um cântico da Igreja do Oriente, para a vigília pascal: "Todas as coisas são iluminadas pela Tua ressurreição, ó Senhor, e o paraíso é reaberto. Toda a criação Te bendiz e todo o dia Te oferece um hino. Glorifico o poder do Pai e do Filho, exalto a autoridade do Espírito Santo, Divindade indivisa, incriada, Trindade consubstancial que reina nos séculos dos séculos" (Cânone pascal de São João Damasceno, Sábado Santo, terceiro tom).

Saudações

A minha cordial saudação a todos os peregrinos de língua portuguesa, sobre quem imploro a luz esplendorosa de Cristo que, pela sua morte e ressurreição, abriu de novo o Paraíso. Sois peregrinos do Céu; dirigi para lá os vossos passos.
A Virgem Mãe vos guie e proteja!


Dou cordiais boas-vindas aos peregrinos ortodoxos russos. Caríssimos, agradeço a vossa visita e de bom grado invoco copiosas bênçãos do céu sobre vós e os vossos entes queridos.

Seja também bem-vindo o grupo de fiéis ortodoxos da Bulgária. Caríssimos, enquanto vos agradeço a presença, faço votos por que esta peregrinação aos túmulos dos Santos Pedro e Paulo e dos Mártires romanos vos sirva de estímulo para um empenho de testemunho evangélico sempre mais generoso na vossa Pátria.

O meu pensamento dirige-se, enfim, aos Jovens, aos Doentes e aos jovens Casais.

O Dia Mundial das Vocações, que celebraremos no próximo domingo, convida-nos a reflectir sobre as palavras de Jesus: "Vem e segue-Me", com as quais Ele chama os Apóstolos a segui-Lo.
Saúdo-vos, caros jovens, em particular vós da Arquidiocese de Brindes-Ostuni, vindos para o vosso jubileu, e vós, meninos e meninas de várias escolas, e especialmente vós "premiados" pela instituição São Donino de Ouro da Diocese de Fidenza. A cada um formulo votos por que saiba reconhecer, no meio de tantas vozes deste mundo, a de Cristo, que continua a dirigir o seu convite ao coração de quem sabe pôr-se em escuta. Sede generosos em segui-Lo, não tenhais medo de colocar as vossas energias e o vosso entusiasmo ao serviço do seu Evangelho.

E vós, queridos doentes, que o Senhor une de modo mais misterioso à sua paixão, abri-Lhe o coração com confiança. Ele não vos deixará faltar a consoladora luz da sua presença.
Enfim, a vós, prezados jovens esposos, desejo que as famílias por vós há pouco formadas correspondam à vocação de serem, no mundo, transparência do amor de Deus, graças à fidelidade do vosso amor.




AUDIÊNCIA

Quarta-feira 17 de Maio de 2000




Caríssimos Irmãos e Irmãs:


1. Desejo hoje deter-me convosco na peregrinação a Fátima, que o Senhor me concedeu realizar na sexta-feira e sábado da semana passada. Ainda estão vivas em mim as emoções sentidas. Conservo nos olhos a imensa multidão que se reuniu na esplanada diante do Santuário, na sexta-feira quando lá cheguei, e de modo especial na manhã de sábado para a beatificação dos dois pastorinhos Francisco e Jacinta. Uma multidão exultante de alegria e, ao mesmo tempo, capaz de criar momentos de absoluto silêncio e intenso recolhimento.

O meu coração está repleto de gratidão: pela terceira vez, no dia 13 de Maio, data da primeira aparição de Nossa Senhora na Cova da Iria, a Providência concedeu-me ir em peregrinação aos pés da Virgem, lá onde Ela se mostrou aos três pastorinhos Lúcia, Francisco e Jacinta, de Maio a Outubro de 1917. Lúcia ainda vive, e mais uma vez tive a alegria de a encontrar.

Dirijo um sentido agradecimento ao Bispo de Fátima e ao inteiro Episcopado de Portugal pela preparação desta visita e pelo caloroso acolhimento. Além disso, renovo a minha saudação e a minha gratidão ao Senhor Presidente, ao Primeiro-Ministro e às outras Autoridades portuguesas pelas atenções que me reservaram e pelo empenho com que se esforçaram pelo bom êxito desta peregrinação apostólica.

2. Assim como em Lourdes, também em Fátima a Virgem escolheu crianças, Francisco, Jacinta e Lúcia, como destinatários da sua mensagem. Elas acolheram-na de modo tão fiel, que merecem não só serem reconhecidas como testemunhas críveis das aparições, mas elas mesmas se tornam exemplo de vida evangélica.

Lúcia, a pequena prima que então era um pouco maior e ainda hoje está viva, ofereceu alguns traços significativos dos dois novos Beatos. Francisco era um bom menino, reflexivo, de espírito contemplativo; enquanto Jacinta era vivaz, mais susceptível, mas bastante doce e amável. Os pais educaram-nos para a oração, e o próprio Senhor os atraiu de modo mais estreito a Si, mediante a aparição de um Anjo que, tendo nas mãos um Cálice e uma Hóstia, lhes ensinou a unir-se ao Sacrifício eucarístico em reparação dos pecados.

Esta experiência preparou-os para os sucessivos encontros com Nossa Senhora, que os convidou a orar assiduamente e a oferecer sacrifícios pela conversão dos pecadores. Com os dois pastorinhos de Fátima a Igreja proclamou Beatos dois jovenzinhos porque, embora não sejam mártires, demonstraram que viviam as virtudes cristãs em grau heróico, apesar da sua tenra idade. Heroísmo de crianças, mas verdadeiro heroísmo.

A sua santidade não depende das aparições, mas da fidelidade e do empenho com que eles corresponderam ao dom singular recebido do Senhor e de Maria Santíssima. Depois do encontro com o Anjo e com a bonita Senhora, recitavam o Rosário várias vezes por dia, ofereciam frequentes penitências pelo fim da guerra e pelas almas mais necessitadas da misericórdia divina e sentiam o intenso desejo de "consolar" o Coração de Jesus e de Maria. Os pastorinhos, além disso, tiveram de suportar as fortes pressões daqueles que os impeliam, com a força e terríveis ameaças, a renegar tudo e a revelar os segredos recebidos. Mas encorajaram-se reciprocamente, confiando no Senhor e na ajuda da "Senhora", da qual Francisco dizia: "É a nossa amiga". Pela sua fidelidade a Deus, constituem um luminoso exemplo, para crianças e adultos, de como se deve conformar de modo simples e generoso à acção da graça divina que transforma.

3. A minha peregrinação a Fátima foi, portanto, uma acção de graças a Maria por tudo aquilo que quis comunicar à Igreja através destas crianças e pela protecção a mim concedida durante o pontificado: um agradecimento que quis renovar-Lhe de maneira simbólica, com o dom do precioso anel episcopal, que me foi oferecido pelo Cardeal Wyszynski poucos dias após a minha eleiçao à Sé de Pedro.

Ao parecerem-me já amadurecidos os tempos, julguei oportuno tornar público o conteúdo da chamada terceira parte do segredo.

Foi-me grato poder orar na Capelinha das Aparições, construída no lugar em que a "Senhora esplendente de luz" se mostrou várias vezes às tres crianças e falou com elas. Agradeci tudo o que a misericórdia divina realizou no século XX, graças à intercessão materna de Maria. À luz das aparições de Fátima, os eventos deste período histórico bastante conturbado assumem uma sua singular eloquência. Não é difícil, então, compreender melhor quanta misericórdia Deus derramou sobre a Igreja e a humanidade por meio de Maria. Não podemos deixar de agradecer a Deus o testemunho corajoso de tantos arautos de Cristo, que permaneceram fiéis a Ele até ao sacrifício da vida. É-me grato, além disso, recordar aqui crianças e adultos, homens e mulheres que, segundo as indicações dadas pela Virgem em Fátima, ofereceram quotidianamente orações e sacrifícios, sobretudo com a recitação do santo Rosário e com a penitência. De todos desejaria mais uma vez fazer memória e dar graças a Deus.

4. De Fátima difunde-se pelo mundo inteiro uma mensagem de conversão e esperança, uma mensagem que, em conformidade com a revelação crista, está profundamente inserida na história. A partir precisamente das experiências vividas, Ela convida os fiéis a rezarem com assiduidade pela paz no mundo e a fazer penitência a fim de abrir os corações à conversão. É este o genuíno Evangelho de Cristo, reproposto à nossa geração provada de maneira particular pelos eventos passados. O apelo que Deus nos fez chegar mediante a Virgem Santa conserva intacta ainda hoje a sua actualidade.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, acolhamos a luz que vem de Fátima: deixemo-nos guiar por Maria. O seu Coração Imaculado seja o nosso refúgio e o caminho que nos conduz a Cristo. Os Beatos pastorinhos intercedam pela Igreja, para que ela prossiga com coragem a sua peregrinação terrena e anuncie com constante fidelidade o Evangelho da salvação a todos os homens!

Saudações



Saúdo com especial afecto os peregrinos de língua portuguesa presentes nesta homenagem filial à Virgem Santíssima. De modo especial saúdo o numeroso grupo de visitantes brasileiros e a peregrinação nacional de Moçambique, guiada por D. Paulo Mandlate, Bispo de Tepe, vinda a Roma para celebrar o Jubileu.

A todos vós, convido a oferecerdes um testemunho válido e sincero da própria fé e a revestirdes-vos em todos os momentos do amor e da paz de Jesus Cristo. A todos, de coração, dou a minha Bênção Apostólica.

Acolho com prazer a peregrinação da Grécia, vinda a Roma para efectuar um caminho jubilar, guiada pelo Vigário-Geral de Atenas.

Queridos amigos, possa a vossa oração na Cidade dos Apóstolos Pedro e Paulo confortar-vos na fé e estimular o vosso testemunho de fiéis unidos ao Sucessor de Pedro, num espírito de paz e de concórdia com todos os vossos irmãos cristãos! Cristo ressuscitado seja a vossa luz e alegria!

Saúdo o Cardeal Law, com a peregrinação de Boston, e os membros do Colégio de Defesa da NATO, encorajando-os a considerarem sempre o próprio compromisso profissional como um serviço à paz no mundo.

Sobre todos os peregrinos e visitantes de língua inglesa, de modo especial os da Inglaterra, Irlanda, Suécia, Malta, Uganda, Indonésia, Hong-Kong, Japão, Canadá e Estados Unidos, invoco a alegria e a paz do Salvador ressuscitado.

Queridos peregrinos de Brno e arredores, na República Tcheca.

Ontem celebrastes a festa de São João Nepomuceno. Possa o seu exemplo de fidelidade a Deus despertar a magnanimidade em todos os pastores e fiéis, a fim de que saibam agir sempre prontamente, segundo a exortação do Apóstolo Pedro: "É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens" (Ac 5,29).

De coração abençoo todos vós.
Louvado seja Jesus Cristo!

Por fim, dirijo-me aos Jovens, aos Doentes e aos jovens Casais, exortando todos a aprofundarem a piedosa prática do santo Rosário, de maneira especial neste mês de Maio dedicado à Mãe de Deus.

Convido-vos, caros jovens, a acolher o Rosário como oração evangélica, que ajuda a compreender melhor os fundamentais momentos da história da salvação.

Exorto-vos, queridos doentes, a dirigir-vos com confiança a Nossa Senhora mediante esta tradicional oração mariana, confiando-vos a Ela em todas as vossas necessidades.

A vós, prezados jovens esposos, formulo votos por que consigais fazer do santo Rosário, recitado em comum nos vossos lares, um momento de intensa vida familiar, sob o olhar materno da Virgem Maria.

A todos a minha Bênção.

Oremos pela paz entre a Etiópia e a Eritreia e em Serra Leoa

Nos dias passados foram reiniciados os combates entre a Etiópia e a Eritreia, enquanto a violência continuou a atingir as populações de Serra Leoa. Como sempre, são os civis e as pessoas inermes que pagam o preço de crueldade tão inaudita.

Convido-vos a orar ao Senhor da paz, para que escute o grito dos que sofrem e chegue ao coração e à mente dos vários responsáveis por estes conflitos absurdos. Um particular encorajamento e uma ardente súplica dirigem-se às pessoas de boa vontade que despendem a própria vida na solidariedade para com aquele que sofre, assim como às Organizações que se prodigalizam por ampliar todo o indício de paz.



AUDIÊNCIAS 2000 - AUDIÊNCIA