AUDIÊNCIAS 2000 - AUDIÊNCIA



AUDIÊNCIA

Quarta-feira 24 de Maio de 2000




Queridos irmãos e irmãs,

1. O mistério da Páscoa de Cristo abrange a história da humanidade, mas ao mesmo tempo transcende-a. O próprio pensamento e a linguagem humana podem de algum modo compreender este mistério e comunicá-lo, mas não exauri-lo. Por este motivo o Novo Testamento, embora fale de "ressurreição" como afirma o antigo Credo que o próprio Paulo recebeu e transmitiu na Primeira Carta aos Coríntios (cf. 15, 3-5), recorre também a outra formulação para delinear o significado da Páscoa. Sobretudo em João e Paulo ela é apresentada como exaltação ou glorificação do Crucificado. Assim, para o quarto evangelista a cruz de Cristo já é o trono real, que se apoia na terra mas penetra nos céus. Cristo encontra-se ali sentado, como Salvador e Senhor da história.

De facto, no Evangelho de João, Jesus exclama: "E quando for levantado da terra, atrairei todos a Mim" (12, 32; cf. 3, 14; 8, 28). No hino inserido na Carta aos Filipenses, depois de ter descrito a profunda humilhação do Filho de Deus na morte de cruz, Paulo celebra assim a Páscoa: "Por isso é que Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todo o nome, para que ao nome de Jesus, todo o joelho se dobre nos Céus, na Terra e nos Infernos, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor para glória de Deus Pai" (2, 9-11).

2. A Ascensão de Cristo ao céu, narrada por Lucas ao concluir o seu Evangelho e como início da sua segunda obra, os Actos dos Apóstolos, deve ser compreendida nesta mesma luz. Trata-se da última aparição de Jesus, que "termina com a entrada irreversível da sua humanidade na glória divina, simbolizada pela nuvem e pelo céu" (Catecismo da Igreja Católica, CEC 659). O céu é por excelência o sinal da transcendência divina. É a zona cósmica que está acima do horizonte terrestre, dentro do qual se desenvolve a existência humana.

Depois de ter percorrido as sendas da história e entrado também na obscuridade da morte, fronteira da nossa finitude e salário do pecado (cf. Rm Rm 6,23), Cristo retorna à glória, que desde a eternidade (cf. Jo Jn 17,5) é por Ele compartilhada com o Pai e o Espírito Santo. E consigo conduz a humanidade remida. A carta aos Efésios, de facto, afirma que "Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou... deu-nos a vida juntamente com Cristo... Na pessoa de Jesus Cristo, Deus ressuscitou-nos e fez-nos sentar no céu" (2, 4-6). Isto vale antes de tudo para a Mãe de Jesus, Maria, cuja assunção é primícias da nossa ascensão na glória.

3. Diante do Cristo glorioso da Ascensão, detemo-nos para contemplar a presença de toda a Trindade. Sabe-se que a arte cristã, na chamada Trinitas in cruce, representou por mais de uma vez Cristo crucificado, sobre o Qual o Pai se debruça como num abraço, enquanto entre os dois paira a pomba do Espírito Santo (assim, por exemplo, Masaccio na igreja de Santa Maria "Novella", em Florença). Desse modo, a cruz é um símbolo unitivo que amalgama a humanidade e a divindade, a morte e a vida, o sofrimento e a glória.

De maneira análoga, pode-se entrever a presença das três Pessoas divinas na cena da Ascensão. Na página final do Evangelho, antes de apresentar o Ressuscitado que, como sacerdote da Nova Aliança, abençoa os seus discípulos e se separa da terra para ser conduzido à glória do céu (cf. Lc Lc 24,50-52), Lucas evoca novamente o discurso de despedida dirigido aos apóstolos. Nele aparece antes de tudo o desígnio de salvação do Pai, que nas Escrituras anunciara a morte e a ressurreição do Filho, fonte de perdão e de libertação (cf. Lc Lc 24,45-47).
4. Mas naquelas mesmas palavras do Ressuscitado delineia-se também o Espírito Santo, cuja presença será fonte de força e de testemunho apostólico: "Agora vou enviar-vos Aquele que Meu Pai prometeu. Por isso, esperai na cidade, até que sejais revestidos da força do alto" (Lc 24,49). Se no Evangelho de João o Paráclito é prometido por Cristo, para Lucas o dom do Espírito faz também parte duma promessa do próprio Pai.

A inteira Trindade, portanto, está presente no momento em que se abre o tempo da Igreja. É o que Lucas afirma também na segunda narração da Ascensão de Cristo, a dos Actos dos Apóstolos. Com efeito, Jesus exorta os discípulos a "esperarem que se cumpra a promessa do Pai", isto é, de serem "baptizados no Espírito Santo", no Pentecostes já iminente (cf. Act Ac 1,4-5).

5. A Ascensão é, pois, uma epifania trinitária que indica a meta para a qual se orienta a flecha da história pessoal e universal. Ainda que o nosso corpo mortal passe através da dissolução no pó da terra, todo o nosso eu remido está propenso para o alto e para Deus, seguindo Cristo como guia.
Sustentados por esta certeza jubilosa, dirijamo-nos ao mistério de Deus Pai, Filho e Espírito, que se revela na Cruz gloriosa do Ressuscitado, com a invocação adorante da Beata Isabel da Trindade: "Ó meu Deus, Trindade que adoro, ajudai-me a esquecer-me inteiramente para me estabelecer em Vós, imóvel e tranquila, como se a minha alma já estivesse na eternidade...

Pacificai a minha alma! Fazei de mim o vosso céu, a vossa morada predilecta e o lugar do vosso repouso... Ó meus Três, meu tudo, minha Bem-aventurança, Solidão infinita, Imensidade na qual me perco, eu abandono-me em Vós... à espera de poder contemplar na vossa luz o abismo da vossa grandeza" (Elevação à Santíssima Trindade, 21 de Novembro de 1904).

Saudações

Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha saudação afectuosa a todos os presentes, nomeadamente ao grupo português da Boa Vista e aos grupos do Brasil, com votos de que a romagem pela Porta Santa deixe os vossos corações inundados das graças jubilares e torne mais radiante e contagioso o vosso testemunho cristão.

De coração vos dou a minha Bênção, extensiva às vossas famílias.

Saúdo agora todos os peregrinos de língua italiana, e em especial os numerosos religiosos e religiosas, a peregrinação das "Obras de São Leonardo Murialdo", no centenário da morte do seu Fundador. Caros Irmãos e Irmãs, as celebrações do Jubileu sejam para todos uma ocasião de renovado fervor espiritual no caminho de fé e no empenho missionário.

Uma recordação particular às Capitulares da Congregação das Irmãs da Caridade de Santa Joana Antida Thouret. Acompanho-vos, caríssimas Irmãs, com a oração e os votos por que dos trabalhos do vosso Capítulo Geral derive para o vosso inteiro Instituto um renovado ardor religioso.

Acolho com afecto os membros da Associação "Comunidade Papa João XXIII". Sei com quanto empenho trabalhais ao lado de crianças e adultos em dificuldade. O Senhor vos acompanhe e vos torne testemunhas corajosas no serviço da vida e da dignidade humana.

Sáudo, enfim, os Jovens, os Doentes e os jovens Casais. Hoje é a festa de Nossa Senhora venerada com o título de Maria Auxiliadora.

Maria vos ajude, caros jovens, a revigorar todos os dias a vossa fidelidade a Cristo. Obtenha conforto e serenidade para vós, carísssimos doentes. Encoraje-vos, prezados jovens esposos, a traduzir na vida quotidiana o mandamento do amor.




AUDIÊNCIA

Quarta-feira 31 de Maio de 2000

Caríssimos Irmãos e Irmãs:


1. O Pentecostes cristão, celebração da efusão do Espírito Santo, apresenta vários aspectos nos escritos neotestamentários. Iniciaremos com aquele que acabámos de ouvir delinear no trecho dos Actos dos Apóstolos. Este é o mais imediato na mente de todos, na história da arte e na própria liturgia.

Na sua segunda obra, Lucas coloca o dom do Espírito no interior de uma teofania, ou seja, de uma solene revelação divina, que nos seus símbolos remete à experiência de Israel no Sinai (cf. Êx Ex 19). O fragor, o vento impetuoso e o fogo que evoca o fulgor exaltam a transcendência divina. Na realidade, é o Pai que dá o Espírito através da intervenção de Cristo glorificado. Pedro diz no seu discurso: "Ele [Jesus] foi exaltado à direita de Deus, recebeu do Pai o Espírito prometido e comunicou-O: é o que vedes e ouvis" (Ac 2,33). No Pentecostes como ensina o Catecismo da Igreja Católica o Espírito Santo "manifestou-se, deu-se e comunicou-se como Pessoa divina...

Neste dia, revelou-se plenamente a Santíssima Trindade" (CCC, nn. 731-732).

2. Efectivamente, toda a Trindade está envolvida na irrupção do Espírito Santo, derramado sobre a primeira comunidade e sobre a Igreja de todos os tempos como selo da Nova Aliança anunciada pelos profetas (cf. Jr Jr 31,31-34 Ez 36,24-27), a favor do testemunho e como fonte de unidade na pluralidade. Em virtude do Espírito Santo, os Apóstolos anunciam o Ressuscitado, e todos os fiéis, na diversidade das suas línguas e por conseguinte das suas culturas e vicissitudes históricas, professam a única fé no Senhor, "anunciando as maravilhas de Deus" (cf. Act Ac 2,11).

É significativo observar que um comentário judaico ao Êxodo, evocando o cap. 10 do Génesis, em que se delineia um mapa das 70 nações que se julgavam que constituíssem a humanidade na sua plenitude, as reconduz ao Sinai para escutar a Palavra de Deus: "No Sinai a voz do Senhor dividiu-se em 70 línguas, para que todas as nações pudessem compreender" (Êxodo Rabbá 5, 9). Assim, também no Pentecostes de Lucas a Palavra de Deus, mediante os Apóstolos, é dirigida à humanidade para anunciar a todos os povos, apesar das suas diversidades, "as maravilhas de Deus" (Ac 2,11).

3. Porém, no Novo Testamento há outra narração a que poderíamos chamar Pentecostes joanino. Com efeito, no quarto Evangelho a efusão do Espírito Santo é situada na mesma noite da Páscoa, intimamente ligada à Ressurreição. Em João, lê-se: "Era o primeiro dia da semana. Ao anoitecer desse dia, estando fechadas as portas do lugar onde se achavam os discípulos por medo das autoridades dos judeus, Jesus entrou. Ficou no meio deles e disse: "A paz esteja convosco!".

Dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então, os discípulos ficaram contentes por ver o Senhor. Jesus disse-lhes novamente: "A paz esteja convosco! Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio a vós". E, tendo dito isto, Jesus soprou sobre eles, dizendo: "Recebei o Espírito Santo. Os pecados daqueles que perdoardes, serão perdoados. Os pecados daqueles que não perdoardes, não serão perdoados"" (Jn 20,19-23).

Também nesta narração joanina resplandece a glória da Trindade: de Cristo ressuscitado que se mostra no seu corpo glorioso, do Pai que se encontra na nascente da sua missão apostólica e do Espírito efundido como dádiva de paz. Assim, cumpre-se a promessa que Cristo fez, entre aquelas mesmas paredes, no discurso de adeus aos discípulos: "O Advogado, o Espírito Santo, que o meu Pai vai enviar em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e fazer-vos-á recordar tudo o que Eu vos disse" (Jn 14,26). A presença do Espírito na Igreja é destinada à remissão dos pecados, à recordação e à realização do Evangelho na vida, na actuação cada vez mais profunda da unidade no amor.

O acto simbólico do sopro deseja evocar o gesto do Criador que, depois de plasmar o corpo do homem com o pó da terra, "lhe soprou nas narinas" para lhe dar "um sopro de vida" (Gn 2,7).

Cristo ressuscitado comunica outro sopro de vida, "o Espírito Santo". A redenção é uma nova criação, obra divina na qual a Igreja é chamada a colaborar mediante o ministério da reconciliação.

4. O Apóstolo Paulo não nos oferece uma narração directa da efusão do Espírito, ma fala dos seus frutos com tal intensidade que se poderia aludir a um Pencostes paulino, também este apresentado sob o sinal da Trindade. De facto, segundo dois trechos paralelos das cartas aos Gálatas e aos Romanos o Espírito é o dom do Pai, que nos faz filhos adoptivos, tornando-nos partícipes da mesma vida da família divina. Assim, Paulo afirma: "Não recebestes um Espírito de escravos para recairdes no medo, mas um Espírito de filhos adoptivos, por meio do qual clamamos: Abbá! O próprio Espírito assegura ao nosso espírito que somos filhos de Deus. E, se somos filhos, somos também herdeiros: herdeiros de Deus, herdeiros com Deus" (Rm 8,15-17 cf. Gl Ga 4,6-7).

Com o Espírito Santo no coração, podemos dirigir a Deus o apelativo familiar Abbá, que Jesus mesmo usava em relação ao seu Pai celeste (cf. Mc Mc 14,36). Como ele, devemos caminhar segundo o Espírito na profunda liberdade interior: "O fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, bondade, benevolência, fé, mansidão e domínio de si" (Ga 5,22).

Concluamos esta nossa contemplação da Trindade no Pentecostes, com uma invocação da Liturgia do Oriente: "Vinde, povos, adoremos a Divindade em três Pessoas: o Pai no Filho, com o Espírito Santo. Porque desde toda a eternidade o Pai gera um Filho co-eterno e reinante com Ele, e o Espírito Santo é no Pai, glorificado com o Filho, como única potência, única divindade... Santíssima Trindade, glória a Ti!" (Vésperas do Pentecostes).

Saudação do Papa aos peregrinos da Arquidiocese de Leópolis dos Latinos (Ucrânia)

Saúdo de forma especial os peregrinos da Arquidiocese de Leópolis, presentes nesta audiência. Cumprimento D. Marian Jaworski, Arcebispo Metropolitano de Leópolis; o Bispo Auxiliar Stanislaw Padewski; os sacerdotes, as religiosas e todos os fiéis.

1. Viestes a Roma, aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, no ano do grande Jubileu, para expressardes por intermédio deles a gratidão a Deus, sobretudo pelo dom da fé recebida no santo baptismo e para pedirdes o seu revigoramento. Conheceis bem o valor desta dádiva. Por dezenas de anos pagastes a fidelidade a Deus com o sofrimento e as humilhações de vários tipos, fostes discriminados e padecestes dolorosas perseguições.

Louvado seja Jesus Cristo!

Penso com emoção em toda a multidão dos leigos e eclesiásticos, que tiveram a coragem e a força de perseverar até ao fim ao lado de Cristo e da sua Igreja, não obstante os aprisionamentos, as deportações aos "lagers" e campos de trabalho forçado. Quantos deles pagaram com a própria vida esta fidelidade a Deus, à Igreja católica e à Sé Apostólica! Por esta atitude, a Igreja agradece hoje a vós e aos vossos irmãos de Rito oriental.

Louvado seja Jesus Cristo!

Insisto para que conserveis profundamente radicado na memória o testemunho destes mártires e a transmitais às gerações vindouras. Com efeito, eles são sinais do amor que não recua diante de nenhum perigo e sacrifício. Deste modo, inscrevem-se no grande património da Igreja nos vossos territórios. Este seu testemunho seja para vós modelo e conforto a caminho do novo milénio.

2. Estimados irmãos e irmãs, a vossa presença na Cidade Eterna está ligada à tradição iniciada pelo Servo de Deus D. Jòzef Bilczewski, que não raro vinha em peregrinação a Roma, juntamente com os seus fiéis, para sublinhar o profundo ligame de Leópolis à Sé Apostólica. Damos graças a Deus todo-poderoso por esta bela tradição se ter restabelecido, e o encontro hodierno dá testemunho disto. Quero dizer-vos com verdadeira comoção que me alegro pela vossa presença na Praça de São Pedro, enquanto agradeço a todos aqueles que prepararam esta peregrinação. Com efeito, somos testemunhas das maravilhosas Obras de Deus e dos grandiosos sinais da divina Providência. Por isso seja louvada a Santíssima Trindade!

3. O meu pensamento volta-se também para Nossa Senhora das Mercês. É a Ela que confio toda a vossa Arquidiocese. Oxalá Ela esteja sempre presente na vossa vida, vigiando e impetrando ao seu Filho as graças necessárias. Ela torne os vossos corações abertos à escuta da verdade divina e ao cumprimento da vontade de Deus.

Uma vez mais, saúdo cordialmente quantos estão aqui presentes e faço votos por que o Grande Jubileu do Ano 2000 vos revigore na fé, consolide na esperança e anime o amor sempre pronto a servir o homem.

Deus abençoe cada um de vós e todos os irmãos e irmãs da dilecta Arquidiocese de Leópolis.
Louvado seja Jesus Cristo!



                                                                           Junho de 2000

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 7 de Junho de 2000



A glória da Trindade no homem vivo

1. Neste Ano jubilar a nossa Catequese aborda de bom grado o tema da glorificação da Trindade. Depois de ter contemplado a glória das três Pessoas divinas da criação, na história e no mistério de Cristo, o olhar dirige-se para o homem, a fim de captar nele os raios luminosos da acção de Deus.

"Nas Suas mãos estão a vida de todos os viventes e a respiração de todo o ser humano" (Jb 12,10). Esta sugestiva declaração de Job revela o ligame radical que une os seres humanos ao "Senhor, que ama a vida" (Sg 11,26). A criatura racional tem inscrita em si uma íntima relação com o Criador, um profundo vínculo constituído sobretudo pelo dom da vida. Dádiva que é concedida pela Trindade mesma e comporta duas dimensões principais, como agora procuraremos explicar à luz da Palavra de Deus.

2. A primeira dimensão fundamental da vida que nos é dada é física e histórica, a "alma" (nefesh) e a "respiração" (ruah) às quais Job se referia. O Pai entra em cena como manancial deste dom, nos exórdios mesmos da criação quando proclama com solenidade: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança... Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus Ele o criou; e criou-os homem e mulher" (Gn 1,26-27). Juntamente com o Catecismo da Igreja Católica, podemos tirar esta conclusão: "A imagem divina está presente em cada homem. Mas resplandece na comunhão das pessoas, à semelhança da união das pessoas divinas entre si" (n. 1702). Na mesma comunhão de amor e na capacidade geradora do casal humano há um reflexo do Criador. No matrimónio, o homem e a mulher perpetuam a obra criadora de Deus, participando na sua suprema paternidade, no mistério que Paulo nos convida a contemplar quando exclama: "Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, que age por meio de todos e está presente em todos" (Ep 4,6).

A presença eficaz de Deus, que o cristão invoca como Pai, revela-se já no início da vida de cada homem, para depois se dilatar ao longo de todos os seus dias. É o que testifica uma estrofe de extraordinária beleza do Salmo 139 [138], que se pode reproduzir assim, na forma mais próxima ao original: "Tu formaste os meus rins, Tu me teceste no seio materno... e os meus ossos não te estavam escondidos. Quanado eu era formado em segredo, tecido na terra mais profunda, os teus olhos viam o meu embrião (golmi) e tudo era escrito no teu livro. Os meus dias já estavam calculados, antes mesmo que chegasse o primeiro" (vv. 13.15-16).

3. Também o Filho está presente ao lado do Pai quando iniciamos a nossa existência, Ele que assumiu a nossa carne (cf. Jo Jn 1,14) a ponto de poder ser tocado pelas nossas mãos e ser escutado pelos nossos ouvidos, visto e contemplado pelos nossos olhos (cf. 1Jn 1,1). Com efeito, Paulo recorda-nos que "existe um só Deus: o Pai. D'Ele tudo procede, e é para Ele que existimos. E há um só Senhor, Jesus Cristo, por quem tudo existe e por meio do qual também nós existimos" (1Co 8,6). De resto, cada criatura humana é confiada também ao sopro do Espírito de Deus, como canta o Salmista: "Envias o teu sopro e eles são criados" (Ps 104 [103], 30). À luz do Novo Testamento é possível ler nestas palavras um prenúncio da terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Na nascente da nossa vida há, portanto, uma intervenção trinitária de amor e de bênção.

4. Como observei, existe outra dimensão na vida oferecida à criatura humana. Podemos expressá-la através de três categorias teológicas neotestamentárias. Existe antes de mais a zoé aiônios, ou seja, a "vida eterna" celebrada por João (cf. 3, 15-16; 17, 2-3), que há-de ser entendida como participação na "vida divina". Depois, há ainda a paulina kainé ktisis, a "nova criatura" (cf. 2Co 5,17 Ga 6,15), produzida pelo Espírito que irrompe na condição da criatura humana, transfigurando-a e atribuindo-lhe uma "vida nova" (cf. Rm Rm 6,4 CL 3,9-10 Ef CL 4,22-24). É a vida pascal: "Como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos receberão a vida" (1Co 15,22). Enfim, há a vida como filhos de Deus, a hyiothesia (cf. Rm Rm 8,15 Ga 4,5), que exprime a nossa comunhão de amor com o Pai, no seguimento de Cristo na força do Espírito Santo: "A prova de que sois filhos é o facto de que Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho que clama: Abbá, Pai! Portanto, já não és escravo, mas filho; e se és filho, és também herdeiro" (Ga 4,6-7).

5. Esta vida transcendente infundida em nós pela graça abre-nos o futuro, para além do limite da nossa caducidade de criaturas. É o que Paulo afirma na Carta aos Romanos, evocando novamente a Trindade como fonte desta vida pascal: "Se o Espírito d'Aquele que ressuscitou Jesus dos mortos (ou seja, o Pai) habita em vós, Aquele que ressuscitou Jesus dos mortos também dará a vida aos vossos corpos mortais, por meio do seu Espírito que habita em vós" (8, 11).

"Por conseguinte, a vida eterna é a própria vida de Deus e, simultaneamente, a vida dos filhos de Deus. Um assombro incessante e uma gratidão sem limites não podem deixar de se apoderar do crente diante desta inesperada e inefável verdade que nos vem de Deus em Cristo... (cf. 1Jn 3,1-2)... Assim chega ao seu auge a verdade cristã acerca da vida. A dignidade desta não está ligada apenas às suas origens, à sua proveniência de Deus, mas também ao seu fim, ao seu destino de comunhão com Deus no conhecimento e no amor d'Ele. É à luz desta verdade que Santo Ireneu especifica e completa a sua exaltação do homem: "glória de Deus" é, sim, "o homem vivo", mas "a vida do homem consiste na visão de Deus" (Evangelium vitae EV 38 cf. Santo Ireneu, Adversus haereses, IV, 20, 7).

Concluímos a nossa reflexão com a prece de um sábio do Antigo Testamento a Deus vivo e amante da vida: "Tu amas tudo o que existe, e não desprezas nada do que criaste. Se odiasses alguma coisa, não a terias criado. De que modo poderia alguma coisa subsistir, se a não quisesses? Como se poderia conservar alguma coisa se a não tivesses chamado à existência? Tu, porém, poupas todas as coisas, porque todas te pertencem, Senhor, que amas a vida. O teu espírito incorruptível está em todas as coisas" (Sg 11, 24-12, 1).

Saudações

Queridos brasileiros e amados portugueses das paróquias do Santo Espírito e de Nossa Senhora da Boa Vista, fazei da vossa vida um hino de louvor e gratidão ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.

Saúdo cordialmente as pessoas de língua francesa, de modo especial os peregrinos vindos da Nova Caledónia e do Canadá. A vossa peregrinação jubilar vos permita tornar cada vez mais viva a vossa fé em Cristo e receber com generosidade os dons do seu Espírito! A todos, concedo do íntimo do coração a Bênção apostólica.

Dou as boas-vindas à Fundação nacional italo-americano, bem como ao grupo FADICA: Fundações e Doadores Interessados nas Actividades Católicas. Sobre todos os peregrinos e visitantes de língua inglesa, especialmente os da Inglaterra, Irlanda e Estados Unidos da América, invoco os abundantes dons do Espírito Santo.


Agora quereria saudar os peregrinos holandeses e belgas. Faço votos por que a vossa peregrinação aos túmulos dos Apóstolos vos inspire a irradiar a alegria cristã na vida de todos os dias.

Saúdo com afecto os fiéis de língua espanhola. De modo especial, o grupo de jovens de Porto Rico, assim como os demais peregrinos da Espanha, México e Argentina. Animo todos vós a glorificar a Deus com a vossa vida. Muito obrigado pela vossa atenção.

Estimados Irmãos e Irmãs da Croácia, o grande Jubileu oferece uma ocasião especial para reflectir sobre a herança de fé que nos foi transmitida dos séculos passados e para a inserir na construção do futuro, com os dons sempre novos que o Espírito Santo não cessa de conceder em abundância à Igreja. Portanto, este é um tempo de graça e de missão dos cristãos para continuar o anúncio da salvação e o testemunho evangélico do terceiro milénio.

Uma cordial saudação aos peregrinos da Casa da Juventude "Jihlava", na República Tcheca.
No Pentecostes, os Apóstolos receberam o dom do Espírito de Deus, para poder publicamente e com coragem dar testemunho de Cristo. Oxalá o Espírito Santo encontre sempre nos vossos corações uma digna morada!


Saúdo calorosamente os lituanos aqui presentes! Oxalá possais encontrar na vossa peregrinação a força para ser portadores fiéis do Espírito de verdade e de amor. Por isso, concedo-vos de coração a Bênção apostólica.
Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo de coração os peregrinos eslovacos de Bratislava e Kosice, de Nitra e Mútne, de Liptovský Mikulás, de Hanusovce nad Topl'ou e de Gelnica.
Irmãos e Irmãs, no clima de preparação para a solenidade do Pentecostes, exorto-vos a serdes sempre dóceis à acção do Espírito Santo.
É de bom grado que abençoo todos vós e as vossas famílias na Pátria.
Louvado seja Jesus Cristo!

Dirijo uma cordial saudação aos peregrinos húngaros, especialmente aos participantes na peregrinação da Federação Húngara Equestre Histórica.
Implorando a descida do Espírito Santo, é do íntimo do coração que concedo a vós e às vossas famílias a Bênção apostólica.
Louvado seja Jesus Cristo!

Como de costume, o meu pensamento vai enfim aos jovens aos doentes e aos jovens casais.
Daqui a poucos dias celebraremos a solenidade do Pentecostes, que concluirá o tempo da Páscoa. Queridos jovens, preparai o vosso coração para receber o Espírito Santo, a fim de serdes intrépidas testemunhas de Cristo. O Espírito consolador vos conforte, estimados doentes, tornando-vos fortes na provação. Enfim, ofereça a vós, dilectos jovens casais, a luz e a coraem para realizar fielmente a vossa missão na família, na Igreja e na sociedade.

Confio estes meus votos a Maria, que esperou na oração com os Apóstolos a vinda do Espírito Santo, e abençoo todos vós de coração.




AUDIÊNCIA

Quarta-feira 14 de Junho de 2000



A glória da Trindade na vida da Igreja

Caríssimos Irmãos e Irmãs:

1. Na sua peregrinação rumo à plena comunhão do amor com Deus, a Igreja apresenta-se como um "povo reunido pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo". Esta maravilhosa definição de São Cipriano (De Orat. Dom. 23; cf. LG LG 4) introduz-nos no mistério da Igreja, que a presença de Deus Trindade transformou em comunidade de salvação. Como o antigo povo de Deus, ela é guiada no seu novo Êxodo pela coluna de nuvem durante o dia e pela coluna de fogo durante a noite, símbolos da constante presença divina. Neste horizonte queremos contemplar a glória da Trindade, que torna a Igreja una, santa, católica e apostólica.

2. A Igreja é em primeiro lugar una. Com efeito, os baptizados estão misteriosamente unidos a Cristo e são constituídos como o seu Corpo místico na força do Espírito Santo. Como afirma o Concílio Vaticano II, "o supremo modelo e princípio deste mistério é a unidade na Trindade das Pessoas de um só Deus, Pai e Filho no Espírito Santo" (UR 2). Não obstante na história esta unidade tenha conhecido a provação dolorosa de muitas divisões, a sua inexaurível fonte trinitária impele a Igreja a viver cada vez mais profundamente aquela koinonia ou comunhão que resplandecia na primeira comunidade de Jerusalém (cf. Act Ac 2,42 Ac 4,32).

O diálogo ecuménico haure luz desta perspectiva, dado que todos os cristãos estão conscientes do fundamento trinitário da comunhão: "A koinonia é obra de Deus e tem um carácter acentuadamente trinitário. No baptismo encontra-se o ponto de partida da iniciação da koinonia tritinária, mediante a fé, através de Cristo, no Espírito... E os meios que o Espírito deu para sustentar a koinonia são a Palavra, o ministério, os sacramentos e os carismas" (Perspectivas sobre a "koinonia", Relatório III quinquénio 1985-1989 do diálogo entre católicos e pentecostais, n. 31). A este propósito o Concílio recorda a todos os fiéis que "quanto mais unidos estiverem em estreita comunhão com o Pai, com o Verbo e com o Espírito Santo, tanto mais íntima e facilmente poderão aumentar as mútuas relações fraternas" (UR 7).

3. A Igreja é também santa.Na linguagem bíblica, antes ainda que expressão da santidade moral e existencial do fiel, o conceito de "santo" remete para a consagração levada a cabo por Deus através da eleição e da graça oferecidas ao seu povo. Portanto, é a presença divina que "consagra na verdade" a comunidade dos crentes (cf. Jo Jn 17,17 Jo Jn 17,19).

E o sinal mais excelso de tal presença é constituído pela liturgia, que é a epifania da consagração do povo de Deus. Nela está a presença eucarística do corpo e do sangue do Senhor, mas também "a nossa "Eucaristia", quer dizer, o nosso dar-lhe graças e louvá-lo por nos ter redimido com a sua morte e tornado participantes da vida imortal por meio da sua ressurreição. Tal culto, que se dirige à Santíssima Trindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, acompanha e permeia antes de mais nada toda a celebração da Liturgia eucarística. Mas ele há-de encher também os nossos templos" e a vida da Igreja (Dominicae Cenae, 3). E precisamente "ao unirmo-nos em mútua caridade e louvor uníssono à Trindade Santíssima, realizamos a vocação própria da Igreja e participamos com gozo antecipado na liturgia da glória consumada" (LG, 51).

4. A Igreja é católica, enviada ao mundo inteiro para o anúncio de Cristo, na esperança de que todos os chefes dos povos se reúnam com o povo do Deus de Abraão (cf. Sl Ps 47,10 Mt 28,19). Como afirma o Concílio Vaticano II, "a Igreja peregrina é por sua natureza missionária, visto que, segundo o desígnio de Deus Pai, tem a sua origem na missão do Filho e na missão do Espírito Santo. Este desígnio dimana do "amor fontal", ou da caridade de Deus Pai que, sento Princípio sem princípio, de quem é gerado o Filho e de quem o Espírito Santo procede pelo Filho, liberalmente espalhou e não cessa de espalhar a bondade divina, criando-nos livres pela sua imensa e misericordiosa benignidade e chamando-nos ainda de modo gratuito a participar com Ele da sua vida e glória, de tal forma que Ele, que é o Criador de tudo, finalmente se torna tudo em todos (1Co 15,28), procurando simultaneamente a sua glória e a nossa felicidade" (Ag 2).

5. Enfim, a Igreja é apostólica. Segundo o mandato de Cristo, os Apóstolos devem ir e ensinar todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, instruindo-os a observar tudo o que ele os ordenou (cf. Mt Mt 28,19-20). Esta missão estende-se a toda a Igreja que, através da Palavra que o Espírito Santo e os Sacramentos tornam viva, luminosa e eficaz, "realiza... o desígnio de Deus executado por Cristo em obediência e amor, para glória do Pai que O enviou, para que todo o género humano constitua um só Povo de Deus, se congregue num só Corpo de Cristo e se edifique num só templo do Espírito Santo" (Ag 7).

A Igreja una, santa, católica e apostólica é povo de Deus, corpo de Cristo e templo do Espírito Santo. Estas três imagens bíblicas indicam de maneira luminosa a dimensão trinitária da Igreja. Nesta dimensão encontram-se todos os discípulos de Cristo, chamados a vivê-la de modo cada vez mais profundo e com uma comunhão sempre mais viva. O mesmo ecumenismo encontra na referência trinitária o seu fundamento sólido, porque o Espírito "une os fiéis a Cristo, medianeiro de todos os dons de salvação e dá-lhes através dele acesso ao Pai, que no mesmo Espírito eles podem chamar Abbá, Pai" (Comissão conjunta de católico-romanos e evangélico-luteranos, Igreja e Justificação, n. 64). Consequentemente, na Igreja voltamos a encontrar uma grandiosa epifania da glória trinitária. Então, aceitemos o convite que Santo Ambrósio nos dirige: "Levanta-te, tu que estavas deitado e dormias... Levanta-te e vem depressa à Igreja: aqui estão o Pai, o Filho e o Espírito Santo" (In Lucam VII).

Saudações

Apelo do Papa em prol dos Refugiados

No próximo dia 16 de Junho, várias organizações não-governamentais que trabalham em benefício dos prófugos celebrarão o Dia Internacional do Refugiado; depois, no dia 20 de Junho terá lugar a anual Jornada do Refugiado Africano, promovida pela Organização para a Unidade Africana (OUA).
No espírito do recente Jubileu dos Migrantes, desejo agradecer a quantos se prodigalizam em favor dos milhões de migrantes forçados que são os refugiados e as pessoas que pedem asilo. Às nações que ainda devem adoptar leis adequadas para a tutela destas pessoas, dirijo um premente apelo neste ano jubilar, a fim de que desejem ajudá-las com solicitude.


Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, de modo especial os portugueses, da Paróquia de São João de Brito e o grupo de pára-quedistas do Corpo de Tropas Aerotransportadas; saúdo enfim o grupo de visitantes brasileiros aqui presentes. Desejo-vos todo o bem, na graça de Deus! Ele vos ajude a viver segundo o Espírito, com um "coração novo", pelos caminhos da justiça, do amor e da fraternidade!

Dou calorosas saudações aos visitantes e peregrinos de língua inglesa, especialmente às pessoas provindas da Inglaterra, Nigéria, Singapura, Japão e Estados Unidos da América. Sobre vós e as vossas famílias, invoco os abundantes dons do Espírito Santo.


Recebo de bom grado os peregrinos de expresão francesa. A peregrinação a Roma reavive a vossa fé e renove o vosso compromisso de cristãos! Do íntimo do coração, concedo a todos a Bênção apostólica!

Saúdo o grupo de albaneses que há pouco receberam o Baptismo, e desejo-lhes que a peregrinação jubilar junto dos túmulos dos Apóstolos os confirme na fé e na vida cristã.

Agora dirijo uma especial saudação aos jovens, aos enfermos e aos jovens casais.

O Espírito de Jesus ressuscitado, que celebrámos na solenidade do Pentecostes, seja para vós, caros jovens, o Mestre interior que vos guia constantemente pelos caminhos do bem. Vós, estimados doentes, possais encontrar todos os dias no Espírito consolador a força para uma renovada adesão à vontade de Deus. O Espírito Santo vos torne, dilectos jovens casais generosas testemunhas do amor de Cristo.

O Diálogo inter-religioso monástico europeu

Saúdo-vos cordialmente, representantes europeus do Diálogo inter-religioso monástico; por ocasião do vosso Jubileu, quisestes realizar a vossa reunião anual em Roma, passando por Subiaco, lugar santificado pela memória de São Bento. Viestes como peregrinos, recordando assim que toda a vida monástica é uma peregrinação, uma constante busca de Deus. Peregrinos do infinito, convidais todos os homens a confirmarem a sua vida interior para fazer dela a casa de Deus. Ao longo do vosso trajecto encontrais outros investigadores do Absoluto, o que vos permite instaurar com eles um diálogo respeitoso e profundo. Deus abençoe os vossos encontros e vos conceda a força para prosseguirdes no vosso caminho com coragem!



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