AUDIÊNCIAS 2000 - AUDIÊNCIA



AUDIÊNCIA

Quarta-feira 15 de Novembro de 2000

A Palavra, a Eucaristia e os cristãos divididos




Queridos Irmãos e Irmãs,

1. Como eu já indicava na Tertio millennio adveniente (cf. nn. 53 e 55), no programa deste Ano jubilar não podia faltar a dimensão dos diálogos ecuménico e inter-religioso. A linha trinitária e eucarística, que desenvolvemos nas catequeses precedentes, conduz-nos agora a deter-nos neste aspecto, tomando em consideração antes de tudo o problema da recomposição da unidade entre os cristãos. Fazemo-lo à luz da narração evangélica sobre os discípulos de Emaús (cf. Lc Lc 24,13-35), observando o modo como os dois discípulos, que se afastavam da comunidade, foram impelidos a percorrer o caminho oposto e ir de novo ao encontro dela.

2. Os dois discípulos voltavam as costas para o lugar em que Jesus tinha sido crucificado, porque este evento era para eles uma desilusão cruel. Pelo mesmo facto, afastavam-se dos outros discípulos e retornavam, por assim dizer, ao individualismo. "Conversavam entre si sobre tudo o que acontecera" (Lc 24,14), sem entenderem o seu sentido. Não compreendiam que Jesus morreu "para trazer à unidade os filhos de Deus que andavam dispersos" (Jn 11,52). Viam apenas o aspecto tremendamente negativo da cruz, que arruinava as suas esperanças: "Nós esperávamos que fosse Ele Quem libertasse Israel!" (Lc 24,21). Jesus ressuscitado aproxima-se e caminha com eles, "os seus olhos, porém, estavam impedidos de O reconhecerem" (ibid., v. 16), porque do ponto de vista espiritual se encontravam nas trevas mais obscuras. Jesus então empenha-se com admirável paciência em fazer com que retornassem à luz da fé, por meio de uma longa catequese bíblica: "E, começando por Moisés e seguindo por todos os profetas, explicou-lhes em todas as Escrituras tudo o que Lhe dizia respeito" (ibid., v. 27). O coração deles começou a arder (cf. ibid., v. 32). Pediram ao seu misterioso companheiro que permanecesse com eles. "E, quando Se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho.

Abriram-se-lhes os olhos e reconheceram-n'O; mas Ele desapareceu da sua presença" (ibid., vv. 30-31). Graças à explicação luminosa das Escrituras, passaram das trevas da incompreensão para a luz da fé e tornaram-se capazes de reconhecer Cristo ressuscitado "quando Ele partiu o pão" (ibid., v. 35).

O efeito desta mudança profunda foi um impulso a retomar o caminho imediatamente e regressar a Jerusalém, para se unirem "aos Onze e aos outros que estavam com eles" (ibid., v. 33). O caminho da fé havia tornado possível a união fraterna.

3. O nexo entre a interpretação da palavra de Deus e a Eucaristia aparece também noutro lugar do Novo Testamento. No seu discurso, João relaciona esta palavra com a Eucaristia quando no discurso de Cafarnaum nos apresenta Jesus que evoca o dom do maná no deserto, reinterpretando-o em chave eucarística (cf. Jo Jn 6,32-58). Na Igreja de Jerusalém, a assiduidade em escutar a didaqué, isto é, o ensinamento apostólico baseado na palavra de Deus, precedia a participação na "fracção do pão" (Ac 2,42).

Em Tróade, quando os cristãos se reuniram à volta de Paulo para "partir o pão", Lucas refere que a reunião começou com longos discursos do Apóstolo (cf. Act Ac 20,7), certamente para nutrir a fé, a esperança e a caridade. De tudo isto resulta claro que a união na fé é a condição prévia para a participação comum na Eucaristia.

Com a Liturgia da Palavra e a Eucaristia como nos recorda o Concílio Vaticano II, citando São João Crisóstomo (In Joh. hom. 46) "os fiéis unidos ao Bispo, tendo acesso a Deus Pai mediante o Filho, o Verbo encarnado, morto e glorificado, na efusão do Espírito Santo, conseguem a comunhão com a Santíssima Trindade, feitos "participantes da natureza divina (1P 1,4)! Por isso, pela celebração da Eucaristia do Senhor, em cada uma dessas Igrejas, a Igreja de Deus é edificada e cresce, e pela concelebração se manifesta a comunhão entre elas" (Unitatis redintegratio UR 15). Este vínculo com o mistério da unidade divina gera, portanto, um laço de comunhão e de amor entre aqueles que se sentaram à única mesa da Palavra e da Eucaristia. A única mesa é sinal e manifestação da unidade. "Por conseguinte, a comunhão eucarística está inseparavelmente ligada à plena comunhão eclesial e à sua expressão visível" (A busca da unidade Directório ecuménico de 1993, n. 129).

4. Nesta luz se compreende como as divisões doutrinais, existentes entre os discípulos de Cristo reunidos das diversas Igrejas e Comunidades eclesiais, limitam a plena partilha sacramental. O Baptismo é, entretanto, a raiz profunda de uma unidade fundamental que une os cristãos apesar das suas divisões. Portanto, se a participação na mesma Eucaristia permanece excluída para os cristãos ainda divididos, em casos específicos previstos pelo Directório ecuménico é possível introduzir na Celebração eucarística alguns sinais de participação que exprimem a unidade já existente e vão na direcção da plena comunhão das Igrejas em torno da mesa da Palavra e do Corpo e Sangue do Senhor. Assim, "em ocasiões excepcionais e por justa causa, o Bispo diocesano pode permitir que um membro de outra Igreja ou Comunidade eclesial exerça a função de leitor durante a Celebração eucarística da Igreja católica" (n. 133). De igual modo, "todas as vezes que uma necessidade o exigir ou uma verdadeira utilidade o aconselhar e contanto que seja evitado o perigo de erro ou de indiferentismo", entre os católicos e os cristãos orientais é lícita uma certa reciprocidade para os sacramentos da penitência, da Eucaristia e da unção dos enfermos (cf. nn. 123-131).

5. Todavia, a árvore da unidade deve crescer até à sua plena expansão, como Cristo invocou na grande oração do Cenáculo, aqui proclamada na abertura (cf. Jo Jn 17,20-26 UR 22). Os limites na intercomunhão diante da mesa da Palavra e da Eucaristia devem transformar-se num apelo à purificação, ao diálogo, ao caminho ecuménico das Igrejas. São limites que nos fazem sentir de maneira mais forte, precisamente na Celebração eucarística, o peso das nossas lacerações e contradições. A Eucaristia é assim um desafio e uma provocação inserida no próprio coração da Igreja, para nos recordar o intenso, extremo desejo de Cristo: "Para que todos sejam um só" (Jn 17,11 Jn 17,21).

A Igreja não deve ser um corpo de membros divididos e que sofrem, mas um organismo vivo e forte que progride sustentado pelo pão divino, como é prefigurado no caminho de Elias (cf. 1R 19,1-8), até ao ápice do encontro definitivo com Deus. Lá finalmente se cumprirá a visão do Apocalipse: "E vi a cidade santa, a nova Jerusalém que descia do Céu, de junto de Deus, bela como uma Esposa que se ataviou para o seu Esposo" (21, 2).

Saudações

Caríssimos Irmãos e Irmãs

Amados peregrinos de língua portuguesa, saúdo cordialmente todos os presentes e, de modo especial, os grupos brasileiros da diocese de Novo Hamburgo e da paróquia de São Marcos, no Rio de Janeiro. Desejo-lhes, como fruto desta peregrinação jubilar, aquela renovação de vida que nasce do encontro pessoal com Cristo e frutifica num serviço solidário e desinteressado aos mais pobres da comunidade. Com estes votos, de bom grado a todos abençoo.

Dirijo-me, por fim, aos jovens, aos doentes e aos novos casais.

Celebramos hoje a memória de Santo Alberto Magno, Bispo e Doutor da Igreja, grande teólogo, que soube unir de modo exemplar uma intensa vida de oração a um apaixonado estudo da verdade da fé.

Caros jovens, nunca vos canseis de conhecer, amar e seguir o Senhor. Só Ele tem palavras de vida eterna, capazes de dar pleno significado à existência. Vós, queridos doentes, que experimentais a fadiga do sofrimento, sabei sentir a presença consoladora de Cristo, que vos convida a participar com fé na potência salvífica da sua Cruz. Vós, enfim, amados novos casais, fiéis à vossa vocação, sede no mundo imagem luminosa do amor de Deus, através da fidelidade, unidade e fecundidade do vosso amor.




AUDIÊNCIA

Quarta-feira 22 de Novembro de 2000

Fé, Esperança e Caridade em perspectiva ecuménica




Caríssimos Irmãos e Irmãs:

1. A fé, a esperança e a caridade são como três estrelas que se acendem no céu da nossa vida espiritual para nos guiarem rumo a Deus. São, por excelência, as virtudes "teologais": põem-nos em comunhão com Deus e conduzem-nos a Ele. Elas compõem um tríptico que tem o seu vértice na caridade, o ágape, cantado egregiamente por Paulo num hino da primeira Carta aos Coríntios. Ele é marcado pela seguinte declaração: "Agora, portanto, permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e o amor. A maior delas, porém, é o amor" (13, 13).

Na medida em que animam os discípulos de Cristo, as três virtudes teologais impelem-nos à unidade, segundo a indicação das palavras paulinas escutadas no início desta Audiência: "Há um só corpo..., uma só esperança...; há um só Senhor, uma só fé... Há um só Deus e Pai" (Ep 4,4-6). Continuando a reflectir sobre a perspectiva ecuménica enfrentada na catequese precedente, queremos hoje aprofundar o papel das virtudes teologais no caminho que conduz à plena comunhão com Deus Trindade e com os irmãos.

2. No trecho mencionado da Carta aos Efésios, o Apóstolo exalta antes de mais a unidade da . Essa unidade tem a sua fonte na palavra de Deus, que todas as Igrejas e Comunidades eclesiais consideram como lâmpada para os próprios passos no caminho da sua história (cf. Sl Ps 119,105). Juntas as Igrejas e Comunidades eclesiais professam a fé "num só Senhor", Jesus Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, e "num só Deus Pai de todos" (Ep 4,5 Ep 4,6). Esta unidade fundamental, juntamente com aquela constituída pelo único baptismo, emerge de maneira clara dos múltiplos documentos do diálogo ecuménico, mesmo quando, sobre um ou outro ponto, permanecem motivos de reserva. Assim se lê, por exemplo, num documento do Conselho Ecuménico das Igrejas: "Os cristãos crêem que "o único Deus verdadeiro", que se fez conhecer a Israel, se revelou de modo supremo "n'Aquele que enviou", Jesus Cristo (Jn 17,3), que em Cristo, Deus reconciliou consigo o mundo (2Co 5,19) e que, mediante o seu Santo Espírito, Deus traz nova e eterna vida a todos aqueles que por meio de Cristo a Ele se confiam" (CEI, Confessar uma só fé, 1992, n. 6).

Todas juntas as Igrejas e Comunidades eclesiais se referem aos antigos Símbolos da fé e às definições dos primeiros Concílios ecuménicos. Permanecem, porém, certas divergências doutrinais a serem superadas, para que o caminho da unidade da fé chegue à plenitude indicada pela promessa de Cristo: "Eles ouvirão a Minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor" (Jn 10,16).

3. Paulo, no texto da Carta aos Efésios que colocámos como emblema do nosso encontro, fala também de uma só esperança à qual somos chamados (cf. 4, 4). É uma esperança que se exprime no empenho comum, através da oração e da operosa coerência de vida, pelo advento do Reino de Deus. No interior deste vasto horizonte, o movimento ecuménico orientou-se para metas fundamentais que se entrelaçam entre si, como objectivos de uma única esperança: a unidade da Igreja, a evangelização do mundo, a libertação e a paz na comunidade humana. O caminho ecuménico hauriu vantagens também do diálogo com as esperanças terrenas e humanistas do nosso tempo, até mesmo com a esperança oculta, aparentemente derrotada, dos "sem esperança". Diante destas múltiplas expressões da esperança no nosso tempo, os cristãos, embora em tensão entre si e provados pela divisão, foram estimulados a descobrir e testemunhar "uma comum razão de esperança" (CEI, Comissão "Faith and Order" Sharin in One Hope, Bangalore 1978), reconhecendo em Cristo o seu fundamento indestrutível. Um poeta francês escreveu: "Esperar é difícil... fácil é desesperar e é a grande tentação" (Ch. Péguy, Le porche du mystère de la deuxième vertu, ed. Plêiade, pág. 538). Mas para nós cristãos permanece sempre válida a exortação de São Pedro a dar razão da esperança que existe em nós (cf. 1P 3,15).

4. No vértice das três virtudes teologais está o amor, que Paulo compara como que a um anel de ouro que reúne em harmonia perfeita toda a comunidade cristã: "E acima de tudo, revesti-vos com o amor, que é o laço da perfeição" (Col 3,14). Cristo, na solene oração pela unidade dos discípulos, revela o seu profundo substracto teológico: "O amor com que (ó Pai) Me amaste, esteja neles e Eu mesmo esteja neles" (Jn 17,26). Precisamente este amor, acolhido e feito crescer, compõe num único corpo a Igreja, como ainda nos indica Paulo: "Vivendo um amor autêntico, cresceremos sob todos os aspectos em direcção a Cristo, que é a Cabeça. Ele organiza e dá coesão ao corpo inteiro, através de uma rede de articulações, que são os membros, cada um com a sua actividade própria, para que o corpo cresça e se construa a si próprio no amor" (Ep 4,15-16).

5. A meta eclesial de chegada da caridade, e ao mesmo tempo a sua fonte inexaurível, é a Eucaristia, comunhão com o corpo e sangue do Senhor, antecipação da intimidade perfeita com Deus. Infelizmente, como recordei na catequese precedente, nas relações entre os cristãos divididos, "devido a divergências que têm a ver com a fé, ainda não é possível concelebrar a mesma liturgia eucarística. E todavia nós temos o desejo ardente de celebrar juntos a única Eucaristia do Senhor, e este desejo torna-se já um louvor comum, uma mesma imploração. Juntos nos dirigimos ao Pai e fazemo-lo cada vez mais com um só coração" (Ut unum sint UUS 45). O Concílio recordou-nos que "este santo propósito de reconciliar todos os cristãos na unidade de uma só e única Igreja de Cristo excede as forças e a capacidade humana. Por isso, coloca inteiramente a sua esperança na oração de Cristo pela Igreja, no amor do Pai para connosco e na virtude do Espírito Santo" (UR 24).

Saudações

Saúdo os peregrinos e ouvintes de língua portuguesa, de modo especial os brasileiros da Paróquia de Nossa Senhora da Esperança do Rio de Janeiro. Desejo a todos felicidades, paz e graça no Senhor. Faço votos por que esta vossa visita a Roma vos encoraje a participar activamente da vida da Igreja, e convido-vos a acolher, no próximo Natal, o Filho de Deus feito homem, que se fez pobre para que nos tornássemos ricos pela Sua pobreza, pedindo-Lhe que se digne enviar abundantes graças celestiais para as vossas famílias e os vossos filhos.

Tenho o prazer de dar as boas-vindas aos peregrinos e visitantes de língua inglesa aqui presentes, em particular ao Coro das Senhoras Luteranas da Islândia e aos militares americanos acompanhados do Arcebispo Edwin O'Brien. Sobre todos os peregrinos e visitantes de língua inglesa, de modo especial aos do Japão, Canadá e Estados Unidos, invoco a graça e a paz de nosso Senhor Jesus Cristo.

Queridos Irmãos e Irmãs croatas, a Santíssima Mãe de Deus, que invocamos também como Mãe da Esperança, acompanhe os vossos passos e os oriente pelos caminhos da salvação. Ela vos sustente no viver e no testemunhar, cada dia, a esperança cristã, que no Grande Jubileu do Ano 2000 quer pôr em particular evidência.

Dirijo agora cordiais boas-vindas a todos os peregrinos de língua italiana; em particular saúdo os participantes no Concurso Coral Internacional de Música Sacra "Pierluigi Palestrina", o Centro de Formação Profissional "GANAS" de Nápoles, e a Sociedade Italiana para as pesquisas sobre as radiações. A todos agradeço a grata participação.

E agora, como de costume, dirijo a minha afectuosa saudação aos Jovens, aos Doentes e aos jovens Esposos, pensando na hodierna memória litúrgica de Santa Cecília.

Queridos jovens, vejo-vos hoje particularmente numerosos. Dentre vós saúdo com intenso afecto os muitos estudantes de toda a ordem e grau, os membros da Comunidade da "Cidade dos Meninos" de Maddaloni, com o Bispo de Alife-Caiazzo, D. Pietro Farina, e os alunos do Liceu "Benedetto Cairoli" de Vigevano. Caríssimos, desejo agradecer-vos de coração a vossa tão grande participação, e encorajo-vos a perseverar no vosso generoso empenho de testemunho cristão na escola e na sociedade. O exemplo de Santa Cecília, Padroeira dos músicos, vos ajude a fazer da vossa existência um canto de louvor e de reconhecimento ao Senhor.

Esta Santa mártir romana vos proteja, a vós queridos doentes, e vos leve a compreender o sentido profundo do sofrimento, como participação no sacrifício redentor de Cristo. A intercessão desta Santa, famosa pelo seu amor pelo canto e a música, sustente enfim o vosso caminho familiar, prezados jovens esposos, e o torne sempre alegre, generoso e aberto ao serviço da vida.




AUDIÊNCIA

Quarta-feira 29 de Novembro de 2000


Fé, Esperança e Caridade na perspectiva do diálogo inter-religioso

Queridos Irmãos e Irmãs,


1. O grandioso afresco do Apocalipse, que há pouco nos foi oferecido, contém não só o povo de Israel, simbolicamente representado pelas dozes tribos, mas também aquela imensa multidão de pessoas de todas as terras e culturas, todas envolvidas na cândida veste da eternidade luminosa e bem-aventurada. Aproveito esta evocação sugestiva para me referir ao diálogo inter-religioso, tema que se tornou muito actual no nosso tempo.

Todos os justos da terra elevam o seu louvor a Deus, tendo chegado à meta da glória, depois de terem percorrido o caminho íngreme e fadigoso da existência terrena. Eles passaram "através da grande tribulação" e obtiveram a purificação mediante o sangue do Cordeiro, "derramado por muitos, em remissão dos pecados" (Mt 26,28). Todos, portanto, participam da mesma fonte de salvação que Deus derramou sobre a humanidade. Com efeito, "Deus enviou o Seu Filho ao mundo não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por meio d'Ele" (Jn 3,17).

2. A salvação é oferecida a todas as nações, como já atesta a aliança com Noé (cf. Gn Gn 9,8-17), que testemunha a universalidade da manifestação divina e da resposta humana na fé (cf. Catecismo da Igreja Católica, CEC 58). Em Abraão, depois, "todas as famílias da terra serão abençoadas" (cf. Gn Gn 12,3). Estas estão a caminho rumo à cidade santa, para gozarem daquela paz que mudará a face do mundo, quando das espadas serão fabricadas enxadas e, das lanças, foices (cf. Is Is 2,2-5).

Com emoção lêem-se em Isaías estas palavras: "O Egipto e a Assíria prestarão culto a Deus (...). Javé dos exércitos os abençoa, dizendo: "Bendito seja o Egipto, Meu povo, e a Assíria, a Minha herança"" (Is 19,23 Is 19,25). "Os príncipes dos povos - canta o salmista - aliam-se com o povo do Deus de Abraão, porque os grandes da terra pertencem a Deus, e Ele subiu ao lugar mais alto" (Ps 47,10). Antes, o profeta Malaquias ouve elevar-se do inteiro horizonte da humanidade como que um respiro de adoração e louvor a Deus: "Desde o Oriente até ao Ocidente, é grande o Meu Nome entre as nações. E em todo o lugar se oferece incenso ao Meu Nome e uma oferta pura, pois grande é o Meu Nome entre as nações - diz Javé dos exércitos" (Ml 1,11). De facto, o próprio profeta se interroga: "Porventura, não temos todos nós um único Pai? Não foi o mesmo Deus que nos criou?" (ibid., 2, 10).

3. Uma certa forma de abre-se, portanto, na invocação a Deus, mesmo quando o seu rosto é "desconhecido" (cf. Act Ac 17,23). Toda a humanidade tende para a autêntica adoração de Deus e a comunhão fraterna dos homens, sob a acção do "Espírito da verdade operante para além das fronteiras visíveis do Corpo Místico" de Cristo (Redemptor hominis, RH 6).

Santo Ireneu recorda, quanto a isto, que quatro são as alianças estabelecidas por Deus com a humanidade: em Adão, em Noé, em Moisés e em Jesus Cristo (cf. Adversus haereses, 3, 11, 8). As primeiras três, idealmente voltadas para a plenitude de Cristo, marcam o ritmo do diálogo de Deus com as suas criaturas, um encontro de manifestação e de amor, de iluminação e de graça que o Filho reúne em unidade, sela na verdade e conduz à perfeição.

4. Nesta luz, a fé de todos os povos expressa-se na esperança. Ela ainda não é iluminada pela plenitude da revelação, que a põe em relação com as promessas divinas e a torna uma virtude "teologal". Todavia, os livros sagrados das religiões abrem à esperança na medida em que manifestam um horizonte de comunhão divina, delineiam para a história uma meta de purificação e de salvação, promovem a busca da verdade e defendem os valores da vida, da santidade e da justiça, da paz e da liberdade. Com esta tensão profunda, que resiste também no meio das contradições humanas, a experiência religiosa abre os homens ao dom divino da caridade e às suas exigências.

Neste horizonte se coloca o diálogo inter-religioso ao qual o Concílio Vaticano II nos encorajou (cf. Nostra aetate, NAE 2). Esse diálogo manifesta-se no empenho comum de todos os crentes em prol da justiça, da solidariedade e da paz. Exprime-se nas relações culturais, que lançam uma semente de idealidade e de transcendência nas terras muitas vezes áridas da política, da economia, da existência social. Encontra um momento qualificado no diálogo religioso, ao qual os cristãos oferecem o testemunho íntegro da fé em Cristo, único Salvador do mundo. Mediante a mesma fé, eles estão conscientes de que o caminho para a plenitude da verdade (cf. Jo Jn 16,13) requer a humildade da escuta, a fim de captar e valorizar todo o raio de luz, sempre fruto do Espírito de Cristo, seja qual for a parte de onde venha.

5. "A missão da Igreja é fazer crescer o Reino de nosso Senhor e do seu Corpo do qual é serva. Uma parte deste papel consiste em reconhecer que a realidade inicial deste Reino se pode encontrar também para além dos confins da Igreja, por exemplo nos corações dos seguidores de outras tradições religiosas, na medida em que vivem valores evangélicos e permanecem abertos à acção do Espírito" (Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso e Congregação para a Evangelização dos Povos, Diálogo e anúncio, 35). Isto vale de maneira especial - como nos indicou o Concílio Vaticano II na declaração Nostra aetate - para as religiões monoteístas do judaísmo e do islamismo. Com este espírito, na Bula de proclamação do ano jubilar formulei este voto: "Possa o Jubileu propiciar mais um passo no diálogo recíproco, até um dia podermos, todos juntos - judeus, cristãos e muçulmanos - trocar entre nós a saudação da paz em Jerusalém" (Incarnationis mysterium, 2). Agradeço ao Senhor ter-me dado, na minha recente peregrinação aos Lugares Santos, a alegria desta saudação, promessa de relações marcadas por uma paz sempre mais profunda e universal.

Saudações

Queridos Irmãos e Irmãs

Uma saudação cordial a todos os peregrinos de língua portuguesa, com votos de que a passagem pela Porta Santa seja motivo para uma maior adesão a Cristo, e o seu Evangelho possa iluminar cada vez mais as decisões, grandes e pequenas, da vossa vida, sobre a qual estendo a minha Bênção Apostólica.

Como sempre, a minha cordial saudação vai, neste momento, para vós, caros Jovens, Doentes e novos Casais.

Hoje inicia-se a Novena de preparação para a solenidade da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria.

Confio-vos a Ela, caros jovens, e de um modo particular vós, queridos alunos provenientes de diversas escolas de todas as ordens e graus; confio-vos, participantes na 50ª Jornada da Bondade nas Escolas Prémio "Lívio Tempesta", que vos distinguistes por acções de bondade generosa. Possa a Mãe de Jesus ajudar-vos a crescer cada vez mais todos os dias no conhecimento de Deus e no amor por Ele e pelo próximo.

A Virgem Imaculada vos ajude, queridos doentes, a vencer com paciente adesão à vontade divina as provas do sofrimento.

Maria vos ajude a vós, amados novos casais, a construir na fidelidade do amor a vossa família cristã.



                                                                         Dezembro de 2000

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 6 de Dezembro de 2000




Cooperar no advento do Reino de Deus no mundo

1. Neste ano do Grande Jubileu, o tema-base das nossas catequeses é a glória da Trindade, como nos foi revelada na história da salvação. Reflectimos sobre a Eucaristia, máxima celebração de Cristo presente sob as humildes espécies do pão e do vinho. Desejamos agora dedicar algumas catequeses ao empenho que nos é pedido, para que a glória da Trindade resplandeça plenamente no mundo.

E a nossa reflexão parte do evangelho de Marcos, no qual lemos: "Jesus voltou para a Galileia, a pregar a Boa Notícia de Deus: "O tempo já se cumpriu e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e acreditai na Boa Notícia"" (Mc 1,14-15). São estas as primeiras palavras que Jesus pronuncia perante a multidão: elas contêm o centro do seu Evangelho de esperança e de salvação, o anúncio do Reino de Deus. A partir daquele momento, como observam os evangelistas, "Jesus andava por toda a Galileia, ensinando nas suas sinagogas, pregando a Boa Notícia do Reino, e curando toda a espécie de doença e enfermidade do povo" (Mt 4,23 cf. Lc Lc 8,1). Seguem as suas pegadas os Apóstolos e com eles Paulo, o Apóstolo das gentes, chamado a "anunciar o Reino de Deus" às nações indo até à capital do império romano (cf. Act Ac 20,25 Ac 28,23 Ac 28,31).

2. Com o Evangelho do Reino, Cristo relaciona-se com as Sagradas Escrituras que, através da imagem real, celebram o domínio de Deus sobre o cosmos e sobre a história. Assim lemos no Saltério: "Dizei às nações: Javé é Rei! Ele firmou o mundo, que jamais tremerá. Ele governa os povos com rectidão" (Ps 96,10).Por conseguinte, o Reino é a acção eficaz, mas misteriosa, que Deus desempenha no universo e no enredo das vicissitudes humanas. Ele vence as resistências do mal com paciência, e não com prepotência ou clamor.

Eis por que o Reino é comparado por Jesus ao grão de mostarda, a mais pequena de todas as sementes, mas que está destinada a tornar-se uma árvore frondosa (cf. Mt Mt 13,31-32), ou à semente que um homem lançou à terra: "dorme e acorda, noite e dia, e a semente vai brotando e crescendo, mas o homem não sabe como isso acontece" (Mc 4,27). O Reino é graça, amor de Deus pelo mundo, nossa fonte de serenidade e confiança: "Não tenhas medo, pequeno rebanho diz Jesus porque o vosso Pai tem prazer em dar-vos o Reino" (Lc 12,32). Os receios, os afãs e os pesadelos dissolvem-se, porque o Reino de Deus está no meio de nós na pessoa de Cristo (cf. Lc Lc 17,21).

3. Todavia o homem não é uma testemunha passiva da entrada de Deus na história. Jesus convida a "procurar" activamente "o Reino de Deus e a sua justiça" e a fazer desta busca a nossa preocupação principal (Mt 6,33). Àqueles que acreditavam "que o Reino de Deus ia chegar imediatamente" (Lc 19,11), ele prescreveu uma atitude activa e não uma espera passiva, narrando-lhes a parábola das dez moedas para fazer render (cf. Lc Lc 19,12-27). Por seu lado, o apóstolo Paulo declara que "o Reino de Deus não é questão de comida ou bebida; é em primeiro lugar justiça" (Rm 14,27) e convida insistentemente os fiéis a pôr os seus membros ao serviço da justiça com vista à santificação (cf. Rm Rm 6,13 Rm Rm 6,19).

Por conseguinte, a pessoa humana é chamada a cooperar com as suas mãos, a sua mente e o seu coração no advento do Reino de Deus no mundo. Isto verifica-se principalmente com os que são chamados ao apostolado, e que "trabalham... no Reino de Deus" (CL 4,11), mas também com qualquer pessoa humana.

4. No Reino entram aqueles que optaram pelas Bem-aventuranças Evangélicas, vivendo como "pobres em espírito" no desapego dos bens materiais, a fim de elevar os últimos da terra da poeira da sua humilhação. "Não foi Deus que escolheu os que são pobres aos olhos do mundo, para os tornar ricos na fé e herdeiros do Reino, que Ele prometeu àqueles que O amam?" (Jc 2,5). No Reino entram quantos suportam com amor os sofrimentos da vida: "é preciso passar por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus" (Ac 14,22 cf. 2Th 1,4-5), onde o próprio Deus "enxugará as lágrimas (...) nunca mais haverá morte, nem luto, nem gritos, nem dor" (Ap 21,4).

Entram no Reino os puros de coração que escolhem o caminho da justiça, ou seja, a adesão à vontade de Deus, como admoesta S. Paulo: "Não sabeis que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não vos iludais! Nem os imorais nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os depravados, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os caluniadores irão herdar o Reino de Deus" (1Co 6,9-10 cf. 1Co 15,50 Ep 5,5).

5. Todos os justos da terra, mesmo os que não conhecem Cristo nem a sua Igreja e que, sob o influxo da graça, procuram Deus com um coração sincero (cf. Lumen gentium, LG 16), são, por conseguinte, chamados a edificar o Reino de Deus, colaborando com o Senhor que é o seu principal e decisivo artífice. Por isso, devemos entregar-nos nas suas mãos, à sua Palavra, à sua orientação, como crianças inexperientes que encontram segurança unicamente no Pai: "quem não receber como criança o Reino de Deus disse Jesus nunca entrará nele" (Lc 18,17).

Com este espírito devemos fazer nossa a invocação: "Venha a nós o Vosso Reino!". É uma invocação que ao longo da história da humanidade se elevou numerosas vezes ao céu como um grande alento de esperança: "Vegna vêr noi la pace del tuo regno", exclama Dante na sua paráfrase do Pai Nosso (Purgatório XI, 7). É uma invocação que orienta o olhar para a vinda de Cristo e alimenta o desejo da vinda final do Reino de Deus. Mas este desejo não afasta a Igreja da sua missão neste mundo, aliás, empenha-a em maior medida (cf CEC 2818), na esperança de poder entrar no Reino, do qual a Igreja é o germe e o início (cf Lumen gentium, LG 5) quando ele chegará ao mundo em plenitude. Então, garante-nos Pedro na Segunda Carta, "vos será amplamente aberta a entrada no Reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" (1, 11).

Saudações

Amados peregrinos de língua portuguesa, a todos dou as boas-vindas, encorajando os vossos passos a manterem-se firmes no caminho de Deus. Tomai por modelo a Virgem Imaculada! Fez-se serva do Deus Altíssimo e tornou-se a porta da vida, pela qual chega o Salvador. Com Ele, desça a minha Bênção sobre vós, vossas famílias e comunidades cristãs.

Saúdo cordialmente os francófonos presentes nesta audiência, em particular os peregrinos franceses, os belgas de Bruxelas e os arménios vindos da Síria. Que a vossa peregrinação jubilar vos encaminhe rumo ao Reino que há-de vir, vos torne bons operários do Evangelho da salvação! A todos concedo de coração a Bênção apostólica.

Saúdo agora os fiéis ucranianos, que participam na peregrinação jubilar juntamente com os respectivos Bispos.

Queridos Irmãos e Irmãs, agradeço-vos a vossa presença. Faço sentidos votos por que a vossa peregrinação seja rica de frutos espirituais e pastorais em benefício das vossas Comunidades. Oxalá esta visita à Cidade dos Apóstolos Pedro e Paulo fortaleça a vossa fé estimulando-vos a ser cada vez mais autênticas testemunhas do Evangelho.

Concedo de bom grado a todos a Bênção apostólica.

Queridos irmãos e irmãs!

Saúdo de modo especial o grupo de peregrinos jubilares provenientes da Indonésia, acompanhados pelo Bispo Canisius Mandagi de Ambon. Dou as boas-vindas aos vários grupos de peregrinos provenientes dos Estados Unidos da América. Invoco para cada um de vós e para as vossas famílias a alegria e a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Queridos Irmãos e Irmãs!

Saúdo com afecto todos os peregrinos de língua espanhola, de modo especial a Confraria de Jesus de Nazaré de Cartagena, e a Fundação Tonino Cosciarelli. Que a vossa peregrinação jubilar neste ano Santo vos ajude a proclamar com fé a invocação "Venha a nós o Vosso Reino", que Cristo nos ensinou, e a trabalhar com todas as vossas forças a fim de apressar essa vinda.

Dou as boas-vindas com afecto à peregrinação jubilar da Cúria Arquidiocesana de Bratislava-Trnava e aos peregrinos provenientes de Kosice, na República Eslovaca.
Irmaos e Irmas, passareis pelas Portas Santas das Basílicas romanas. Passar pela Porta Santa significa reconhecer que Jesus Cristo é o Senhor, fortalecendo a fé n'Ele, para viver a vida nova que Ele nos deu.

Com este pensamento concedo-vos de bom grado a Bênção apostólica.
Seja louvado Jesus Cristo!


Queridos Irmãos e Irm¢s, o Grande Jubileu do Ano 2000 quer fortalecer no futuro a nossa esperança, recordando o mistério da Encarnaçao e lembrando-nos a fidelidade de Deus às promessas feitas à humanidade. Desejo que saibais aproveitar deste tempo, recebendo a graça que é oferecida a cada um.

Saúdo cordialmente os peregrinos croatas aqui presentes e apraz-me conceder-lhes a Bênção apostólica.
Louvados sejam Jesus e Maria!


Saúdo por fim os jovens aqui presentes. Exorto-vos, caríssimos, a nutrir-vos com frequência do p¢o de vida que Cristo multiplica todos os dias na mesa da Igreja.

Dirijo-me agora com sentida amizade a vós, caríssimos doentes, convidando-vos a olhar para Aquele que, neste tempo de Advento, esperamos como O que está para chegar. Sabei oferecer-Lhe com grande fé os vossos sofrimentos, para serdes também partícipes da sua glória.
E vós estimados jovens casais, que saúdo com verdadeira cordialidade, alimentai a vossa vida de graça no recurso constante a Maria, Mãe e Virgem Imaculada.

Acompanhe-vos a todos a minha Bênção!



AUDIÊNCIAS 2000 - AUDIÊNCIA