Discursos João Paulo II 2000 59

59 Desejo saudar todos vós aqui reunidos para esta breve oração. Rezo em particular por Sua Majestade o Rei e agradeço-lhe de novo a hospitalidade que recebi aqui na Jordânia.

No Evangelho de São Lucas lemos que "Deus enviou a sua palavra a João, filho de Zacarias, no deserto. E João percorria toda a região do rio Jordão, pregando um baptismo de conversão para o perdão dos pecados" (3, 2-3). Aqui no rio Jordão, onde ambas as margens são visitadas por plêiades de peregrinos que prestam honra ao Baptismo do Senhor, também eu elevo o coração em oração:

Glória a vós, ó Pai,
Deus de Abraão, Isaac e Jacob!
Enviastes os vossos servos,
os Profetas, para transmitirem
a vossa palavra de amor fiel
e exortarem o vosso povo ao arrependimento.

Às margens do rio Jordão,
elevastes João Baptista,
uma voz que gritava no deserto,
60 enviado a toda a região do Jordão
para preparar o caminho do Senhor
e anunciar a vinda de Jesus.

Glória a vós, ó Cristo, Filho de Deus!

Viestes às águas do Jordão
a fim de serdes baptizado pelas mãos de João.
O Espírito desceu sobre vós
sob a forma do Espírito.

Os céus abriram-se acima de vós,
e ouviu-se a voz do Pai:
"Este é o meu amado Filho!".
61 Do rio abençoado pela vossa presença
partistes para baptizar não só com a água
mas com o fogo e o Espírito Santo.

Glória a vós, ó Espírito Santo,
Senhor e Dador da vida!

A Igreja é baptizada mediante o vosso poder,
descendo na morte com Cristo
e ressuscitando com Ele para a nova vida.

Pelo vosso poder, somos livres do pecado
para nos tornarmos filhos de Deus,
o glorioso Corpo de Cristo.

62 Pelo vosso poder, todo o temor é subjugado
e o Evangelho do amor é anunciado
em cada quadrante da terra,
para glória de Deus,
Pai, Filho e Espírito Santo,
a quem seja dado todo o louvor
neste Ano jubilar
e em todos os tempos vindouros. Amém!


Desejo agradecer a todos aqueles que participaram e colaboraram para a organização. Dirijo um especial agradecimento aos Patriarcas e Bispos, aos sacerdotes e às religiosas. Celebrar com a comunidade católica na Jordânia foi uma experiência comovedora.

Saúdo cordialmente os representantes das outras comunidades, aqui vindos de muitas outras partes do Médio Oriente. Estou grato a todos vós. Sinto-me particularmente próximo das crianças e dos jovens: sabei que a Igreja e o Papa têm grande confiança em vós!

Dirijo uma especial saudação a Sua Majestade real o Príncipe Mohammed. Recordar-me-ei do inteiro povo da Jordânia cristãos e muçulmanos nas minhas orações, de maneira particular dos enfermos e dos idosos.

63 Com gratidão, invoco abundantes bênçãos sobre Vossa Alteza o Rei e sobre toda a Nação.
Deus abençoe todos vós!

Deus abençoe a Jordânia!

São João Baptista proteja o Islão, todo o povo da Jordânia e todos aqueles que participaram nesta celebração, uma celebração memorável! Estou grato a todos vós. Muito obrigado!

JOÃO PAULO II

DISCURSO DO SANTO PADRE

NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS NO


AEROPORTO INTERNACIONAL "BEN GOURION"


Telavive, 21 de Março de 2000



Estimado Senhor Presidente e Senhora Weizman
Prezado Senhor Primeiro-Ministro e Senhora Barak
Dilectos Amigos israelenses
Excelências, Senhoras e Senhores

1. Ontem, dos píncaros do Monte Nebo, olhei através do Vale do Jordão para esta terra abençoada. Hoje, é com profunda emoção que piso o Solo que Deus escolheu para nele "armar a sua tenda" (cf. Jo Jn 1,14 Ex 40,34-35 1R 8,10-13), e fazer com que o homem O encontre de forma mais directa.

Neste ano do segundo milénio do Nascimento de Jesus Cristo, tive o forte desejo pessoal de vir aqui e rezar nos lugares mais importantes que, desde os tempos antigos, testificaram as intervenções de Deus, as maravilhas por Ele realizadas. "Tu és o Deus que opera maravilhas, mostrando às nações a tua força" (Ps 77 [76], 15).

64 Senhor Presidente, agradeço-lhe as suas calorosas boas-vindas enquanto, na sua pessoa, saúdo todo o povo do Estado de Israel.

2. A minha visita é tanto uma peregrinação pessoal como uma viagem espiritual do Bispo de Roma às origens da nossa fé no "Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacob" (
Ex 3,15). Ela faz parte de uma mais vasta peregrinação de oração e acção de graças que me conduziu primeiro ao Sinai, a Montanha da Aliança, o lugar da revelação decisiva que forjou a subsequente história da salvação. Agora, terei o privilégio de visitar alguns dos lugares mais intimamente ligados à Vida, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. A cada passo ao longo do caminho, sinto-me comovido por um profundo sentido de Deus, que nos precedeu e nos faz progredir, que deseja que O honremos em espírito e verdade, reconhecendo as diferenças existentes entre nós, mas vendo também em cada ser humano a imagem e semelhança do único Criador do céu e da terra.
3. Senhor Presidente, Vossa Excelência é conhecido como um homem de paz e um pacificador.

Todos nós sabemos como é urgente a necessidade de paz e de justiça, não só para Israel, mas para toda esta região. Muitas coisas mudaram nas relações entre a Santa Sé e o Estado de Israel, desde que o meu predecessor Papa Paulo VI veio aqui em 1964. O estabelecimento das relações diplomáticas entre nós em 1994 confirmaram os esforços em vista de inaugurarmos uma era de diálogo sobre temas de comum interesse, concernentes à liberdade religiosa, às relações entre a Igreja e o Estado e, de maneira mais geral, aos relacionamentos entre cristãos e judeus. A outro nível, a opinião mundial acompanha com grande atenção o processo de paz que vê todos os povos desta região envolvidos na difícil busca de uma paz duradoura, com justiça para todos. Mediante uma renovada abertura recíproca, cristãos e judeus hão-de realizar esforços comuns no sentido de eliminarem todas as formas de preconceito. Devemos prodigalizar-nos sempre e em toda a parte para apresentarmos o verdadeiro rosto dos judeus e do judaísmo, bem como dos cristãos e do cristianismo, a níveis de atitude, de doutrina e de comunicação (cf. Discurso aos membros da comunidade judaica de Roma, 13/IV/1986, n. 5).

4. Por conseguinte, a minha viagem é uma peregrinação, em espírito de humilde gratidão e esperança, às origens da nossa história religiosa. Constitui um tributo às três tradições religiosas que coexistem nesta terra. Durante muito tempo desejei encontrar-me com os fiéis das comunidades católicas na sua rica variedade e os membros das várias Igrejas e Comunidades cristãs presentes na Terra Santa. Rezo a fim de que a minha visita sirva para fomentar o progresso do diálogo inter-religioso, que leve judeus, cristãos e muçulmanos a buscarem, nos seus respectivos credos e na fraternidade universal que une todos os membros da família humana, a motivação e a perseverança de se prodigarem pela paz e a justiça, que os povos da Terra Santa ainda não possuem, e às quais aspiram profundamente. O Salmista recorda-nos que a paz é uma dádiva de Deus: "Prestarei atenção àquilo que o Senhor vai dizer. Ele tem promessas de paz para o seu povo e os seus amigos, que já não voltarão ao desvario" (Ps 85 [84], 9). A paz seja o dom de Deus para a Terra que Ele escolheu como sua!

Shalom!

JOÃO PAULO II

PALAVRAS DO SANTO PADRE

AO VISITAR AL-MAGHTAS


22 de Março de 2000



Excelências
Queridos Amigos

Estou-vos grato por esta oportunidade de visitar um lugar tão rico de história. Desde há muitos milhares de anos, esta área em redor de Jericó tem sido um habitat humano. É nas proximidades deste lugar que encontramos os restos da mais antiga cidade jamais descoberta. Mas a sua memória torna-se ainda mais rica se considerarmos a Sagrada Escritura, segundo a qual Jericó conserva as pegadas não só do homem, mas do próprio Deus.

Com a minha mente, vejo Jesus que vem até às águas do rio Jordão, não distante daqui, para ser baptizado por João Baptista (cf. Mt Mt 3,13); vejo Jesus que passa, a caminho da Cidade Santa, onde morreria e ressuscitaria; vejo-O abrir os olhos do homem cego ao longo do caminho (cf. Lc Lc 18,35-43).

65 Hoje, Jerico tornou-se um florescente oásis no deserto. Oxalá a cidade que é tão rica de memórias seja também repleta de promessas. Que o seu progresso anuncie a esperança de um futuro mais pacífico, ao qual os habitantes deste lugar e todos os povos desta Terra aspiram há muito tempo.

Deus abençoe todos vós!

JOÃO PAULO II



NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS EM BELÉM


Quarta-feira, 22 de Março de 2000



Estimado Senhor Presidente Arafat
Excelências
Queridos Amigos palestinos

1. "Aqui Cristo nasceu da Virgem Maria": estas palavras, inscritas no lugar onde, segundo a Tradição, Jesus nasceu, constituem a razão do Grande Jubileu do Ano 2000. Elas são o motivo da minha hodierna vinda a Belém. São a nascente da alegria, da esperança e da boa vontade que, durante dois milénios e unicamente ao som do nome "Belém", colmaram inumeráveis corações humanos.

As pessoas de todas as partes vêm a este singular recanto da terra com uma esperança que transcende todos os conflitos e dificuldades. Belém onde o coro dos Anjos entoou: "Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens por Ele amados" (Lc 2,14) manifesta-se em todos os lugares e tempos como a promessa do dom da paz por parte de Deus. A mensagem de Belém é a Boa Nova da reconciliação entre os homens, da paz a cada nível de relações entre os indivíduos e as nações. Belém é uma encruzilhada universal em que todos os povos podem encontrar-se para construir juntos um mundo meritório da nossa dignidade e destino humanos. O Museu da Natividade, recentemente inaugurado, demonstra que a celebração do Nascimento de Cristo se tornou uma parte da cultura e da arte dos povos em todos os quadrantes do mundo.

2. Senhor Arafat, enquanto lhe agradeço a calorosa hospitalidade que me ofereceu em nome da Autoridade e do povo palestinos, expresso toda a minha felicidade por me encontrar hoje aqui.

Como posso deixar de rezar a fim de que o dom da paz se torne cada vez mais real para todos os que vivem nesta terra, assinalada de maneira tão singular pelas intervenções de Deus? Paz para o povo palestino! Paz para todos os povos desta região! Ninguém pode ignorar quanto o povo palestino teve de sofrer durante as últimas décadas. O vosso tormento apresenta-se aos olhos do mundo. E tem continuado por demasiado tempo!

A Santa Sé sempre reconheceu que o povo palestino tem o direito natural a uma pátria, e o direito de poder viver em paz e tranquilidade com os outros povos desta região (cf. Carta Apostólica Redemptionis Anno, 20/IV/1984). No fórum internacional, os meus predecessores e eu repetimos muitas vezes que o triste conflito na Terra Santa não terá fim sem garantias estáveis dos direitos de todos os interessados, com base na lei internacional e nas relevantes resoluções e declarações da Organização das Nações Unidas.

66 Todos nós devemos continuar a trabalhar e a rezar pelo bom êxito de cada esforço genuíno, em vista de instaurar a paz nesta terra. Somente com uma paz justa e duradoura não imposta, mas garantida mediante a negociação as legítimas aspirações palestinas se hão-de concretizar. Só assim a Terra Santa terá a possibilidade de um novo porvir, não já dissipado pela rivalidade e pelo conflito, mas firmemente fundado no entendimento e na cooperação para o bem de todos. O resultado depende em grande medida da corajosa disponibilidade dos responsáveis pelo destino desta parte do mundo, de promoverem renovadas atitudes de compromisso e de condescendência com as exigências da justiça.

3. Queridos amigos, estou plenamente consciente dos enormes desafios que se apresentam à Autoridade Palestina e ao povo palestino em cada sector do desenvolvimento económico e cultural. De maneira particular, as minhas preces dirigem-se àqueles palestinos muçulmanos e cristãos que ainda não dispõem da própria casa, de um lugar específico na sociedade e da possibilidade de uma normal vida de trabalho. Formulo votos por que a minha visita hodierna ao Campo de Refugiados de Dheisheh possa recordar à comunidade internacional que é necessária uma acção decisiva para melhorar a situação do povo palestino. Apreciei de maneira particular a aceitação unânime da Resolução sobre Belém 2000, por parte das Nações Unidas, que compromete a comunidade internacional na assistência ao desenvolvimento desta área e na promoção das condições de paz e de reconciliação num dos mais queridos e significativos lugares da Terra.

A promessa da paz feita em Belém só se tornará uma realidade quando a dignidade e os direitos de todos os seres humanos, criados à imagem de Deus (cf. Gn
Gn 1,26), forem reconhecidos e respeitados.

Hoje e sempre, o povo palestino está presente nas minhas orações ao Único que tem o destino do mundo nas suas mãos. Deus Altíssimo ilumine, sustente e guie todo o povo palestino ao longo da vereda da paz!

JOÃO PAULO II

DISCURSO DO SANTO PADRE

DURANTE A VISITA AO CAMPO DE


REFUGIADOS DE DHEISHEH


Quarta-feira, 22 de Março de 2000

Senhor Presidente
Querido Povo palestino

1. Considero importante que esta visita a Dheisheh esteja incluída na minha peregrinação ao lugar onde nasceu Jesus Cristo, no bimilenário daquele evento extraordinário. É significativo que aqui, perto de Belém, eu me possa encontrar convosco, refugiados e desabrigados, e com os representantes das organizações e agências que participam numa autêntica missão de misericórdia. Durante todo o meu Pontificado senti-me próximo do povo palestino no seu sofrimento.

Saúdo todos e cada um de vós, e espero e rezo para que a minha visita traga um pouco de consolação à vossa difícil situação. Se Deus quiser, contribuirá para chamar a atenção para o vosso contínuo sofrimento. Fostes privados de muitas coisas que representam necessidades fundamentais da pessoa humana: habitações adequadas, assistência no campo da saúde, educação e trabalho. Sobretudo, porém, tendes a triste recordação daquilo que vos vistes obrigados a abandonar: não só bens materiais, mas também a liberdade, a proximidade dos parentes, o vosso ambiente e as tradições culturais que alimentaram a vossa vida pessoal e familiar. É verdade que se está a fazer muito, aqui em Deheisheh e noutros campos, para satisfazer as vossas exigências, em particular através da Relief and Works Agency das Nações Unidas. Sinto-me particularmente contente pela eficaz presença da Pontifícia Missão para a Palestina e de outras numerosas organizações católicas. Porém, ainda há muita coisa a fazer.

2. As condições degradantes em que os refugiados muitas vezes devem viver, o prolongamento de situações que são dificilmente toleráveis também nas emergências ou por um breve período de tempo; o facto de as pessoas desabrigadas serem constrangidas a permanecer durante anos nos agrupamentos: é esta a dimensão da urgentíssima necessidade de encontrar uma solução justa para as causas que estão na base do problema. Só um empenho resoluto por parte dos Chefes no Médio Oriente e de toda a Comunidade internacional, inspirado por uma visão superior da política como serviço ao bem comum, poderá remover as causas da vossa situação actual. Lanço um apelo para uma maior solidariedade internacional e para a vontade política de enfrentar este desafio. Peço a todos aqueles que estão a trabalhar sinceramente pela justiça e a paz, que não desanimem. Dirijo-me aos Chefes políticos, a fim de que ponham em prática os acordos já alcançados e prossigam rumo à paz, pela qual anelam todos os homens e mulheres sensatos, rumo à justiça que é um seu direito inalienável.

3. Caros jovens, continuai a lutar através da educação, para ocupardes o lugar que vos compete na sociedade, apesar das dificuldades e dos obstáculos que deveis enfrentar por causa da vossa situação de refugiados. A Igreja católica está de modo particular contente de servir a nobre causa da educação, através do trabalho extremamente precioso da "Bethlehem University", fundada após a visita do meu predecessor, o Papa Paulo VI, em 1964.

67 Dilectos Irmãos e Irmãs, queridos refugiados, não deveis pensar que a vossa situação actual vos torna menos importantes aos olhos de Deus! Jamais esqueçais a vossa dignidade como seus filhos! Aqui, em Belém, o Filho divino foi deposto numa manjedoura da estrebaria; os pastores dos campos vizinhos foram os primeiros a receber a mensagem celeste de paz e de esperança para o mundo. O desígnio de Deus cumpriu-se no meio da humildade e da pobreza. Provavelmente os pastores e pegureiros de Belém foram os vossos predecessores, os vossos ancestrais.

Prezados assistentes e voluntários, acreditai na tarefa que estais a realizar! A solidariedade autêntica e concreta para com os necessitados não é um favor que se concede: é uma exigência da nossa comum humanidade e um reconhecimento da dignidade de todo o ser humano.
Dirijamo-nos com confiança ao Senhor, pedindo-Lhe que inspire aqueles que têm um papel de responsabilidade, a fim de que promovam a justiça, a segurança e a paz sem medo e de modo extremamente concreto.

Através das suas organizações sociais e caritativas, a Igreja permanecerá ao vosso lado e continuará a promover a vossa causa diante do mundo.

Deus abençoe todos vós!

SAUDAÇÃO DO SANTO PADRE

JOÃO PAULO II


AO PRESIDENTE YASSER ARAFAT

AO DESPEDIR-SE DOS TERRITÓRIOS PALESTINOS

Quarta-feira, 22 de Março de 2000

Excelência

Sinto-me feliz por ter esta oportunidade de lhe agradecer de novo, e de lhe retribuir as visitas que Vossa Excelência me fez no Vaticano. Estou-lhe grato pela sua calorosa hospitalidade. Este é um importante momento na busca da paz para esta região. Muito se realizou, mas ainda há muito a fazer, se todos os povos desta região quiserem viver numa harmonia fundada sobre o respeito pelos direitos e a dignidade de todos.

O nosso encontro hodierno esclarece o compromisso da Igreja católica em trabalhar estrenuamente pela paz no Médio Oriente, como parceira de todos os povos. A Igreja compreende as aspirações dos diferentes povos e insiste que o diálogo é o único modo de tornar essas aspirações uma realidade, e não um sonho. Agradeço o reconhecimento que hoje me foi reservado aqui. Sei que também Vossa Excelência está persuadido de que somente o diálogo paciente e corajoso abrirá o caminho para o futuro, pelo qual o seu povo justamente anela.

Enquanto confio este ingente desafio ao Deus Todo-poderoso, invoco abundantes bênçãos celestiais sobre Vossa Excelência, a vossa família e o povo palestino.

JOÃO PAULO II

SAUDAÇÃO DO SANTO PADRE

AOS DOIS GRÃO-RABINOS DE ISRAEL


NO HECHAL SHLOMO


Jerusalém, 23 de Março de 2000



68 Reverendíssimos Grão-Rabinos

É com profundo respeito que vos visito hoje aqui e vos agradeço ter-me recebido no Hechal Shlomo. Decerto este é um encontro particularmente significativo que espero e rezo promoverá os contactos entre cristãos e judeus, tendo em vista a consecução de um entendimento cada vez mais profundo da relação histórica e teológica entre as nossas respectivas heranças religiosas.

Pessoalmente, sempre desejei ser incluído entre as pessoas que, de ambos os lados, trabalham para superar antigos preconceitos e garantir um reconhecimento sempre mais vasto e completo do património espiritual, compartilhado por judeus e cristãos. Reitero aqui o que disse por ocasião da minha visita à Comunidade Judaica de Roma, ou seja, que nós cristãos reconhecemos que a herança religiosa judaica é intrínseca à nossa fé: "Sois os nossos irmãos maiores" (Discurso na Sinagoga de Roma, 13 de Abril de 1986, em: ed. port. de L'Osservatore Romano de 20/IV/86, n. 4). Fazemos votos por que o povo judaico reconheça que a Igreja condena totalmente o anti-semitismo e todas as formas de racismo, porque se opõem de maneira radical aos princípios da cristandade. Devemos trabalhar juntos para construir um futuro em que não haja mais antijudaísmo entre os cristãos, nem sentimentos anticristãos entre os judeus.

Temos muito em comum. Juntos, podemos fazer muito pela paz, pela justiça, por um mundo mais humano e fraterno. O Senhor do céu e da terra nos conduza para uma nova e frutuosa era de respeito e cooperação mútuos, para o benefício de todos.

Obrigado!

SAUDAÇÃO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II

AO PRESIDENTE DO ESTADO DE ISRAEL

EZER WEIZMAN NO PALÁCIO PRESIDENCIAL


Jerusalém, 23 de Março de 2000



Senhor Presidente
Ministros do Governo
Membros da "Knesset"
Excelências

Senhor Presidente, estou profundamente grato pela hospitalidade que me reservou em Israel. Ambos trazemos longas histórias a este encontro. Vossa Excelência representa a memória judaica, indo além da história recente desta terra, até à singular peregrinação do seu povo ao longo dos séculos e dos milénios. Venho como uma pessoa cuja memória cristã remonta a dois mil anos, ao nascimento de Jesus Cristo nesta mesma Terra.

69 Como diziam os antigos, a História é Magistra vitae, mestra de vida. Eis por que devemos estar determinados em lenir as feridas do passado, a fim de que jamais se abram novamente. Havemos de trabalhar para uma nova era de reconciliação e paz entre judeus e cristãos. A minha visita constitui um penhor de que a Igreja católica fará tudo o que lhe for possível para assegurar que isto não seja um sonho, mas uma realidade.

Sabemos que a paz genuína no Médio Oriente só se instaurará como resultado da compreensão e do respeito mútuos entre todos os povos desta região: judeus, cristãos e muçulmanos. Nesta perspectiva, a minha peregrinação é uma viagem de esperança: a esperança de que o século XXI conduza a uma nova solidariedade entre os povos do mundo, na convicção de que o desenvolvimento, a justiça e a paz só serão alcançados se forem para todos.

Construir um futuro mais brilhante para a família humana é uma tarefa que diz respeito as todos nós. Eis por que me é grato saudar-vos, Ministros do Governo, Membros da "Knesset" e Representantes diplomáticos de muitos países, que deveis tomar e concretizar decisões que concernem à vida das pessoas. A minha ardente esperança é de que o desejo da paz inspire cada uma das vossas decisões. Através desta minha prece, invoco abundantes bênçãos divinas sobre Vossa Excelência, Senhor Presidente, o seu país e todos vós que me honrastes com a vossa presença.

Obrigado!

JOÃO PAULO II



DURANTE A VISITA AO MEMORIAL "YAD VASHEM"


Jerusalém,de Março de 2000

: As palavras do antigo Salmo brotam do nosso coração:
"Estou como um objecto perdido.
Ouço as calúnias de muitos,
e o pavor me envolve!
Eles conspiram juntos contra mim
e tramam tirar-me a vida.
70 Quanto a mim, Javé,
eu confio em Ti, e digo:
"Tu és o meu Deus!"" (
Ps 31,13-15).

1. Neste lugar da memória, a mente, o coração e a alma sentem uma extrema necessidade de silêncio. Silêncio para recordar. Silêncio para procurar dar um sentido às recordações que retornam impetuosas. Silêncio porque não há palavras bastante fortes para deplorar a terrível tragédia do Shoah. Eu mesmo tenho recordações pessoais de tudo aquilo que aconteceu quando os nazistas ocuparam a Polónia durante a Guerra. Recordo os meus amigos e vizinhos judeus, alguns dos quais morreram, enquanto outros sobreviveram.

Vim a Yad Vashem para prestar homenagem aos milhões de Judeus que, privados de tudo, em particular da sua dignidade humana, foram mortos no Holocausto. Passou mais de meio século, mas as recordações permanecem.

Aqui, como em Auschwitz e em muitos outros lugares na Europa, somos afligidos pelo eco dos lamentos massacrantes de um grande número de pessoas. Homens, mulheres e crianças gritam-nos dos abismos do horror que conheceram. Como podemos deixar de prestar atenção ao seu clamor? Ninguém pode esquecer ou ignorar quanto aconteceu. Ninguém pode diminuir a sua dimensão.

2. Queremos recordar. Mas queremos recordar para uma finalidade, ou seja, para garantir que o mal jamais prevalecerá, como aconteceu com milhões de vítimas inocentes do Nazismo.
Como pôde o homem provar um tal desprezo pelo homem? Porque chegou ao ponto de desprezar a Deus. Só uma ideologia sem Deus podia programar e levar a termo o extermínio de um inteiro povo.

A honra prestada pelo Estado de Israel no Yad Vashem aos "exactamente gentios", por terem agido de modo heróico para salvar judeus, às vezes até com a oferta da própria vida, é uma demonstração de que nem sequer na hora mais sombria todas as luzes se apagaram. Por isto os Salmos e a Bíblia inteira, embora conscientes da capacidade humana de fazer o mal, proclamam que não será o mal que terá a última palavra. Do abismo do sofrimento e da dor, o coração do crente clama: "Javé, eu confio em Ti, e digo: "Tu és o meu Deus!"" (Ps 31,14).

3. Judeus e cristãos compartilham um imenso património espiritual, que deriva da auto-revelação de Deus. Os nossos ensinamentos religiosos e as nossas experiências espirituais exigem que vençamos o mal com o bem.Recordamos, mas não com algum desejo de vingança nem como um incentivo ao ódio. Para nós, recordar significa orar pela paz e a justiça e empenhar-nos pela sua causa. Só um mundo em paz, com justiça para todos, poderá evitar que se repitam os erros e os terríveis crimes do passado.

Como Bispo de Roma e Sucessor do Apóstolo Pedro, garanto ao povo judeu que a Igreja católica, motivada pela lei evangélica da verdade e do amor e não por considerações políticas, sente-se profundamente entristecida pelo ódio, pelos actos de perseguição e pelas manifestações de anti-semitismo cometidas contra os judeus por cristãos em todos os tempos e lugares. A Igreja rejeita qualquer forma de racismo como uma negação da imagem do Criador inerente a todo o ser humano (cf. Gn Gn 1,26).

71 4. Neste lugar de solene memória, rezo com fervor para que a nossa tristeza pela tragédia vivida pelo povo judeu no século XX, conduza a uma nova relação entre cristãos e judeus. Construamos um futuro novo no qual já não haja sentimento antijudeu entre os cristãos, nem sentimento anticristão entre os judeus, mas sim o respeito recíproco requerido àqueles que adoram o único Criador e Senhor e olham para Abraão como o nosso pai comum na fé (cf. Nós recordamos: uma reflexão sobre o Shoah, V; cf. L'Osserv. Rom. 21/3/98, pág. Rm 8, V).
O mundo deve prestar atenção à advertência que provém das vítimas do Holocausto e do testemunho dos sobreviventes. Aqui em Yad Vashem, a memória continua viva e ardente na nossa alma. Ela faz-nos bradar:

"Ouço as calúnias de muitos, e o pavor me envolve!
Javé, eu confio em Ti, e digo: "Tu és o meu Deus!"" (Ps 31,13-15).

JOÃO PAULO II

DISCURSO DO SANTO PADRE

NO ENCONTRO INTER-RELIGIOSO NO


PONTIFÍCIO INSTITUTO "NOTRE-DAME"


Quinta-feira, 23 de Março de 2000



Ilustres Representantes
Judeus, Cristãos e Muçulmanos!

1. Neste ano no qual se celebra o bimilenário do nascimento de Jesus Cristo, estou deveras contente por ter podido satisfazer o meu grande desejo de realizar uma viagem aos lugares da história da salvação. Comove-me profundamente seguir os passos dos inúmeros peregrinos que, antes de mim, oraram nos lugares santos ligados às intervenções de Deus. Estou consciente de modo particular do facto que esta terra é santa para os Judeus, os Cristãos e os Muçulmanos.Por isso, a minha visita não estaria completa sem este encontro convosco, ilustres responsáveis religiosos. Obrigado pelo apoio que a vossa presença oferece aqui, nesta tarde, à esperança e à convicção de pessoas tão numerosas entrarem numa nova era de diálogo inter-religioso. Estamos conscientes de que é necessário e urgente estabelecer vínculos mais estreitos entre todos os crentes, para garantir um mundo mais justo e pacífico.

Para todos nós Jerusalém, como indica o nome, é a "Cidade da Paz". Talvez nenhum outro lugar transmita o sentido de transcendência e de eleição divina que percebemos nas suas pedras, nos seus monumentos e no testemunho das três religiões que vivem, uma ao lado da outra, dentro dos seus muros. Nesta coexistência nem tudo foi ou será fácil. Contudo, devemos encontrar nas nossas respectivas tradições religiosas a sabedoria e a motivação superior para garantir o triunfo da compreensão recíproca e do respeito cordial.

2. Estamos todos de acordo ao considerar que a religião deve estar centrada de modo autêntico em Deus e que os nossos primeiros deveres religiosos são a adoração, o louvor e a acção de graças. O sura inicial do Alcorão afirma: "Louvor a Deus, Senhor do mundo" (Alcorão 1, 1). Nos cânticos inspirados da Bíblia ouvimos a chamada universal: "Todo o que respira louve a Javé! Aleluia!" (Ps 150,6). No Evangelho lemos que, quando Jesus nasceu, os anjos cantaram: "Glória a Deus nas alturas" (Lc 2,14). Agora que muitos são tentados a administrar a própria vida sem referência alguma a Deus, a chamada a reconhecer o Criador do universo e o Senhor da história é essencial para garantir o bem-estar dos indivíduos e o correcto desenvolvimento da sociedade.

3. Se for autêntica, a devoção a Deus implica necessariamente a atenção para com os outros seres humanos. Como membros da única família humana e amados filhos de Deus, temos deveres recíprocos que, como crentes, não podemos ignorar. Um dos primeiros discípulos de Jesus escreveu: "Se alguém disser: "Eu amo a Deus", mas odiar a seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama a seu irmão, ao qual vê, como pode amar a Deus, que não vê?" (1Jn 4,20). Amar os nossos irmãos e irmãs comporta uma atitude de respeito e de compaixão, gestos de solidariedade, cooperação no serviço do bem comum. Portanto, a preocupação pela justiça e pela paz não é estranha ao campo da religião, mas é de facto um dos seus elementos essenciais.

72 Do ponto de vista cristão, não compete aos responsáveis religiosos propor fórmulas técnicas para a solução dos problemas sociais, económicos e políticos. Eles têm sobretudo a tarefa de ensinar as verdades da fé e a justa conduta, de ajudar as pessoas, inclusive aquelas que têm responsabilidade na vida pública, a estarem conscientes dos próprios deveres e a cumprirem-nos. Como responsáveis religiosos, ajudemos as pessoas a conduzirem uma vida completa, a harmonizarem a dimensão vertical da sua relação com Deus, com a horizontal do serviço ao próximo.

4. Todas as nossas religiões conhecem, duma ou doutra forma, a Regra de ouro: "Faze aos outros o que desejas que seja feito a ti".

Por mais que esta regra seja uma guia preciosa, o amor autêntico pelo próximo vai mais além. Baseia-se na convicção de que quando amamos o nosso próximo mostramos amor a Deus, e quando lhe fazemos mal, ofendemos a Deus. Isto significa que a religião é inimiga da exclusão e da discriminação, do ódio e da rivalidade, da violência e do conflito. A religião não é nem deve tornar-se um pretexto para a violência, em particular quando a identidade religiosa coincide com a identidade étnica e cultural. Religião e paz caminham juntas! A crença e a prática religiosa não se podem separar da defesa da imagem de Deus em cada ser humano.

Visto que nos alimentamos das riquezas das nossas respectivas religiões, devemos difundir a consciência de que os problemas de hoje não serão resolvidos, se não nos conhecermos e permanecermos isolados uns dos outros. Conhecemos todas as incompreensões e os conflitos do passado e sabemos que eles ainda incumbem de maneira pesada sobre as relações entre Judeus, Cristãos e Muçulmanos. Devemos fazer tudo o que é possível para transformar a consciência das ofensas e pecados do passado numa firme determinação a edificar um novo futuro, no qual não haverá senão a cooperação fecunda e respeitosa entre nós.

A Igreja católica deseja prosseguir um diálogo inter-religioso sincero e fecundo com as pessoas de fé judaica e os seguidores do Islão. Este diálogo não é uma tentativa de impor aos outros a nossa visão. Ele exige que todos nós, fiéis àquilo em que cremos, escutemos o outro com respeito, procuremos discernir quanto há de bom e de santo em cada uma das outras doutrinas, e cooperemos no apoio a tudo o que favorece a mútua compreensão e a paz.

5. As crianças e os jovens judeus, cristãos e muçulmanos, presentes aqui, são um sinal de esperança e um incentivo para todos nós. Cada nova geração é um dom divino ao mundo. Se lhes transmitirmos tudo aquilo que de nobre e de bom está presente nas nossas tradições, eles farão com que isto floresça numa mais intensa fraternidade e cooperação.

Se as várias comunidades religiosas na Cidade Santa e na Terra Santa conseguirem viver e trabalhar juntas na amizade e na harmonia, elas serão de enorme benefício não só para si mesmas, mas também para a causa da paz nesta região. Jerusalém será verdadeiramente uma Cidade de Paz para todos os povos. Então repetiremos as palavras do Profeta: "Vinde, subamos à Montanha do Senhor... Ele nos ensinará os seus caminhos e nós andaremos pelas suas veredas" (
Is 2,3).

Empenhar-nos de novo nessa tarefa e fazê-lo na Cidade Santa de Jerusalém, significa pedir a Deus que vele sobre os nossos esforços e os leve a bom termo. Deus Omnipotente abençoe com abundância os nossos esforços comuns!

Discursos João Paulo II 2000 59