Discursos João Paulo II 2000 402

402 Como fruto concreto disso mesmo, aí está a «Comunidade de Países de Língua Portuguesa», não só com suas vertentes sócio-políticas, culturais e económicas mas também com a sua expressão eclesial feita de mútua ajuda e partilha fraterna de recursos. Grande foi a onda de solidariedade de Portugal inteiro com o drama sangrento que se abateu sobre Timor Leste, quando o povo escolheu o seu futuro. Na hora de Macau voltar à China, a despedida foi vivida sob o signo da consolidação das amarras que Portugal soubera prender ao molhe da grande família chinesa. Com idênticos sentimentos vive a sua Nação o drama de Angola: não tendo encontrado bom acolhimento aos ouvidos humanos os apelos de paz, foram estes encaminhados para Deus numa permanente retaguarda de oração para que o Céu suscite aqueles corações novos que as profecias (cf. Ez Ez 36,26-28 Jr 31,31-33) anunciam para os novos tempos.

Vossa Excelência bem conhece o interesse que a Santa Sé atribui a todos estes esforços, susceptíveis de tornar a comunidade humana mais fraterna, mais solidária, graças à elaboração e aplicação de medidas políticas, jurídicas e económicas adequadas. Uma consciência mais profunda da unidade da família humana inteira e da radical interdependência de todos os povos está a alimentar de modo gradual uma convicção maior de que só a verdadeira solidariedade, compreendida como uma categoria moral que determina as relações humanas, pode salvaguardar de maneira eficaz a dignidade e os direitos das pessoas e, por conseguinte, edificar a paz no interior das sociedades e entre as nações.

São estes os sentimentos que me animam ao acolher o Senhor Embaixador no início da sua missão diplomática junto da Santa Sé. Formulo diante de Deus os melhores votos para Vossa Excelência e sua família, para o povo português e seus governantes, sobre todos invocando, pelo valimento da vossa celeste Padroeira e Rainha, as bênçãos do Altíssimo que dá alegria, força e luz aos homens de boa vontade. 




AOS PARTICIPANTES NO


II FÓRUM INTERNACIONAL DOS


PRÉMIOS NOBEL PARA A PAZ


Terça-feira, 13 de Novembro de 2000



Senhoras e Senhores!

É para mim uma grande alegria dar as boas-vindas a vós, Laureados do Prémio Nobel para a Paz reunidos em assembleia, no termo do vosso segundo Fórum Internacional. Saúdo em particular Sua Excelência o Senhor Mikhail Gorbachev, Presidente da Fundação Internacional para os Estudos Políticos e Socioeconómicos, e o Senhor Francesco Rutelli, Presidente da Câmara Municipal de Roma.

Nos passados dias reflectistes sobre a situação do mundo no alvorecer do novo milénio. Em toda a parte homens e mulheres olham para o futuro com a esperança de uma paz verdadeira e duradoura, baseada numa civilização que respeite os direitos de todos e tutele o autêntico bem comum. Todavia, como continuamos a observar, em muitas partes do mundo é preciso enfrentar enormes dificuldades, conflitos armados e terríveis tragédias humanas.

Neste significativo momento da história, deve-se fazer um esforço conjunto para garantir que as novas gerações rejeitem as vias da discriminação, da exclusão e do conflito e se ponham de maneira resoluta no caminho que conduz à paz, com espírito de abertura aos valores e às tradições dos outros. Em estreita cooperação com a Organização das Nações Unidas assumistes um papel orientador a respeito disso, procurando promover uma cultura de não-violência e de paz entre as crianças do mundo no próximo decénio. Reconhecestes também que uma civilização de paz não pode ser edificada sem enfrentar o problema da dívida externa e sem um sentido maior de responsabilidade entre quantos actuam no sector das comunicações sociais.

Encorajo os vossos esforços por construir um futuro melhor para os povos do mundo, garantir que todos possam viver em paz e em harmonia, valendo-se das suas capacidades e talentos para um próprio crescimento pessoal e para o bem da sociedade. Oro para que Deus vos abençoe, a vós e às vossas famílias, e vos guie enquanto continuais a dedicar-vos à causa da paz, da reconciliação e da harmonia entre todos os povos.




POR OCASIÃO DA SESSÃO PLENÁRIA DA


PONTIFÍCIA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS


13 de Novembro de 2000


Senhor Presidente
403 Ilustres Senhores e Senhoras

1. É com alegria que vos apresento a minha cordial saudação por ocasião da Sessão Plenária da vossa Academia que, pelo contexto jubilar em que ela se realiza, assume um significado e um valor especial. Agradeço, antes de mais, ao vosso Presidente, o Professor Nicola Cabibbo, as gentis palavras que quis dirigir-me em nome de todos. Estendo o meu vivo agradecimento a todos vós por este encontro e pela competente e apreciada contribuição que ofereceis ao progresso do saber científico para o bem da humanidade.

Prosseguindo e como que completando as reflexões do ano passado, nestes dias reflectistes sobre o interessante tema "A ciência e o futuro da humanidade". É-me grato constatar que nestes últimos anos as Semanas de Estudo e as Assembleias Plenárias foram dedicadas de modo sempre mais explícito ao aprofundamento daquela dimensão da ciência que poderíamos qualificar como antropológica ou humanista. Esse importante aspecto da investigação científica foi também enfrentado por ocasião do Jubileu dos Cientistas, celebrado em Maio passado, e, mais recentemente, durante o Jubileu dos Professores Universitários. Formulo votos por que a reflexão sobre a relação entre os conteúdos antropológicos e o necessário rigor da pesquisa científica se possa desenvolver de modo significativo, oferecendo indicações esclarecedoras para o progresso integral do homem e da sociedade.

2. Quando se fala da dimensão humanista da ciência, o pensamento corre em geral para a responsabilidade ética da investigação científica, por causa dos reflexos que dela derivam para o homem. O problema é real e suscitou uma preocupação constante no Magistério da Igreja, especialmente na segunda parte do século XX. Mas é claro que seria redutivo limitar a reflexão sobre a dimensão humanista da ciência a um simples apelo a esta preocupação. Isto até poderia conduzir alguém a temer que se projecte uma espécie de "controlo humanista sobre a ciência" como se, tendo como pressuposto uma tensão dialéctica entre estes dois âmbitos do saber, fosse tarefa das disciplinas humanistas dirigir e orientar de modo extrínseco as aspirações e os resultados das ciências naturais, que tendem para o projecto de investigações sempre novas e a ampliação dos seus horizontes aplicativos.

Do outro ponto de vista, o tema sobre a dimensão antropológica da ciência evoca sobretudo uma precisa problemática epistemológica. Isto é, deseja-se sublinhar que o observador é sempre parte em causa no estudo do objecto observado. Isto vale não só para as pesquisas sobre o que é extremamente pequeno, onde os limites cognoscitivos devidos a este envolvimento estreito já foram há muito tempo evidenciados e filosoficamente discutidos, mas também para as mais recentes investigações sobre o que é extremamente grande, onde a particular perspectiva filosófica adoptada pelo cientista pode influir de modo significativo na descrição do cosmos, quando se apresentam interrogativos sobre tudo, sobre a origem e o sentido do próprio universo.

Em linha mais geral, como nos demonstra bastante bem a história da ciência, tanto a formulação de uma teoria como a intuição que guiou muitas descobertas, revelam-se muitas vezes condicionadas por prévias compreensões filosóficas, estéticas e às vezes até religiosas ou existenciais, já presentes no sujeito. Mas também em relação a esta temática, a dissertação sobre a dimensão antropológica ou o valor humanista não se referiria senão a um aspecto peculiar, no interior do problema epistemológico mais geral da relação entre sujeito e objecto.

Por fim, fala-se de "humanismo na ciência" ou "humanismo científico", para sublinhar a importância de uma cultura integrada e completa, capaz de superar a ruptura entre as disciplinas humanistas e as disciplinas científico-experimentais. Se essa separação é certamente vantajosa no momento analítico e metodológico de uma investigação qualquer, ela é bastante menos justificada e não isenta de perigos no momento sintético, quando o sujeito se interroga sobre as motivações mais profundas do seu "fazer ciência" e sobre as recaídas "humanas" dos novos conhecimentos adquiridos, a níveis tanto pessoal como colectivo e social.

3. Mas para além destas problemáticas, falar da dimensão humanista da ciência leva-nos a focalizar um aspecto, por assim dizer, "interior" e "existencial" que envolve profundamente o pesquisador e merece particular atenção. Como tive a oportunidade de recordar, ao falar à UNESCO há alguns anos, a cultura, e portanto também a cultura científica, possui em primeiro lugar um valor "imanente ao sujeito" (cf. Insegnamenti III/1 [1980] 1639-1640). Todo o cientista, através do estudo e da pesquisa pessoais, se aperfeiçoa a si mesmo e a própria humanidade.

Disto, vós sois testemunhas autorizadas. Com efeito, cada um de vós, ao pensar na própria vida e na própria experiência de cientista, poderia dizer que a pesquisa construiu e de algum modo marcou a sua personalidade. A investigação científica constitui para vós, como para muitos, a via para o encontro pessoal com a verdade e, talvez, o lugar privilegiado para o próprio encontro com Deus, Criador do céu e da terra. Cultivada nesta perspectiva, a ciência resplandece em todo o seu valor, como um bem capaz de motivar uma existência, como uma grande experiência de liberdade para a verdade, como uma fundamental obra de serviço. Através dela, cada pesquisador sente que pode amadurecer e ajudar os outros a crescer em humanidade.

Verdade, liberdade e responsabilidade estão unidas na experiência do cientista. De facto, ele, ao interpretar o seu caminho de pesquisa, compreende que o deve actuar não só com a imparcialidade requerida pela objectividade do seu método, mas também com a honestidade intelectual, a responsabilidade e, diria, com uma espécie de "reverência", tal como convém ao espírito humano no seu aproximar-se da verdade. Para o cientista compreender sempre melhor a realidade singular do homem em relação aos processos físico-biológicos da natureza, descobrir sempre novos aspectos do cosmos, saber mais sobre a posição e a distribuição dos recursos, sobre as dinâmicas sociais e ambientais, sobre as lógicas do progresso e do desenvolvimento, traduz-se no dever de servir mais a humanidade inteira, à qual ele pertence. As responsabilidades éticas e morais unidas à investigação científica podem se cultivadas, por isso, como uma exigência interna à ciência enquanto actividade plenamente humana, não como um controlo, ou pior uma imposição, que chega a partir de fora. O homem de ciência sabe perfeitamente, do ponto de vista dos seus conhecimentos, que a verdade não pode ser negociada, obscurecida ou abandonada às livres convenções ou aos acordos entre os grupos de poder, as sociedades ou os Estados. Ele, por conseguinte, por causa do seu ideal de serviço à verdade, percebe uma especial responsabilidade na promoção da humanidade, não de modo genérico ou entendido idealmente, mas como promoção do homem todo e de tudo o que é autenticamente humano.

4. Uma ciência assim concebida pode encontrar-se sem dificuldade com a Igreja e abrir com ela um diálogo fecundo, porque precisamente o homem é a "primeira e fundamental via da Igreja" (Redemptor hominis,
RH 14). A ciência pode, então, olhar com interesse para a Revelação bíblica, que manifesta o sentido último da dignidade do homem, criado à imagem de Deus. Ela pode, enfim, sobretudo encontrar-se com Cristo, o Filho de Deus, Verbo encarnado, o Homem perfeito: aquele segundo quem o homem se torna mais homem (cf. Gaudium et spes, GS 41).

404 Não é acaso esta centralidade de Cristo que a Igreja celebra no Grande Jubileu do Ano 2000? Ao afirmar a unicidade e a centralidade de Deus que se fez Homem, a Igreja sente-se investida de uma grande responsabilidade: a de propor a Revelação divina que, sem rejeitar nada "de quanto é verdadeiro e santo" nas várias religiões da humanidade (cf. Nostra aetate, NAE 2), indica Cristo, "Caminho, Verdade e Vida" (Jn 14,6), como mistério em que tudo encontra plenitude e a realização completa.

Em Cristo, centro e ápice da história (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 9-10), está contida também a norma do futuro da humanidade. N'Ele a Igreja reconhece as condições últimas, a fim de que o progresso científico seja também um verdadeiro progresso humano. Estas são as condições da caridade e do serviço que asseguram a todos os homens uma vida autenticamente humana, capaz de se elevar ao Absoluto, abrindo-se não só às maravilhas da natureza, mas também ao mistério de Deus.

5. Ilustres Senhores e Senhoras! Ao propor-vos estas reflexões sobre o conteúdo antropológico e a dimensão humanista da actividade científica, faço votos de coração por que os colóquios e os aprofundamentos destes dias sejam frutuosos para o vosso empenho académico e científico. Os meus votos são por que possais contribuir, com sabedoria e amor, para o crescimento cultural e espiritual dos povos.

Para isto, invoco sobre vós a luz e a força do Senhor Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, no qual se unificam o rigor da verdade e as razões da vida. Asseguro de bom grado uma lembrança na oração por vós e pelo vosso trabalho e concedo a cada um de vós a Bênção Apostólica, que de coração faço extensiva a todas as pessoas que vos são queridas.



MENSAGEM POR OCASIÃO DO


125° ANIVERSÁRIO DA PARTIDA DA PRIMEIRA


MISSÃO SALESIANA PARA A ARGENTINA



Ao Reverendíssimo Senhor Padre Juan Edmundo VECCHI
Reitor-Mor da Sociedade Salesiana de São João Bosco

1. Em 1875 partiam os primeiros Salesianos para a Argentina. Era para a vossa Família religiosa o início de uma prometedora época missionária que, ao longo do tempo, se haveria de tornar cada vez mais florescente. Recordando este ano o 125º aniversário desse acontecimento, formulo-lhe cordiais votos, bem como a todo o seu Instituto, manifestando o meu grato apreço aos seus Irmãos para o apostolado desempenhado segundo o espírito típico de S. João Bosco.

Quem não conhece a alma principalmente missionária do vosso Fundador? Muitos Irmãos, numerosas filhas de Maria Auxiliadora e tantos leigos seguiram os seus passos, realizando no carisma salesiano a própria vocação missionária. Ao longo destes 125 anos, foram a terras de missão mais de dez mil religiosos. Muitos deles receberam, antes de partir, o Crucifixo na Basílica de Maria Auxiliadora de Turim.

Tenho conhecimento de que o Reverendíssimo Senhor, recordando o início missionário do Instituto, quis dirigir um renovado apelo missionário à Congregação, ao qual responderam 124 religiosos, religiosas e leigos. Estes generosos apóstolos irão receber de Vossa Reverência o mandato e o Crucifixo que os acompanhará no seu ministério apostólico. Eles pertencem a todos os continentes, em confirmação da difusão da obra salesiana em todas as partes do mundo, e são enviados, em nome de Dom Bosco e da Madre Mazzarello, a trabalhar em todas as regiões da terra a fim de realizar uma intensa actividade de evangelização e de educação dos jovens. Nos centros abertos para as novas gerações, nas obras profissionais e de preparação para o trabalho, nas escolas, nas paróquias, entre as camadas populares e com a juventude da rua, eles são chamados a formar e a preparar para a vida social e religiosa todos os que a Providência lhes confia, para que se tornem por sua vez anunciadores e testemunhas do Evangelho.

Não podemos esquecer que muitos Salesianos se encontram nos primeiros postos da evangelização e oferecem o seu serviço entre as populações mais infelizes e necessitadas!

Queridos Irmãos e Irmãs, prossegui esta obra apostólica tão útil, que os meus venerados Predecessores sempre encorajaram e abençoaram. Prossegui com o mesmo fervor missionário de quem vos precedeu.

405 2. O primeiro grupo de salesianos enviados em 1875 para a América Latina é recordado pelo vibrante espírito missionário e indicado também hoje como exemplo para quantos, da Congregação Salesiana, pedem para ser enviados para terras de missão. O seu testemunho é, de uma certa forma, considerado como paradigma de qualquer empreendimento apostólico que diz respeito à Família Salesiana, que saiu do oratório de Turim.

É o estilo de São João Bosco, que pedia aos seus missionários que fizessem seu o mesmo Evangelho pregado pelo Salvador e pelos seus Apóstolos. "Deveis ciosamente dizia ele amar, professar e pregar exclusivamente este Evangelho" (Memórias Biográficas, XI, 387).

A entrega do mandato e do crucifixo, que se realiza em recordação daquela primeira expedição missionária, insere-se no amplo contexto do Grande Jubileu e deseja imprimir um renovado estímulo não só às missões da Congregação, mas também à vida espiritual da Família Salesiana.

Religiosos e religiosas da grande Comunidade Salesiana estão hoje empenhados em obras conjuntas, unindo os próprios esforços. A eles juntam-se a significativa e importante presença dos leigos. O discernimento e a formação de vocações locais constituem, de facto, uma parte necessária, apesar de ser delicada, do ministério missionário dos novos enviados, dando prosseguimento ao que Dom Bosco iniciara.

A presença de 23 leigos e leigas entre os novos missionários, que nesta ocasião são enviados, evidencia quanto os filhos e filhas de Dom Bosco estão a fazer pela valorização do laicado na Igreja. Trata-se de jovens que sentiram a chamada missionária quando se encontravam inseridos na pastoral juvenil da Congregação. Agora, desejam dedicar um período da sua vida aos irmãos e irmãs que vivem em terras longínquas, indo como testemunhas de Cristo para cumprir a vontade do Pai (cf. Hb
He 10,7).

3. Agradeço de coração a Deus pela animação missionária que os membros desta Família religiosa desempenham no vasto campo da Igreja. Ao mesmo tempo, faço votos por que esta feliz data, enriquecida pelo significativo acto da entrega do mandato missionário e do Crucifixo aos novos trabalhadores da messe, seja para as comunidades e para cada salesiano individualmente uma ocasião de renovado empenho no testemunho evangélico e na actividade missionária.

Para esta finalidade invoco a materna assistência de Maria Auxiliadora dos Cristãos e a intercessão de São João Bosco e dos numerosos Santos e Beatos salesianos. A protecção divina acompanhe sempre a vossa Família espiritual e de modo especial os missionários e as missionárias, os seus pais e familiares.

Com estes sentimentos, concedo-lhe de coração, Reverendíssimo Reitor-Mor, aos Irmãos, às Filhas de Maria Auxiliadora e aos leigos que cooperam em cada sector da vossa actividade salesiana a Bênção apostólica, que de bom grado faço extensiva a quantos participarão nas solenes celebrações jubilares.

Vaticano, 9 de Novembro de 2000



SAUDAÇÃO DO SANTO PADRE


AOS ALUNOS DO INSTITUTO ECUMÉNICO BOSSEY


16 de Novembro de 2000

Queridos Amigos em Cristo!

406 Grande é a minha alegria ao encontrar-vos durante a vossa visita a Roma, e estou grato ao Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos por ter organizado o vosso programa, tendo em vista ajudar-vos a compreender a Igreja católica de modo mais aprofundado.

Neste ano do Grande Jubileu, provindes de muitos países como peregrinos a esta cidade, onde São Pedro sofreu o martírio no final da sua vida como discípulo e apóstolo de Cristo. Foi aqui que São Pedro pregou o Evangelho não só com as palavras, mas também com o supremo testemunho de Cristo, dado com a morte. Viestes, portanto, a um lugar reverenciado não só pela sua história e arte, mas também pela herança do sangue dos mártires que se demonstrou uma semente tão fecunda de vida cristã no mundo.

Nos meses passados, os membros do Instituto ajudaram a preparar-vos, a vós estudantes, para estardes prontos para servir a causa da unidade cristã nos vossos respectivos países. Nesta grande tarefa encontrareis na Igreja católica um interlocutor credível. Não se deve voltar atrás no empenho compartilhado em trabalhar pela união plena e visível de todos os seguidores de Cristo.

Oro para que esta visita permaneça nos vossos corações e nas vossas mentes como promessa certa para o futuro, ao qual o próprio Cristo nos chama. Não só agora mas também depois, Deus, que é amor (cf.
1Jn 4,8), vos abençoe abundantemente em Jesus Cristo, que "é o mesmo, ontem e hoje, e será sempre o mesmo" (He 13,8).



DISCURSO AOS PARTICIPANTES NA


XV CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE O TEMA


"SAÚDE E SOCIEDADE"


17 de Novembro de 2000

Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Senhores e gentis Senhoras!

1. É-me grato ter este encontro, que me consente apresentar-vos a minha saudação por ocasião da XV Conferência Internacional, organizada pelo Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde. Dirijo um particular pensamento ao Presidente do Pontifício Conselho, D. Javier Lozano Barragán, a quem agradeço os sentimentos expressos em nome de todos os presentes. Exprimo a minha intensa satisfação aos organizadores, assim como aos ilustres estudiosos, cientistas, pesquisadores e peritos, que quiseram honrar esta Conferência com a sua presença e o seu contributo profissional.

As jornadas do Congresso, que neste ano enfrenta um tema importante e complexo como "Saúde e Sociedade", ajudam-vos a aprofundar as novas tecnologias biomédicas e os não fáceis interrogativos apresentados ao mundo da saúde, devido às profundas transformações sociais em acto. O vosso encontro favoreceu um profundo diálogo e um intercâmbio cultural e religioso entre qualificados agentes no âmbito da saúde.

2. O tema do Congresso põe em evidência uma realidade de grande alcance e uma contínua transformação, sobre a qual é imperioso desenvolver uma análise atenta. Pusestes-vos, em particular, o problema das relações entre Sociedade e Instituições, por um lado, e os indivíduos que administram os meios do cuidado da saúde, por outro. Profundas são as mudanças que se estão a apresentar às estruturas tradicionais de uma sociedade sempre mais globalizada e em dificuldade de se referir a cada indivíduo, e uma medicina empenhada no desenvolvimento de meios diagnósticos e terapêuticos cada vez mais complexos e eficazes, mas não raro só disponíveis a restritos grupos de pessoas. Além disso, hoje é bem conhecido o papel da causalidade ambiental na génese de algumas doenças, por causa da pressão da sociedade e do forte impacto tecnológico sobre os indivíduos. É preciso, pois, recuperar alguns critérios de discernimento ético e antropológico, que consintam avaliar se as opções da medicina e da saúde a serem seguidas estão verdadeiramente à altura do homem.

407 3. Mas antes ainda, a medicina deve dar resposta à questão que se refere à própria substância da sua missão. Pergunta-se se o acto médico-sanitário encontra a sua razão de ser em prevenir a doença e quando está em superá-la, ou então se deve anuir a qualquer pedido de intervenção no corpo desde que seja tecnicamente possível. O interrogativo torna-se mais amplo se se considera o próprio conceito de saúde. Hoje, é comummente reconhecida a insuficiência de uma noção de saúde restrita só ao bem-estar fisiológico e à ausência de sofrimento. Como eu escrevia na Mensagem para o Dia Mundial do Doente deste Ano jubilar, "a saúde, longe de se identificar com a simples ausência de enfermidades, coloca-se como tensão rumo a uma mais plena harmonia e um sadio equilíbrio a nível físico, espiritual e social. Nesta perspectiva, a pessoa mesma é chamada a mobilizar todas as energias disponíveis para realizar a sua vocação e o bem do próximo" (n. 13). Trata-se de um conceito complexo de saúde, mais conforme a sensibilidade hodierna, que tem em conta o equilíbrio e a harmonia da pessoa na sua globalidade: fazeis bem em dedicar-lhe a vossa atenção.

O interrogativo que eu apresentava acima é importante, porque dele deriva o perfil dos agentes da saúde a formar, assim como o estilo dos Centros de Saúde que se deseja realizar e o próprio modelo de medicina para o qual se quer orientar: uma medicina ao serviço do bem-estar integral da pessoa ou, ao contrário, uma medicina marcada pela eficiência técnica e organizacional. Vós estais conscientes de que uma ciência médica desvirtuada poria, de facto, em perigo não só a vida do indivíduo, mas também a própria convivência social. Uma medicina que visasse principalmente enriquecer-se de conhecimentos, em vista da própria eficiência tecnológica, trairia o seu etos originário, abrindo a porta a desenvolvimentos perniciosos. Somente servindo o integral bem-estar do homem, a medicina contribui para o seu progresso e a sua felicidade, e não se torna instrumento de manipulação e de morte.

4. Vós, ilustres cultores das ciências biomédicas, nas vossas actividades sabeis bem respeitar as leis metodológicas e hermenêuticas próprias da investigação científica. Estais convictos de que elas não são um fardo arbitrário, mas uma ajuda indispensável que garante a credibilidade e a comunicação dos resultados obtidos. Sabei reconhecer sempre com igual cuidado as normas éticas, no centro das quais está o ser humano com a sua dignidade de pessoa: o respeito pelo seu direito a nascer, a viver e a morrer de modo digno constitui o imperativo fundamental em que a prática médica deve sempre inspirar-se. Fazei quanto estiver em vosso poder para sensibilizar a comunidade social, os sistemas de saúde nacionais e os seus responsáveis, a fim de que os consideráveis recursos orientados para pesquisas e aplicações técnicas tenham sempre como finalidade o serviço integral à vida.

Sim, o centro da atenção e das solicitudes, tanto do sistema de saúde como da sociedade, deve ser sempre a pessoa considerada na realidade existencial da sua inserção numa família. Portanto, ir ao encontro do doente quer dizer assistir a pessoa que sofre e não apenas tratar um corpo doentio. Eis por que motivo se pede aos agentes no campo da saúde um empenho com as características de uma vocação. A experiência ensina-vos que a exigência dos doentes vai para além do simples pedido da cura das patologias orgânicas em acto. Do médico, eles esperam o apoio para enfrentar o inquietante mistério do sofrimento e da morte. Dar aos doentes e aos seus familiares razões de esperança diante dos presentes interrogativos que os preocupam: esta é a vossa missão. A Igreja está próxima de vós e convosco compartilha este apaixonado serviço em benefício da vida.

5. De maneira muito oportuna, numa sociedade globalizada como a actual, com enriquecidas potencialidades técnicas mas também com novas dificuldades, nos trabalhos congressuais dedicastes uma especial atenção às novas enfermidades do século XXI. Também não deixastes de ter em consideração as condições da saúde nalgumas regiões do mundo, onde faltam políticas de assistência aos cuidados, mesmo primários. A este propósito, várias vezes tive a ocasião de solicitar a responsabilidade dos Governos e das Organizações internacionais. Infelizmente, apesar dos esforços louváveis, nos últimos decénios a desigualdade entre os povos agravou-se de modo acentuado. Faço de novo um apelo àqueles que detêm os destinos das nações, a fim de que favoreçam o mais possível condições aptas a resolver situações tão dramáticas de injustiça e de marginalização.

6. Não obstante as sombras que ainda gravam sobre não poucos países, os cristãos olham com esperança para o vasto e variado mundo da saúde. Eles sabem que são chamados a evangelizá-lo com o vigor do seu testemunho quotidiano, na certeza de que o Espírito renova continuamente a face da terra, e com os seus dons impele sempre de novo as pessoas de boa vontade a abrirem-se ao apelo do amor. Será necessário talvez percorrer novas estradas para favorecer adequadas respostas às expectativas de tantas pessoas provadas. Espero que a quantos procuram com coração sincero o bem integral da pessoa, não faltem do Alto as luzes necessárias para empreenderem oportunas iniciativas quanto a isto.

Caríssimos Irmãos e Irmãs! A Virgem, Sede da Sabedoria e Saúde dos Enfermos, invocada pela Tradição como nova Era, guie o vosso caminho. Estais empenhados numa das causas mais nobres: a tutela da vida e a promoção da saúde. O Senhor vos sustente na investigação e vos conceda um impulso sempre novo no nobilíssimo serviço que prestais em benefício dos vossos semelhantes.

Com estes votos que se tornam prece, a todos concedo a minha Bênção.






AOS PARTICIPANTES NO


ENCONTRO INTERNACIONAL SOBRE


"BLONDEL ENTRE 'A ACÇÃO' E A TRILOGIA"


Sábado, 18 de Novembro de 2000




Estou contente por saudar os participantes no Congresso Internacional organizado pela Universidade Gregoriana, sob a presidência do Senhor Cardeal Paul Poupard, sobre "Blondel entre "A Acção" e a Trilogia".

O vosso encontro revela-se particularmente importante se o pusermos em relação com um certo número de exigências, cuja urgência eu quis lembrar na Encíclica Fides et ratio. Assim, insisti sobre a necessidade do estudo da filosofia como preparação da fé (n. 61) e sobre as relações da teologia, ciência da fé, com a razão filosófica (nn. 64-69).

408 Na raiz da filosofia de Maurício Blondel, existe a percepção aguda do drama da separação entre fé e razão (cf. nn. 45-48) e a vontade intrépida de vencer esta separação contrária à natureza das coisas. O filósofo de Aix é, assim, um eminente representante da filosofia cristã, entendida como especulação racional, em união vital com a fé (cf. n. 76), numa dupla fidelidade às exigências da pesquisa intelectual e ao Magistério.

Numa mensagem enviada em 19 de Fevereiro de 1993 a D. Bernard Panafieu, então Arcebispo de Aix, para o Colóquio internacional que celebrava o centenário de L'Action, tive já a ocasião de sublinhar como "Blondel processou a sua obra clarificando incansável e obstinadamente o seu pensamento sem renegar a sua inspiração". E acrescentava: "é esta coragem de pensador, aliada a uma fidelidade e a um amor indefectíveis para com a Igreja, que os filósofos e os teólogos actuais, que estudam a obra de Blondel, têm de aprender com este grande mestre" (La Documentation catholique, 90 [1993],
PP 353-354). Que todos aqueles que estão comprometidos na pesquisa intelectual possam aceitar corajosamente, como Blondel, o reconhecimento dos limites de todo o pensamento humano e se deixem conduzir ao seio do mistério divino, que nos é dado pela fé.
Renovando os meus votos de coragem, concedo-vos, de boa vontade, a Bênção Apostólica.






DISCURSO DO SANTO PADRE A VÁRIAS PEREGRINAÇÕES JUBILARES VINDAS A ROMA PARA O ANO SANTO


Sábado, 18 de Novembro de 2000




Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. O desejo de realizar um profícuo caminho jubilar conduziu-vos a atravessar a Porta Santa e a deter-vos em oração junto dos Túmulos dos Apóstolos. Durante este itinerário quisestes manifestar ao Papa o vosso afecto e a vossa proximidade espiritual. Agradeço-vos este gesto e dou-vos cordiais boas-vindas! Provindes de várias Dioceses e realidades eclesiais: este encontro constitui para vós uma grande ocasião de comunhão eclesial.

O tempo jubilar oferece a cada um a oportunidade de se confrontar com as exigentes palavras de Cristo e de experimentar em si mesmo a misericórdia de Deus, superabundante mais do nunca neste Ano Jubilar. De facto, ele é um tempo de conversão e de alegria, que revigora os crentes no caminho da renovação interior, a fim de que se afirme cada vez mais nos seus corações e nas suas comunidades uma mentalidade nova, capaz de averiguar os eventos do mundo à luz do Evangelho.

2. Saúdo agora, em particular, os peregrinos de Placência-Bobbio, acompanhados do seu Bispo, dos Cardeais Opílio Rossi e Luigi Poggi, e de D. Bertagna. Agradeço a D. Luciano Monari as devotas expressões que me dirigiu em vosso nome. Caríssimos Irmãos e Irmãs, a etapa de hoje é parte de um longo itinerário de preparação, durante o qual a vossa Igreja reflectiu sobre a própria responsabilidade missionária e a capacidade de incentivar todos os que, embora se declarem cristãos, infelizmente não participam de maneira activa na vida comunitária. Mediante oportunas iniciativas, quisestes manifestar o interesse fraterno que tendes para com eles, convidando-os a compartilhar convosco, de modo concreto, a grande aventura da fé. Enquanto me alegro pelo vosso empenho, encorajo-vos cordialmente a continuar a aprofundar a consciência humilde e alegre da vossa identidade cristã. Ela é não só um dom que Deus vos faz, mas também uma missão que vos confia. Se souberdes ter confiança no poder do Espírito que age em vós, jamais estareis à mercê do desconforto e podereis cumprir plenamente tudo o que vos é pedido.

Tende sempre um estilo autenticamente evangélico, marcado pela caridade e a amizade fraterna. Se entre Bispo e sacerdotes e entre estes se fortalecer o espírito de comunhão, se os sacerdotes, depois, souberem estabelecer com os leigos um frutuoso diálogo e fomentar neles uma constante atitude de sincera e cordial colaboração, o caminho eclesial tornar-se-á exemplo também para a sociedade civil.

3. O meu pensamento dirige-se agora para vós, queridos fiéis de Carpi, aqui presentes juntamente com o vosso novo Pastor, D. Elio Tinti. Para ele vai o meu vivo agradecimento pelas amáveis palavras, interpretando os sentimentos de todos. O Jubileu recorda a cada cristão o dever de perseverar na sua vocação, para ser fermento que faz levedar a massa (cf. 1Co 5,6). Se souberdes permanecer unidos à volta do vosso Bispo e dos vossos sacerdotes, podereis de modo eficaz oferecer aos vossos conterrâneos o Evangelho, fonte de esperança e de vida nova.
Um acentuado individualismo, um bem-estar económico com fim em si mesmo e a indiferença religiosa que às vezes pretende insinuar-se no coração do povo sejam para vós um estímulo a viver com mais coerência aquilo que sois: filhos de Deus, chamados a ser herdeiros do Reino. Não diminua o entusiasmo nem a vivacidade que, embora como pequeno rebanho, vos anima, continuando com confiança a "anunciar o Evangelho para servir o homem".


Discursos João Paulo II 2000 402