Discursos João Paulo II 2000 417

JUBILEU DO APOSTOLADO DOS LEIGOS


MENSAGEM DO SANTO PADRE






Ao Venerado Irmão
Cardeal JAMES FRANCIS STAFFORD
Presidente
do Pontifício Conselho para os Leigos

1. Nos próximos dias realizar-se-á em Roma, sobre o tema "Testemunhas de Cristo no novo Milénio", o Congresso do Laicado católico promovido pelo Pontifício Conselho para os Leigos. Trata-se de uma feliz iniciativa que, no decurso do grande Jubileu, constituirá para os participantes mais uma ocasião de crescimento na fé e na comunhão eclesial. Com efeito, a assembleia verá a presença de muitos leigos juntamente com Cardeais, Bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, que representam idealmente o inteiro povo dos baptizados no Senhor, os christifideles que, entre as tribulações do mundo e as consolações de Deus (cf. 2Co 1,4), caminham rumo à casa do Pai. O Congresso poderá assim ser um momento de reflexão e de diálogo, de partilha da fé e de oração, bem inserido no contexto das celebrações do Jubileu do Apostolado dos Leigos, cujo ápice será a Santa Missa na Praça de São Pedro, no dia da solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do universo.

Através de Vossa Eminência agradeço ao Pontifício Conselho para os Leigos, que quis promover esta estimulante iniciativa, que nos põe à escuta de quanto o Espírito diz à Igreja (cf. Ap Ap 2,7) mediante a experiência de fé de tantos leigos cristãos, homens e mulheres do nosso tempo.

2. O Congresso está idealmente ligado a outras grandes reuniões de fiéis leigos que, nos últimos cinquenta anos, marcaram etapas importantes do caminho de promoção e desenvolvimento do laicado católico. Penso em particular nos Congressos mundiais do apostolado dos leigos, que se realizaram em Roma respectivamente em 1951, 1957 e 1967, no imediato período do pós-Concílio. E penso também nas duas Consultações mundiais do laicado católico organizadas pelo Pontifício Conselho para os Leigos, por ocasião do Ano Santo de 1975 e em preparação para a VII Assembleia geral do Sínodo dos Bispos de 1987, cujos resultados foram por mim reunidos na Exortação Apostólica Christifideles laici.

A respeito disso, a actual assembleia, como já tive ocasião de salientar, "poderá servir para recapitular o caminho do laicado desde o Concílio Vaticano II até ao Grande Jubileu da Encarnação" (L'Osservatore Romano, ed. port. de 6/3/1999, pág. 7). Partindo de um balanço da actuação dos ensinamentos do Concílio na vida e no apostolado dos leigos, o vosso encontro contribuirá, sem dúvida, para dar um impulso renovado ao empenho missionário deles. Dimensão essencial da vocação e missão do cristão é dar testemunho da presença salvífica de Deus na história dos homens, como felizmente reitera o tema do Congresso: "Testemunhas de Cristo no novo Milénio".

418 3. As últimas décadas do século XX viram florescer na Igreja as sementes de uma encorajadora primavera espiritual. Como, por exemplo, não sermos gratos a Deus pela mais clara consciência que os fiéis leigos homens e mulheres adquiriram da própria dignidade de baptizados, que se tornaram "criaturas novas"; da própria vocação cristã; da exigência de crescer, na inteligência e na experiência da fé, como christifideles, ou seja, como verdadeiros discípulos do Senhor; da própria adesão à Igreja?

Ao mesmo tempo, porém, num clima de difundida secularização, não poucos crentes são tentados a afastar-se da Igreja e, infelizmente, deixam-se contagiar pela indiferença ou cedem a compromissos com a cultura predominante. Entre os fiéis não faltam, depois, atitudes selectivas e críticas em relação ao magistério eclesial. Para despertar nas consciências dos cristãos um sentido mais vivo da sua identidade é preciso, portanto, no contexto do grande Jubileu, aquele sério exame de consciência de que eu falava na Tertio millennio adveniente (cf. n.
TMA 34). Há interrogativos essenciais, que ninguém pode evitar: O que fiz do meu baptismo e da minha confirmação? Cristo é verdadeiramente o centro da minha vida? A oração encontra espaço no decorrer dos meus dias? Vivo a minha vida como uma vocação e uma missão? Cristo continua a recordar-nos:

"Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo... a vossa luz brilhe diante dos homens, para que vejam as boas obras que fazeis e louvem o vosso Pai que está nos céus" (Mt 5,13-14 Mt 5,16).

4. A vocação e a missão dos fiéis leigos só podem ser compreendidas à luz de uma renovada consciência da Igreja "como sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano" (Lumen gentium, LG 1), e do dever pessoal de aderir a ela de modo mais firme. A Igreja é um mistério de comunhão que tem origem na vida da Santíssima Trindade. É o Corpo místico de Cristo. É o Povo de Deus que, unido pela mesma fé, esperança e caridade, caminha na história rumo à definitiva pátria celeste. E nós, como baptizados, somos membros deste maravilhoso e fascinante organismo, alimentado pelos dons sacramentais, hierárquicos e carismáticos que lhe são coessenciais. Por isso, hoje é mais necessário do que nunca que os cristãos, iluminados e guiados pela fé, conheçam a Igreja como ela é, em toda a sua beleza e santidade, para a sentir e a amar como a sua própria mãe. E para isto é importante despertar no inteiro Povo de Deus o verdadeiro sensus Ecclesiae, unido à íntima consciência de ser Igreja, isto é, mistério de comunhão.

5. No limiar do terceiro milénio Deus chama os crentes, de modo especial os leigos, a um renovado impulso missionário. A missão não é um acréscimo à vocação cristã. Antes, o Concílio Vaticano II recorda que a vocação cristã é, por sua natureza, vocação ao apostolado (cf. Apostolicam actuositatem, AA 2). Cristo deve ser anunciado com o testemunho de vida e a palavra e, antes de ser compromisso estratégico e organizado, o apostolado comporta a grata e alegre comunicação a todos do dom do encontro com Cristo. A pessoa ou a comunidade amadurecida sob o ponto de vista evangélico é animada por uma intensa paixão missionária, que a impele a dar testemunho de Cristo em todas as circunstâncias e situações, em qualquer contexto social, cultural e político. A propósito disso, como ensina o Concílio Vaticano II, "por vocação própria, compete aos leigos procurar o Reino de Deus, tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, em toda e qualquer ocupação e actividade terrena, e nas condições ordinárias da vida familiar e social, com as quais é como que tecida a sua existência. São chamados por Deus para que aí, exercendo o seu próprio ofício, guiados pelo espírito evangélico, concorram para a santificação do mundo a partir de dentro, como o fermento" (Lumen gentium, LG 31).

Caríssimos Irmãos e Irmãs, a Igreja tem necessidade de vós e conta convosco! A promoção e a defesa da dignidade dos direitos da pessoa humana, hoje mais urgentes do que nunca, requerem a coragem de indivíduos animados pela fé, capazes de um amor gratuito e rico de compaixão, respeitosos da verdade sobre o homem, criado à imagem de Deus e destinado a crescer até à plena estatura de Jesus Cristo (cf. Ef Ep 4,13). Não desanimeis diante da complexidade das situações! Procurai na oração a fonte de toda a força apostólica; hauri do Evangelho a luz que dirige os vossos passos.

A complexidade das situações não vos pode desencorajar mas, ao contrário, deve impelir-vos a procurar de novo com sabedoria e coragem respostas adequadas ao pedido de pão e de trabalho e às exigências de liberdade, paz e justiça, partilha e solidariedade.

6. Queridos fiéis leigos, homens e mulheres, sois chamados a assumir com generosa disponibilidade a vossa parte de responsabilidade também pela vida das comunidades eclesiais a que pertenceis. O rosto das paróquias, chamadas a ser hospitaleiras e missionárias, depende de vós. Nenhum baptizado pode permanecer ocioso. Como participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo e enriquecidos de múltiplos carismas, os leigos cristãos podem dar a própria contribuição no âmbito da liturgia, da catequese, de iniciativas missionárias e caritativas de vários tipos. Além disso, alguns podem ser chamados a assumir ofícios, funções ou ministérios não ordenados, a nível tanto paroquial como diocesano (cf. Christifideles laici, CL 14). Trata-se de um serviço precioso e, em várias regiões do mundo, sempre mais indispensável. Contudo, deve-se evitar o risco de deformar a figura do leigo com uma sua excessiva substituição às exigências intra-eclesiais. É necessário portanto respeitar, por um lado, a identidade própria do fiel leigo e, por outro, a do ministro ordenado, enquanto a colaboração entre fiéis leigos e sacerdotes e, nos casos e segundo as modalidades estabelecidas pela disciplina eclesial, a suplência dos sacerdotes por parte dos leigos deve ser efectuada no espírito da comunhão eclesial, na qual as tarefas e os estados de vida sejam entendidos como complementares e de enriquecimento recíproco (cf. Instrução acerca de algumas questões sobre a colaboração dos fiéis leigos no sagrado ministério dos sacerdotes).

7. A participação dos fiéis leigos na vida e na missão da Igreja é expressa e sustentada também por diversas agregações, muitas das quais são representadas neste Congresso. Sobretudo no nosso tempo, elas constituem um significativo meio para uma formação cristã mais aprofundada e para uma actividade apostólica mais incisiva. O Concílio Vaticano II afirma: "As associações não têm em si o seu fim, mas devem servir à missão que a Igreja tem de cumprir para com o mundo. A sua força apostólica depende da conformidade com os fins da Igreja e do testemunho cristão e espírito evangélico de cada um dos membros e de toda a associação" (Apostolicam actuositatem, AA 19). Portanto, a fim de permanecerem fiéis à própria identidade, as agregações laicais devem sempre voltar a confrontar-se com os critérios de eclesialidade, a respeito dos quais escrevi na Exortação Apostólica Christifideles laici (cf. n. 30).

Hoje podemos falar de uma "nova era agregativa dos fiéis leigos" (ibid., 29). É um dos frutos do Concílio Vaticano II. Ao lado das associações de longa e benemérita tradição, observamos um vigoroso e diversificado florescimento de movimentos eclesiais e novas comunidades. Este dom do Espírito Santo é outro sinal de que Deus encontra respostas adequadas e tempestivas aos desafios lançados à fé e à Igreja em todas as épocas históricas. Também aqui, é preciso agradecer às associações, aos movimentos e às agregações eclesiais o empenho prodigalizado na formação cristã e o entusiasmo missionário que continuam a oferecer à Igreja.

8. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Nestes dias compartilhais reflexões e experiências, fazendo um balanço do caminho percorrido e dirigindo o olhar para o futuro. Considerando o passado, podeis constatar claramente como é essencial para a vida da Igreja o papel dos leigos. Como não recordar aqui as duras perseguições que a Igreja do século XX sofreu em vastas áreas do mundo? Foi sobretudo graças ao corajoso testemunho de fiéis leigos, não raro até ao martírio, que a fé não se cancelou da vida de povos inteiros. A experiência demonstra que o sangue dos mártires se torna semente de confessores e nós, cristãos, devemos muito a estes "soldados desconhecidos da grande causa de Deus" (Tertio millennio adveniente, TMA 37).

419 Quanto ao futuro, inúmeros são os motivos para nos aproximarmos do novo milénio com esperança fundada. A primavera cristã, da qual já podemos entrever não poucos sinais (cf. Redemptoris missio, RMi 86), é perceptível na opção radical da fé, na autêntica santidade de vida, no extraordinário zelo apostólico de muitos fiéis leigos, homens e mulheres, jovens, adultos e anciãos. É portanto tarefa da presente geração transmitir o Evangelho à humanidade de amanhã. Vós sois as "Testemunhas de Cristo no novo Milénio", como diz o tema do vosso Congresso. Estai conscientes disto e respondei com pronta fidelidade a esta urgente chamada missionária. A Igreja conta convosco!

Desejo todo o bom êxito aos trabalhos da vossa assembleia e, enquanto invoco sobre cada um a protecção de Maria Rainha dos Apóstolos e Estrela da nova evangelização, de coração concedo a Vossa Eminência, Senhor Cardeal, e a todos os participantes a minha especial Bênção, que de bom grado faço extensiva às pessoas queridas e a quantos encontrardes no vosso apostolado.

Vaticano, 21 de Novembro de 2000.



DISCURSO DO SANTO PADRE


À PEREGRINAÇÃO JUBILAR DOS


DIRIGENTES E FUNCIONÁRIOS DA


RAI RÁDIO E TELEVISÃO ITALIANA


27 de Novembro de 2000


Ilustres Senhores e Senhoras

1. No programa da vossa peregrinação jubilar, além da paragem na Basílica de São Pedro para atravessar a Porta Santa e celebrar os Sacramentos da graça divina, quisestes prever o encontro com o Sucessor de Pedro. Agradeço-vos cordialmente esta visita e a cada um de vós apresento as minhas calorosas boas-vindas.

Desejo, antes de mais, saudar o Dr. Roberto Zaccaria, Presidente da RAI. Estou-lhe grato pelas amáveis palavras que me dirigiu em vosso nome. Com igual consideração saúdo o Director-Geral, os membros do Conselho de Administração, os dirigentes, os jornalistas, os colaboradores, os artistas, os técnicos, os funcionários e os aposentados da vossa grande empresa. O meu pensamento estende-se às vossas famílias, a quantos se uniram a vós neste itinerário de fé e àqueles que, embora o desejassem, não puderam estar presentes.

Neste dia tenho a grata oportunidade de renovar o meu reconhecido apreço pelo serviço que a RAI, graças à vossa competência e dedicação, prestou e continua a prestar à Igreja e à Santa Sé. Trata-se de um qualificado serviço à informação religiosa, ainda mais empenhativo durante o ano Santo. Quisestes enfrentar as crescentes exigências através de uma estrutura apropriada, denominada RAI-Jubileu, para acompanhar este tempo de graça e escalonar os seus maiores eventos. Mais uma vez, obrigado de coração! Recompense-vos de forma abundante sobretudo o Senhor.

2. Vivemos na época da "civilização da imagem" em que o meio radiotelevisivo, com as suas enormes potencialidade, chega lá onde os acontecimentos se verificam e onde quer que as pessoas se encontrem. Por essa razão, ele contribui não pouco para plasmar a vida quotidiana e os costumes da sociedade, sempre mais "globalizada", como hoje se gosta de repetir. Os formidáveis instrumentos que a técnica põe à vossa disposição, tornam-vos aptos para transmitir mensagens que atingem milhões de pessoas, influenciando os seus ritmos da existência e contribuindo para modular opiniões e estilos de vida.

Como não reconhecer os inúmeros aspectos positivos do serviço que prestais à sociedade, às famílias, aos indivíduos? Através do vosso trabalho, os povos podem mais facilmente encontrar-se, as culturas podem dialogar, os dramas da humanidade tornar-se de domínio público mediante oportunas intervenções, os eventos alegres ser compartilhados. Nem se pode deixar de mencionar o impacto educativo que de facto reveste uma programação cuidadosa, atenta aos valores e correspondente às expectativas das pessoas. O vosso ambiente de trabalho é deveras uma oficina de palavras e de imagens. Sois operadores da comunicação, agentes primordiais na tarefa comum de edificar uma sociedade à medida do homem. Neste importante empenho profissional tende sempre em vista o bem comum, jamais cedendo a interesses meramente económicos.

3. Os crentes que trabalham neste sector têm, além disso, uma responsabilidade a mais, pois, através do seu testemunho, podem incidir sobre os complexos mecanismos da formação da consciência civil e social. Trata-se de uma missão não fácil, que exige coragem e não raro heroísmo. Às vezes, é preciso andar contra a corrente e pode-se experimentar solidão, incompreensão e até marginalização.

420 Diante duma cultura do efémero, com frequência mais atenta às sensações do que aos valores, os cristãos são chamados a ser ministros da inexaurível novidade da palavra de Deus, veiculando, com a sua contribuição, uma sólida cultura da vida, da solidariedade, da família e dos direitos humanos. É um percurso indispensável, se se quiser contribuir para edificar a civilização do amor.
A Igreja, por sua vez, bem consciente de dever evangelizar a sociedade de maneira minuciosa, conhece a importância do estabelecimento de uma relação correcta e cordial com o mundo da comunicação, porque os grandes meios de que hoje dispõe podem favorecer não pouco a difusão da Boa Nova em todos os ambientes.

Por esta razão, ela não se cansa de evocar a dimensão moral da actividade comunicativa. Estimula, convida e encoraja os operadores da comunicação social a entrarem numa correcta e respeitosa relação com as pessoas, defendendo e difundindo aqueles imprescindíveis valores humanos, morais e espirituais que formam o património também do povo italiano. E dado que o sentido religioso está entre os elementos constitutivos do homem, a programação televisiva, com equilíbrio e abertura serena, deve saber enfrentar também os problemas fundamentais da existência, deixando aberta a porta a soluções iluminadas pela sadia razão e pela fé.

4. Queridos amigos! Ao preparar-vos para esta celebração jubilar, quisestes realizar um gesto de solidariedade concreta, recolhendo uma quantia destinada ao resgate de crianças-soldados na Serra Leoa. Com esta iniciativa quisestes viver plenamente o espírito do Jubileu, que é ano de conversão, de reconciliação e de atenção aos mais necessitados. Este vosso empenho contribui, além disso, para sensibilizar a opinião pública sobre um dos mais graves problemas sociais do nosso tempo, que atinge a infância prejudicando-lhe o futuro. Formulo cordiais bons votos por que não se perca a ocasião de evidenciar este aspecto social do Ano jubilar, actuando com decidida determinação na defesa, respeito e amor de todo o ser humano, especialmente se for frágil e inerme.

Maria, Estrela da evangelização, vos ajude a ser fiéis à vossa missão e interceda por vós Santa Clara de Assis, vossa protectora. Acompanhe-vos também a minha Bênção, que de coração concedo a vós, a quantos fazem parte da grande família de trabalho da RAI e a todos aqueles que quotidianamente seguem os vossos programas na Itália e em muitos outros países do mundo.



MENSAGEM DO SANTO PADRE


POR OCASIÃO DO XXX ANIVERSÁRIO DA


CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE RELIGIÃO E PAZ







Ao meu Venerado Irmão
Cardeal PETER S. SHIRAYANAGI
Arcebispo Emérito de Tóquio

Com alegria tive conhecimento que a Conferência Mundial sobre Religião e Paz celebrará o seu XXX aniversário com uma evento comemorativo em Quioto, nos dias 27 e 28 de Novembro deste ano. Peço-lhe que apresente a todos os presentes os meus melhores votos e a certeza do meu apoio. Deus, origem e destino de todos, criou-nos para viver juntos em harmonia. É, pois, oportuno celebrar o facto de pessoas, pertencentes a diferentes tradições religiosas, poderem reunir-se e colaborar em espírito de amizade e solidariedade na edificação de um mundo de paz. Oro para que os vossos esforços continuem a ser abundantemente abençoados com sucesso.

A Igreja católica acompanha com grande interesse a obra de reconciliação empreendida pela Conferência Mundial sobre Religião e Paz em muitas partes do mundo. Promover o diálogo significa criar vínculos de amizade entre os povos. Significa entretecer novos laços entre os grupos e ensinar a compreensão e o respeito entre os seguidores de várias tradições religiosas. Em anos recentes, a Conferência Mundial sobre Religião e Paz empenhou-se de modo particular na reconciliação de comunidades divididas por conflitos e guerras. Os vossos esforços por socorrer quantos são afligidos por ódios e violência exprimem uma verdade que também eu procurei afirmar em muitas ocasiões, ou seja, que a religião não é nem se deve tornar um pretexto para as hostilidades, em particular quando as identidades religiosas, culturais e étnicas coincidem.

Diante dos prementes problemas da sociedade global de hoje, todas as religiões devem sentir-se chamadas a renovar os esforços de cooperação, voltada para promover a vida humana e a sua dignidade, defender a família, aliviar a pobreza, praticar a justiça e contribuir para proteger o ecossistema da nossa terra. Recordemos, pois, as palavras da Mensagem dos participantes na Assembleia inter-religiosa que se realizou no Vaticano, em Outubro de 1999: "A colaboração entre as diferentes religiões deve fundar-se na rejeição do fanatismo, do extremismo e dos antagonismos recíprocos que conduzem à violência. Estejamos todos conscientes da importância da instrução como meio para promover a compreensão mútua, a cooperação e o respeito".

421 Tenho gratas recordações do acolhimento na Sala sinodal, no Vaticano, dos participantes na cerimónia inaugural da VI Assembleia da Conferência Mundial sobre Religião e Paz. Desejaria repetir quanto eu disse naquela ocasião: "Salvar o mundo mediante o empenho das Religiões pela paz, significa que deveis olhar com fé e esperança para Aquele em quem "vivemos, nos movemos e existimos" (Ac 17,28), a fim de vos tornardes instrumentos mais eficazes para a realização do verdadeiro destino do homem, aqui e depois da morte" (Discurso, 3 de Novembro de 1994, n. 5).

Oro para que as celebrações do XXX aniversário em Quioto sejam um tempo de renovado empenho em prol dos nobres objectivos da Conferência Mundial sobre Religião e Paz. Deus abençoe os vossos esforços!

Vaticano, 1 de Novembro de 2000.



MENSAGEM DO SANTO PADRE


AO PATRIARCA ECUMÉNICO


SUA SANTIDADE BARTOLOMEU I


POR OCASIÃO DA


FESTA DE SANTO ANDRÉ


A Sua Santidade Bartolomeu I Arcebispo de Constantinopla Patriarca Ecuménico
"Que haja abundância de graça e paz, mediante o conhecimento de Deus e de Jesus Cristo nosso Senhor!" (2P 1,2).

Por estas palavras com que se exprime a esperança da Salvação, São Pedro dirige-se aos cristãos do Ponto, da Galácia, Capadócia e Ásia menor, "aos que receberam, pela justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo, uma fé preciosa como a nossa" (Ibid.).

É com esta mesma saudação que me dirijo a vós, Santidade, aos membros do Santo Sínodo e do Patriarcado ecuménico, nesta feliz ocasião da festa de Santo André, o primeiro chamado, o irmão de Pedro, o protocoriféu, como o canta a Liturgia. A delegação presidida pelo meu estimado Irmão, Cardeal Edward Idris Cassidy, Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, que encarreguei de me representar junto de vós por ocasião desta celebração, vos exprimirá os sentimentos fraternos do Bispo de Roma e da Igreja católica.

A veneração comum dos santos Apóstolos e a oração que elevamos para Cristo por sua intercessão, lembram-nos a graça que nos foi dada de ser enraizados na única sucessão apostólica e na única missão de transmitir às gerações futuras e ao mundo a Salvação trazida pelo único Mediador, Cristo Jesus. Como o apóstolo André quando encontrou Jesus pela primeira vez, queremos proclamar em conjunto: "encontrámos o Messias!" (Jn 1,41).

Esta missão que nos é comum força-nos a abraçar a causa do restabelecimento da plena unidade de fé e de vida. Com efeito, como o sublinhei na encíclica Ut unum sint, "de qualquer modo, é claro que a divisão dos cristãos está em contradição com a Verdade que têm a missão de difundir, comprometendo gravemente o seu testemunho" (n. 98). Já o Papa Paulo VI fazia notar há precisamente 25 anos que "a divisão dos cristãos entre si é um estado de facto grave que chega a afectar a própria obra de Cristo" (Exortação apostólica Evangelii nuntiandi EN 77).

Este ano jubilar, no decurso do qual celebramos o segundo aniversário milenar da Incarnação do Verbo de Deus, permitiu-nos dar um testemunho comum da nossa fé. Estou reconhecido a Vossa Santidade por ter enviado a Roma as suas delegações que se uniram a nós e às das outras Igrejas e Comunidades eclesiais para proclamar que Cristo é o nosso único Senhor e Salvador.

Neste ano 2000, após uma lomga suspensão dos seus trabalhos, a Comissão mista internacional para o diálogo teológico entre a Igreja católica e as Igrejas ortodoxas pôde reunir-se em Baltimore para a sua oitava sessão plenária. Um tal encontro é, em si, um acontecimento importante que foi a ocasião de sublinhar a complexidade das questões em estudo; portanto, devemos constatar, com grande desgosto nosso, que ele não permitiu reais progressos no nosso diálogo. Eis por que a Comissão pôs oportunamente em relevo a necessidade de continuar o diálogo e de procurar os modos mais adaptados para precisar e aprofundar mais as questões em debate.

422 No que diz respeito à Igreja católica, posso assegurar a Vossa Santidade que estou resolvido a continuar o diálogo da verdade e da caridade. Por isso, lanço um apelo aos fiéis católicos e ortodoxos, para que, no lugar onde vivem, intensifiquem e fortaleçam sem cessar as suas relações fraternas, num cuidado de respeito mútuo e confiante. É a única via que permite, com a graça de Deus, curar as almas das eventuais hesitações e dilatar os corações para corresponder plenamente à vontade divina de unidade, eliminando as dificuldades reais que permanecem ou podem manifestar-se a nível das Igrejas locais. Este desejo e esta orientação foram expressos às Igrejas católicas particulares para que elas se comprometam firmemente neste sentido. Devemos promover uma colaboração estreita e desinteressada entre a Igreja católica e as Igrejas ortodoxas, evitando acções ou gestos que poderiam constituir formas de pressão ou simplesmente dar a impressão disso, e sendo, segundo a exortação do Apóstolo Paulo aos Coríntios, "ministros de Deus", "pela paciência e bondade, pela actuação do Espírito Santo, pelo amor sem fingimento" (II Cor 6, 4. 6), com o cuidado de ser artífices de paz e de reconciliação.

Com um coração puro e livre, para obedecer à vontade do único Senhor, devemos pois continuar a nossa procura sincera, fraternal e amiga da plena comunhão. É nesta perspectiva que estou feliz por pôr à disposição do patriarca ecuménico a antiga e bela igreja de São Teodoro no Monte Palatino em Roma, a fim de que ela seja destinada ao culto e às actividades pastorais da Comunidade greco-ortodoxa da cidade, que terá assim a assistência espiritual necessária ao seu crescimento e ao diálogo com o conjunto os cristãos residentes em Roma.

Ao terminar esta mensagem, desejo assegurar-vos, querido e venerado Irmão, que eu mesmo, pessoalmente, e toda a Igreja católica, pedimos fielmente ao Senhor que nos conceda a sua luz e a sua força para nos fazer compreender em profundidade a sua oração: "que todos sejam um, a fim de que o mundo acredite!" (
Jn 17,21), para dar o nosso contributo à sua plena realização.

No momento em que a Igreja de Constantinopla celebra o seu santo patrono, peço ao Apóstolo André que nos ajude a prosseguir no caminho da unidade e a continuar as nossas relações cheias de delidadeza e de perdão, a fim de proclamarmos em conjunto que Cristo é o nosso Salvador e o Salvador do género humano. Com estes sentimentos, asseguro Vossa Santidade, os Bispos e os fiéis do vosso Patriarcado da minha profunda caridade fraterna.

Vaticano, 25 de Novembro de 2000



Dezembro de 2000

DISCURSO DO SANTO PADRE AOS BISPOS


REPRESENTANTES DA


IGREJA GRECO-CATÓLICA UCRANIANA


Sexta-feira, 1° de Dezembro de 2000




Dilectos Coirmãos no Episcopado
da Igreja Católica
de Rito Bizantino-Ucraniano

1. Sinto-me muito feliz por vos receber e vos dar as boas-vindas. Transmito uma saudação especial ao Senhor Cardeal Myroslav Ivan Lubachivsky, Arcebispo-Mor de Lviv dos Ucranianos.
423 Por vosso intermédio, saúdo inclusivamente os fiéis ucranianos de todas as Igrejas que se encontram no vosso País. A minha saudação estende-se depois aos Ucranianos residentes no estrangeiro, que conservam vivas as tradições religiosas da sua Pátria.

2. Da Ucrânia e dos Países da diáspora, viestes a Roma para celebrar o Grande Jubileu do Ano 2000.

O meu pensamento comovido volta-se para o dia em que, há dez anos, depois de quase meio século, os vossos Bispos da Ucrânia, confessores da fé, se encontraram com os Prelados ucranianos da diáspora. Tratou-se de um símbolo mais forte do que toda a palavra.

Nessa ocasião, agradecemos ao Senhor porque o Milénio do Baptismo do vosso Povo, celebrado em 1988, constituiu o início de uma nova era, comportando para vós importantes transformações de natureza social e moral, destinadas a reconhecer o direito à liberdade religiosa para os católicos de rito oriental e para a sua Igreja, que há 400 anos vive em unidade com a Sé de Pedro.

Desta maneira, nasceu nas catacumbas a comunidade do Povo de Deus que no ano de 1946 foi declarada ilegal. Seguindo fielmente o seu Esposo Cristo, a vossa Igreja conheceu os sofrimentos e a cruz, quando o cruel regime ateu decretou a sua supressão.

3. Mas agora deve olhar-se para a frente: a graça de Deus impele-nos a fazer bom uso do nosso tempo, porque se trata de um tempo de salvação. O compromisso em edificar a Igreja é imperioso e apaixonante. A primeira tarefa compete a vós, Bispos do Sínodo da Igreja greco-católica ucraniana. Trata-se de uma estrutura de grande valor e responsabilidade: assim como os Apóstolos, também vós sois chamados a ser solícitos para com toda a Igreja: a experiência de cada uma das vossas Eparquias deve ser orientada para um desígnio comum, um projecto global. Estou persuadido de que estes anos constituem uma importante escola para vós: ela ensina-vos a trabalhar juntos, a carregar os pesos uns dos outros, a sentir-vos todos solidariamente empenhados na orientação das vossas comunidades. A sede de Deus aumenta; o povo tem pressa de ser guiado pelos caminhos de Cristo. Estou convencido de que vós sentis com grande vigor este compromisso de viver, projectar e trabalhar em conjunto. O empenhamento conjunto é também uma comum responsabilidade: a Igreja é confiada às vossas mãos e espera-se muito de vós.

4. Falemos da dolorosa experiência das catacumbas. É natural que os primeiros esforços de retomada tenham sido empreendido sob o impulso das exigências do momento e por conseguinte possam manifestar uma certa falta de coordenação. Porém, hoje devemos ir para além desta primeira fase de reorganização e trabalhar com vista à criação de um projecto pastoral para a vossa Igreja, feito de finalidades prioritárias, de meios e de tempos de realização.

5. Ele deverá ter em consideração a exigência primária da catequese e da formação teológica na linha da vossa tradição eclesial oriental. Sei que instituições educativas de elevada qualidade trabalham já com este objectivo. O anúncio do Evangelho deve ser o fundamento de cada projecto eclesial: "Ai de mim se não proclamar o Evangelho!", recorda-nos o Apóstolo.

6. No contexto deste projecto, não se deve esquecer o papel activo dos leigos, bem formados espiritual e culturalmente, e associados na responsabilidade da Igreja.

7. Uma tarefa de particular importância caberá aos religiosos: em primeiro lugar o monaquismo, que dá à Igreja o gosto sempre vivo e a força das suas raízes, encontrando na oração a certeza do "único necessário". Formulo bons votos por que ele se desenvolva e adquira uma estrutura, em conformidade com as gloriosas tradições do Oriente cristão. Também as comunidades religiosas que se dedicam ao apostolado são chamadas a desempenhar um papel fundamental neste projecto pastoral, comprometendo-se no anúncio da Palavra de Deus e em assegurar uma presença de caridade que seja, também ela, um veículo de evangelização no meio das pessoas que o ateísmo assinalou no coração e na alma: perante os gestos transparentes e amorosos, assim como das palavras vigorosas e suaves de irmãos e irmãs que vivem radicalmente o compromisso baptismal, eles serão sensibilizados pela graça, enquanto os olhos do seu coração aprenderão a ver aquilo que é invisível e contudo profundamente concreto: o mistério do amor de Deus que age na história. Na sociedade pós-comunista, é necessário que este amor de Deus impregne tanto o aprofundamento teológico e catequético, como o compromisso pastoral dos fiéis. Vós, Bispos, sereis as suas primeiras testemunhas. Estou convicto de que também os Institutos religiosos latinos não deixarão de colaborar na obra de evangelização e na actividade caritativa. Somente assim se dará um testemunho unívoco e credível desta feliz complementaridade que o Senhor suscitou na Igreja.

8. Neste vosso projecto pastoral para a Igreja greco-católica na Ucrânia, dever-se-á privilegiar este espírito de paz e de fraternidade cristã que há-de caracterizar cada fiel que crê em Jesus Cristo. Assim como foi a herança comum de dez séculos e a inspiração dos vossos Bispos que desejaram a união com Roma, também vós sois chamados a viver um impulso de crescimento e de generosidade, que esteja ao serviço inclusivamente dos irmãos e das irmãs ortodoxos, em vista do restabelecimento da plena comunhão desejada por Jesus Cristo; juntamente com os seus Pastores, procurareis novos caminhos de testemunho comum, evitando as contraposições estéreis, bem conscientes de que o Pai chama todos nós à caridade, para que o mundo acredite. Será este espírito que vos indicará os passos e os percursos, novos e inéditos, através dos quais passa o fermento da caridade e da comum disponibilidade ao crescimento do vosso Povo.

424 Faço bons votos por que o Senhor me conceda ir depressa até junto de vós, à terra ucraniana, para anunciar com todos os cristãos o desejo comum de encontrar em Cristo a resposta às inquietações do homem e a única luz verdadeira que não conhece ocaso. Aguardo esse dia como um genuíno dom espiritual.

Enquanto espero poder realizar isto pessoalmente, peço que transmitais aos vossos fiéis a terna e sincera bênção do Papa.




Discursos João Paulo II 2000 417