Discursos João Paulo II 2000 210


DISCURSO DO SANTO PADRE AOS

EMBAIXADORES DA NOVA ZELÂNDIA,

KUAIT, REPÚBLICA DO CONGO E GANA


AO APRESENTAREM SUAS CARTAS CREDENCIAIS


25 de Maio de 2000




Excelências!

1. Tenho o prazer de vos acolher hoje e de receber as Cartas Credenciais que vos acreditam como Embaixadores Extraordinários e Plenipotenciários dos vossos países: Nova Zelândia, Kuait, República do Congo e Gana. A vossa presença dá-me a ocasião de dirigir às Autoridades das vossas nações e a todos os vossos concidadãos as minhas saudações cordiais e de lhes reafirmar a minha estima e amizade. Agradeço-vos vivamente as cordiais mensagens, de que sois portadores da parte dos vossos respectivos Chefes de Estado. Ficar-vos-ia grato se lhes transmitísseis as minhas deferentes saudações e os meus votos calorosos pelas suas pessoas e pela alta missão ao serviço dos seus compatriotas.

2. Vós conheceis a importância espiritual do Ano jubilar para a Igreja, que desejou ao mesmo tempo lançar um premente apelo à Comunidade internacional, na passagem do milénio, para que todas as nações e povos sejam ajudados no seu crescimento, sobretudo no continente africano, cujas numerosas populações estão duramente provadas pelos conflitos que atingem de maneira dramática as populações civis. A mudança de século é, com efeito, uma ocasião particularmente oportuna para que se possa enfrentar ainda mais a questão da diminuição dívida dos países mais pobres, a fim de os ajudar a ter uma parte activa na vida internacional. Esse gesto significa uma mão estendida às nações que vivem abaixo do limite de pobreza, para que reavivem a sua esperança num futuro melhor; ele deve ser acompanhado duma reflexão profunda a fim de reconsiderar a organização da economia mundial, que faz gravar sobre alguns Países fardos muito pesados, em detrimento dos países produtores de matérias-primas e em benefício das nações mais ricas.

3. Na perspectiva dum reequilíbrio justo e equitativo, estes últimos devem também acompanhar o cancelamento da dívida com um apoio em pessoas e material, a fim de formar dirigentes capazes de assumirem, no futuro, os destinos dos seus países de maneira abnegada e de tornarem estes Países mais autónomos e directamente menos tributários dos Países mais desenvolvidos, harmonizando a sua economia com a sua cultura particular. A criação de infra-estruturas locais apropriadas e de medidas de saneamento das economias nacionais, oferecerão às populações autóctones os meios para serem os protagonistas da construção social e, a pleno título, os parceiros nas relações internacionais. Temos aqui um elemento essencial para a construção duma sociedade fraterna, no seio da qual cada povo oferece a sua contribuição específica. Além disso, trata-se da via para estabelecer a paz e o respeito pelos direitos do homem, que exige que toda a pessoa seja reconhecida com a sua cultura e o seu caminho espiritual, e seja considerado o desejo que têm todos os povos de possuírem uma terra e compartilharem as riquezas da criação.

4. Vós conheceis a adesão e o empenho da Santa Sé a favor do reconhecimento dos povos e de um entendimento sempre mais intenso entre as nações. Mais que nunca, agora os nossos contemporâneos aspiram à paz e à fraternidade. As diversas Jornadas Mundiais da Juventude, de modo particular as que viveremos no próximo mês de Agosto, mostram-nos que os jovens nos convidam a fazer tudo para que as suas aspirações se tornem realidade. Como diplomatas, vós sois, e disto estou certo, particularmente sensíveis a este pedido dos jovens, que não podemos desiludir e para os quais devemos preparar um mundo no qual tenhão os meios para conduzir a sua vida pessoal, familiar e social, a fim de encontrarem alegria e felicidade nas responsabilidade que poderão exercer.

211 5. Ao iniciardes a vossa missão, permiti-me apresentar-vos os meus mais ardentes votos. Invoco sobre vós a abundância das bênçãos divinas, assim como sobre as vossas famílias, os vossos colaboradores e as nações que representais, pedindo ao Omnipotente que cumule todos com os seus dons.

JUBILEU DOS CIENTISTAS

DISCURSO DO PAPA

NO FINAL DA MISSA PRESIDIDA PELO


CARDEAL PAUL POUPARD


Quinta-feira, 25 de Maio de 2000


Senhores Cardeais
Amados Irmãos no episcopado e no sacerdócio
Caros Amigos que representais o mundo da ciência
e da investigação!

1. Acolho-vos com profunda alegria por ocasião da vossa peregrinação jubilar. Agradeço ao Cardeal Paul Poupard, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, as palavras de boas-vindas e a organização deste Jubileu, com todos os seus colaboradores. Exprimo a minha viva gratidão a Sua Excelência o Professor Nicola Cabibbo, Presidente da Pontifícia Academia das Ciências, a homenagem que acabou de me dirigir em nome de todos vós.

No decurso dos séculos passados, a ciência, cujas descobertas são fascinantes, ocupou um lugar determinante e às vezes foi considerada como o único critério da verdade ou como a via da felicidade. Uma reflexão baseada exclusivamente em elementos científicos tentara habituar-nos a uma cultura da suspeita e da dúvida. Ela recusava-se a considerar a existência de Deus e a examinar o homem no mistério da sua origem e do seu fim, como se tal perspectiva pudesse pôr em discussão a própria ciência. Às vezes ela pensou que Deus fosse uma simples construção da mente, incapaz de resistir ao conhecimento científico. Semelhantes atitudes levaram a afastar a ciência do homem e do serviço que é chamada a prestar-lhe.

2. Hoje, "um grande desafio... é saber realizar a passagem, tão necessária como urgente, do fenómeno ao fundamento. Não é possível deter-se simplesmente na experiência; mesmo quando esta exprime e manifesta a interioridade do homem e a sua espiritualidade, é necessário que a reflexão especulativa alcance a substância espiritual e o fundamento que a sustenta" (Encíclica Fides et ratio, FR 81). A investigação científica baseia-se, também ela, nas capacidades de a mente humana descobrir aquilo que é universal. Esta abertura ao conhecimento introduz no significado último e fundamental da pessoa humana no mundo (cf. ibid., 81).

"Os céus narram a glória de Deus, e a obra das suas mãos anuncia o firmamento" (Ps 18,2); por outras palavras, o salmista evoca o "testemunho silencioso" da admirável obra do Criador, inscrita na própria realidade da criação. Aqueles que estão empenhados na investigação são chamados a fazer, num certo sentido, a mesma experiência do salmista e a procurar a mesma maravilha. "É necessário cultivar o espírito de modo a desenvolver-lhe a capacidade de admirar, intuir, contemplar, formar um juízo pessoal e cultivar o sentido religioso, moral e social" (Gaudium et spes, GS 59).

3. Ao basearem-se numa atenta observação da complexidade dos fenómenos terrestres e ao seguiram o objecto e o método próprios de cada disciplina, os cientistas descobrem as leis que governam o universo e também as suas relações. Ficam atónitos e humildes diante da ordem criada e sentem-se atraídos pelo amor do Autor de todas as coisas. A fé, por sua vez, é capaz de integrar e assimilar toda a investigação, porque todas as pesquisas, através duma compreensão mais profunda da realidade criada em toda a sua especificidade, dão ao homem a possibilidade de descobrir o Criador, fonte e finalidade de todas as coisas. "As Suas perfeições invisíveis, tanto o Seu poder eterno como a Sua divindade, tornam-se visíveis quando as Suas obras são consideradas pela inteligência" (Rm 1,20).

212 Ao aprofundar o seu conhecimento do universo, e em particular do ser humano, que é o seu centro, o homem tem uma percepção velada da presença de Deus, uma presença que ele é capaz de discernir no "manuscrito silente" que o Criador inscreveu na criação, reflexo da sua glória e grandeza.

Deus gosta de ser ouvido no silêncio da criação, na qual a inteligência percebe a transcendência do Senhor da criação. Todos os que procuram compreender os segredos da criação e os mistérios do homem devem estar prontos a abrir a própria mente e o seu coração à verdade profunda que ali se manifesta e que "leva o intelecto a dar o próprio consenso" (Santo Alberto Magno, Comentário sobre
Jn 6,44).

4. A Igreja tem grande estima pela investigação científica e técnica, pois estas "constituem uma expressão significativa do domínio do homem sobre a criação" (Catecismo da Igreja Católica, CEC 2293) e um serviço à verdade, ao bem e à beleza. De Copérnico a Mendel, de Alberto Magno a Pascal, de Galileu a Marconi, a história da Igreja e a história das ciências mostram-nos de maneira clara como há uma cultura científica arraigada no cristianismo. De facto, pode-se dizer que a investigação, explorando ao mesmo tempo aquilo que é maior e o que é mais pequenino, contribui para a glória de Deus que se reflecte em toda a parte do universo.

A fé não teme a razão. Estas "constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio" (Fides et ratio, proémio). Se no passado a separação entre fé e razão foi um drama para o homem, que conheceu o risco de perder a sua unidade interior sob a ameaça de um saber cada vez mais fragmentado, a vossa missão consiste hoje em prosseguir a investigação convencidos de que, "para o homem inteligente [...] todas as coisas se harmonizam e concordam" (Gregório Palamas, Theophanes).

Convido-vos, então, a pedir ao Senhor que vos conceda o dom do Espírito Santo, pois amar a verdade é viver do Espírito Santo (cf. Santo Agostinho, Sermo, 267, 4), que nos permite aproximar-nos de Deus e em voz alta chamar-Lhe Abbá, Pai. Que nada vos impeça de O invocar deste modo, ainda que submergidos no rigor das vossas análises sobre as coisas que Ele pôs diante dos nossos olhos.

5. Caros cientistas, grande é a responsabilidade a que sois chamados. A vós é pedido que actueis ao serviço do bem de cada pessoa e da inteira humanidade, atentos sempre à dignidade de todo o ser humano e ao respeito pela criação. Toda a abordagem científica tem necessidade dum apoio ético e duma sábia abertura a uma cultura respeitosa das exigências da pessoa. Precisamente isto é sublinhado pelo escritor Jean Guitton, quando afirma que na investigação científica jamais se deveria separar o aspecto espiritual do intelectual (cf. Le travail intellectuel. Conseil à ceux qui étudient et à ceux qui écrivent, 1951, pág. 29). Além disso, ele recorda que, por essa razão, a ciência e a técnica necessitam dum apelo ao valor da interioridade da pessoa humana.

Dirijo-me com confiança a vós, homens e mulheres que vos encontrais nas trincheiras da investigação e do progresso! Ao perscrutardes constantemente os mistérios do mundo, deixai abertos os vossos espíritos aos horizontes que a fé vos abre de par em par. Firmemente ancorados nos princípios e valores fundamentais do vosso itinerário de homens de ciência e de fé, podeis estabelecer um diálogo profícuo e construtivo, também com quem está afastado de Cristo e da sua Igreja. Sede, portanto, antes de tudo apaixonados pesquisadores do Deus invisível, o único que pode satisfazer o anseio profundo da vossa vida, cumulando-vos com a sua graça.

6. Homens e mulheres de ciência, animados pelo desejo de testemunhar a vossa fidelidade a Cristo! O rico panorama da cultura contemporânea, no alvorecer do terceiro milénio, abre inéditas e promissoras perspectivas no diálogo entre a ciência e a fé, assim como entre a filosofia e a teologia. Participai com toda a vossa energia na elaboração duma cultura e dum projecto científico, que deixem sempre transparecer a presença e a intervenção providencial de Deus.

Este Jubileu dos Cientistas constitui, quanto a isto, um encorajamento e um apoio para quantos procuram a verdade com sinceridade: confirma que se pode ser um pesquisador rigoroso em todos os campos do saber e um fiel discípulo do Evangelho. Como não recordar aqui o empenho espiritual de tantas pessoas quotidianamente dedicadas ao fadigoso trabalho científico? Através de vós aqui presentes, quereria fazer chegar a minha saudação e o meu mais cordial encorajamento a cada uma delas.

Homens de ciência, sede construtores de esperança para a humanidade inteira! Deus vos acompanhe e torne frutuoso o vosso esforço ao serviço do autêntico progresso do homem.

Proteja-vos Maria, Sede da Sabedoria. Intercedam por vós S. Tomás de Aquino e os outros Santos e Santas que, em vários campos do saber, ofereceram um notável contributo ao aprofundamento do conhecimento das realidades criadas à luz do mistério divino.

213 Da minha parte, acompanho-vos com atenção constante e amizade cordial. Asseguro-vos uma quotidiana lembrança na oração e abençoo-vos de coração, a vós, às vossas famílias e a quantos, de vários modos, cooperam com sincera e constante dedicação no progresso científico da humanidade.

DISCURSO AOS MEMBROS DA UNIÃO INTERNACIONAL DOS INSTITUTOS DE ARQUEOLOGIA, HISTÓRIA E

HISTÓRIA DA ARTE DE ROMA

26 de Maio de 2000

Minhas Senhoras e meus Senhores

1. Sinto-me feliz em vos receber, membros da União internacional dos Institutos de Arqueologia, História e História da Arte de Roma. Saúdo de maneira particular o vosso Presidente, Prof. Krysztof Zaboklicki.

A missão confiada à vossa união internacional pelos seus fundadores é servir a história e a arte através da valorização dos numerosos testemunhos que Roma possui da civilização ocidental, da cultura cristã e da vida da Igreja. É um património precioso que se formou no decurso dos séculos passados. Atentos em manter, estudar e transmitir esta herança legada pelos povos, vós sois como que os administradores dum tesouro inestimável do qual é preciso, como escreve o Evangelho, haurir incessantemente do novo e do antigo, passando por tarefas laboriosas e escondidas.

Não hesitastes pôr à disposição dos pesquisadores e dos estudiosos um banco de dados bibliográficos, constituído sob a protecção da União romana das Bibliotecas científicas, em relação com a Biblioteca Apostólica Vaticana. Alegro-me por este considerável instrumento de trabalho, pelas bolsas de estudo que ofereceis a jovens pesquisadores e pelas cooperações internacioanais que desenvolveis; tudo isto gera vínculos que ultrapassam as fronteiras, as culturas e as gerações; é também um meio de evangelização e de paz. A Igreja reconhece o papel insubstituível dos bens culturais para a promoção dum autêntico humanismo e duma paz duradoura entre as nações. "Mediante a universalidade da cultura, os povos, longe de se fazerem concorrência e de estarem em contraste, sentirão prazer em se completarem reciprocamente, cada qual contribuindo com os seus dons e beneficiando dos dons dos outros" (cf. Pio XII, Discurso à comissão Internacional para a unidade e a universalidade da Cultura, 14 de Novembro de 1951). Por conseguinte, encorajo-vos a ser incansáveis protagonistas duma solidariedade internacional, que convida a crer que a fraternidade humana é possível numa mesma investigação do verdadeiro e do belo.

2. A difusão da cultura artística e histórica em todos os sectores da sociedade proporciona aos homens do nosso tempo os meios de reencontrar as suas raízes e de basear neles os elementos culturais e espirituais para edificar a sua vida pessoal e comunitária. Não fazia já o Apóstolo Paulo, diante do Areópago de Atenas, descobrir aos seus ouvintes que a arte manifesta uma pesquisa espiritual que leva o homem a ir além da realidade material (cf. Act Ac 17,19-31)? Qualquer homem ou sociedade tem necessidade duma cultura que oriente para um sadio caminho antropológico, para a vida moral e espirituial. De facto, como dizia a este propósito o teólogo Hans Urs von Balthasar, existe uma relação entre a estética e a ética (cf. A glória e a Cruz, Introdução). A arte convida a desenvolver a beleza da existência, vivendo plenamente as exigências morais, e a procurar incansavelmente a verdade.

3. Na sua dimensão de gratuidade, a arte permite pensar que não se pode limitar o homem e a sociedade à eficiência custe o que custar. Os bens culturais têm precisamente esta função de predispor o homem ao sentido do mistério e à revelação do absoluto, porque são portadores duma mensagem. Por seu lado, a arte religiosa anuncia à sua maneira o divino e predispõe a alma à contemplação dos mistérios cristãos, fazendo compreender mediante a expressão simbólica o que as palavras não conseguem exprimir completamente, e convidando à oração trinitária e ao culto dos santos.

Agradeço-vos toda a obra realizada pela vossa união internacional e, ao confiar-vos à intercessão da Théotokos, cujo mistério inspirou numerosos artistas, concedo-vos de todo o coração, em penhor da minha estima, uma particular Bênção apostólica, que faço extensiva de bom grado às vossas famílias e a todos os membros das vossas diferentes instituições.

DISCURSO DO SANTO PADRE

AO EMBAIXADOR DA GRÉCIA JUNTO À SANTA SÉ

POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DAS


CARTAS CREDENCIAIS


26 de Maio de 2000


Senhor Embaixador

214 É com prazer que lhe dou as boas-vindas ao Vaticano, no início da sua missão de Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Helénica junto da Santa Sé. Ao receber as suas Cartas Credenciais, desejo agradecer a Sua Excelência o Senhor Presidente Constantinos Stephanopoulos e aos membros do Governo as saudações e as amáveis expressões de estima que me transmite no nome deles.

Apraz-me observar a determinação com que Vossa Excelência promove as nossas relações bilaterais, num espírito de compreensão e respeito recíprocos. Asseguro-lhe que a Santa Sé não está comprometida em menor medida nos próprios esforços neste mesmo sentido. Estou-lhe outrossim grato pelas suas palavras de apreço pela actividade diplomática da Santa Sé, mediante a qual ela procura prestar um serviço deveras especial em prol da família humana. Trata-se de um serviço motivado não por qualquer interesse nacional, e tão-pouco por pontos de vista estritamente institucionais ou confessionais, mas pela solicitude amorosa em relação ao bem comum de todos os povos e nações. Hoje em dia, a diplomacia deve enfrentar também os desafios apresentados pela globalização, em ordem a superar as ameaças à paz e ao desenvolvimento, como por exemplo a pobreza de inúmeros seres humanos, as desigualdades sociais, as tensões étnicas, a poluição do meio ambiente e o respeito pelos direitos do homem e pela liberdade política. Estas são as principais ameaças contra a estabilidade, problemáticas que a diplomacia deve abordar.

Os esforços em vista de resolver estas questões irão a pique, a não ser que estejam assentes num critério objectivo de responsabilidade moral. O esforço que visa o estabelecimento de um tribunal internacional de justiça para os crimes contra a humanidade constitui uma expressão da exigência de tal critério no âmbito da opinião pública internacional. Contudo, ironicamente, em muitos casos a exigência de um critério objectivo de responsabilidade moral é acompanhada da difusão de uma abordagem relativista da verdade, que com efeito nega qualquer critério objectivo do bem e do mal. A raiz deste dilema, com as suas graves consequências para a vida da sociedade, é a tendência a exaltar a autonomia individual em desvantagem dos vínculos que nos unem e nos fazem responsáveis uns pelos outros. A sociedade tem necessidade de uma visão coerente que abarque tanto a dignidade como os direitos inalienáveis de cada indivíduo, de maneira especial os mais frágeis e mais vulneráveis, e uma consciência clarividente dos valores e relações fundamentais que, em última análise, constituem o bem comum (cf. Centesimus annus,
CA 47). Esta é a visão que a Santa Sé procura promover através da sua actividade diplomática.

No contexto europeu, esta visão é particularmente importante neste período em que se verifica um novo impulso rumo à unidade a vários níveis. Contudo, o ímpeto em vista da unidade económica e política não obterá bom êxito, sem aquilo a que Vossa Excelência chamou edificação espiritual da Europa. Qualquer compromisso inferior a uma união assente nos valores morais e espirituais seria indigno das profundíssimas raízes e conquistas europeias, para as quais o seu próprio país contribuiu em grande medida. A cultura helénica que a Cristandade encontrou nos seus primeiros séculos demonstrou que era o solo rico no qual a semente do Evangelho se haveria de radicar e florescer, de maneira a enaltecer o espírito humano a elevados níveis de pensamento e acção.

Ainda no nosso tempo, a cultura grega constitui um elemento vital para a formação da sociedade europeia, e hoje a Grécia tem um papel vital a desempenhar no processo de integração que se está a definir na Europa.

No início do novo milénio, não basta considerar as realizações do passado, pois há muito a fazer. Se a Europa quiser ser fiel às suas mais nobres tradições e aspirações, se desejarmos que se concretize aquela nova unidade almejada por tantas pessoas, então a Europa deve haurir de novo das profundas nascentes do verdadeiro humanismo que deu origem àquelas tradições e aspirações.

Trata-se de um humanismo que deriva da verdade da pessoa humana, criada à imagem de Deus e, por conseguinte, possuidora de uma dignidade inviolável e de direitos inalienáveis, incluído o direito fundamental à liberdade religiosa. A partir desta visão da pessoa humana nasce o conceito genuíno e nobre da sociedade humana, que reconhece o facto de sermos responsáveis uns pelos outros e efectivamente exige uma ética da solidariedade. Eis o motivo por que se torna deveras urgente edificar uma ética da solidariedade e uma cultura do diálogo cada vez mais profundamente radicadas, pois só elas são o caminho que leva a um porvir pacífico.

Senhor Embaixador, no momento em que Vossa Excelência entra na comunidade dos diplomatas acreditados junto da Santa Sé, garanto-lhe que os vários departamentos farão tudo o que puderem para o assistir no cumprimento dos seus deveres. Oxalá a sua missão sirva para revigorar os laços de compreensão e de amizade existentes entre a Grécia e a Santa Sé; e que estes vínculos contribuam profundamente para o bem-estar da sua nação. Sobre Vossa Excelência, a sua família e o povo da República Helénica, invoco as abundantes bênçãos de Deus todo-poderoso.

MENSAGEM DE JOÃO PAULO II

AO CONSELHO GERAL DOS

MISSIONÁRIOS DE SÃO FRANCISCO DE SALES


Aos Missionários de São Francisco de Sales

Saúdo-vos calorosamente, no momento em que o Capítulo geral da vossa Congregação se encontra em Roma. Em particular, dou as boas-vindas ao Superior-Geral, Padre Emile Mayoraz, aos membros do Conselho, aos Provinciais e aos representantes das nove Províncias da Congregação. Uno-me a todos vós em agradecimento a Deus pelas inúmeras graças derramadas sobre a Igreja através do trabalho generoso e devotado dos vossos membros, desde a fundação da Congregação por parte do Padre Pierre-Marie Mermier, em 1838.

A decisão do Padre Mermier de fundar os Missionários de São Francisco de Sales foi instigada pelas necessidades espirituais da sociedade francesa da sua própria época. A seguir às sublevações dos primeiros anos do século XIX, o consequente declínio da ciência e da prática religiosa exigia uma abordagem missionária determinada, em vista de despertar as pessoas da sua apatia e impeli-las à conversão. Inspirado pela simplicidade, benevolência e confiança de São Francisco de Sales, o Padre Mermier imitou o seu fervor de evangelização, reunindo rapidamente à sua volta um grupo de sacerdotes comprometidos na oração, estudo e obra missionária, no espírito do santo Bispo de Genebra.

215 Hoje, o mesmo espírito continua a inspirar a vossa Congregação, que está presente em inumeráveis partes do mundo, e prossegue o seu crescimento e progresso. Orientados pela profunda espiritualidade e criatividade evangélica do vosso Fundador, considerais São Francisco de Sales como o vosso Padroeiro celestial e procurais concretizar o seu ensinamento e exemplo no vosso apostolado.

O Capítulo geral reuniu-se para reflectir sobre o vosso compromisso missionário, as vossas actividades educativas e o vosso apostolado social, assim como para revigorar a dedicação à obra de evangelização. Estou persuadido de que esta será uma ocasião para todos vós vos fortalecerdes na caridade, imitardes a abnegação do vosso Padroeiro à vontade de Deus e para "reflectirdes o seu amor a Deus e ao próximo, o seu zelo apostólico, a sua humildade e simplicidade, a sua alegria e optimismo, a sua atitude hospitaleira e a simpatia por tudo o que é humano" (Constituição, n. 13).

O Capítulo está a realizar-se neste especial ano de graça em que toda a Igreja celebra o grande Jubileu, quando a inteira comunidade cristã é chamada a "elevar o seu olhar de fé para horizontes novos no anúncio do Reino de Deus" (Bula de Proclamação Incarnationis mysterium, 2). Hoje mais do que nunca, as pessoas precisam de ouvir a mensagem da salvação que nosso Senhor Jesus Cristo tornou conhecida "quando... chegou a plenitude dos tempos" (
Ga 4,4) e de receber nas suas vidas a misericórdia de Deus que nos transforma em seus filhos adoptivos e cura as feridas dos nossos corações. Todos os discípulos de Cristo deveriam ter um profundo sentido da necessidade de transmitir aos outros a luz e a alegria da fé. Como missionários, deveríeis sentir-vos particularmente revigorados na consciência de que levais ao mundo a verdadeira Luz das nações, Cristo salvador, em quem toda a humanidade "pode encontrar, numa plenitude inimaginável, tudo aquilo que ela procura às apalpadelas a respeito de Deus, do homem, do seu destino, da vida, da morte e da verdade" (Papa Paulo VI, Evangelii nuntiandi, EN 53). A pregação do Evangelho ad gentes, na qual estais profundamente comprometidos, é essencial para a missão da Igreja, "de manifestar e comunicar a caridade de Deus a todos os homens e povos" (Ad gentes, AGD 10). Com a confiança que nasce da fé, encorajo-vos a perseverardes nesta tarefa, assentes na certeza de que vos orienta o Espírito Santo, que guia a missão da Igreja e abre a mente e o coração das pessoas a Cristo.

Na fidelidade ao espírito de São Francisco de Sales e ao carisma do vosso Fundador, convido-vos a estardes atentos aos novos desafios dos nossos tempos e a serdes criativos na correspondência às necessidades missionárias emergentes. A vossa obra de evangelização só será efectiva, se vos empenhardes numa intensa vida de oração, sempre aberta a acolher a fortaleza e a guia do Espírito Santo. A confiança na Providência divina, que está sempre em acção no mundo, ajudar-vos-á a enfrentar os desafios que se vos apresentam, fazendo com que o vosso contributo para a construção do Reino dê frutos nas vossas várias actividades: nas missões e nos retiros, na educação dos jovens, na formação dos seminaristas e no apostolado social. No campo da educação, deveis dar um testemunho radical dos valores evangélicos, instruindo os jovens nos caminhos do compromisso e da santidade altruístas. Como São João Bosco diz de forma tão memorável, os vossos estudantes "deveriam não só ser amados, mas também saber que são amados" (cf. Vita consecrata, VC 96). Ao servirdes os pobres, deveis ser simples e austeros no vosso estilo de vida, amando-os de maneira devota e abnegada, a exemplo de Cristo. A minha oração é por que o Senhor continue a abençoar o trabalho da vossa Congregação e inspire muitos jovens a entregarem-se alacre e generosamente ao seu serviço como Missionários de São Francisco de Sales.

No júbilo deste período pascal, confio-vos à salvaguarda de Maria, Mãe do Redentor, e à intercessão de São Francisco de Sales. Concedo do íntimo do coração a minha Bênção apostólica a cada membro da Congregação, aos vossos benfeitores e a todos os que beneficiam do vosso serviço.


Vaticano, 27 de Maio de 2000.

SAUDAÇÃO DE JOÃO PAULO II

AOS PARTICIPANTES NA TRADICIONAL

"MARATONA DA PRIMAVERA"


Sábado, 27 de maio de 2000



Uma cordial saudação a todos vós, queridos promotores, organizadores e participantes na "Maratona da Primavera", que se corre no âmbito da festa das Escolas católicas. Esta vossa significativa manifestação já chegou à sua 20ª edição. E neste ano trata-se duma festa extraordinária, é a "Maratona da Primavera" do Jubileu. Esta feliz coincidência impeliu o Comité organizativo a envolver não só as Escolas católicas do Lácio, mas também as estatais, para oferecer a todos um momento de festa, que ressalte os valores da alegria e da fraternidade.

Percorrendo as ruas de Roma, levai uma mensagem de esperança: testemunhai que é possível construir um futuro de paz e de justiça, afastando qualquer forma de exploração e de opressão. A Escola, em toda a sua articulação, deve ser um local de treinamento para a formação, a fim de enfrentar os desafios emergentes do nosso tempo. Os anos a transcorrer nas salas de aula constituem para vós, queridos alunos, uma preciosa oportunidade cultural a ser valorizada plenamente. São para vós, caros professores, uma ocasião para transmitir não só noções e dados científicos, mas para comunicar uma autêntica experiência de vida. São para vós, prezadas famílias, anos de importante acompanhamento dos vossos filhos para que, do diálogo e da cooperação constante entre vós e a Escola, eles aprendam a construir o seu futuro sobre os basilares valores humanos e cristãos da existência.

Ao desejar a todos uma feliz jornada de festa e de amizade, dou início oficialmente à vossa Maratona e, ao implorar sobre vós e todas as Escolas católicas a materna protecção de Maria, abençoo-vos de coração.

DISCURSO DE JOÃO PAULO II

A VÁRIOS GRUPOS DE PEREGRINOS

DA ITÁLIA E DA UCRÂNIA


Sábado, 27 de Maio de 2000

216 Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Bem-vindos a Roma, aonde viestes para a vossa peregrinação jubilar. Desejais confirmar aqui a vossa profissão de fé, bebendo com abundância nas fontes da graça que Deus, rico em misericórdia, concede neste Ano Santo com particular intensidade aos seus filhos.

Aos fiéis da Diocese de Pozzuoli

Dirijo, antes de tudo, a minha saudação a vós, peregrinos da diocese de Pozzuoli. Saúdo D. Sílvio Padoin, vosso Bispo, e agradeço-lhe as deferentes palavras que, em vosso nome, me dirigiu. A vossa presença retribui, de certo modo, a minha visita que tive a alegria de realizar à vossa Cidade, há dez anos. Obrigado pelos sentimentos que nesta manhã me manifestais. Ao dirigir-me a vós e ao vosso Pastor, desejo renovar a minha proximidade e o meu encorajamento a todas as componentes da comunidade diocesana, que aqui representais.

Vós sois membros de uma Igreja antiga, visitada pelo apóstolo Paulo, que, sob a escolta romana, estava a vir para Roma. O humaníssimo acolhimento reservado àqueles viandantes do Evangelho manifestou-se inalterado, ao longo dos séculos, como característica do coração da gente de Pozzuoli. O sentido de hospitalidade, a disponibilidade a confrontar-se seriamente com o Evangelho, a cordialidade solícita em socorrer aquele que estava em necessidade são valores que vos foram deixados em herança e que deveis cultivar também como traço essencial da vossa adesão a Cristo.

2. Fiel ao Evangelho, o vosso povo nestes dois milénios conservou a fé e o vínculo de comunhão com a Cabeça do Colégio Apostólico. Nada jamais arrefeceu esta fidelidade: nem dificuldades, nem sofrimentos, nem obstáculos, nem sequer os desastres naturais erupções vulcânicas, terremotos, bradissismo que atingiram a vossa terra.

Ao cruzar a Porta Santa, a vossa Comunidade quer agora prosseguir o seu caminho. Continuai com confiança o vosso testemunho. A história de santidade que a Igreja de Pozzuoli soube escrever nestes dois mil anos, como recordou o vosso Bispo, é um forte estímulo a prosseguir a vossa doação de modo generoso à obra missionária. Para que o anúncio de Cristo possa chegar em profundidade, acompanhai toda a iniciativa apostólica com uma incessante obra de promoção humana. Vasto é o campo das necessárias intervenções. Penso no fenómeno do desemprego juvenil, que na vossa terra, como aliás em todo o sul da Itália, atinge altas percentagens. Naquilo que se refere às vossas possibilidades, infundi confiança em todos os que desejam inserir-se no processo produtivo da sociedade. Ao fazerdes assim, contribuireis para inspirar serenidade nos seus corações e nas suas famílias.

3. Sei, depois, que o rápido desenvolvimento urbanístico envolveu toda a zona dos municípios do território de Nápoles e põe exigentes pedidos quanto à formação duma comunidade coesa, acolhedora, aberta à solidariedade, bem consolidada nas próprias e antigas tradições de fé e de caridade. Seja vosso cuidado edificar, com os vossos comportamentos, um clima favorável para uma sociedade civil ordenada e respeitosa dos direitos e dos deveres de cada um.

É-me grato repetir-vos aqui o que tive ocasião de vos dizer durante a minha citada visita à vossa Cidade: "Procurai reagir com coragem, sem vos abandonardes à resignação passiva, que extingue todo o possível recurso interior. Não julgueis que a situação não possa ser mudada. Pensai, sobretudo, nos jovens e no seu futuro; exigi, de todos os modos legítimos, que as Autoridades responsáveis não vos abandonem. E estai conscientes de que, só com o contributo generoso de cada um, se pode construir uma cidade de dimensão do homem" (Ed. port. de L'Osservatore Romano de 2/12/1990, pág. 10, n. 4).

4. Para incrementar esta incisiva obra apostólica contribuirá de modo determinante, disto estou certo, a visita pastoral que o vosso Bispo está para concluir nas várias realidades diocesanas, e à qual desejo todo o bom êxito. Ela ajudar-vos-á a pôr em prática toda a iniciativa, para que ninguém fique privado do anúncio libertador da Boa Nova de Cristo. Acompanhai toda a vossa acção pastoral com muitas orações. O Senhor não deixará de tornar frutuosos os vossos esforços.

Grande esperança, quanto a isto, constitui o aumento das ordenações sacerdotais, que revigoraram e revigoram o presbitério, e a presença promissora de numerosos seminaristas. Continuai a invocar o Senhor para que nunca faltem sacerdotes, consagrados e consagradas para a sua vinha.

217 A outros grupos italianos

5. Depois, dirijo um pensamento cordial, aos fiéis das paróquias de Santa Maria Nascente de "Pojana Maggiore" e de São João Baptista em Cicogna; de Santa Eufémia em Carimaro; de Santo Alexandre em Abizzate; de São Barnabé em "Rosaro di Grezzana"; de Santo Angelo em "Salute di Gatteo"; de Santa Maria Assunta em Gisso; de São Brás em Piombino Dese. Caríssimos, ao retornardes às vossas paróquias, levai a todos a saudação do Papa, que acompanha com a oração o caminho de todas as vossas comunidades. Sede sempre fiéis ao Evangelho.

Saúdo, enfim, os membros provenientes dos Abruzzos e do Molise da Associação Nacional dos Marinheiros da Itália; a Associação cultural "Agorá" de Sirignano; os sócios de Nápoles do Círculo recreativo empresarial dos Funcionários da Administração da Região da Campânia, e os fiéis de Marconia. A todos desejo que o providencial período do Ano Santo seja um forte apelo a tornar-vos instrumentos da graça do Senhor, que traz salvação e renovação aos humildes de espírito, abertos à verdade.

Às Forças Armadas Ucranianas

6. Com grande prazer saúdo cada um de vós, caros membros das Forças Armadas Ucranianas, que viestes visitar-me por ocasião do vosso Jubileu. Dirijo um pensamento afectuoso aos vossos Pastores, que vos acompanham neste momento de intensa comunhão eclesial. O meu deferente pensamento dirige-se, além disso, ao Senhor General e aos outros Oficiais pela sua significativa participação no encontro hodierno.

O vosso itinerário jubilar, iniciado aos pés da gruta de Lourdes, faz hoje uma paragem junto dos túmulos dos Apóstolos. Caríssimos, hauri desta paragem de reflexão e de oração a força e a coragem para aderir ao Evangelho com fidelidade e, em nome de Cristo, tornai-vos autênticos servidores da justiça e da paz.

Deus vos ajude a cumprir esta vossa missão. Confio-vos à celeste intercessão de Maria Santíssima, Mãe de Cristo e da Igreja. A Virgem atenda toda a vossa aspiração de bem.
Com estes sentimentos, abençoo todos vós.

Discursos João Paulo II 2000 210