Discursos João Paulo II 2000 280

DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


A VÁRIOS PEREGRINOS RECEBIDOS EM


AUDIÊNCIA NO PALÁCIO PONTIFÍCIO DE


CASTEL GANDOLFO


Sexta-feira, 18 de agosto de 2000


1. Recebo-vos com grande alegria, caríssimos Irmãos e Irmãs, neste encontro especial, que tem lugar durante as celebrações do XV Dia Mundial da Juventude. O clima de fé e de espiritualidade, que se respira durante estes dias, oferece a todos os peregrinos a oportunidade de aprofundar o conhecimento de Cristo e de verificar a própria fidelidade a Ele.

Faço sentidos votos por que seja assim também para cada um de vós, que provindes de diversas nações e continentes, enquanto vos saúdo com profunda cordialidade.

281 Aos amigos do Patriarcado copto-católico

2. Sinto-me feliz por vos receber, queridos amigos do Patriarcado copto-católico, no momento em que realizais a vossa peregrinação jubilar. Saúdo muito cordialmente o Patriarca Stephanos II Ghattas e os Bispos presentes. Para mim é uma feliz ocasião de me recordar da recente viagem jubilar ao Egipto e de agradecer, mais uma vez, a todas as pessoas que contribuíram para o seu bom êxito.

Respondestes ao apelo da Igreja, que convida cada fiel a dirigir-se em maior medida ao Senhor, a converter-se e a demonstrar maior fraternidade, solidariedade e caridade em relação aos mais pobres da sociedade. De facto, na perspectiva bíblica, o jubileu é ao mesmo tempo uma ocasião privilegiada para dar graças a Deus, para O louvar e Lhe pedir a sua força, a fim de sermos autênticas testemunhas do Evangelho, mediante as palavras e as obras. No vosso país, é também importante incrementar os vínculos com os fiéis de outras Confissões cristãs, para progredirmos juntos rumo à plena unidade, e com os crentes das diferentes religiões, no respeito das pessoas e da liberdade de consciência.

Ao confiar-vos à intercessão materna da Virgem Maria, desejo a cada um de vós e a todos os fiéis da Igreja copto-católica que recebam as graças necessárias durante este Ano jubilar. Oxalá estes eventos eclesiais reforcem também o testemunho evangélico de todos os membros do Patriarcado, através do incremento da vida litúrgica e espiritual, na fidelidade à boa herança recebida da tradição, bem como do desenvolvimento da vida pastoral e missionária, sobretudo junto da juventude, para que conheçam Cristo e os ensinamentos da Igreja. Obrigado! Desejaria transmitir a minha saudação fraterna ao Papa Shenouda.

Aos Sacerdotes da Igreja ortodoxo-sérvia

3. Dirijo agora a minha palavra a vós, queridos Sacerdotes da Igreja ortodoxo-sérvia, provenientes da Eparquia de Sabac-Valjevo. Saúdo-vos com afecto juntamente com o vosso Bispo, D. Lavrentje Trifunovic, e com o Arcebispo católico coadjutor de Belgrado, D. Stanislav Hocevar.

Por vosso intermédio desejaria fazer chegar a minha deferente e fraterna saudação a toda a Nação sérvia, que ao longo dos últimos anos foi tão duramente provada. Possa o vosso querido povo permanecer fiel às suas tradições cristãs, graças também ao vosso serviço pastoral. Para esta finalidade invoco a abundância da bênção de Deus sobre vós e sobre as comunidades de fiéis entre as quais viveis e trabalhais, ao serviço da causa do Evangelho. O Senhor cumule de frutos o vosso empenho apostólico pelo Reino de Deus.
Faço sentidos votos por que a vossa Pátria, a Sérvia, consiga superar o mais depressa possível os problemas que a afligem, de tal forma que possa olhar com serenidade para um futuro de paz e de prosperidade, num contexto de colaboração e de respeito recíproco com os países circunstantes.

Aos jovens de Cuba

4. É com grande prazer que agora vos saúdo, queridos jovens cubanos, acompanhados pelo Senhor Cardeal Jaime Lucas Ortega y Alamino, Arcebispo de Havana, e por D. Carlos J. Baladrón Valdés, Bispo de Guantánamo-Baracoa, que viestes a Roma em representação de tantos coetâneos vossos, para o Dia Mundial da Juventude neste ano do Grande Jubileu. Esta é uma ocasião privilegiada de evangelização, comunhão eclesial e renovação interior através do encontro pessoal com Cristo, juntamente com numerosíssimos jovens do mundo inteiro, peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo.

Desejo hoje recordar as palavras que vos dirigi durante a minha inesquecível viagem a Cuba. Continuai a olhar para Cristo. Ele deseja oferecer-vos de novo a Sua amizade; os Seus olhos, repletos de ternura, continuam fixos na juventude cubana, esperança viva da Igreja e de Cuba.

282 "Nao tenhais medo de abrir os vossos corações a Cristo". Nao vos fecheis ao Seu amor. Sede Suas testemunhas perante os demais jovens, assumindo empenhos concretos para difundir a civilizaçao do amor em todos os âmbitos: família, comunidades eclesiais e trabalho. Para esta finalidade peço ao Senhor que, neste Ano jubilar, o Espírito vos cumule dos seus dons e bênçãos.

Ao mesmo tempo, antes de regressardes à vossa terra de origem, repito-vos, para que façais vossas, as palavras com que me recebestes em Camagüey: "Benditos sejam os pés do mensageiro que anuncia a paz!".

5. Renovo, mais uma vez, a cada um de vós aqui presentes a expressão do meu afecto e, ao invocar a protecção materna de Nossa Senhora da Assunção, concedo-vos de bom grado a minha Bênção apostólica, que faço extensiva a todas as pessoas que vos são queridas.



XV JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE


DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


VIGÍLIA DE ORAÇÃO


Tor Vergata, Sábado 19 de Agosto de 2000


1. «Vós, quem dizeis que Eu sou?» (Mt 16,15).

Queridos jovens e queridas jovens, com grande alegria volto a encontrar-me convosco para vivermos juntos esta Vigília de Oração, durante a qual queremos colocar-nos à escuta de Cristo, que sentimos presente entre nós. É Ele que nos fala.

«Vós, quem dizeis que Eu sou?» Jesus faz esta pergunta aos seus discípulos, perto de Cesareia de Filipe. Simão Pedro responde: «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo» (Mt 16,16). E o Mestre, por sua vez, dirige-lhe estas palavras surpreendentes: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne nem o sangue quem to revelou, mas o meu Pai que está nos céus» (Mt 16,17).

Qual é o significado deste diálogo? Porque é que Jesus quer ouvir o que os homens pensam d'Ele? Porque deseja saber o que pensam d'Ele os seus discípulos?

Jesus quer que os discípulos tomem consciência do que está escondido na sua mente e no seu coração e que exprimam a sua convicção. Ao mesmo tempo, porém, Ele sabe que o juízo que vão manifestar não será apenas obra deles, porque no mesmo há-de revelar-se aquilo que o Pai derramou nos seus corações com a graça da fé.

Este acontecimento nas vizinhanças de Cesareia de Filipe introduz-nos de certo modo no «laboratório da fé». Desvenda-se aí o mistério do início e da maturação da fé. Primeiro, está a graça da revelação: uma íntima e inefável doação de Deus ao homem. Vem depois o apelo a dar uma resposta. Por fim, aparece a resposta do homem, uma resposta que doravante há-de dar sentido e configurar toda a sua vida.

Eis o que é a fé! É a resposta racional e livre do homem à palavra do Deus vivo. As perguntas que Cristo faz, as respostas que são dadas pelos Apóstolos e finalmente por Simão Pedro, constituem uma espécie de exame da maturidade da fé daqueles que vivem mais perto de Cristo.

283 2. Este colóquio junto de Cesareia de Filipe deu-se no período pré-pascal, isto é, antes da paixão e da ressurreição de Cristo. Seria preciso lembrar ainda outro acontecimento, durante o qual Cristo, já ressuscitado, examinou a maturidade da fé dos seus Apóstolos. Trata-se do encontro com o apóstolo Tomé. Este era o único ausente quando, depois da ressurreição, Cristo veio pela primeira vez ao Cenáculo. Quando os outros discípulos lhe disseram que tinham visto o Senhor, ele não quis acreditar. Dizia: «Se eu não vir o sinal dos cravos nas suas mãos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e não meter a mão no seu lado, não acreditarei» (Jn 20,25). Oito dias depois, os discípulos estavam reunidos de novo, e Tomé com eles. Veio Jesus, com as portas fechadas, saudou os Apóstolos dizendo: «A paz esteja convosco» (Jn 20,26), e imediatamente se virou para Tomé: «Chega aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente» (Jn 20,27). E, então, Tomé respondeu: «Meu Senhor e meu Deus!» (Jn 20,28).

Também o Cenáculo de Jerusalém foi para os Apóstolos uma espécie de «laboratório da fé». Mas, o que lá aconteceu com Tomé ultrapassa, de algum modo, o sucedido nas proximidades de Cesareia de Filipe. No Cenáculo, constatamos uma dialéctica mais radical entre fé e incredulidade e, simultaneamente, uma confissão ainda mais profunda da verdade de Cristo. Verdadeiramente não era fácil acreditar que pudesse novamente estar vivo Aquele que fora deposto no sepulcro três dias antes.

O divino Mestre tinha anunciado várias vezes que havia de ressuscitar dos mortos, e várias vezes dera provas de ser o Senhor da vida. Todavia a experiência da sua morte foi de tal maneira violenta, que todos tinham necessidade dum encontro directo com Ele, para acreditar na sua ressurreição: os Apóstolos no Cenáculo, os discípulos no caminho de Emaús, as piedosas mulheres junto do sepulcro... E tinha necessidade Tomé também. Mas, quando a sua incredulidade se embateu com a experiência directa da presença de Cristo, o Apóstolo incrédulo pronunciou aquelas palavras que exprimem o núcleo mais íntimo da fé: Se assim é, se verdadeiramente estás vivo Tu que foste morto, quer dizer que és «o meu Senhor e o meu Deus».

Com o caso de Tomé, o «laboratório da fé» ficou enriquecido com um novo elemento. A Revelação divina, a pergunta de Cristo e a resposta do homem acharam pleno cumprimento no encontro pessoal do discípulo com Cristo vivo, com o Ressuscitado. Aquele encontro tornou-se o início duma nova relação do homem com Cristo, uma relação em que o homem reconhece existencialmente que Cristo é Senhor e Deus; Senhor e Deus não só do mundo e da humanidade, mas também desta minha existência humana concreta. Um dia, S. Paulo há-de escrever: «Perto de ti está a palavra, na tua boca e no teu coração, isto é, a palavra da fé que nós pregamos. Porque, se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor, e creres no teu coração que Deus O ressuscitou dentre os mortos, serás salvo» (Rm 10,8-9).

3. Nas leituras da Liturgia de hoje, aparecem descritos os elementos que compõem aquele «laboratório da fé», donde os Apóstolos saíram como homens plenamente conscientes da verdade que Deus tinha revelado em Jesus Cristo, verdade que havia de modelar a vida pessoal deles e a da Igreja ao longo da história. Este encontro de Roma, queridos jovens, também é uma espécie de «laboratório da fé» para vós, discípulos de hoje, para os confessores de Cristo no limiar do terceiro milénio.

Cada um de vós pode encontrar dentro si mesmo a dialéctica feita de perguntas e respostas que atrás pusemos em destaque. Cada qual pode examinar as dificuldades que sente na fé e experimentar inclusive a tentação da incredulidade. Mas, ao mesmo tempo pode experimentar também uma gradual maturação na consciência e na convicção da sua própria adesão de fé. Com efeito, neste admirável laboratório do espírito humano, que é o laboratório da fé, sempre se encontram mutuamente Deus e o homem. Incessantemente Cristo ressuscitado entra no cenáculo da nossa vida, permitindo a cada um experimentar a sua presença e confessar: Tu, ó Cristo, és «o meu Senhor e o meu Deus».

Cristo disse a Tomé: «Porque Me viste, acreditaste. Bem-aventurados os que, sem terem visto, acreditam!» (Jn 20,29). Todo o ser humano tem dentro de si algo do apóstolo Tomé. É tentado pela incredulidade e faz estas perguntas fundamentais: «Será verdade que Deus existe? Será verdade que o mundo foi criado por Ele? Será verdade que o Filho de Deus Se fez homem, morreu e ressuscitou?» A resposta vai-se impondo à medida que a pessoa faz a experiência da presença de Cristo. É preciso abrir os olhos e o coração à luz do Espírito Santo. Então hão-de falar a cada um as chagas de Cristo ressuscitado: «Porque Me viste, acreditaste. Bem-aventurados os que, sem terem visto, acreditam!»

4. Também hoje, caríssimos amigos, crer em Jesus, seguir Jesus pelas pegadas de Pedro, de Tomé, dos primeiros apóstolos e testemunhas, implica uma tomada de posição a favor d'Ele e, não raro, quase um novo martírio: o martírio de quem, hoje como ontem, é chamado a ir contra a corrente para seguir o divino Mestre, para seguir «o Cordeiro por onde quer que vá» (Ap 14,4). Não foi por acaso, queridos jovens, que eu quis que, durante o Ano Santo, se recordassem junto do Coliseu as testemunhas da fé do século vinte.

Talvez não vos seja pedido o sangue, mas a fidelidade a Cristo é certo que sim! Um fidelidade vivida nas situações de todos os dias: penso nos namorados e como é difícil para eles viverem, no mundo actual, a pureza antes do matrimónio. Penso nos casais jovens e às provas a que é submetido o seu compromisso de mútua fidelidade. Penso no relacionamento dos amigos e à tentação de deslealdade que pode insinuar-se entre eles.

Penso também em quem abraçou um caminho de especial consagração e ao esforço que às vezes tem de fazer para perseverar na sua dedicação a Deus e aos irmãos. Penso ainda em quem quer viver relações de solidariedade e de amor num mundo onde parece valer apenas a lógica do lucro e do interesse pessoal ou de grupo.

Penso igualmente em quem trabalha pela paz e vê nascer e desenvolver-se em várias partes do mundo novos focos de guerra; penso em quem trabalha pela liberdade do homem e ainda o vê escravo de si mesmo e dos outros; penso em quem luta por fazer amar e respeitar a vida humana e tem de assistir a frequentes atentados contra ela, contra o respeito que lhe é devido.

284 5. Queridos jovens, num mundo assim, é difícil acreditar? No ano dois mil, é difícil acreditar? Sim, é difícil. Não vale a pena escondê-lo. É difícil, mas com ajuda da graça é possível, como Jesus explicou a Pedro: «Não foram a carne nem o sangue quem to revelou, mas o meu Pai que está nos céus» (Mt 16,17).

Esta noite, irei entregar-vos o Evangelho. É o presente que o Papa vos dá nesta Vigília inesquecível. A palavra nele contida é a palavra de Jesus. Se vós a escutardes no silêncio, na oração, procurando aplicá-la à vossa vida com a ajuda do conselho prudente dos vossos sacerdotes e educadores, então haveis de encontrar Cristo e segui-Lo, gastando dia após dia a vida por Ele.

Na realidade, é Jesus quem buscais quando sonhais a felicidade; é Ele quem vos espera, quando nada do que encontrais vos satisfaz; Ele é a beleza que tanto vos atrai; é Ele quem vos provoca com aquela sede de radicalidade que não vos deixa ceder a compromissos; é Ele quem vos impele a depor as máscaras que tornam a vida falsa; é Ele quem vos lê no coração as decisões mais verdadeiras que outros quereriam sufocar. É Jesus quem suscita em vós o desejo de fazer da vossa vida algo de grande, a vontade de seguir um ideal, a recusa de vos deixardes submergir pela mediocridade, a coragem de vos empenhardes, com humildade e perseverança, no aperfeiçoamento de vós próprios e da sociedade, tornando-a mais humana e fraterna.

Queridos jovens, em tarefas tão nobres não estais sozinhos. Convosco estão as vossas famílias, estão as vossas comunidades, estão os vossos sacerdotes e educadores, estão tantos de vós que, sem fazer alarde, não se cansam de amar a Cristo e de acreditar n'Ele. Na luta contra o pecado, não estais sozinhos: muitos como vós lutam e, com a graça do Senhor, vencem!

6. Queridos amigos, vejo em vós as «sentinelas da manhã» (cf. Is Is 21,11-12), nesta alvorada do terceiro milénio. No decurso do século que morre, jovens como vós eram convocados em reuniões oceânicas para aprenderem a odiar, eram mandados combater uns contra os outros. Os diversos messianismos secularizados, que pretenderam substituir a esperança cristã, revelaram-se depois autênticos infernos. Hoje encontrais-vos reunidos aqui para afirmar que, no novo século, não vos prestareis a ser instrumentos de violência e de destruição; defendereis a paz, à custa da própria vida se for necessário. Não vos conformareis com um mundo onde outros seres humanos morrem de fome, continuam analfabetos, não têm trabalho. Vós defendereis a vida em todas as etapas da sua evolução terrena, esforçar-vos-eis com todas as vossas forças por tornar esta terra cada vez mais habitável para todos.

Queridos jovens do século que começa, dizendo «sim» a Cristo, dizeis «sim» a cada um dos vossos mais nobres ideais. Eu peço a Cristo que reine nos vossos corações e na humanidade do novo século e milénio. Não tenhais medo de vos entregar a Ele: guiar-vos-á e dar-vos-á força para O seguirdes cada dia em todas as situações.

Que Maria Santíssima, a Virgem que disse «sim» a Deus durante toda a sua vida, os Santos Apóstolos Pedro e Paulo e todos os Santos e Santas, que assinalaram ao longo dos séculos o caminho da Igreja, vos conservem sempre neste santo propósito!

A todos e cada um, ofereço com afecto a minha Bênção.





MENSAGEM DO SANTO PADRE


JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA CELEBRAÇÃO DO


MILÉNIO DO CRISTIANISMO NA HUNGRIA




Caríssimos Irmãos e Irmãs em Cristo
Amado Povo húngaro

1. Te Deum laudamus, Te Dominum confitemur! Estas jubilosas palavras do hino Te Deum correspondem muito bem à solene celebração do primeiro Milénio da coroação de Santo Estêvão. Nesta hora de graça, o pensamento dirige-se àquele evento-chave que assinala o nascimento do Estado húngaro. Com o coração reconhecido, desejamos louvar a Deus e agradecer-lhe os dons recebidos pelo Povo húngaro nestes mil anos de história.

285 É uma história que tem início com um Rei Santo, aliás, com uma "santa família": Estêvão, a sua esposa Beata Gisela e o filho Santo Emerico constituem a primeira família húngara de santos. Ela será uma semente que germinará e suscitará uma plêiade de figuras nobres que ilustrarão a Pannonia Sacra: basta pensar em Santo Ladislau, em Santa Isabel e em Santa Margarida!

Depois, olhando para o atormentado século XX, como deixar de recordar as grandes figuras do falecido Cardeal József Mindszenty, do Beato Bispo Mártir Vilmos Apor e do Venerável László Batthyány-Strattmann? Trata-se de uma história que se desenrola ao longo dos séculos com uma fecundidade que cabe a vós continuar e enriquecer com novos frutos nos vários campos da actividade humana.

No decorrer do seu passado glorioso, a Hungria foi também um baluarte em defesa da cristandade contra a invasão dos tártaros e dos turcos. Sem dúvida, em tão vasto arco de tempo não faltaram momentos obscuros; não faltou a triste experiência de atrasos e de derrotas, à qual é imperioso retornar com um exame crítico que elucide as reponsabilidades e leve a recorrer, em última análise, à misericórdia de Deus, que sabe haurir o bem inclusivamente do mal. Não obstante, no seu conjunto a história da vossa Pátria é rica de luzes maravilhosas, a tal ponto que suscita a admiração de quantos empreendem o estudo da mesma.

2. Nos alvores do Milénio, distingue-se a figura do Santo Rei Estêvão. Ele quis fundar o Estado sobre a pedra firme dos valores cristãos, e por isso desejou receber a coroa real das mãos do Papa, o meu predecessor Silvestre II. Desta forma, a Nação húngara constituía-se em profunda unidade com a Cátedra de Pedro e, mediante vínculos estreitos, unia-se aos outros países europeus, que compartilhavam a mesma cultura cristã. Precisamente esta cultura foi a linfa vital que, imbuindo as fibras da planta em fase de formação, assegurou o seu desenvolvimento e consolidação, preparando o seu extraordinário florescimento futuro.

No cristianismo, o verdadeiro, o justo, o bom e o belo recompõem-se em admirável harmonia sob a acção da graça, que tudo transforma e eleva. O mundo do trabalho, do estudo e da investigação, a realidade do direito, o rosto da arte nas suas múltiplas expressões, o sentido dos valores, a sede frequentemente inconsciente de coisas grandes e eternas, com a necessidade de absoluto que está presente no homem, encontram o seu estuário em Jesus Cristo, que é o Caminho, a Verdade e a Vida. É o que relevava Agostinho, quando afirmava que o homem é criado para Deus, e por isso o seu coração está inquieto enquanto não descansar n'Ele (cf. Confissões, I, 1).

Nesta inquietação criativa pulsa tudo aquilo que existe de mais profundamente humano: o sentido de pertença a Deus, a busca da verdade, a insaciável necessidade do bem, a sede ardente do amor, a fome de liberdade, a nostalgia do belo, a admiração do novo e a voz humilde mas imperativa da consciência. Portanto, precisamente esta inquietação revela a verdadeira dignidade do homem, que no mais profundo do seu ser sente que o próprio destino está indissoluvelmente vinculado ao destino eterno de Deus. Qualquer tentativa de elidir ou de ignorar esta incancelável necessidade de Deus reduz e depaupera a condição original do homem: o fiel, que está consciente disto, deve tornar-se sua testemunha na sociedade para servir também deste modo a autêntica causa do homem.

3. Todos sabem que a vossa nobilíssima Nação se formou no regaço materno da santa Igreja. Infelizmente nas duas últimas gerações nem todos tiveram a possibilidade de conhecer Jesus Cristo, nosso Salvador. Este período da história foi caracterizado por tribulações e sofrimentos. Agora, cabe a vós, cristãos húngaros, a tarefa de anunciar o nome de Cristo e de proclamar a Boa Nova a todos os vossos dilectos compatriotas, fazendo com que conheçam o rosto do nosso Salvador.

Quando Santo Estêvão escreveu as suas Advertências ao filho Emerico, era somente a ele que se dirigia? Este é o interrogativo que vos apresentava, por ocasião da minha primeira viagem pastoral à Hungria, durante a inolvidável celebração realizada na Praça dos Heróis, no dia 20 de Agosto de 1991. Então, eu observava: "Porventura [o Santo Rei] não escreveu as suas Advertências a todas as futuras gerações dos Húngaros, a todos os herdeiros da sua coroa? O vosso Santo Rei, caros filhos e filhas da Nação húngara, como herança não vos deixou apenas a coroa real, recebida do Papa Silvestre II. Ele deixou-vos o testamento espiritual, uma herança de valores fundamentais e indestrutíveis: a verdadeira casa construída sobre a rocha" (Ed. port. de L'Osservatore Romano de 8 de Setembro de 1991, pág. 6, n. 2).

De resto, é sempre actual aquilo que o Santo Rei recordava ao próprio filho nesse venerando texto: "Um país que só dispõe de uma língua e de um único costume é frágil e decadente. Por isso, recomendo-te que recebas com benevolência os forasteiros e os honres, de tal modo que prefiram estar junto de ti e não alhures" (Advertências, VI). Como deixar de admirar a clarividência de semelhante admoestação? Nela delineia-se a concepção de um Estado moderno, aberto às necessidades de todos, à luz do Evangelho de Cristo.

4. A fidelidade à mensagem cristã vos leve também hoje, caríssimos Irmãos e Irmãs da Hungria, a cultivar os valores do respeito recíproco e da solidariedade, que têm na dignidade da pessoa humana o seu fundamento indestrutível. Sabei acolher com alma reconhecida a Deus o dom da vida e defendei com coragem intrépida o seu valor sagrado, desde a concepção até ao seu termo natural. Estai conscientes da centralidade da família para uma sociedade ordenada e flórida. Por conseguinte, promovei sábias iniciativas em vista de proteger a sua firmeza e integridade. Somente uma nação que pode contar com famílias sadias e sólidas é capaz de sobreviver e de escrever uma grande história, como aconteceu no vosso passado.

Além disso, entre os católicos da Hungria não falte a vontade de cultivar relações de sincero ecumenismo com os sequazes das outras confissões cristãs, para serem autênticas testemunhas do Evangelho. Há mil anos, a cristandade ainda não estava dividida. Hoje, sente-se com vigor cada vez maior a necessidade de restabelecer a plena unidade eclesial entre todos os crentes em Cristo. As divisões dos últimos séculos devem ser ultrapassadas na verdade e no amor, com um compromisso apaixonado e indefectível.

286 Além disso, favorecei e apoiai todas as iniciativas destinadas a promover a concórdia e a colaboração no interior da mesma nação e com os países limítrofes. Sofrestes juntos durante os prolongados períodos de provação que se abateram sobre vós e sobre os outros povos; por que não deveríeis poder viver em conjunto também no futuro? A paz e a concórdia serão para vós a fonte de todo o bem. Analisai o vosso passado e procurai haurir do conhecimento das vicissitudes dos séculos transcorridos o ensinamento de que a história é rica, magistra vitae também para o vosso porvir.

5. Salvum fac populum tuum, Domine, et benedic hereditati tuae! Com esta invocação, que é ainda o Te Deum a colocar nos nossos lábios, dirigimo-nos ao Senhor para implorar a sua ajuda no novo Milénio que tem início. Pedimo-lo por intercessão da Virgem Maria, Magna Domina Hungarorum, cuja veneração é deveras relevante na preciosa herança do Rei Santo Estêvão. Ele ofereceu-lhe a sua coroa, como sinal de confiança do Povo húngaro na Sua protecção celestial.

Quantas imagens evocadoras deste gesto se encontram nas vossas igrejas! Seguindo o exemplo do Santo Rei, sabei também vós depositar o vosso porvir sob o manto d'Aquela a quem Deus confiou o seu Filho unigénito! Hoje levareis solenemente em procissão pelas ruas da vossa Capital a mão direita de Santo Estêvão, aquela mão com que ele ofereceu a própria coroa à Bem-Aventurada Virgem Maria: oxalá a santa mão do vosso antigo Rei acompanhe e salvaguarde constantemente a vossa vida!

Com estes pensamentos, desejo tornar-me espiritualmente presente nas vossas solenes celebrações, transmitindo uma deferente saudação ao Senhor Presidente da República e a todas as Autoridades da Nação, ao Senhor Cardeal Arcebispo e a todos os Irmãos no Episcopado, assim como aos seus colaboradores, às ilustres Delegações reunidas em Budapeste para esta solene circunstância e a toda a nobre Nação húngara.

No ano do grande Jubileu da Encarnação do Filho de Deus e no solene Milénio da vossa Nação, invoco sobre todos vós a mais copiosa bênção de Deus Pai, rico de misericórdia, de Deus Filho nosso único Redentor, de Deus Espírito Santo, que renova todas as coisas. A Ele sejam dadas glória e honra nos séculos dos séculos.

Castel Gandolfo, 16 de Agosto de 2000, vigésimo segundo ano de Pontificado.





JOÃO PAULO II


MENSAGEM POR OCASIÃO DO


XXI ENCONTRO PARA A AMIZADE ENTRE OS POVOS


REALIZADO EM RÍMINI


Ao venerado Irmão

D. MARIANO DE NICOLÒ

Bispo de Rímini

Por ocasião do XXI Encontro para a Amizade entre os Povos que, como em todos os anos, se realizará em Rímini, é-me grato enviar-lhe, bem como aos organizadores e aos participantes nesse encontro, a minha mais cordial saudação.

Para a edição deste Ano Santo, no qual a Igreja celebra o Grande Jubileu bimilenário do nascimento de Cristo, foi oportunamente escolhido como tema do Encontro: "2000 anos, um ideal sem fim". Quis-se assim pôr no centro da atenção o evento cristão, que foi manifestado em Belém e projectado no horizonte do Reino de Deus.

Com efeito, o nascimento de Jesus, como recordei ao proclamar o Jubileu, "não é um facto que se possa relegar para o passado. Diante d'Ele, com efeito, está a história humana inteira; o nosso tempo actual e o futuro do mundo são iluminados pela sua presença" (Bula Incarnationis mysterium, 1). Com o tema deste Encontro, com as reuniões que durante a semana desenvolverão os seus conteúdos, mas ainda mais, com a realidade mesma dessa reunião anual, quereis fazer eco explícito e consciente do grande mistério que durante o Ano jubilar toda a Igreja está a reviver: a encarnação do Filho de Deus. Trata-se de um mistério que transcende o homem e a história e, ao mesmo tempo, os atravessa de maneira profunda: Jesus é "verdadeiramente a realidade nova que supera tudo quanto a humanidade pudesse esperar"; ao encontrá-l'O, "cada homem descobre o mistério da sua própria vida" (Ibid.).

287 Estas palavras, que descrevem a essência do Cristianismo, abrem o acesso ao horizonte evocado pelo tema do Encontro: "um ideal sem fim".

Na linguagem corrente, "ideal" é muitas vezes entendido em contraposição a "real", como algo a que se aspira, mas no plano do pensamento, das "ideias", precisamente, sem contudo um concreto fundamento na realidade. Ao contrário, no Cristianismo, o ideal é um objectivo infinitamente grande, belíssimo e verdadeiro, sumamente justo, uma meta para a qual se dirige o nosso coração com todas as forças, sem jamais exaurir o seu desejo; mas ele é, ao mesmo tempo, algo que já possuímos, ou melhor, que nos possui, e que corresponde ao nosso ser e às suas expectativas, conferindo uma base de sólido realismo à nossa esperança de infinito.

Os cristãos estão conscientes disto por causa da sua própria experiência, meditada à luz da Sagrada Escritura e vivida segundo Cristo. Nenhum acontecimento, na longa história do mundo, corresponde tanto ao ideal como a pessoa de Jesus de Nazaré, o Verbo encarnado. Ele, que é o primogénito de todos nós (cf. Cl
Col 1,18), tendo em si a plenitude de toda a dimensão humana (cf. ibid., v. 19), pôs no nosso coração uma insaciável nostalgia dessa plenitude, que nos torna pesquisadores dela através das diversas experiências da vida.

É "um ideal sem fim" que se entrelaça com o caminho da Igreja. A história da Igreja é, portanto, fascinante, e hoje somos chamados a oferecer-lhe o nosso contributo: mostrar aos homens do nosso tempo o bom senso da fé, o humanismo da caridade, a energia construtiva da esperança. Para que isto seja possível, é necessário que o ideal cristão não se reduza a sonho, ou ideologias, ou utopia, mas nos crentes se torne sempre mais anúncio, testemunho e vida.

Guia-nos e ilumina-nos nisto o exemplo dos Santos, que em Cristo encontraram a luz e o apoio quotidiano para o seu caminho e para o seu empenho ao serviço do Reino de Deus. A meta de todos nós é precisamente a santidade: ela demonstra que o ideal de Cristo é sem fim. A quantos participarem na assembleia programada e a todos os amigos do Encontro, formulo votos por que sigam as pegadas de tantos homens e mulheres que, em dois mil anos, foram generosas testemunhas deste ideal imutável, a fim de ele ser semente de esperança nos sulcos do terceiro milénio.

Com estes sentimentos, de bom grado concedo-lhe, venerado Irmão, e à inteira "Família do Encontro" a Bênção Apostólica.


Vaticano, 2 de Agosto de 2000.





DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


ÀS IRMÃS BENEDITINAS


REUNIDAS EM CAPÍTULO GERAL


Sexta-feira, 25 de agosto de 2000




Caríssimas Irmãs Beneditinas
da Divina Providência

1. Sinto-me feliz por vos receber e apresentar a cada uma de vós as minhas cordiais boas-vindas. Agradeço-vos esta visita, com a qual desejais confirmar a fidelidade ao Sucessor de Pedro, por ocasião do XXII Capítulo Geral, sendo ainda viva a recordação do 150º aniversário de fundação do vosso Instituto, celebrado no ano passado.

288 Desejo manifestar-vos o meu apreço pelo bem que realizais em tantos países do mundo e sobretudo a dedicação com que vos dedicais ao serviço do Evangelho, atentas às expectativas e necessidades dos pequeninos, dos pobres e dos que sofrem. Gostaria também de reflectir convosco acerca das novas fronteiras que o Senhor vos indica, a fim de que a experiência maturada pela vossa Congregação durante estes longos anos possa constituir, no início do novo milénio, a feliz premissa para uma época apostólica e missionária ainda mais fecunda.

O vosso Instituto surgiu como uma pequena semente de mostarda na cidade de Voghera, na diocese de Tortona, da fé e da generosidade das Irmãs Maria e Justina Schiapparoli, chamadas pelo Senhor a tornarem-se mães amorosas de tantas crianças mendigas e expostas a um futuro repleto de perigos materiais e morais. Por isso, elas decidiram abrir a própria casa a algumas crianças abandonadas, para que fossem "formadas na religião, nas virtudes e nos trabalhos do seu estado" (Carta de Maria e Justina Schiapparoli, 20 de Dezembro de 1860) e, como meio para sustentar as necessidades quotidianas, escolheram o trabalho de costura, no qual eram peritas.

O Senhor abençoou o novo Instituto, que depressa se alargou, graças à chegada de numerosas jovens atraídas pelo mesmo ideal apostólico. Em 1936, ano em que a Sé Apostólica aprovou e confirmou as Constituições da Congregação, ela começou a expandir os seus ramos além-mar. Actualmente a vossa Família religiosa está presente na Itália, Brasil, Paraguai, Bolívia, México, Guiné-Bissau, Quénia, Roménia, Albânia e Índia, como "humilde instrumento de caridade misericordiosa" para a "juventude pobre, desadaptada e que se encontra em situações de perigo" (Constituições, 1 e 5).

2. No contexto rico de graça e de esperança do Grande Jubileu do Ano 2000, escolhestes para o vosso Capítulo Geral um tema de grande interesse: "Refundação da vida religiosa como Irmãs Beneditinas da Divina Providência: mística, vida fraterna e missão". Desta forma propondes-vos revisitar com humildade e coragem as fontes espirituais do vosso Instituto, para haurir um renovado vigor e aceitar os desafios que se apresentam à vossa tarefa apostólica, no início do terceiro milénio cristão. Considerando a singular experiência das Fundadoras, desejais realizar como que uma "refundação" da vossa "forma de vida", através duma maior adesão a Cristo, pedra angular que é "o mesmo ontem, hoje e sempre" (
He 13,8).

Ao mesmo tempo que requer de cada Irmã Beneditina da Divina Providência um grande empenho de conversão interior e de jubilosa disponibilidade à chamada do Senhor, esta opção exige de igual modo a fidelidade criativa ao carisma e a busca atenta dum estilo de vida religiosa, capaz de realizar "a convergência harmónica da vida interior com a actividade apostólico-caritativa, entendidas como exigências inseparáveis da consagração religiosa" (Constituições, 2). Em tudo isto se reflecte a espiritualidade de São Bento, cujo mote "Ora et labora" sobressai no brasão do vosso Instituto. Desta forma desejais repropor o rosto autêntico da vossa Congregação, a fim de atrair para o ideal apostólico que a distingue, novas jovens desejosas de encontrar Cristo e de O reconhecer nos rostos muitas vezes perdidos de tantos irmãos frágeis e indefesos.

3. Para alcançar este vosso objectivo, durante a reunião do vosso Capítulo indicastes na mística, na vida fraterna e na missão os caminhos privilegiados para continuardes a ser, a exemplo das Fundadoras, a "presença da Providência". Desejais realizar a vossa missão sobretudo no mundo da infância abandonada, dos pequeninos excluídos, dos jovens e dos adolescentes, condicionados pela mentalidade moderna do consumismo e vítimas de violências de todos os géneros.

Vós sabeis bem que qualquer projecto de renovação autêntica se deve fundar no aprofundamento da fidelidade a Cristo na Igreja. Neste contexto devem ser reconsideradas a vossa consagração e missão! Desejais fazer isto olhando para os exemplos de Maria, a Virgem orante e fiel, e pondo-vos à escuta dos ensinamentos de São Bento, grande mestre de vida espiritual. A Virgem possui as chaves de tudo o que Deus doa com amor aos homens, e o Santo de Núrsia, vosso "especial protector e pai", serve-vos de guia mediante a Regra, na qual adverte os seus filhos a nada antepor ao amor de Cristo (cf. Regra Beneditina, 4, 21).

Nossa Senhora e o Santo Patriarca foram os pontos de referência firmes da experiência mística das Servas de Deus Maria e Justina Schiapparoli, que viveram no fiel abandono à Divina Providência, à qual entregaram toda a sua obra. Esta confiança levou-as a ser simples e humildes, abraçando com simplicidade e alegria o árduo afã quotidiano. Amaram e souberam incutir nas suas Filhas espirituais um genuíno espírito de família, capaz de abarcar as meninas acolhidas em casa.
4. Caríssimas Irmãs, o exemplo das Fundadoras recorda-vos que a autêntica dimensão mística deve reflectir-se na experiência de vida fraterna e no empenho apostólico. Nele, com efeito, o amor de Deus, a confiança na Providência e o espírito de pobreza encontram a sua visibilidade e realização. As Constituições recordam-vos que "a comunhão com as Irmãs exige que vos saibais aceitar e ajudar fraternalmente, colocando tudo em comum: alegrias, sofrimentos, ideias, orações, trabalho e a prática recíproca da misericórdia" (Art. 63).

Nesta perspectiva, esforçais-vos por vencer a tentação do individualismo, empenhando-vos em cultivar uma autêntica espiritualidade de comunhão. Eis o que levará as religiosas individualmente e cada comunidade a viver uma renovada e consciente pertença à Igreja universal e local, bem como à própria Família religiosa, e a ser imagem sempre mais visível e acolhedora da Providência divina.

5. "Portanto, não fiqueis preocupados, dizendo: que vamos comer? Que vamos beber? Que vamos vestir? (...) O vosso Pai, que está no céu, sabe que precisais de tudo isso. Pelo contrário, em primeiro lugar buscai o Reino de Deus e a sua justiça, e Deus vos dará, em acréscimo, todas essas coisas" (Mt 6,31-33). Estas palavras do Evangelho constituíram o horizonte espiritual e o programa de vida das Servas de Deus Maria e Justina Schiapparoli. Da contemplação do Pai celeste elas aprenderam a fazer da sua vida um contínuo acto de amor em favor dos pequeninos, em atitude de entrega total à Providência. Às suas Filhas espirituais deixaram a tarefa de prosseguir neste mesmo caminho evangélico. Trata-se de uma missão que, no início do século XXI, é deveras actual. Não é porventura verdade que em vastas áreas do planeta, infelizmente, a infância ainda é vítima da fome, das guerras, de enfermidades horríveis como a Sida e da perversão de adultos sem escrúpulos, que insidiam a sua inocência e comprometem gravemente o seu futuro? Não é possível enfrentar tantas formas de pobreza e de necessidade sem uma grande confiança na Providência divina, da qual nos podemos, se a ela nos entregarmos, tornar de qualquer forma um prolongamento "segundo as exigências e as circunstâncias dos tempos e dos lugares".

289 Eis o desafio que se apresenta ao vosso Capítulo! Ele requer um coração grande e repleto de fé, capaz de procurar sempre o Reino de Deus e a sua justiça com audácia profética e confiança total na Providência divina. Desejo ardentemente que a renovada fidelidade ao carisma das Fundadoras vos sirva de ajuda ao testemunhardes o acolhimentos dos "últimos", reconhecendo neles a verdadeira imagem de Cristo, que pede para ser honrada, aceite e restaurada.

6. Caríssimas Irmãs! Sede conscientes da vossa vocação e prossegui o caminho empreendido. A vossa vocação de Irmãs Beneditinas da Divina Providência constitui um dom precioso para a Igreja; empenhai-vos em vivê-la em perene sintonia com a missão evangélica da inteira Comunidade eclesial. Chamadas a ser "prolongamento da Providência divina", estai preparadas para testemunhar em toda a parte com fervor sempre renovado os grandes valores da oração, da comunhão fraterna, da laboriosidade e do serviço evangélico aos pequeninos, aos abandonados e aos excluídos. Cada uma das vossas Comunidades seja anúncio concreto da civilização do amor, que encontra na ternura providencial de Deus o seu fundamento e a sua esperança.

Confio os trabalhos da Assembleia capitular e a vossa inteira Congregação à celeste protecção da Virgem Santa e de São Bento de Núrsia. Garanto-vos, para cada uma das vossas intenções, a lembrança na oração e concedo de bom grado a Bênção apostólica à Madre-Geral, às Capitulares, a todas as Religiosas, a quantos recebeis nas vossas casas e a cada um daqueles que colaboram na vossa missão.




Discursos João Paulo II 2000 280