Discursos João Paulo II 2000 305

DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO


ENCONTRO JUBILAR DAS FAMÍLIAS ADOPTIVAS


PROMOVIDO PELAS


MISSIONÁRIAS DA CARIDADE


Terça-feira, 5 de Setembro de 2000

Senhor Cardeal Laghi
Caríssimos Missionários e Missionárias da Caridade, pais e crianças das famílias adoptivas, amigos e colaboradores da obra de Madre Teresa de Calcutá

1. Estou contente por vos encontrar tão numerosos e agradeço à Irmã Mary Simon as amáveis palavras que me dirigiu, dando voz aos vossos sentimentos.

Quisestes celebrar o vosso Jubileu no dia que coincide com o terceiro aniversário da morte de Madre Teresa. É um modo muito significativo para exprimir a vossa vontade de seguir a Cristo, na esteira desta singular filha da Igreja, que se despendeu totalmente ao serviço da caridade. Como esquecê-la? Com o passar dos anos, a sua lembrança permanece cada vez mais viva.

Recordamo-la com o seu sorriso, os seus olhos profundos, a sua coroa do rosário. Parece-nos vê-la ainda no caminho por todo o mundo à procura dos mais pobres entre os pobres, sempre pronta a abrir novos espaços de caridade, acolhendo a todos como uma verdadeira mãe.

2. É muito habitual chamar "madre" a uma religiosa. Mas em Madre Teresa este apelativo assumiu uma intensidade especial. Uma mãe conhece-se pela capacidade de se dar. Observar Madre Teresa no trato, nas atitudes, no modo de ser, ajudava a compreender o que significava para ela, além da dimensão puramente física, ser mãe; ajudava-a a chegar à raiz espiritual da maternidade.

Sabemos bem qual era o seu segredo: ela estava cheia de Cristo e, por isso, olhava para todos com os olhos e o coração de Cristo. Tinha tomado a sério a sua palavra "Tive fome e destes-me de comer..." (Mt 25,35) Por isso, não se cansava de "adoptar" como filhos os seus pobres. O seu amor era concreto, empreendedor; levava-a onde poucos tinham coragem de chegar, onde a miséria era tão grande que provocava medo.

Não me admira que os homens do nosso tempo sejam atraídos e fascinados por ela. Pois encarnou aquele amor que Jesus indicou como distintivo para osseus discípulos: "Assim, todos saberão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros" (Jn 13,35).

3. Entre as obras surgidas do coração de Madre Teresa, uma das mais significativas é o movimento para a adopção. Por isso, hoje estão aqui tantas famílias adoptivas.

306 Saúdo-vos com afecto, caros pais e crianças. Estou contente por este encontro, que me permite reflectir convosco sobre o caminho que estais a percorrer. Adoptar uma criança é uma grande obra de amor. Quando ela se realiza, dá-se muito, mas também se recebe muito. É uma verdadeita troca de bens.

O nosso tempo conhece, infelizmente, também neste âmbito, não poucas contradições. Perante muitas crianças que, pela morte ou a inabilidade dos pais, ficam sem família, há muitos casais que decidem viver sem filhos por motivos não raro egoístas. Outros se deixam desencorajar por dificuldades económicas, sociais ou burocráticas. Outros ainda, desejosos de ter um filho "próprio" custe o que custar, vão muito além da legítima ajuda que a ciência médica pode assegurar à procriação, utilizando práticas moralmente repreensíveis. Diante dessas tendências, é preciso reafirmar que as indicações da lei moral não se resolvem com princípios abstractos, mas tutelam o verdadeiro bem do homem, e neste caso o bem da criança, em relação dos interesses aos próprios pais.

Como alternativa a estas vias discutíveis, a própria existência de tantas crianças sem família sugere a adopção como um concreto caminho de amor. Famílias como as vossas estão aqui para dizer que é uma via possível e bela, embora com as suas dificuldades; um caminho, por outro lado, praticável ainda mais do que no passado, na era da globalização, que diminui toda a distância.

4. Adoptar crianças, sentindo-as e tratando-as como verdadeiros filhos, significa reconhecer que as relações entre pais e filhos não se medem somente pelos parâmetros genéticos. O amor que gera é, antes de mais, um dom de si. Há uma "geração" que vem através do acolhimento, da atenção, da dedicação. A relação que daí brota é tão íntima e duradoura, que de maneira nenhuma é inferior à que se funda na pertença biológica. Quando, como na adopção, é ainda tutelada sob o ponto de vista jurídico, numa família estavelmente ligada pelo vínculo matrimonial, ela assegura à criança aquele clima sereno e aquele afecto, ao mesmo tempo paterno e materno, de que tem necessidade para o seu pleno desenvolvimento humano.

Precisamente isto emerge da vossa experiência. A vossa opção e empenho são um convite à coragem e à generosidade para toda a sociedade, para que este dom seja sempre mais estimado, favorecido e também legalmente assegurado.

5. Agradeço-vos o vosso testemunho. Ao celebrarmos os dois mil anos do nascimento de Cristo, neste Grande Jubileu, recordemos ainda que todo o homem que vem a este mundo, seja qual for a sua condição, traz o sinal do amor de Deus. Cristo nasceu para qualquer menino do mundo e por ele deu a vida. Não há, portanto, nenhum menino que não lhe pertença.

"Deixai vir a Mim as crianças" (
Mc 10,14). Madre Teresa fez-se eco, em certo sentido, desta palavra de Cristo, quando às mães tentadas a abortar, disse: "Trazei-me os vossos filhinhos". Sob a sua orientação, pusestes-vos com Cristo da parte das crianças.

Queira o Senhor cumular-vos de todas as consolações e vos ajude nas dificuldades do caminho.

Em seu nome vos abraço e abençoo.



JOÃO PAULO II

MENSAGEM POR OCASIÃO DO

CONGRESSO HISTÓRICO INTERNACIONAL


SOBRE A FIGURA E A OBRA DE PAPA PIO VII



Aos Reverendíssimos Padres
Dom ISIDORO CATENESI
Presidente
307 da Congregação Beneditina
Cassinense
e Dom INNOCENZO NEGRATO
Visitador da Província Italiana
da Congregação Beneditina
de Subiaco

1. Com grande satisfação tive conhecimento de que a Congregação Beneditina Cassinense e o Centro Histórico Beneditino Italiano desejam comemorar, com oportunas iniciativas, o bicentenário da eleição à cátedra de Pedro do meu venerado Predecessor, o Papa Pio VII. Para essa feliz circunstância, é-me grato enviar a toda a Comunidade beneditina, assim como aos organizadores do Congresso Histórico Internacional e a quantos participarem nas celebrações jubilares, a minha saudação cordial e de bons votos, feliz por serem oportunamente recordadas a figura e a obra de tão ilustre Pontífice e fiel filho de São Bento.

Luigi Barnaba Chiaramonti, último dos seis filhos do Conde Scipione e da Marquesa Giovanna Coronata Ghini, nasceu em Cesena a 14 de Agosto de 1742, vigília da festa de Nossa Senhora da Assunção, titular do mosteiro em que receberia a sua formação: naquela mesma solenidade mariana, tão querida ao povo de Cesena, foi baptizado na Catedral de São João Baptista. Essa data do seu nascimento parece, portanto, ligada à abadia beneditina de Santa Maria do Monte, nos arredores de Cesena, que tive a alegria de visitar em 1986.

Aos onze anos de idade entrou como aluno monástico nessa abadia, onde teria como mestre dos noviços D. Gregório Calderata, que, antes de morrer, pôde ver como Sumo Pontífice o seu antigo noviço. Depois da solene profissão dos votos monásticos em 1758, Gregório Chiaramonti foi enviado a Pádua, na abadia de Santa Justina, berço da antiga Congregação beneditina, para completar os estudos filosóficos e teológicos, nos quais se distinguiu pela agudeza de espírito. Depois veio para Roma a fim de se aperfeiçoar no Pontifício Colégio de Santo Anselmo, anexo à residência urbana da abadia de São Paulo Fora dos Muros, isto é, em São Calisto no Trastevere, reservado aos estudantes mais brilhantes da Congregação Beneditina Cassinense.

A disciplina monástica e as riquezas espirituais e culturais adquiridas com esforço tenaz durante os anos da formação foram a melhor preparação para o alto ministério universal, que ele exerceria num tempo particularmente conturbado para a Igreja e a Europa.

2. Ordenado sacerdote em 1763, Dom Gregório foi enviado a Parma como professor de filosofia no mosteiro de São João Evangelista, onde, ao completar trinta anos de idade, em 1772, lhe foi conferido o grau académico de "leitor", com o qual a sua Congregação o habilitava para o ensino da teologia e do direito canónico. Deve recordar-se, quanto a isto, que os nove anos transcorridos em Parma foram determinantes para a formação cultural do futuro Papa, que naquele ambiente teve o seu primeiro e significativo contacto com a cultura francesa e com as suas exigências de renovação, que depois se manifestaram de maneira dramática na Revolução.

308 O jovem monge Chiaramonti sentia a necessidade para a sua Congregação de uma profunda renovação, sobretudo no campo formativo. Ele almejava, por um lado, o retorno à inspiração originária da vida monástica e, por outro, uma modernização dos programas de ensino, de maneira a conduzir os jovens monges a um contacto mais directo com as problemáticas concretas e actuais no campo tanto religioso como social.

Tornou-se depois professor e bibliotecário do colégio Santo Anselmo de Roma e prior da Abadia de São Paulo Fora dos Muros. Pio VI, que o tinha conhecido pessoalmente enquanto, como Cardeal, exercia o cargo de Abade comendatário de Subiaco, derrogando a autoridade de quanto prescreviam na matéria as Constituições da antiga Congregação Cassinense, promoveu-o Abade Titular.

3. Em Dezembro de 1782 foi nomeado Bispo de Tívoli e, em 1785, foi transferido para a sede episcopal de Ímola e contemporaneamente promovido Cardeal. No dia 14 de Março de 1800, no encerramento do Conclave que se realizou em Veneza, o Senhor chamou-o a guiar a Igreja de Roma e todo o povo cristão, como Sucessor do Apóstolo Pedro. A eleição ocorreu num momento de graves preocupações e de anseios quanto ao futuro da Comunidade cristã. Como se sabe, em 1800 não foi possível realizar nem sequer a celebração do Ano Santo. Superada depois a difícil situação caracterizada por formas de opressão contra os crentes, começou a divisar-se um período de relativa tolerância em relação à fé cristã, porém sempre posta à margem da sociedade europeia.

Neste clima se desenvolveu o seu pontificado, durante o qual ele pôde fazer frutificar, em vasta escala e de maneira incisiva, os preciosos talentos de natureza e de graça, com que Deus o tinha dotado: um espírito de simplicidade e de mansidão, um acentuado sentido da justiça, uma inegável capacidade de aliar prudência e firmeza, uma singular paixão pela salvação das almas. O pontificado de Pio VII imprimiu um traço significativo na história da Igreja, graças também ao eficaz instrumento jurídico da Concordata, que depois se tornou muito útil para regular as relações com os Estados.

4. Pio VII tinha plena consciência do clima social e político, marcado pelo confronto cerrado com a personalidade de Napoleão Bonaparte e pela manifestação dos impulsos restauradores na Itália e na Europa. Não lhe faltaram, portanto, provações e contrastes: em 1809 foi detido por ordem do Imperador e conduzido prisioneiro para a França e depois para Savona. Tendo sido libertado em 1814, depois de um ano foi obrigado, por causa da invasão de Roma e dos Estados Pontifícios, a retomar mais uma vez a triste estrada do exílio e a refugiar-se em Génova. Nessas circunstâncias, ele mostrou constância ao defender a Igreja e tenaz coragem em suportar afrontas e sofrimentos. Sustentado pela fé, não cedeu a prepotências e violências, testemunhando um apego à sua missão e ao serviço da Igreja e do mundo, o que continua a ser motivo de admiração imorredoura.

Com efeito, Pio VII, desde a sua eleição, mostrou-se consciente das dificuldades que deveria enfrentar. Na primeira Encíclica, dirigida do mosteiro veneziano de São Jorge ao mundo católico, ele, recordando as tristes vicissitudes do seu imediato predecessor, o Papa Pio VI, e remontando gradualmente à longa história da Igreja, evidenciava como a perseguição e a incompreensão não constituíam uma novidade para os Vigários de Cristo. Ao mesmo tempo, exortava os cristãos a perseverarem com coragem no meio das adversidades, confiando em Deus e mantendo-se firmes no testemunho evangélico. Ele bem sabia qual era a missão do Sucessor de Pedro, isto é, a de confirmar na fé os seus irmãos (cf. Lc
Lc 22,32).

5. No seu ministério Pio VII foi sempre sustentado por indómita confiança no Senhor e por amor filial para com a celeste Mãe de Deus. É-me grato, a esse respeito, realçar a sua devoção à Santíssima Virgem a qual, como que com o leite materno, lhe tinha sido comunicada na família e que depois sempre cultivou ao longo dos anos. Elevado ao Sólio Pontifício, manifestou contínuos sinais em relação a isto. Basta recordar que ele quis coroar pessoalmente muitas imagens marianas.

Durante a primeira viagem a Roma, passando por Espoleto, coroou, no dia 30 de Junho de 1800, o sagrado ícone de Nossa Senhora de São Lucas, venerado na catedral daquela cidade. Tendo sido libertado da prisão napoleónica a 22 de Janeiro de 1814, antes de voltar a Roma, não só quis coroar pessoalmente a venerada imagem de Nossa Senhora do Monte de Cesena, no dia 1 de Maio de 1814, mas, durante aquele mesmo mês de Maio, repetiu o mesmo acto de extraordinária devoção para com Nossa Senhora da Piedade, popularmente chamada da Água, que se venera na Catedral de Rímini, e para com Nossa Senhora Rainha de Todos os Santos da Catedral de Ancona. Além disso, a 10 de Maio de 1815, retornou a Savona para ali coroar solenemente a imagem de Nossa Senhora da Misericórdia, cumprindo um voto feito durante os longos meses do exílio trienal em Savona.

6. Precisamente para sublinhar a constante relação entre este Pontífice e a Mãe de Deus, o Congresso histórico comemorativo da sua eleição escolheu como data de início o dia 15 de Setembro, memória litúrgica de Nossa Senhora das Dores que, a 18 de Setembro de 1814, ele quis estender a toda a Igreja, em recordação das dores que afligiram a Igreja na época da Revolução francesa e da dominação napoleónica. Além disso, no dia 15 de Setembro de 1815, para perpetuar a recordação do seu triunfal regresso a Roma, a 24 de Maio de 1814, decretou que todos os anos a diocese de Roma celebrasse no dia 24 de Maio a festa de Maria Auxiliadora do povo cristão: festa que depois passou para o calendário próprio de numerosas Dioceses e Famílias religiosas. Nos momentos tumultuosos do pontificado, era precisamente Ela, a Virgem Santa, o seu apoio na inabalável certeza de que os direitos de Deus e da Igreja haveriam de triunfar.

Outra característica do pontificado deste meu ilustre Predecessor foi um grande amor, haurido da tradição beneditina, pelo estudo e a cultura, que o tornou benemérito pela recuperação do património artístico e histórico da Santa Sé, em grande parte disperso pelas pilhagens napoleónicas. Esforçou-se pelo seu incremento, como foi eloquentemente testemunhado pelo Museu Chiaramonti, que tem o seu nome, e pelos frescos na Biblioteca Vaticana que ainda hoje narram as suas gestas.

7. Muitas e significativas são, portanto, as razões para recordar este digno Sucessor do Apóstolo Pedro, duramente provado por adversidades e incompreensões. O testemunho do seu indómito e perseverante serviço à Igreja constitui um útil ensinamento para todos. Voltar a reflectir em tudo o que ele teve de sofrer para exercer o seu ministério apostólico, leva a meditar na vocação de todo o apóstolo de Cristo. Com efeito, os cristãos de todas as épocas, não obstante os contrastes e humilhações, os obstáculos e perseguições, são chamados a prosseguir sem tréguas na fidelidade ao seu Senhor. Eles sabem que devem aderir ao Evangelho sem compromissos nem temores, disponíveis cada dia a tomar a cruz para O seguir a Ele, o Mestre crucificado. Caminhar atrás d'Ele, abraçar com amor o seu Evangelho: eis o empenho activo e generoso de todos os discípulos de Jesus. Está ligada intimamente a esta missão a experiência da cruz, segundo as próprias palavras do Senhor: "Se alguém quiser vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me" (Mt 16,24).

309 De coração formulo votos por que esta comemoração jubilar ofereça a ocasião para conhecer melhor a mensagem do Papa Chiaramonti e apreciar ainda mais a sua sabedoria e a sua fortaleza interior. Ao olharem para a sua vida e o seu exemplo, possam os homens do nosso tempo haurir indicações preciosas, a fim de enfrentarem com igual ardor missionário os desafios da época moderna. Hoje, como nos tempos em que ele viveu, é preciso sabermos passar através das asperezas da vida, permanecendo inabaláveis na escuta e na obediência do Evangelho.

Digne-se o Senhor, por intercessão de Maria, Mãe dos cristãos, conceder de modo especial aos mosteiros das duas Congregações derivadas da única e antiga Congregação Cassinense o dom de uma fidelidade cada vez maior ao próprio carisma. Conceda-lhes, além disso, numerosas vocações para a "escola do serviço divino", segundo os ditames da Regra de São Bento.

Para isto, asseguro uma lembrança na oração e, em penhor de abundantes graças celestes, é-me grato conceder a Bênção Apostólica aos Reverendíssimos Padres-Abades, às Comunidades beneditinas masculinas e femininas, assim como a quantos participarem no Congresso Histórico Internacional.


Castel Gandolfo, 14 de Agosto de 2000.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AO EMBAIXADOR DO EGIPTO


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DAS


CARTAS CREDENCIAIS


Quinta-feira, 7 de Setembro de 2000

Senhor Embaixador

É com prazer que hoje lhe dou as boas-vindas e recebo as Cartas Credenciais que o designam Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Árabe do Egipto junto da Santa Sé.

Agradeço-lhe as amáveis palavras que Vossa Excelência proferiu e os bons votos que transmitiu da parte de Sua Excelência o Senhor Presidente Mohamed Hosni Mubarak. Pediria que lhe comunicasse as minhas cordiais saudações, juntamente com a certeza das minhas orações pela paz e o bem-estar do povo egípcio.

A sua presença evoca a alegria dos dias que transcorri no seu País no passado mês de Fevereiro, e uma vez mais expresso o meu sentido agradecimento ao Senhor Presidente Mubarak e ao Governo por ter podido realizar essa visita tão memorável e fecunda. Neste ano bimilenário do nascimento de Jesus Cristo, para mim constituiu uma grande graça viajar a lugares de importância vital para a história religiosa do mundo. Recordo-me de modo particular do Monte Sinai, onde pude comemorar o dom da Lei que há muito tempo Deus escreveu sobre tábuas de pedra e continua a inscrever em todas as épocas no coração humano.

Conservo uma lembrança particularmente afectuosa do meu encontro com o Grão-Xeque Mohammed Sayed Tantawi. Juntos, expressámos o desejo de uma nova era de diálogo religioso e cultural entre o Islão e o Cristianismo. Senhor Embaixador, neste contexto é-me deveras grato ouvir Vossa Excelência descrever o Egipto como uma terra em que a unidade e a harmonia são enormemente valorizadas e onde as diferenças de religião não são consideradas obstáculos, mas meios de enriquecimento mútuo ao serviço da Nação. Faço votos sinceros por que seja sempre assim, e oxalá se superem as dificuldades que surgirem de vez em quando, de forma especial em vista da difundida disponibilidade e das condições positivas para o diálogo inter-religioso e a cooperação que se podem encontrar no Egipto.

Num mundo assinalado por uma violência tão profunda, é tristemente irónico que os piores conflitos se travem entre crentes que adoram o único Deus, que consideram Abraão como o santo Patriarca e que procuram seguir a Lei do Sinai. Cada acto de violência torna mais urgente a necessidade de muçulmanos e cristãos reconhecerem em toda a parte o que têm em comum, darem testemunho de que todos são criaturas do único Deus misericordioso e admitirem de uma vez para sempre que cada recurso à violência em nome da religião é completamente inaceitável.

310 De modo especial quando a identidade religiosa coincide com a identidade cultural e étnica, o solene dever dos crentes consiste em assegurar que o sentimento religioso não seja usado como pretexto para o ódio e o conflito. A religião é contrária à exclusão e à discriminação; ela busca o bem de todos e, por conseguinte, deve constituir sempre um estímulo para a solidariedade e a harmonia entre os indivíduos e entre os povos.

Quando visitei o seu País, também tive a alegria de me encontrar com Sua Santidade o Papa Shenouda III e os representantes das antigas Igrejas do Egipto, e de celebrar com eles o glorioso passado do cristianismo nessa terra. Sensibilizou-me profundamente a memória da rica cultura cristã que teve origem em Alexandria, dos inumeráveis santos e mártires egípcios da Igreja, bem como do monaquismo cristão que nasceu no deserto do Egipto e dali se difundiu no mundo inteiro.

Trata-se de uma página rica de história tanto cristã como nacional; e a comunidade católica no Egipto, embora seja exígua, está determinada em continuar a trabalhar de todas as formas em benefício do progresso da terra que deu um impulso tão grande ao desenvolvimento espiritual e teológico da cristandade.

Hoje, o Egipto ocupa um lugar central entre as nações que procuram instaurar uma paz justa e duradoura no Médio Oriente. Não obstante se tenham verificado progressos positivos nos últimos tempos, estes são dias difíceis no longo e árduo caminho rumo à solução dos inúmeros problemas ainda insolúveis que atingem essa região profundamente perturbada. Sinto-me encorajado pela certeza que Vossa Excelência me dá, de que o Egipto compartilha a solicitude constante da Santa Sé pelo futuro daquela parte do mundo para a qual as três religiões monoteístas olham com tanta estima. Não se devem poupar esforços na promoção de uma solução genuína e imparcial que respeite os direitos e as aspirações legítimas de todas as pessoas interessadas. Estou grato por quanto o seu País e de modo especial o Senhor Presidente Mubarak têm feito para garantir que os horrores da guerra e a sua futilidade sejam eliminados, e a paz assente na justiça prevaleça depois de tantos anos de amargura.

A Igreja está profundamente interessada na busca da paz nessa região, não obstante no seu serviço à causa da paz desempenhe um papel bastante diverso do das autoridades civis e políticas. Ao cumprir a sua missão religiosa, a Igreja está presente na ordem temporal sobretudo através dos seus esforços em vista de educar as consciências para as verdades e os valores que são os fundamentos do bem-estar dos indivíduos e das sociedades. Isto significa proclamar e salvaguardar a dignidade humana, trabalhar para fortalecer a harmonia e a solidariedade, e promover a acção concreta em benefício do bem comum.

Embora dedique a sua diligência em primeiro lugar aos fiéis católicos, a Igreja permanece firmemente decidida em cooperar, com todos os homens e mulheres de boa vontade, no bem-estar genuíno de toda a família humana. A Igreja oferece de bom grado o seu auxílio e encorajamento onde quer que se despendam esforços pacíficos e legítimos em vista de obstar tudo quanto ameaça a saúde moral das nações e dos povos, ou periclita a compreensão e a concórdia que deveriam existir entre os mesmos.

Senhor Embaixador, tenho a certeza de que a sua missão há-de revigorar ainda mais os vínculos de amizade e de cooperação já existentes entre o Egipto e a Santa Sé, e que estes laços serão fecundos no serviço à grande causa da paz. Invoco as abundantes bênçãos de Deus todo-poderoso sobre Vossa Excelência, a sua família e todo o povo da sua amada Nação.



JOÃO PAULO II

DISCURSO AOS PARTICIPANTES NO

CONGRESSO DOS ABADES, PRIORES E


ABADESSAS DA ORDEM BENEDITINA


Sexta-feira, 8 de Setembro de 2000

1. Com grande alegria vos acolho e saúdo todos vós, caríssimos Abades, Priores conventuais e Administradores da Ordem de S. Bento, por ocasião do vosso Congresso, que, no Ano jubilar, estais a realizar em Roma. Ao exprimir o meu reconhecimento ao Abade Dom Marcel Rooney pelo trabalho realizado ao longo destes anos, apresento as minhas felicitações ao novo Abade Primaz, Dom Notker Wolf, a quem agradeço as palavras que me dirigiu em nome de todos. Saúdo também o grupo de Abadessas vindas para representar os Mosteiros de todo o mundo.

Este encontro com o Bispo de Roma insere-se na vossa peregrinação jubilar tão rica e intensa e ressalta bem o seu significado espiritual e eclesial. Penso, neste momento, no meu glorioso predecessor, S. Gregório Magno, em cuja festa teve início a vossa assembleia e dou graças a Deus convosco pelo grande dom que foram e são, na Igreja e para a Igreja, os filhos e filhas de S. Bento.

Atravessastes a Porta Santa das Basílicas maiores, trazendo espiritualmente convosco as vossas comunidades. Este é, da vossa parte e antes de tudo, um louvável testemunho de fé. E torna-se ao mesmo tempo, símbolo do significado profundo desta vossa reunião: no Ano Santo de 2000 a Ordem beneditina, espalhada em todo o mundo, quer passar através de Cristo para entrar com Ele e n'Ele no novo milénio, trazendo nas mãos o Evangelho, Palavra de salvação para os homens de todos os tempos e de todas as culturas.

311 2. No Oriente e no Ocidente a vida monástica constitui para a Igreja um património de inestimável valor. Escrevi na Exortação pós-sinodal Vita consecrata: "Os mosteiros foram e continuam a ser, no coração da Igreja e do mundo, um sinal eloquente de comunhão, um lugar acolhedor para aqueles que buscam Deus e as coisas do espírito, escolas de fé e verdadeiros centros de estudo, diálogo e cultura para a edificação da vida eclesial e também da cidade terrena, à espera da celeste". (6).

O monaquismo ocidental inspirou-se sobretudo em S. Bento e na sua Regra, que formaram gerações de homens e de mulheres chamados a deixar o mundo para se dedicar inteiramente a Deus, pondo o amor de Cristo no centro e acima de tudo (cf. Regra, 4, 21 e 72, 11).

Com a força desta missão, a Ordem beneditina não deixou de contribuir para a actividade apostólica da Igreja. Com esta mesma força ela trabalha para a nova evangelização. Disto são testemunhas todos os que, jovens e adultos, cristãos e não cristãos, crentes e nãocrentes, encontram em vós e nos vossos mosteiros pontos de referência, como fontes onde se possa beber a "água viva" de Cristo, a única que pode saciar a sede dos homens. E como não sublinhar que a característica de muitas das vossas casas hoje é estar na "vanguarda do Cristianismo", em lugares onde o Cristianismo é minoria? Por vezes o testemunho de alguns membros da Ordem beneditina foi coroado com o martírio. Apesar disso, continuais a permanecer naquelas terras, sem temer perigos nem dificuldades. Desempenhando uma significativa actividade ecuménica e de paciente diálogo inter-religioso ofereceis um serviço precioso ao Evangelho. Testemunhai que só Deus basta.

3. Sim, só Deus, só Cristo, é a "vida da alma". Estas palavras recordam o título de um livro, muito conhecido, do vosso venerável confrade Columba Marmion, que tive a alegria de inscrever no domingo passado no álbum dos Beatos. A vida e as obras do grande Abade de Maredsous marcaram profundamente a espiritualidade do século XX, em perfeita sintonia com o caminho de autêntica renovação eclesial, culminada no Concílio Ecuménico Vaticano II. Também vós desejais pôr-vos neste mesmo caminho, seguindo os luminosos exemplos do beato Columba Marmion, e dos beatos Dusmet de Catânia e Schuster de Milão, filhos fiéis de S. Bento.

O vosso Congresso, além de ser uma peregrinação jubilar, constitui, a propósito, um forte momento de reflexão e confronto, no limiar do novo milénio. Como responsáveis da Ordem, propondes-vos reflectir sobre o papel do Abade na comunidade. Por outro lado, é vossa intenção examinar, na escuta e no intercâmbio das ricas e diversas experiências, qual é a "missão" do mosteiro no mundo actual.

4. A este propósito, como Pastor da Igreja num mundo em que se multiplicam as actividades dispersivas e se corre o risco de perder, às vezes, até o sentido da vida e da morte, quero recordar sabendo bem que vós sois mestres destas coisas o primado da interioridade. Mais do que nunca, o homem de hoje, para não se perder a si próprio, tem necessidade de encontrar a Deus e de se encontrar em Deus. E isto não é possível a não ser quando o coração se põe à escuta do Senhor, no silêncio e na contemplação prolongada, isto é, no encontro com o único "mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, homem" (
1Tm 2,5).

São estes os meus votos, que acompanho com a promessa de uma especial lembrança por vós no altar. Caríssimos, sede sinais eloquentes para os nossos contemporâneos do valor da vida monástica. É esta a primeira forma de vida consagrada que surgiu na Igreja e que, ao longo dos séculos, continua a ser um dom para todos. Sede contempladores assíduos do mistério de Deus e oferecei a vossa existência "para que Deus seja glorificado em todos".

Confio estes meus votos à intercessão de Maria Santíssima, cuja natividade hoje celebramos. Como boa Mãe, Ela vos proteja em cada um dos vossos passos. Com afecto vos concedo a Bênção Apostólica, pedindo-vos que a leveis às vossas comunidades.





DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


A VÁRIOS GRUPOS DE PEREGRINOS


VINDOS PARA O ANO SANTO


Sábado 9 de Setembro de 2000


Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Estou contente por vos encontrar e com alegria saúdo todos vós. Este vosso encontro realiza-se no dia dedicado à memória de São Pedro Claver, sacerdote jesuíta, apóstolo entre os negros deportados e modelo para quantos ainda hoje se prodigalizam por aliviar as condições de quem sofre. No espírito do Jubileu, o seu exemplo ajuda-nos a compreender um dos compromissos que derivam deste evento fundamental, a atenção por quantos, constrangidos pelas circunstâncias, abandonam o próprio país e sofrem os vexames daqueles que se aproveitam da pobreza dos outros.

312 Que este espírito, o verdadeiro espírito do Jubileu que estamos a celebrar, possa penetrar na vida das nossas comunidades cristãs e animar todas as actividades das Igrejas diocesanas. Após dois mil anos do seu nascimento, celebramos Cristo e contemplamo-Lo no mistério da sua encarnação.

Ele manifesta-se como autêntica fonte de salvação para o mundo e para todo o ser humano. A vicissitude humana é a história do encontro entre a pobreza espiritual de cada um e a grandeza salvífica de um Deus que ama a sua criatura de modo infinito.

2. A este amor deve corresponder o testemunho de uma vida propensa a configurar o discípulo ao seu Mestre. Através da confissão individual e das celebrações penitenciais próprias do Jubileu, e também mediante a celebração dos outros Sacramentos, o crente percorre um caminho de configuração a Cristo.

Este caminho é representado em símbolos pela peregrinação e a passagem através da Porta Santa. Justamente, portanto, "o termo Jubileu indica júbilo, alegria; não apenas júbilo interior, mas alegria que se manifesta exteriormente, já que a vinda de Deus é um acontecimento também exterior, visível, audível, palpável, como recorda São João (cf.
1Jn 1,1)" (Tertio millennio adveniente, nn. TMA 16 TMA 32). E é também a alegria pela remissão das culpas, a alegria da conversão.

A vários grupos de peregrinos italianos

3. Com esses sentimentos, dou cordialmente as boas-vindas a vós, queridos peregrinos vindos da Diocese de Lucera-Tróia, acompanhados do vosso Bispo, D. Francesco Zerillo, e também a vós, peregrinos da Diocese de Caserta. Ao atravessardes a Porta Santa, desejo que experimenteis a riqueza que Deus derrama nas celebrações jubilares, a fim de que o vosso coração e as vossas comunidades se abram à vida nova que é Cristo.

A vós, caríssimos Irmãos e Irmãs vindos de várias paróquias e a vós, participantes na Maratona a pé dos desportistas bolonheses, faço votos por que esta peregrinação deixe nos vossos corações sinais eficazes de justiça e de caridade. No itinerário jubilar, tendes a oportunidade para vos aproximar do sacramento da Penitência e da Reconciliação; para vos nutrir à mesa da Eucaristia, visitar as memórias dos Apóstolos. Estes sejam intensos momentos de comunhão com Deus. Ao voltardes às vossas comunidades, sentir-vos-eis revigorados na fé e estimulados a fazer o bem e a caridade no vosso estado de vida e no empenho a que o Senhor vos chama.

Aos ex-alunos do Seminário Francês de Roma

4. É-me grato acolher o grupo dos ex-alunos do Seminário Francês de Roma. Sede bem-vindos, queridos Irmãos no sacerdócio e no episcopado! A vossa presença, nesta manhã, é um sinal do reconhecimento que todos vós, jovens e menos jovens, continuais a nutrir pelo vosso Seminário.

Podeis testemunhar a qualidade da formação humana, espiritual, doutrinal e pastoral. Encorajo vivamente os responsáveis do Seminário a levarem por diante esta missão tão importante para a vida da Igreja, formulando votos por que o Seminário Francês continue a ser, em particular para o mundo francófono, o lugar em que florescerão ainda numerosas gerações de sacerdotes chamados a ser os "arautos do Evangelho" para o novo milénio.

A todos vós, de coração concedo a Bênção Apostólica.

313 Aos peregrinos do Canadá

5. Tenho o prazer de saudar os peregrinos da Diocese de Santa Catarina no Canadá, guiados pelo seu Vigário-Geral. Neste ano do Grande Jubileu viajastes percorrendo grandes distâncias para visitar estes lugares, que se tornaram sagrados pelo sangue dos mártires. Rezo para que a vossa permanência em Roma vos proporcione uma nova e mais profunda experiência da misericórdia de Deus, de maneira que, uma vez regressados ao Canadá, possais dar um testemunho mais vigoroso do Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus e Salvador do mundo. Através de vós, envio saudações afectuosas aos Bispos O'Mara e Fulton, e a todos os fiéis de Cristo na Diocese. A Bem-aventurada Virgem Maria e Santa Catarina velem sempre sobre vós! Deus Omnipotente, com o dom da sua paz, vos abençoe abundantemente, a vós e às vossas famílias!

6. Sobre todos invoco a protecção maternal de Maria Santíssima, cuja Natividade celebrámos ontem. A Mãe do Salvador obtenha para cada um paz e serenidade. Com estes votos, de bom grado concedo a todos uma especial Bênção Apostólica.



Discursos João Paulo II 2000 305