Discursos João Paulo II 2000 379

JUBILEU DOS DESPORTISTAS


DISCURSO DO SANTO PADRE AOS PARTICIPANTES NO ENCONTRO INTERNACIONAL SOBRE DESPORTO


Sábado, 28 de Outubro de 2000



Ilustres Senhoras e Senhores

1. É de bom grado que participo neste vosso Encontro Internacional sobre o significativo tema: "No tempo do Jubileu: o rosto e a alma do desporto". À espera de me encontrar amanhã, no Estádio Olímpico, com todo o mundo do desporto que celebra o seu Jubileu, tenho hoje a grata ocasião de vos saudar, a vós que do desporto sois, a vários títulos, representantes qualificados.
Saúdo os promotores deste encontro, de modo especial o Presidente do Comité Olímpico Internacional, Senhor Juan António Samaranch, e o Presidente do Comité Olímpico Italiano, Senhor Giovanni Petrucci, e estendo a minha saudação aos vários relatores e representantes de múltiplas realidades desportivas no mundo. Agradeço, em particular, a D. Crescenzio Sepe que se fez intérprete dos comuns sentimentos, ilustrando o significado deste encontro.

O tema que escolhestes para a vossa reflexão chama a atenção para a natureza e as finalidades da prática desportiva, neste tempo caracterizado por múltiplas e importantes transformações sociais. O desporto é decerto um dos fenómenos relevantes que, com uma linguagem que todos compreendem, pode comunicar valores deveras profundos. Pode ser veículo de excelsos ideais humanos e espirituais, quando é praticado no pleno respeito das regras; mas pode também defraudar a sua autêntica finalidade se der espaço a outros interesses, que ignoram a centralidade da pessoa humana.

2. O tema fala de "rosto" e de "alma" do desporto. Com efeito, a actividade desportiva manifesta, além das ricas possibilidades físicas do homem, também as suas capacidades intelectuais e espirituais. Não é mera potência física e eficiência muscular. Eis por que o verdadeiro atleta não se deve deixar subjugar pelas duras leis da produção e do consumo, ou por considerações puramente utilitaristas e hedonistas.

As potencialidades do fenómeno desportivo tornam-no um significativo instrumento para o desenvolvimento global da pessoa e um factor mais útil do que nunca para a construção de uma sociedade mais à medida do homem. O sentido de fraternidade, a magnanimidade, a honestidade e o respeito pelo corpo virtudes sem dúvida indispensáveis a todo o bom atleta contribuem para a edificação de uma sociedade civil, onde o antagonismo é substituído pela competição, onde ao confronto se prefere o encontro e à contraposição rancorosa, o confronto leal. Desta forma, o desporto não é um fim, mas um meio; pode tornar-se veículo de civilização e de genuíno entretenimento, estimulando a pessoa a dar o melhor de si e a evitar o que pode ser perigoso ou de grave prejuízo para si ou para o próximo.

380 3. Infelizmente, não são poucos, e talvez estejam a tornar-se mais evidentes, os sinais de um mal-estar que às vezes põem em discussão os próprios valores éticos que fundamentam a prática desportiva. Ao lado de um desporto que ajuda a pessoa, há de facto outro que a prejudica; ao lado de um desporto que exalta o corpo, há outro que o mortifica e o atraiçoa; ao lado de um desporto que persegue ideais nobres, há outro que só recorre ao lucro; ao lado de um desporto que une, há outro que divide.

Os meus votos são para que este Jubileu do Desporto seja ocasião para que todos, queridosresponsáveis, dirigentes, apaixonados de desporto e atletas, reencontrem um novo impulso criativo e propulsivo, através de uma prática desportiva que saiba conciliar, com espírito construtivo, as complexas exigências solicitadas pelas transformações culturais e sociais em acto com as que são imutáveis no ser humano.

4. Permiti-me ainda uma consideração. Enquanto favorece a robustez física e tempera o carácter, o desporto nunca deve distrair dos deveres espirituais quem o pratica e o aprecia. Seria como correr, segundo quanto escreve São Paulo, apenas "por uma coroa corruptível", esquecendo que os cristãos jamais podem perder de vista "a coroa imarcescível" (cf.
1Co 9,25). A dimensão espiritual deve ser cultivada e harmonizada com as várias actividades de entretenimento, entre as quais se insere também o desporto.

Às vezes, os ritmos da sociedade moderna e de algumas actividades desportivas poderiam fazer com que o cristão se esquecesse da necessidade de participar na assembleia litúrgica no Dia do Senhor. Contudo, as exigências do justo e merecido entretenimento não podem causar detrimento à obrigação do fiel de santificar a festa. Ao contrário, no Dia do Senhor a actividade desportiva deve estar inserida num contexto de serena distensão, que favoreça o estar juntos e o crescer na comunhão especialmente familiar.

Formulo cordiais e ardentes votos para este vosso encontro e, enquanto invoco sobre vós a protecção de Maria, asseguro a minha lembrança na oração por todos vós e de bom grado vos abençoo.




NO ENCONTRO COM PEREGRINOS JUBILARES


DO ANO SANTO


Sábado, 28 de Outubro de 2000

Caríssimos Irmãos e Irmãs
Às peregrinações de várias dioceses da Itália

1. Apresento as minhas cordiais boas-vindas a todos vós, que viestes de várias partes da Itália para o Jubileu. Que desta paragem de graça possais haurir a força e a coragem para aderirdes fielmente ao Evangelho, tornando-vos servidores de Cristo, Caminho, Verdade e Vida. Agradeço de coração ao Senhor Cardeal Camillo Ruini, que falou em nome dos numerosos Bispos aqui presentes esta manhã, interpretando os seus sentimentos, assim como os dos seus fiéis aqui reunidos, e dos milhares de estudantes participantes na manifestação promovida pela FIDAE.

Saúdo com afecto, em primeiro lugar, as peregrinações diocesanas provenientes da Basilicata e acompanhadas pelos respectivos Bispos, D. Ennio Appignadesi, D. António Ciliberti, D. Michele Scandiffio, D. Rocco Talucci, D. Vincenzo Cozzi e D. Salvatore Ligório. A cada um deles se dirige a expressão do meu fraterno afecto. Caríssimos fiéis, vós quisestes participar de maneira coral na celebração jubilar em Roma, unindo também a vós as Instituições Provinciais, Municipais e, de modo particular, a vossa Região. Sei que ela contribuiu de maneira generosa para o acolhimento dos peregrinos e sustentou importantes iniciativas religioso-culturais e missionárias conexas com os eventos jubilares. Possa esta vossa peregrinação jubilar ser para todos ocasião de um encontro pessoal com Cristo. Abri-vos com confiança a Ele, único Salvador do mundo, e recebereis a alegria verdadeira. Escutai-O, segui-O: Ele chama-vos a ser membros vivos da sua Igreja, templos luminosos do seu Espírito de Amor.

2. Saúdo, depois, os peregrinos da Arquidiocese de Sena-Colle di Val d'Elsa-Montalcino, acompanhados pelo Arcebispo, D. Gaetano Bonicelli. Caríssimos, hoje a vossa peregrinação jubilar ao túmulo dos Apóstolos é, em certo sentido, guiada pela figura e o exemplo de Santa Catarina, co-padroeira da Itália e da Europa, cuja imagem esculpida no mármore resplandece, a partir de hoje, na parte exterior da Basílica Vaticana, como que a significar a sua intensa devoção a Pedro e aos seus Sucessores. Segui o itinerário espiritual desta vossa grande conterrânea, cuja vida foi um crescimento progressivo no conhecimento de Cristo e na devoção a Ele. O seu testemunho vos sirva de ajuda para descobrirdes sempre melhor, dia após dia, a vossa vocação cristã e lhe corresponderdes com generoso empenho.

381 3. Sinto-me também feliz por dirigir uma cordial saudação aos fiéis da Arquidiocese de Fermo, reunidos à volta do seu Arcebispo, D. Gennaro Franceschetti. Neste último período do Jubileu, tempo forte do amor misericordioso do Pai, formulo votos de coração para que cada um seja sempre mais animado de zelo apostólico e difunda com o próprio exemplo a mensagem evangélica. Encorajo-vos a encontrar na oração, de modo particular na celebração eucarística, a força para participar activamente na vida das vossas Comunidades cristãs. Todo o discípulo do Senhor é chamado a desempenhar o próprio papel na edificação da Igreja.

4. O meu pensamento dirige-se agora aos fiéis da Arquidiocese de Amalfi-Cava di Tirreni, aqui vindos sob a orientação do seu Pastor, D. Orazio Soricelli. O caminho deste Ano jubilar viu-vos empenhados num significativo itinerário pastoral rico de iniciativas apostólicas. Caríssimos, não desperdiceis os abundantes frutos espirituais adquiridos, mas esforçai-vos por participar de modo activo e responsável na missão evangelizadora da Igreja. Acolhei a mensagem exigente e libertadora do Evangelho e fazei ressoar, sem cessar, a Boa Nova com as palavras, mas sobretudo com o vosso próprio testemunho de vida.

5. Dirijo agora uma especial palavra de saudação aos peregrinos da diocese de Rimini, acompanhados pelo Bispo, D. Mariano De Nicolò. Recordando com prazer a visita pastoral de 1982, culminada na Santa Missa que celebrei na grande esplanada do porto, renovo a todos vós o convite a meditar sobre as responsabilidades que derivam da vocação turística do território da vossa Diocese. Empenhai-vos em dar uma alma ao turismo, não vos canseis de propor a todos a mensagem cristã, defendendo os grandes valores da vida, da família, da sacralidade do dia do Senhor.

6. Dirijo-me agora a vós, queridos fiéis da Diocese de Tívoli, que viestes aqui juntamente com o vosso Bispo, D. Pietro Garlato. Sei que estais prestes a viver uma especial missão diocesana. Esta iniciativa, colocada como que no termo das celebrações do Grande Jubileu, constitui uma significativa ocasião para fazer frutificar os dons da graça derivantes dos acontecimentos jubilares, que se sucederam ao longo de um ano. Cada fiel seja um corajoso evangelizador no ambiente em que vive.

7. O meu pensamento vai, agora, para os fiéis provenientes da Diocese de Latina-Terracina-Seze-Priveno, e para o seu Pastor. D. Giuseppe Petrocchi. Caríssimos, recordo com prazer a minha visita à vossa terra, no ano de 1991, por ocasião do centenário do nascimento de Santa Maria Goretti, Padroeira de toda a campanha Pontina. O exemplo da sua adesão a Cristo, no exercício contínuo das virtudes cristãs, é sempre válido e actual, também no terceiro milénio. Sabei imitar a sua coerência e coragem nas opções quotidianas, oferecendo uma resposta sincera ao comum chamamento à santidade.

A diversos grupos de alunos de Institutos escolares

8. Saúdo, além disso, os Institutos escolares, provenientes de várias partes da Itália, em particular os numerosos participantes no tradicional encontro das Escolas católicas de Roma e do Lácio. Caríssimos estudantes, professores e pais, sede bem-vindos! Já passou um ano desde a grande manifestação do dia 30 de Outubro de 1999, que viu reunida nesta Praça um imensa plêiade de representantes das Escolas católicas italianas. A esse respeito, não posso esquecer o principal organizador daquela manifestação, o Irmão Giuseppe Lazzaro, que morreu recentemente. Ao recordar a sua generosa e ardente actividade no mundo da escola, como Presidente da FIDAE do Lácio, e o seu empenho no apoio da paridade escolar católica, elevo ao Senhor uma especial oração de sufrágio pela sua alma bendita.

A escola, especialmente a escola católica, que é encruzilhada das problemáticas que atravessam a vida social e cultural do país, deve ocupar-se das interrogações, das incertezas, mas também das energias positivas e aspirações que animam os jovens. É vossa tarefa, queridos responsáveis da escola em geral e da escola católica de maneira especial, oferecer-lhes válidos e autênticos pontos de referência culturais e formativos, ajudando-os a ser sempre discípulos da Verdade. Enquanto faço votos para que a escola católica veja reconhecido plenamente o lugar que lhe compete na vida social e civil da Nação, desejo a todos vós que continueis a actuar no campo educativo e formativo com perseverante confiança, competência e renovada esperança.

Aos fiéis franceses e espanhóis

9. Saúdo cordialmente os membros da Confraria mundial da Gastronomia, La Chaîne des Rôtisseurs. Possa o vosso encontro em Roma ser uma ocasião para revigorardes laços de amizade e de solidariedade, a fim de viverdes com todos os peregrinos um itinerário jubilar! Com a Bênção Apostólica.

Quero expressar a minha cordial saudação também aos peregrinos de língua espanhola, vindos para participar nesta celebração jubilar. Exorto-vos a continuar a crescer na vossa fé e a ser testemunhas do amor misericordioso de Deus, manifestado em Cristo morto e ressuscitado. Deus vos conceda as graças jubilares.

382 Aos demais peregrinos

10. Por fim, uma afectuosa saudação às várias Comunidades paroquiais, as associações e os outros grupos de peregrinos, em particular para os representantes da Ina-Assitalia e o Colégio dos peritos industriais. Desejo a cada um que a presente experiência jubilar seja estímulo eficaz de caridade, de justiça e de paz, de maneira que contribua para a renovação em Cristo das comunidades cristãs e de todos os ambientes de vida.

Ao invocar a intercessão materna de Maria, Mãe da Igreja, sobre vós, concedo de coração a todos os presentes a Bênção Apostólica.



CERIMÓNIA DA BÊNÇÃO DA IMAGEM DE


SANTA CATARINA DE SENA


Sábado, 28 de Outubro de 2000



Estou deveras grato a D. Gaetano Bonicelli, pelas amáveis palavras que me dirigiu, e saúdo as Autoridade e os fiéis presentes, em particular o Sr. Eric Aman, artista a quem se deve esta imponente escultura marmórea. Por ocasião do primeiro aniversário da proclamação de Santa Catarina como co-Padroeira da Europa, quisestes doar esta obra à Patriarcal Basílica Vaticana, para enriquecer o património de arte sacra colocado nos vários nichos do templo. Agradeço a todos aqueles que contribuíram de algum modo para a realização desta iniciativa. Ela constitui uma significativa homenagem à figura de Santa Catarina que, no espírito deste Jubileu, se nos apresenta como ponto de referência sempre válido para orientar o nosso itinerário de fé no início do novo milénio.




AOS PARTICIPANTES NO


I FÓRUM INTERNACIONAL DE MARIOLOGIA


31 de Outubro de 2000




No termo deste encontro de oração, que todos os dias se realiza aqui na Praça de São Pedro, é-me grato saudar-vos com afecto. Estendo a minha saudação a Sua Beatitude Michel Sabbah, Patriarca de Jerusalém dos Latinos, que trouxe à vossa prece a recordação da situação dramática daquela população tão querida para mim. Saúdo-vos de maneira especial, caríssimos participantes no I Fórum Internacional de Mariologia, que terminastes os vossos trabalhos congressuais, que se realizaram em concomitância com o 50º aniversário da proclamação dogmática da Assunção ao Céu de Maria Santíssima em alma e corpo.

Desejo exprimir o meu apreço à Academia Mariana Internacional, à Faculdade Teológica Marianum e à Associação Mariológica Interdisciplinar Italiana pela iniciativa promovida, que bem se insere no contexto dos eventos jubilares.

Já estamos na solenidade de Todos os Santos. E as reflexões sobre a verdade da Assunção ao céu da Bem-aventurada Virgem foram realizadas na proximidade desta grande data, bem como da que depois de amanhã celebraremos, isto é, a Comemoração dos Defuntos. Maria, a primeira dos remidos, brilha diante de nós como lâmpada que guia o caminho da humanidade inteira, recordando-nos o termo último ao qual toda a pessoa é chamada: a santidade e a vida eterna.
Possa a sua poderosa intercessão ajudar-nos, a nós que a invocamos como "vida, doçura e esperança nossa", a viver uma existência sempre orientada para o Céu, onde Ela é constituída Rainha. E do Paraíso, interceda constantemente por nós.

Com estes sentimentos, abençoo-vos a todos.



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Novembre de 2000


AOS PARTICIPANTES NAS CELEBRAÇÕES DO


CINQUENTENÁRIO DA CONVENÇÃO EUROPEIA


SOBRE OS DIREITOS DO HOMEM


Sexta-feira, 3 de Novembro de 2000




Senhoras e Senhores

1. É-me grato dar-vos as boas-vindas hoje, por ocasião da Conferência ministerial que se está a realizar sob a Presidência da Itália, para comemorar o cinquentenário da assinatura da Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem, que teve lugar em Roma, a 4 de Novembro de 1950.

Saúdo o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Itália e Presidente da Conferência ministerial, Senhor Lamberto Dini; o Secretário-Geral do Conselho da Europa, Senhor Walter Schwimmer; o Presidente da Assembleia parlamentar, Lorde Johnston; e o Secretário-Geral da mesma, Senhor Bruno Haller.

2. A seguir à segunda guerra mundial, o Conselho da Europa adoptou uma nova visão política e deu forma a uma renovada ordem jurídica, exaltando o princípio segundo o qual o respeito pelos direitos humanos transcende a soberania nacional e não pode ser subordinado a finalidades políticas, nem comprometido por interesses nacionais. Agindo assim, o Conselho ajudou a lançar o fundamento para o restabelecimento moral necessário, depois das devastações bélicas, e a Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem demonstrou ser um elemento vital deste processo.

A Convenção foi um documento genuinamente histórico e permanece um instrumento legal singular, enquanto procura proclamar e salvaguardar os direitos fundamentais de cada um dos cidadãos dos Estados signatários. Tratou-se de uma resposta concreta e criativa à Declaração Universal dos Direitos do Homem, que em 1948 nascera da trágica experiência da guerra e se radicara profundamente na dúplice convicção da centralidade da pessoa humana e da unidade da família humana. Assim, a Convenção representou um importante momento na maturação do sentido da dignidade inata da pessoa humana e da consciência dos direitos e deveres que daí derivam.

É também significativo o facto de que, após a libertação de uma ideologia oposta e das formas totalitárias de governo, as novas democracias do Leste europeu têm visto no Conselho da Europa um foco de unidade para os povos do continente, uma unidade que não pode ser concebida sem os valores religiosos e morais que constituem a herança comum de todas as nações europeias. A sua vontade de participar na Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem reflecte o desejo de salvaguardar as liberdades fundamentais que lhes foram negadas por tanto tempo. A este propósito, sempre estive persuadido de que os povos do Leste e do Oeste da Europa, profundamente unidos pela história e a cultura, compartilham um destino comum. No âmago da nossa única herança europeia religiosa, cultural e jurídica encontra-se a noção da dignidade inviolável da pessoa humana, que comporta os direitos inalienáveis conferidos não pelos governos nem pelas instituições, mas exclusivamente pelo Criador, a cuja imagem foi feito o ser humano (cf. Gn Gn 1,26).

3. Ao longo dos anos, a Santa Sé esteve empenhada no Conselho da Europa procurando, da maneira que lhe é apropriada, acompanhar e contribuir para o trabalho cada vez mais vasto do Conselho no campo dos direitos humanos. Consciente do papel singular que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desempenha nas questões europeias, a Santa Sé está particularmente interessada na jurisprudência deste Tribunal. Os juízes são as sentinelas da Convenção e da sua visão dos direitos humanos, e hoje sinto-me feliz por ter a ocasião de dar as boas-vindas ao Presidente do Tribunal, Senhor Lucius Wildhaber, e aos outros ilustres juízes, e de vos formular os melhores votos na vossa nobre e exigente tarefa.

O cinquentenário da Convenção é uma ocasião para dar graças pelo que já se realizou e para renovar o nosso compromisso em fazer com que os direitos humanos sejam cada vez mais plena e amplamente respeitados na Europa. Por conseguinte, chegou a hora de reconhecer com clarividência os problemas que devem ser resolvidos, se se quiser que isto se concretize. Entre outros, é fundamental a tendência a separar os direitos humanos do seu fundamento antropológico ou seja, da visão originária da pessoa humana, inerente à cultura europeia. Há também a tendência a interpretar os direitos a partir de uma perspectiva exclusivamente individualista, tendo-se pouca consideração pelo papel da família como "núcleo fundamental da sociedade" (Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 16). Além disso é um paradoxo o facto de, por um lado, se afirmar com vigor a necessidade de respeitar os direitos humanos e, por outro, se negar o mais elementar dentre eles o direito à vida. O Conselho da Europa conseguiu erradicar a pena de morte da legislação de muitos dos seus Estados membros. Enquanto me alegro por esta nobre conquista e espero que a mesma se difunda no resto do mundo, a minha fervorosa esperança é de que chegue depressa o momento em que se compreenda igualmente que se comete uma grave injustiça quando não se salvaguarda a vida inocente no seio materno. Esta contradição radical só é possível quando a liberdade se afasta da verdade inerente à realidade das coisas, e a democracia se separa dos valores transcendentais.

4. Perante todos os problemas agora evidentes e os desafios que se nos apresentam, devemos ter confiança em que o verdadeiro génio da Europa se manifestará na redescoberta da sabedoria humana e espiritual congénita à herança europeia de respeito pela dignidade humana e pelos direitos que dela derivam. Ao entrarmos no terceiro milénio, o Conselho da Europa é chamado a consolidar o sentido do bem comum europeu. É somente sob estas condições que o Leste e o Oeste do continente poderão oferecer a sua contribuição específica e singularmente importante para o bem de toda a família humana! Enquanto rezo com fervor a fim de que isto se realize, invoco as abundantes bênçãos de Deus Omnipotente sobre vós, as vossas famílias e os vossos esforços ao serviço dos povos da Europa.




DURANTE O ENCONTRO COM OS


PEREGRINOS DE MILÃO E DE VENEZA


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Sábado, 4 de Novembro de 2000

Caríssimos Irmãos e Irmãs!

Aos peregrinos da Arquidiocese de Milão

1. Acolho-vos afectuosamente por ocasião da vossa peregrinação jubilar ao túmulo dos Apóstolos. Dirijo-me antes de tudo a vós, queridos peregrinos da Arquidiocese de Milão. Saúdo com amizade o Senhor Cardeal Carlo Maria Martini, vosso zeloso Pastor, e agradeço-lhe as nobres palavras com que interpretou os vossos sentimentos, assim como os fervorosos votos de felicidades que me expressou na ocorrência do meu onomástico. Em resposta, formulo os mesmos votos para Si, Senhor Cardeal, que tem o mesmo nome de Carlo e para todos vós, que reconheceis São Carlos Borromeu como vosso padroeiro.

Saúdo os Bispos auxiliares e os Bispos de origem ambrosiana aqui presentes, assim como os sacerdotes, os religiosos, as religiosas, os seminaristas e os colaboradores pastorais. Dirijo um deferente pensamento à Autoridade civil da Região, da Província e das Comunas, que hoje quiseram unir-se a vós para partilhar este significativo momento de alegria e de intensa espiritualidade. As minhas cordiais boas vindas estendem-se aos representantes das paróquias da diocese de Lugano, Novara e Bérgamo que, desde os tempos antigos, seguem o rito ambrosiano e aos colaboradores das vossas paróquias, que hoje estão convosco em tão grande número e tornam ainda mais festivo este nosso encontro.

2. Celebrais o vosso Jubileu na Cidade eterna, que S. Carlos definiu "mais gloriosa do que todas as outras e que, guiada por um corpo grande e robusto, tem dois esplêndidos olhos, isto é, os corpos dos dois Apóstolos" (Acta Ecclesiae Mediolanensis, vol. 2, pag. 88). A vossa peregrinação tem lugar no próprio dia em que a Igreja faz menção dele. Recordo a minha visita à vossa bela Catedral, onde pude ajoelhar-me diante dos restos daquele grande Bispo e que repousam na cripta.

Volto espiritualmente ao seu túmulo, pondo-me à escuta das preciosas indicações que ele dá para a peregrinação jubilar. Numa sua carta pastoral para o Ano Santo de 1575, escrevia: "Chegados a Roma, confessando-vos e comungando de novo, devotamente esperareis o sagrado Jubileu, deixando toda a curiosidade e vaidade. O Jubileu é um ano santo, um ano de perdão total, um ano de graça do Senhor" (Acta E. M. vol. II, pag. 885). Como então, também agora o Jubileu é uma ocasião propícia e preciosa para uma verdadeira conversão.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs, descobri, dia pós dia, o amor misericordioso que Deus nutre por todo o ser humano: num impulso de renovada adesão a Cristo, senti-vos sempre mais solidários com o próximo, especialmente os mais necessitados. Vivei este dealbar do terceiro milénio com uma fé sólida, uma corajosa esperança e ardente caridade. São tantos os desafios que deveis enfrentar nesta passagem de era, tão importante!

O desafio do consumismo: a vossa região está inserida numa realidade de bem-estar: que não prevaleça a procura dos bens supérfluos e não vos faça esquecer as necessidades dos pobres, seja dos que vivem perto de vós ou dos que vivem longe.

O desafio da secularização: Deus parece já definitivamente excluído de tantos âmbitos da vida. É importante e urgente, portanto, o compromisso de evangelizar, animando a realidade em que viveis com os valores cristãos, oferecendo a todos a ocasião de um encontro com a palavra de Deus e a pessoa de Cristo. Muitos, talvez de maneira inconsciente, andam precisamente à procura destas profundas experiências espirituais.

O desafio multirracial: também o território da vossa Arquidiocese vê a presença de pessoas que provêm de diversos Países, pertencentes a várias raças, culturas e religiões. É-vos pedido que não fecheis as portas do vosso coração a quem vos pede hospitalidade, na convicção de que o acolhimento e o testemunho do amor é um caminho privilegiado para "falar" de Jesus àqueles que ainda o não conhecem.

385 4. O vosso Arcebispo enumerou há pouco as prioridades escolhidas por vós para o próximo ano pastoral, que pedem a generosa contribuição de todos os componentes da Comunidade diocesana: jovens, vocações para o clero e colaboradores pastorais. Exorto-vos a ajudar as iniciativas em programa, oferecendo a vossa generosa colaboração segundo as possibilidades de cada um. Deste modo, podereis avançar todos ao mesmo tempo no caminho da nova evangelização e Deus tornará fecundo de frutos de bem todo o vosso esforço.

Igreja que estás em Milão, não tenhas medo de enfrentar os grandes desafios do momento presente! Avança confiante no caminho da nova evangelização, no serviço carinhoso dos pobres e no testemunho cristão em toda a realidade social. Toma consciência da longa e fecunda história das tuas paróquias, oratórios e numerosas realidades associativas. Seja sempre vivido o Evangelho nas pequenas e grandes opções de cada dia, e cada comunidade cristã renove na fidelidade às próprias tradições espirituais o seu fecundo testemunho apostólico.

Maria Santíssima vos acompanhe e ampare: a Ela peço para velar, como Mãe pressurosa, pelas vossas famílias, em particular pelos doentes e as pessoas mais débeis. Protejam-vos Santo Ambrósio e S. Carlos, padroeiros da Arquidiocese.

Aos peregrinos do Patriarcado de Veneza

5. Dirijo-me agora a vós e saúdo-vos com afecto, amados peregrinos do Patriarcado de Veneza. Saúdo-o a Si, venerado Irmão, Cardeal Marco Cè, e estou-lhe grato pelas palavras amigas que me dirigiu em nome de todos. A vossa peregrinação trouxe-vos a percorrer as pegadas dos Apóstolos Pedro e Paulo. Isso oferece-vos, hoje, a ocasião de renovar a vossa fidelidade ao Sucessor de Pedro. Obrigado pela vossa visita e pela promessa da vossa oração.


Nestes dias de singular experiência jubilar, deixai-vos iluminar pela luz e pela alegria de Cristo. Só Ele pode encher de esperança o vosso coração. Só Ele está em posição de suscitar em cada um de vós um renovado impulso apostólico, capaz de contagiar os corações e os espíritos de quantos encontrais na vida de cada dia. Com o exemplo do vosso padroeiro S. Marcos, sede apóstolos do Evangelho; difundi por toda a parte a Boa Nova, mediante um incessante testemunho de caridade fraterna e de solicitude pelo próximo mais necessitado. A abertura à necessidade dos outros é um sinal eloquente daquela caridade evangélica que toca o coração, mesmo o do que não crê. Tirai da fonte inexaurível da caridade divina as energias indispensáveis para trabalhar incessantemente na promoção da dignidade de cada pessoa. O amor de Cristo vos encorage e vos ampare no esforço de construir com todos os homens de boa vontade uma sociedade respeitadora de cada ser humano.

6. O Jubileu dá coragem para uma vasta e profunda renovação espiritual. À conversão pessoal deve unir-se uma autêntica renovação comunitária. Para uma acção apostólica eficiente, de facto, é necessária a relação de cada um em sintonia com o caminho pastoral do Patriarcado. A unidade e, ao mesmo tempo, a variedade constituem a grande riqueza de onde a Igreja tira o que lhe é próprio em cada momento e o seu dinâmico desenvolvimento. Não desanimeis perante as dificuldades e não percais a coragem se, na realização deste comprometedor programa espiritual, encontrardes obstáculos e talvez incompreensões. Prossegui confiantes. O Senhor está convosco: caminha convosco e com o poder do seu Espírito renova-vos constantemente. Preocupai-vos somente em O seguir e, com o seu auxílio, fazei chegar a todos, mesmo aos que estão "longe", o anúncio vivo da palavra da salvação. Continuai este esforço apostólico, servindo-vos de todos os instrumentos que vos forem úteis.

Caminhai com alegria, caríssimos Irmãos e Irmãs. Herdastes uma rica e nobre tradição cristã. Muitos Santos e Beatos tornaram a vossa região terra de santidade. Segui o seu exemplo, avançai nos caminhos da santidade. Sede apóstolos do nosso tempo, confiando sempre na ajuda de Deus.

Maria Santíssima, que recordamos neste primeiro sábado do mês de Novembro, seja modelo da vossa fé e estrela que guie os vossos passos. Com estes sentimentos, asseguro-vos a vós e às vossas comunidades uma particular lembrança na oração.

7. Dirijo, por fim, uma saudação a todos os outros peregrinos que quiseram unir-se a nós neste encontro. A todos e a cada um deles desejo que a passagem da Porta Santa seja motivo de mais generosa adesão a Cristo, único Redentor do homem. De boa vontade vos asseguro, caríssimos Irmãos e Irmãs, a minha oração, enquanto, de todo o coração, vos abençoo a vós, às vossas famílias e a todos os que vos são queridos.




AOS GOVERNANTES, PARLAMENTARES E POLÍTICOS


POR OCASIÃO DO SEU JUBILEU


Sábado, 4 de Novembro de 2000





386 1. Com grande alegria, dou-vos as boas-vindas a esta Audiência especialmente dedicada a vós, ilustres Governantes, Parlamentares e Administradores da vida pública, que viestes a Roma para o Jubileu. Na deferente saudação que a todos dirijo, agradeço ao Senador Nicola Mancino as delicadas palavras com que interpretou os sentimentos de todos. Estendo o meu agradecimento ao Senador Francesco Cossiga, activo promotor da proclamação de São Tomás Moro Patrono dos Governantes e dos Políticos. Saúdo também as restantes Personalidades que discursaram, nomeadamente o Senhor Michail Gorbachev. Uma particular saudação de boas-vindas aos Chefes de Estado aqui presentes.

Este encontro oferece-me uma ocasião propícia para reflectir juntamente convosco, à luz também das moções há pouco apresentadas, sobre a natureza e a responsabilidade que comporta a missão a que Deus, na sua amorosa providência, vos chamou.

Com efeito, a vossa função pode-se considerar, verdadeira e propriamente, uma vocação à acção política, ou seja, no vosso caso concreto, ao governo das nações, à formação das leis e à administração da vida pública, nos seus diversos níveis. Assim, é preciso interrogar-se sobre a natureza, as exigências e os objectivos da política, para vivê-la como cristãos e pessoas conscientes da sua nobreza e, ao mesmo tempo, das dificuldades e riscos que ela comporta.

2. A política é o uso do poder legítimo em ordem à consecução do bem comum da sociedade; tal bem comum, como afirma o Concílio Vaticano II, "compreende o conjunto das condições de vida social que permitem aos indivíduos, famílias e associações alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição" (Gaudium et spes
GS 74). Por isso, a actividade política deve realizar-se em espírito de serviço. O meu predecessor Paulo VI afirmou, justamente, que "a política é uma maneira exigente [...] de viver o compromisso cristão ao serviço dos outros" (Octogesima adveniens, 46).

Assim, o cristão que intervém na política - e quer fazê-lo "como cristão" - deve agir desinteressadamente, não buscando o interesse pessoal nem o do seu grupo ou partido, mas o bem de todos e de cada um, e em primeiro lugar, naturalmente, o bem daqueles que vivem, na sociedade, mais desfavorecidos. Na luta pela vida, que às vezes assume formas desumanas e cruéis, numerosos são os "vencidos" que ficam inexoravelmente postos de lado. Entre eles, não posso deixar de lembrar os detidos nas cadeias: fui estar com eles no passado dia 9 de Julho, por ocasião do seu Jubileu. Naquela circunstância, recordando o costume dos Anos Jubilares anteriores, pedi aos Responsáveis dos Estados "um sinal de clemência em favor de todos os presos" que constituísse "um gesto claro de sensibilidade para com a sua condição". Movido pelas múltiplas súplicas que me chegam de todo o lado, renovo hoje aquele apelo, convencido de que um tal gesto encorajá-los-ia no caminho do arrependimento pessoal e estimulá-los-ia a uma adesão mais convicta aos valores da justiça.

Precisamente a justiça há-de ser a preocupação essencial do político; uma justiça que não se contente com dar a cada um o que lhe pertence, mas vise criar, entre os cidadãos, condições que levem a uma igualdade de oportunidades e, consequentemente, favorecer a quantos, pela sua condição social, cultura, saúde, correm o risco de ficar para trás ou ocupar sempre os últimos lugares na sociedade, sem possibilidades pessoais para se refazerem.

É o escândalo das sociedades opulentas do mundo actual, em que os ricos se tornam sempre mais ricos, porque a riqueza produz riqueza, e os pobres ficam cada vez mais pobres, porque a pobreza tende a criar outra pobreza. Este escândalo não se verifica apenas ao nível de cada nação, mas apresenta dimensões que transbordam amplamente as suas fronteiras. Hoje de modo especial, com o fenómeno da globalização dos mercados, os países ricos e desenvolvidos tendem a melhorar progressivamente a sua condição económica, enquanto os países pobres - à excepção de alguns em vias de promissor desenvolvimento - tendem a afundar-se em formas de pobreza sempre mais penosas.

3. Olho, com angústia, para aquelas regiões do mundo que vivem atormentadas por guerras e guerrilhas sem fim, por uma fome endémica e doenças tremendas. Muitos de vós estão preocupados como eu com esta situação, que constitui, numa perspectiva cristã e humana, o mais grave pecado de injustiça do mundo moderno e deve, por isso, tocar profundamente a consciência dos cristãos de hoje, e em primeiro lugar a daqueles que, detendo em suas mãos as levas políticas, económicas e financeiras do mundo, podem determinar, positiva ou negativamente, os destinos dos povos.

Na realidade, é o espírito de solidariedade que deve crescer no mundo, para vencer o egoísmo das pessoas e das nações. Somente assim será possível pôr um freio à busca do poder político e da riqueza económica fora de qualquer referência a outros valores. Num mundo globalizado, em que o mercado - este, por si, desempenha um papel positivo em ordem à livre criatividade humana no sector da economia (cf. Centesimus annus CA 42) - tende a desvincular-se de qualquer consideração moral para assumir como única norma a lei do maior lucro possível, aqueles cristãos que se sentem chamados por Deus à vida política têm o dever - certamente bastante difícil, mas necessário - de submeter as leis do mercado "selvagem" às leis da justiça e da solidariedade. Este é o único caminho que pode garantir ao nosso mundo um futuro pacífico, destruindo pela raiz as causas de conflitos e guerras: a paz é fruto da justiça.

4. A minha palavra dirige-se agora especialmente àqueles dentre vós que têm a tarefa tão delicada de formular e aprovar as leis: uma tarefa que associa o homem a Deus, Legislador supremo; da sua Lei eterna, toda a lei adquire, em última análise, validade e obrigatoriedade. É a isto precisamente que se quer aludir quando se afirma que a lei positiva não pode contradizer a lei natural, sendo esta apenas a indicação das normas primeiras e essenciais que regulam a vida moral, e consequentemente a indicação do que são os caracteres, as exigências profundas e os valores mais altos da pessoa humana. Como afirmei na Encíclica Evangelium vitae, "na base destes valores, não podem estar "maiorias" de opinião provisórias e mutáveis, mas só o reconhecimento duma lei moral objectiva que, enquanto "lei natural" inscrita no coração do homem, seja ponto normativo de referência para a própria lei civil" (n. 70).

Isto significa que as leis, seja qual for o âmbito em que o legislador intervenha ou seja obrigado a intervir, devem sempre respeitar e promover - na variedade das suas exigências espirituais e materiais, pessoais, familiares e sociais - a pessoa humana. Por isso, uma lei que não respeite o direito à vida - da concepção à morte natural - do ser humano, independentemente da condição em que se encontra - são ou doente; ainda em estado embrional, ancião, ou no estado terminal - não é uma lei conforme ao desígnio divino; consequentemente, um legislador cristão não pode contribuir para a sua formulação nem aprová-la em sede parlamentar; entretanto, no caso de já existir uma tal lei, ele pode licitamente propor, em sede de discussão parlamentar, emendas que atenuem o seu efeito pernicioso. O mesmo se diga a propósito de qualquer lei que prejudique a família, atentando contra a sua unidade e indissolubilidade ou então conferindo validade legal a uniões entre pessoas, até do mesmo sexo, que pretendem sub-rogar, com os mesmos direitos, a família fundada sobre o matrimónio de um homem com uma mulher.

387 Não há dúvida que, na sociedade pluralista actual, o legislador cristão encontra-se frente a concepções de vida, a leis e a petições de legalização que estão em contraste com a sua consciência. Nesse caso, há-de ser a prudência cristã, que é a virtude própria do político cristão, a indicar-lhe como comportar-se a fim de, por um lado, não atraiçoar a voz da sua consciência rectamente formada e, por outro, não faltar ao seu dever de legislador. Para o cristão de hoje, não se trata de sair do mundo onde o chamamento de Deus o colocou, mas antes de dar testemunho da própria fé e ser coerente com os seus princípios nas circunstâncias difíceis e sempre novas que caracterizam o âmbito da política.

5. Ilustres Senhores e distintas Senhoras, os tempos em que Deus nos fez viver apresentam-se, assiduamente, obscuros e difíceis, pondo em jogo o próprio futuro da humanidade no milénio que se abre diante de nós. Em muitos homens do nosso tempo, reina o medo e a incerteza: Para onde estamos a caminhar? Qual será o destino da humanidade no próximo século? Onde nos levarão as extraordinárias descobertas científicas feitas nestes últimos anos, sobretudo no campo biológico e genético? Sente-se, de facto, que estamos apenas no início dum caminho que não se sabe onde poderá desembocar e se produzirá benefício ou dano aos homens do século XXI.

Nós, cristãos deste tempo formidável e maravilhoso, apesar de compartilharmos os medos, incertezas e interrogações dos homens de hoje, não estamos pessimistas quanto ao futuro, porque temos a certeza de que Jesus Cristo é o Senhor da história e temos no Evangelho a luz que ilumina o nosso caminho, mesmo nos momentos difíceis e obscuros.

O encontro com Cristo transformou, um dia, a vossa vida e hoje quisestes renovar o seu resplendor com esta peregrinação às memórias dos apóstolos Pedro e Paulo. Na medida em que vós perseverardes nesta união íntima com Ele, através da oração pessoal e da participação convicta na vida da Igreja, Ele, o Vivente, continuará a derramar sobre vós o Espírito Santo, o Espírito da verdade e do amor, a força e a luz de que todos nós temos necessidade.

Com um acto de fé sincera e convicta, renovai a vossa adesão a Jesus Cristo, Salvador do mundo, e fazei do seu Evangelho o guia do vosso pensamento e da vossa vida. Então sereis, na sociedade contemporânea, aquele fermento de vida nova que a humanidade precisa para construir um futuro mais justo e solidário, um futuro aberto à civilização do amor.




Discursos João Paulo II 2000 379