Discursos João Paulo II 2000 387

JUBILEU DOS GOVERNANTES E PARLAMENTARES E POLÍTICOS


SAUDAÇÃO FINAL DO SANTO PADRE NA AULA PAULO VI


Domingo, 5 de novembro de 2000





Senhoras e Senhores

Juntos vivemos uma tarde artístico-musical, que quis fazer parte do Jubileu dos Governantes, Parlamentares e Políticos. Um agradecimento de coração a quantos o tornaram possível e àqueles que tiveram o cuidado da sua concreta realização.

O programa realizado foi rico e representativo dos cinco Continentes, onde vive e trabalha a grande família humana. Juntos vimos que a paz, a solidariedade e o amor só são possíveis graças à contribuição de todos.

O meu pensamento dirige-se, com agradável apreço, aos artistas, às crianças, aos organizadores do concerto, à apresentadora e aos técnicos que nos orientaram e acompanharam nesta viagem ideal pelos caminhos da paz e do amor.

Agradeço com deferente consideração a presença dos ilustres Hóspedes, laureados com o Prémio Nobel. Eles ofereceram um testemunho pessoal a respeito dos valores éticos e morais na vida e na acção de quem está investido da autoridade pública. A Igreja tem sempre em grande estima a missão confiada aos políticos e aos homens de governo; por isso, não se cansa de recordar a dimensão essencial do serviço, que deve caracterizar a actividade dos representantes do povo e de cada autoridade pública.

388 Em particular, a Igreja lembra essa dimensão aos crentes, a quem a fé apresenta a actividade política como uma vocação. Toda a pessoa de pensamento recto encontra nos ditames da lei natural, ínsita na sua consciência, a orientação para a escolha em que o compromete o dever que lhe é confiado.

A este propósito, torna-se espontâneo pensar na luminosa figura de S. Tomás Moro, extraordinário exemplo de liberdade e de adesão à lei da consciência, face a reivindicações moralmente insustentáveis, por mais autorizadas que sejam. Quis proclamá-lo vosso Patrono, caríssimos Governantes, Parlamentares e Políticos, para que o seu testemunho vos sirva de estímulo e encorajamento.

Possa o vosso trabalho estar cada dia ao serviço da justiça, da paz, da liberdade e do bem comum. Deus não deixará de secundar os vossos esforços, enriquecendo-os de frutos abundantes, para uma difusão da civilização do amor cada vez maior e mais fundamental.

Com estes bons votos e em penhor dos mesmos, invoco sobre todos a bênção do Omnipotente.

Obrigado!



DISCURSO DO SANTO PADRE AO


NOVO EMBAIXADOR DA VENEZUELA JUNTO À SANTA SÉ


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DAS


CARTAS CREDENCIAIS


6 de Novembro de 2000



Senhor Embaixador Ignacio Quintana,

1. É um prazer receber as Cartas Credenciais que o acreditam como Embaixador da República da Venezuela junto da Santa Sé e dar-lhe as boas-vindas, ao mesmo tempo que exprimo os meus melhores votos para a missão que lhe foi confiada. Desejo manifestar também o meu sincero agradecimento pela deferente saudação do Senhor Presidente da República, da qual Vossa Excelência se fez intérprete, pedindo-lhe ao mesmo tempo que lhe faça chegar a minha especial proximidade ao povo venezuelano, para o qual desejo, neste momento da sua vida política e institucional, um desenvolvimento continuado dos valores espirituais e um sensível crescimento de bem-estar social. Aproveito esta oportunidade para reiterar a mensagem de conforto que quis deixar ao povo venezuelano no final da minha segunda visita a esse País, convidando-o a fazer "dos valores cristãos e éticos, que configuraram o vosso ser como Nação, um factor de coesão social, de progresso e de paz" (Discurso de despedida, 11/02/1996, 2, ed. port. de L'Osservatore Romano de 24/2/1996, pág. 5).

A Venezuela é um País maravilhoso com as suas belezas naturais e rico de cultura, a que Cristóvão Colombo chamou "terra de graça", e que conheceu no decurso do século que está a terminar um particular crescimento demográfico e socioeconómico.

Apercebi-me disto pessoalmente durante as minhas duas viagens pastorais, sentindo o calor do acolhimento e as esperanças que vibram no coração do seu povo, aberto e generoso. Por isso alegro-me com os seus benefícios, partilho as suas preocupações e uno-me ao seu sofrimento nos momentos de desgraça, como aqueles em que, há quase um ano, calamidades naturais semearam morte e desolação no País e que ainda recentemente se fizeram sentir. Nestas e noutras ocasiões, invoco convosco o auxílio do Senhor para os queridos filhos venezuelanos e exorto à solidariedade humana, nacional e internacional, em favor dos mais prejudicados.

2. No exercício da missão que o seu Governo lhe confiou, Vossa Excelência terá a responsabilidade de manter constantemente e de fomentar as relações diplomáticas do seu País com a Santa Sé. Esta, em virtude da solicitude do Papa por todas as Igrejas, segue com interesse as vicissitudes de todos os lugares. Por este motivo Vossa Excelência pode ter a certeza de que encontrará aqui o apoio e o acolhimento necessários, convicto de que a Igreja, e a Santa Sé em particular, não tem outros interesses na Venezuela a não ser o bem dos próprios venezuelanos, aos quais anuncia o Evangelho realizando a missão que Cristo lhe confiou.

389 De facto, a acção da Igreja e dos poderes públicos confluem para os mesmos destinatários, visto que as duas partes têm como objectivo o bem material e espiritual da pessoa humana num determinado momento da história. Por conseguinte, com o máximo respeito das respectivas responsabilidades, as relações que devem existir entre elas são sobretudo de diálogo e colaboração. À Igreja competem tarefas nos âmbitos concernentes aos valores que, por sua vez, são a alma de uma nação. Neste aspecto, sobressai o risco de duas ameaças que recaiem sobre a comunidade humana: a que pretende "poder realizar na história o bem absoluto" (Centesimus annus, CA 45), e a que delineia uma acção política que não siga a orientação da verdade; de facto, "uma democracia sem valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado, como a história demonstra" (Ibid., n. 46).

Sem dúvida, a Igreja não tem o dever nem pretende competir com os projectos políticos para resolver os problemas da sociedade a partir da perspectiva técnica e administrativa, que é própria da autoridade civil. Neste sentido, como já dizia Santo Agostinho, a Igreja sente-se peregrina e "guiada pela fé, não pela visão" (De civ. Dei, 19, 14). Sem dúvida, com o seu sentido da pessoa, o seu interesse pela solidariedade e a sua atenção aos mais débeis, pode contribuir para instaurar uma vida social melhor. Além disso, os cidadãos, ao constatar concretamente que as suas razões de viver e as suas convicções espirituais são apreciadas e respeitadas pelos poderes públicos, estarão mais dispostos a participar com confiança e serenidade no projecto de sociedade comum, que, sem dúvida, beneficiará a todos.

3. Como no passado, também nas actuais circunstâncias será proveitoso para o povo venezuelano o firme empenho da Igreja e dos seus Pastores em favor dos direitos fundamentais das pessoas, na sua decidida defesa da vida desde o momento da concepção até ao seu fim natural, na sua intensa e constante actividade educativa, na sua promoção da família como instituição natural e célula básica da sociedade e no seu empenho por libertar tantos cidadãos das cadeias da miséria, da fome, da corrupção de costumes e de muitas outras formas de marginalização social. Faz isto inspirada no Evangelho que ilumina as realidades temporais à luz da excelsa vocação à qual o homem foi chamado por Deus, e firmemente convencida de que esta é a melhor forma de servir os homens e os povos.

Em virtude da missão que lhe é própria, a Igreja reclama o espaço necessário para as suas actividades, colaborando concretamente com as autoridades civis, a fim de dispor estavelmente do espaço social e dos meios necessários que lhe permitam realizá-las. As mesmas pessoas às quais serve, procurando fazer delas bons cristãos e cidadãos honestos, empenhados no bom andamento do seu país, são as mesmas que, nos seus próprios âmbitos, se ocupam dos poderes públicos.

Por conseguinte, não deve haver hesitações nem sequer rivalidades em assuntos nos quais se decide o bem comum e o futuro digno de um povo, como a defesa sem paliativos da dignidade humana sua integridade total, de uma educação aberta à dimensão transcendente da pessoa, que não pode prescindir do aspecto religioso, ou dos direitos fundamentais, civis e sociais, de todos os seres humanos. Os graves desafios que se apresentam no terceiro milénio exigem que se unam os esforços, na convicção unânime de que "a defesa da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos é essencial para a construção duma sociedade pacífica e para o progresso integral de indivíduos, povos e nações" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1999, n. 3).

4. Nas minhas duas visitas à Venezuela, tive a alegria de me encontrar com um povo desejoso de edificar um futuro sobre a sua tradicional identidade, de profundas raízes cristãs que proporcionaram numerosas manifestações de piedade popular e de devoção à Virgem Maria. Precisamente durante a primeira visita coroei a imagem de Nossa Senhora de Coromoto e, durante a segunda, inaugurei o Santuário a ela dedicado. Hoje invoco-a de novo para que proteja os queridos venezuelanos e os guie com a sua ternura de mãe até ao seu divino Filho, o único Salvador do género humano. Neste Ano de graça no qual se comemora o 2000º aniversário da sua vinda com a celebração do Grande Jubileu, rogo ao Senhor que cumule das suas bênçãos todo o povo venezuelano, para que comece o novo milénio com renovada esperança e desejoso de construir um mundo melhor.

Senhor Embaixador, desejo-lhe bom êxito na missão que agora inicia e que, juntamente com a sua distinta família, tenha uma feliz permanência em Roma.




À PEREGRINAÇÃO JUBILAR DA HOLANDA


Terça-feira, 7 de Novembro de 2000




Senhores Cardeais,
Venerados Irmãos no Episcopado,
Caríssimos peregrinos
dos Países Baixos

390 1. O intenso programa que as vossas comunidades estão a viver durante este Ano Santo previu também uma visita a Roma, para atravessar em conjunto o solar da Porta Santa do Jubileu. Com amizade vos digo: sede bem-vindos! Saúdo o Senhor Cardeal Adriano Simonis, Presidente da Conferência Episcopal Holandesa e agradeço-lhe as amáveis expressões que, em nome de todos, me dirigiu. Saúdo também o Senhor Cardeal Johannes Willebrands, os Bispos, sacerdotes e responsáveis que acompanharam esta peregrinação nacional.

Ao dirigir-me a eles e a cada um dos presentes, desejo fazer chegar o meu cordial pensamento aos vossos concidadãos, a quantos estão unidos connosco através da rádio e da televisão, aos que não puderam participar no encontro de hoje, aos que sofrem no corpo ou no espírito, aos jovens e famílias, berço e santuário da vida.

O período jubilar é particularmente rico de estímulos para rever o próprio caminho da fé com espírito penitente, para descobrir a misericórdia do Pai celeste e para retomar com renovado vigor o compromisso apostólico e missionário. "A fé continua!" é o lema que guia o Grande Jubileu na vossa terra, chamamdo cada um ao empenho pessoal de testemunho.

2. Dar testemunho de Cristo é dever que envolve a Igreja e cada um dos fiéis em todos os níveis. Ao longo da sua gloriosa história, a Igreja na Holanda soube fazer surgir do seu interior numerosos grupos de missionários e apóstolos que, em todos os quadrantes da terra, anunciaram o Evangelho e serviram a humanidade. Como não lembrar, entre tantos, a esplêndida figura da Irmã Maria Adolfina Diercky e das suas Irmãs, martirizadas na China, que tive a alegria de canonizar no passado dia 1 de Outubro?

Ainda hoje, são numerosos os vossos compatriotas que trabalham no vasto campo da missão e da promoção humana. Eles são para vós um sinal de bênção, pois demonstram a vitalidade e a generosidade do vosso caminho de fé. Mas são também um aviso e um encorajamento, a fim de que as vossas comunidades não diminuam o seu fervor missionário. Não devem perder a coragem de dar testemunho de Cristo e de anunciar a sua palavra de salvação, certos de que Ele está com a sua Igreja todos os dias, até ao fim do mundo (cf
Mt 28,20). Quando parecer insinuar-se em vós um sentimento de insuficiência perante a vastidão do compromisso apostólico, sabei, também, recordar a palavra do Apóstolo: "Tudo posso naquele que dá força" (Ph 4,13).

Deus não cessa de chamar almas generosas e fortes, para as enviar a trabalhar na grande messe do seu Reino. A este propósito, na recente Jornada Mundial da Juventude, dizia aos grupos de rapazes e moças presentes: "Se algum de vós descobre em si a chamada do Senhor para se dar totalmente a Ele, para O amar "com um coração indiviso" (cf 1Co 7,34), não se deixe condicionar pela dúvida ou pelo medo. Diga com coragem o seu "sim" sem reservas, confiando-se Àquele que é fiel em cada uma das suas promessas" (L'Oss. Rom., 21-22 de Agosto de 2000, pág. 7).

3. Neste inesquecível acontecimento também estavam presentes muitos jovens holandeses que, acolhendo o convite dos seus Pastores, quiseram fazer a experiência da universalidade da Igreja. A eles, "sentinelas da manhã no dealbar do terceiro milénio", desejo repetir: "se fordes aquilo que deveis ser, metereis fogo em todo o mundo"! (ibid).

Estou grato às organizações católicas holandesas que, naquela ocasião, ajudaram a presença dos jovens dos Países Baixos em Roma. Outro tanto tinham feito por ocasião do Jubileu dos Docentes Universitários, que então me entregaram o volume, que era fruto das suas reflexões: "In quest of humanity in a globalising world" (Em busca de humanidade num mundo globalizante - n.r.), Estou-lhes muitíssimo agradecido.

É importante aprofundar a comunhão entre a Igreja que está na Holanda e o Sucessor de Pedro e, através dele, com a Igreja universal. De facto, é no fundamento da unidade que as diversidades contribuem para avivar e enriquecer todo o corpo de Cristo. O diálogo na caridade e na verdade deve caracterizar sempre a atitude com a qual cada pessoa e a comunidade se relacionam entre si e com a Igreja.

4. Caríssimos, hoje vós passastes a Porta Santa para vos confirmardes na fé em Cristo e vos confiardes à força vivificante do seu amor. É um gesto que, a partir de S. Villebrando, muitíssimos dos vossos conterrâneos cumpriram ao longo dos séculos, com alegria e devoção. Testemunha-o, além de outros, a vizinha igreja dos Frisões. Sede orgulhosos e dignos da santidade que Deus espalhou abundantemente na vossa comunidade!

A Igreja que guarda os túmulos de São Pedro e São Paulo e de inumeráveis testemunhas do Cordeiro abraça-vos hoje e indica-vos Cristo, Porta Santa a atravessar com confiança. Mostra-vos Maria, "Stella Maris" e "Doce Mãe" do vosso nobre povo. Queira Deus, pela sua intercessão, levar a bom termo o trabalho que, nestes dias, se está a realizar entre vós!
391 Com tais sentimentos vos abençoo de todo o coração.

Sei que agora ireis em peregrinação a São João de Latrão, detendo-vos também nos lugares sagrados da Cidade para meditar, sob a orientação dos vossos Bispos, sobre alguns aspectos fundamentais da vida cristã. Acompanho-vos com a minha oração e abençoo-vos.



MENSAGEM DO SANTO PADRE


AOS BISPOS DA TERRA SANTA







A Sua Beatitude Michel SABBAH
Patriarca latino de Jerusalém
Presidente da Assembleia dos Ordinários católicos da Terra Santa

As dificuldades que as populações da Terra Santa têm conhecido nestes dias são para mim uma ocasião de grande sofrimento e quereria exprimir a cada um, sem excepção, toda a minha viva solidariedade.

A passagem brutal da negociação à confrontação representa, sem dúvida alguma, um fracasso na questão da paz, mas ninguém se deve resignar ao fatalismo: os povos israelense e palestino são chamados pela geografia e pela história a viver em conjunto.

Não poderão fazê-lo de forma específica e duradoura se não forem assegurados os direitos fundamentais de todos: o povo israelense e o povo palestino têm o direito de viver na sua terra, com dignidade e segurança.

Só o retorno à mesa das negociações no mesmo pé de igualdade, no respeito pelo direito internacional, poderá abrir um futuro de fraternidade e de paz a quem vive nesta terra abençoada.
Lembrando a minha peregrinação à sua terra, há alguns meses, penso com emoção em todos estes lugares que falam da história de Deus com o homem e que são um apelo à colaboração para que, nunca mais, a violência, o ódio ou a desconfiança desfigurem esta parte do mundo.

Encorajo-vos, Bispos católicos da Terra Santa, assim como todos os responsáveis das comunidades cristãs, a renovar os esforços para que o respeito mútuo, na humildade e na confiança, inspire as relações entre todos.

392 Faço também um apelo a todos os que têm a missão de orientar os fiéis do Judaísmo e do Islão, a fim de que busquem na sua fé todas as energias necessárias para que a paz interna e externa a que os povos aspiram se torne realidade.

Convido a comunidade internacional a prosseguir os seus esforços, a fim de ajudar uns e outros a encontrar soluções que lhes garantam a segurança desejada e uma justa tranquilidade, prerrogativas de qualquer nação e condições de vida e de progresso para toda a sociedade.

Enquanto invoco sobre todos os homens de boa vontade a Bênção de Deus todo-poderoso, que anuncia a paz ao seu povo e aos seus fiéis, a quem põe n'Ele a sua esperança, (cf. Sl
Ps 85,9), dirijo igualmente a Vossa Beatitude e aos seus Irmãos no Episcopado, assim como a todos os fiéis confiados aos seus cuidados, uma afectuosa Bênção Apostólica.

Vaticano, 6 de Novembro de 2000.



DISCURSO DO SANTO PADRE NA VISITA À


UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SAGRADO CORAÇÃO


PELO INÍCIO DO ANO ACADÊMICO


Quinta-feira, 9 de Novembro de 2000


Magnífico Reitor
Ilustres Directores
Distintos Professores
Senhores Médicos e Auxiliares
Caríssimos Estudantes

1. É para mim uma grande alegria poder encontrar-vos de novo, como que a retribuir-vos a visita que me fizestes, no dia 13 de Abril passado, na Basílica de São Pedro, quando a Universidade Católica quis celebrar o seu Jubileu de forma solene.

393 Nesta ocasião solene, encontro a inteira realidade da Universidade Católica. Por isso, saúdo de coração não somente vós aqui presentes, mas também aqueles que das outras sedes do Ateneu em Milão, Bréscia e Placência estão unidos connosco. Dirijo uma saudação especial ao Cardeal Camillo Ruini, meu Vigário-Geral para a Diocese de Roma e Presidente da Conferência Episcopal Italiana, assim como às outras ilustres personalidades e autoridades civis e religiosas que nos brindam com a sua presença. Agradeço de coração ao Deputado Emílio Colombo, Presidente do Instituto "Toniolo", e ao Professor Sérgio Saninelli, Magnífico Reitor da Universidade, as nobres palavras que me dirigiram.

2. Alegro-me convosco por duas comemorações octogenárias: a da Universidade Católica do Sagrado Coração e a do Instituto "Giuseppe Toniolo" de Estudos Superiores, ao qual o Padre Gemelli, o ardente franciscano que está nas vossas origens, confiou a fundação da própria Universidade Católica e a tarefa de se tornar no tempo o defensor e garante da mesma. Tendo presente a vitalidade que a Universidade demonstrou nestes oitenta anos, essa tarefa foi cumprida de maneira eficaz. A própria intitulação do Instituto ao Venerável Toniolo, que preparou os tempos e o terreno da Universidade com uma vida inteiramente despendida em favor da causa da "cultura cristã", foi como que uma indicação programática posta no código genético deste Ateneu.

Consagrado com santa audácia ao Sagrado Coração, ele vive a partir de então para demonstrar a íntima harmonia entre fé e razão e ao mesmo tempo formar profissionais e cientistas que saibam actuar uma síntese entre Evangelho e cultura, esforçando-se por fazer do compromisso cultural uma via da santidade.

3. Cultura e santidade! Não devemos ter medo, ao pronunciarmos este binómio, de efectuar uma aproximação indevida. Estas duas dimensões, ao contrário, se forem bem compreendidas, estão na raiz, aliam-se com naturalidade no caminho, encontram-se unidas na meta final.

Estão na raiz! Porventura não é Deus, o três vezes Santo (cf. Is
Is 6,3), a fonte de toda a luz para a nossa inteligência? Por detrás de cada uma das nossas conquistas culturais, se formos ao fundo das coisas, há no seu início o mistério. Com efeito, toda a realidade criada remete para além de si mesma Àquele que é a sua fonte última e o fundamento. O homem, depois, precisamente enquanto indaga e aprende, reconhece o seu estatuto de criatura, experimenta um assombro sempre novo diante dos inexauríveis dons do Criador, projecta-se com a inteligência e a vontade para o infinito e o absoluto. Uma cultura autêntica não pode deixar de ter o sinal da salutar inquietude estupendamente esculpida por Santo Agostinho no exórdio das suas Confissões: "Criastes-nos para Vós, e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansar em Vós" (I, 1).

4. Portanto, longe de se excluírem ou de estarem em tensão entre si, os compromissos cultural e espiritual sustentam-se reciprocamente. A inteligência tem certamente as suas leis e os seus percursos, mas tem tudo a ganhar da santidade do investigador. Com efeito, a santidade põe o estudioso numa condição de maior liberdade interior, enriquece de sentido o seu esforço, sustenta-lhe a fadiga com a contribuição das virtudes morais que plasmam homens autênticos e amadurecidos. O homem não se pode dividir! Se o antigo lema "mens sana in corpore sano" é válido, com maior razão pode dizer-se "mens sana in vita sancta". O amor de Deus, com a coerente adesão aos seus mandamentos, não mortifica, mas exalta o vigor da inteligência, favorecendo o caminho rumo à verdade. Por isso, cultura e santidade são o binómio "vitorioso" para a construção do humanismo completo de que Cristo, revelador de Deus e revelador do homem ao homem (cf. Gaudium et spes GS 22), é o modelo supremo. As salas de aula da Universidade Católica devem ser como que um laboratório qualificado deste humanismo.

5. A respeito disso, é providencial o facto de que este meu encontro convosco coincide com o X aniversário da Constituição Apostólica Ex corde Ecclesiae, por mim assinada no dia 15 de Agosto de 1990. Nela, como bem sabeis, delineei as características imprescindíveis da Universidade Católica, definindo-a "lugar primeiro e privilegiado para um frutuoso diálogo entre Evangelho e cultura" (Ibid., 43). Permiti-me entregar-vos de novo este documento, confiando-o a uma releitura atenta e operosa, para que a vossa Universidade, honrando plenamente a intuição do seu Fundador, encarne sempre melhor este ideal. Ele não vos separa do complexo das outras Universidades, e menos ainda do diálogo construtivo com a sociedade civil, mas pede-vos que estejais presentes com uma contribuição específica, mantendo-vos ancorados nas exigências cristãs e eclesiais inscritas na vossa identidade. Sede profundamente discípulos da verdade, mesmo que isto acarrete incompreensão e solidão. A palavra de Jesus é peremptória: "A verdade libertar-vos-á" (Jn 8,32).

6. Precisamente nesta óptica, julgo que é de grande significado quanto hoje quisestes actuar com duas iniciativas que suscitam em mim viva satisfação. Penso, antes de tudo, no novo "Instituto Científico Internacional "Paulo VI" de pesquisa sobre a fertilidade e infertilidade humana", que a vossa Universidade decidiu constituir precisamente nesta Policlínica, como o Magnífico Reitor há pouco anunciou. O Instituto tem em vista fazer convergir qualificados pesquisadores que actuam no sector desta delicada problemática, para que ela possa encontrar soluções sempre mais eficazes, na linha da ética sexual e procriativa constantemente reafirmada pelo Magistério.

Neste mesmo espírito, aprecio vivamente o testemunho que hoje a Universidade Católica quis dar com o documento, assinado por alguns dos vossos ilustres professores, sobre o tema "Desenvolvimento científico e respeito pelo homem", com específica referência ao problema da utilização de embriões humanos na pesquisa sobre as células estaminais. Sobre temas como estes, está em jogo não algum aspecto peregrino da cultura, mas um complexo de valores, investigações e comportamentos do qual muito depende o futuro da humanidade e da civilização.

7. Continuai, caríssimos professores e alunos, neste apaixonado caminho de uma pesquisa sempre rigorosa sob o aspecto científico, mas ao mesmo tempo atenta às dimensões da ética, às exigências da fé, à promoção do homem.

Em particular, formulo-vos bons votos por que este empenho se traduza também num clima de vida académica, que saiba sempre conjugar o empenho da inteligência com o de uma autêntica experiência cristã. A Universidade é destinada não só a fazer crescer o conhecimento, mas também a formar as pessoas. Esta tarefa educativa jamais pode ser desvalorizada. De resto, a própria transmissão da verdade tem tudo a ganhar de um clima de relações humanas, que tem como base valores de sinceridade, amizade, gratuidade, respeito recíproco. Estou convicto de que, se os professores aspiram ser verdadeiros "formadores", devem sê-lo não só como mestres de doutrina, mas também como "mestres de vida". Para tudo isto tendes como suporte uma tradição riquíssima de testemunhas a imitar. Impressionou-me neste sentido um propósito do Venerável Toniolo, escrito no seu Diário espiritual: "Ter a máxima solicitude para com os meus discípulos, tratando-os como depósito sagrado, como amigos do meu coração, a serem orientados pelos caminhos do Senhor" (G. Toniolo, Voglio farmi santo, Roma 1995, pág. 60).

394 É em semelhantes testemunhas que vos deveis inspirar. Alegro-me, por isso, com o pensamento de que, dentro de poucos dias, nesta vossa Policlínica, a mim particularmente querida também por aquilo que representou em momentos difíceis da minha vida, a nova capela será dedicada ao santo médico José Moscati. A sua figura seja para vós uma advertência contínua, um concreto ideal de vida: das salas de aula da Universidade Católica deveriam sair muitos médicos como ele!

8. Agora dirijo-me com especial afecto a vós, caríssimos estudantes. O início do ano académico oferece-vos a ocasião para reflectirdes sobre o sentido do vosso estudo, a fim de consolidardes a sua perspectiva cristã em benefício do vosso futuro serviço à sociedade. Vós sereis os dirigentes de amanhã, os agentes culturais, sociais e da saúde das próximas décadas. Aplicai-vos com amor à fadiga do estudo e da investigação, sem vos limitar a sonhar o embora legítimo sucesso profissional, mas olhando para a beleza do serviço que podereis prestar para a edificação de uma sociedade mais justa e solidária. Em particular vós, futuros médicos, dotai-vos não só da mais rigorosa competência científica, mas também de um estilo humano que saiba ir ao encontro das profundas expectativas do doente e da sua família; um estilo que faça o sofredor compreender a dimensão misteriosa e redentora da dor. Aprendei desde agora a tratar os doentes como ao próprio Cristo! Também eu experimentei um tratamento análogo aqui na "Gemelli". E não posso deixar de recordar o saudoso Professor Crucitti e muitos outros Professores, assim como a extinta Irmã Ausília. "Requiescant in pace".

9. Caríssima família da Universidade Católica do Sagrado Coração! Transcorreram oitenta anos desde que o sonho do Padre Gemelli começou a tornar-se realidade. Esta realidade consolidou-se gradualmente, de maneira a apresentar-se hoje imponente não só nas suas dimensões, mas também na variedade e qualidade dos seus serviços. A Itália católica pode sentir-se orgulhosa de vós. Mas sei que o inteiro País olha para vós com respeito e apreço. Grande é a vossa tradição, grande é também a tarefa que vos compete! Hoje estais a enfrentar os desafios de uma fase histórica de transformações, na qual se impõem adaptações e inovações também das estruturas universitárias. Sabei realizá-las com coragem e inteligência, sem jamais trair o espírito que desde sempre vos anima.

Neste caminho, confio-vos mais uma vez à Virgem Santíssima Sedes Sapientiae, implorando-lhe a maternal protecção sobre vós, os vossos entes queridos e o vosso trabalho. Com estes sentimentos, concedo a todos de coração a Bênção Apostólica.




A SUA SANTIDADE KAREKIN II


CATHOLICOS DE TODOS OS ARMÉNIOS


Quinta-feira, 9 de Novembro de 2000


Santidade
Dilecto e Venerável Irmão

"Quem ama o seu irmão, permanece na luz, e nele não há ocasião de queda" (1Jn 2,10).
Este encontro fraterno congrega-nos na luz que é Cristo. Que o amor de Deus em Jesus Cristo brilhe sobre nós e o Senhor nos impeça de tropeçar enquanto caminhamos ao longo da senda da amizade.

Para mim constitui um grande manancial de alegria e de consolação dar hoje as boas-vindas a Vossa Santidade, juntamente com o seu distinto Séquito que o acompanha. Saúdo os ilustres prelados, sacerdotes e leigos, representantes da Igreja arménia católica no seu conjunto.

Outrossim, dou as boas-vindas a Sua Excelência o Senhor Ministro dos Assuntos Religiosos da República da Arménia. Todos vós sois muito bem-vindos aqui e formulo votos por que vos sintais em casa.

395 Santidade, é com profundo sentido de emoção que evoco a permanência do seu Predecessor aqui no Vaticano, o venerabilíssimo Karekin I, que foi hóspede aqui de 23 a 26 de Março de 1999. Embora já estivesse gravemente enfermo, ele quis estar presente na inauguração da Exposição Roma-Arménia e fazer-me uma visita pessoal. Os meus vínculos com ele eram profundos, e desejei profundamente visitá-lo na Arménia, em sinal da nossa amizade. Todavia, as circunstâncias não tornaram isto possível. Peço ao Senhor que cumule o Seu servo fiel com a Sua luz e alegria na comunhão dos santos no Céu.

A visita de Vossa Santidade à Igreja de Roma e ao Bispo desta Sé tem lugar durante o Jubileu do Ano 2000. No dia 18 de Janeiro do corrente ano, na abertura da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, tive a alegria de atravessar o limiar da Porta Santa da Basílica de São Paulo fora dos Muros, lado a lado com os representantes de muitas outras Igrejas e Comunidades eclesiais. Dou graças a Vossa Santidade por se ter unido a esse evento, enviando à Santa Sé um representante de Etchmiadzin. Nessa solene ocasião expressei a esperança, que hoje renovo, "de que o ano de graça de 2000 seja ocasião para todos os discípulos de Cristo darem um novo impulso ao seu compromisso ecuménico, considerando-o como um imperativo da consciência cristã. Disto dependem em grande parte o futuro da evangelização, a proclamação do Evangelho aos homens e mulheres do nosso tempo" (Homilia de 18 de Janeiro de 2000, em: ed. port. de L'Osservatore Romano de 22.1.2000, pág. 3, n. 5).

Em breve haverá outro Jubileu: a celebração do 17° Centenário do Baptismo da Arménia. Querido Irmão, a sua presença hoje aqui oferece-me a possibilidade de formular à Igreja arménia os votos de um Ano jubilar repleto de bênçãos espirituais e benefícios pastorais. Estaremos unidos a todos vós enquanto, ao longo do período do Jubileu, elevardes ao Senhor as vossas preces de intercessão e de acção de graças. O aniversário do Baptismo da Arménia certamente há-de inspirar as celebrações e manifestações que recordam a história do povo e da Igreja da Arménia.

Trata-se de uma história em que se amalgamaram a grandeza e a perseguição, as alegrias e as amarguras. Quantas vezes os filhos e filhas da Arménia clamaram ao Senhor com as palavras dilacerantes de São Gregório de Narek: "Imploro-vos agora, ó Senhor, a Vós que remistes as almas prostradas pela aflição diante de uma enfermidade grave e angustiosa. Não acrescenteis ulteriores sofrimentos às minhas lamentações; estou ferido, não me transpasseis; já estou a ser castigado, não me condeneis; sou maltratado, não me tormenteis! Não me envieis para o exílio, porque já sofro a perseguição!" (The Book of Prayer, XVII). A Igreja arménia pagou um preço muito elevado pela sua fidelidade ao Evangelho de Jesus Cristo! Na Comemoração Ecuménica das Testemunhas da Fé do Século XX, realizada no dia 7 de Maio deste ano, lembrámos de maneira especial os imensos sofrimentos do povo arménio. Uma vez mais, estou grato a Vossa Santidade por ter desejado participar nessa Liturgia na pessoa do seu representante. Com efeito, "o ecumenismo dos santos e dos mártires é talvez o mais persuasivo. A communio sanctorum fala com voz mais alta que os factores de divisão" (Carta Apostólica Tertio millennio adveniente,
TMA 37).

Graças a Deus, a Arménia encontrou uma renovada liberdade e reconquistou a independência. Não obstante, os arménios ainda estão a enfrentar desafios enormes. A níveis social e económico, as regiões duramente atingidas pelo terremoto de 1988 ainda devem restabelecer-se, e a indústria e o comércio do País hão-de ser revivificados. Quanto aos níveis cultural e religioso, ainda há muito a fazer para preencher o vazio espiritual deixado atrás por uma ideologia ateísta e colectivista. As expectativas são muito altas, mas as dificuldades são também numerosas. Faço votos por que, com a sua rica diversidade, o povo arménio encontre maneiras de enfrentar estes desafios com um sentido de compromisso compartilhado por todos. Chegou a hora da liberdade, e este é o tempo da solidariedade. A Igreja católica quer permanecer ao lado da Igreja apostólica arménia, a fim de assistir no seu ministério espiritual e pastoral em benefício do povo da Arménia, no absoluto respeito pelo seu estilo de vida e pela sua identidade característica. É para isto que o Senhor nos está a chamar, e não podemos desconsiderar as ocasiões que o Espírito nos oferece para trabalharmos juntos e darmos um testemunho comum.

Estimados e veneráveis Irmãos em Cristo, rezemos ao Senhor a fim de que a vossa peregrinação aos Túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, bem como esta primeira visita de Vossa Santidade à Sé do Sucessor de Pedro fotaleçam os vínculos existentes entre a Igreja católica e a Igreja apostólica arménia. Oremos juntos para que a comunhão que estamos a experimentar hoje abra novos caminhos rumo à paz e à reconciliação entre nós.

Oxalá a santíssima Mãe de Deus proteja a Igreja da Arménia onde quer que os cristãos arménios dêem testemunho da verdade segundo a qual Jesus Cristo é o Senhor ontem, hoje e para toda a eternidade.




Discursos João Paulo II 2000 387