Discursos João Paulo II 2001 - Sábado, 31 de Março de 2001

AOS MEMBROS DO


INSTITUTO DA ENCICLOPÉDIA ITALIANA


31 de Março de 2001






Senhor Cardeal,
Senhor Presidente,
Ilustres Estudiosos

1. Recebo hoje, de boa vontade, da Direcção da prestimosa Enciclopédia Italiana uma obra valiosa, numa belíssima encadernação, realizada na ocasião do Grande Jubileu do Ano 2000. Os três volumes da Enciclopédia dos Papas apresentam-se como um dos frutos culturais mais importantes do Ano jubilar. Agradeço-vos do coração por esta oferta verdadeiramente preciosa.

Trata-se de uma obra excepcional, realizada por 137 colaboradores de cerca de doze Países diferentes, sob a orientação de Mestres eminentes. Com cuidada disciplina científica e rica iconografia original, a Enciclopédia testemunha a surpreendente continuidade do Papado através das vicissitudes da história. Oferece, ao mesmo tempo, uma ampla visão sobre dois milénios de cristianismo há pouco concluídos. Enriquece-a com o seu douto prefácio o Cardeal Paul Poupard, Presidente do Pontifício Conselho da Cultura. Dirijo-lhe a minha cordial saudação, agradecendo-lhe as palavras amigas com que interpretou os sentimentos de todos. Saúdo, depois, o Presidente da Trecani e todos os presentes, interessados, de diversas maneiras, na obra.

Esta monumental realização, já considerada pelos estudiosos como ponto obrigatório de referência, destina-se a fornecer um contributo substancial não somente à história da Igreja, mas à própria cultura, no começo do terceiro milénio.

2. O Papado assinalou a história da humanidade, a partir da vida de um desconhecido pescador da Galileia, Simão filho de Jonas, a quem Cristo deu o nome de Pedro. Sou o seu humilde Sucessor, numa continuidade bimilenar não isenta de provas duríssimas, até ao martírio. Mártir foi, antes de tudo, Pedro, que derramando o seu sangue na capital do Império, fez de Roma o centro da cristandade. Esta Enciclopédia dos Papas introduz o leitor num mundo que tem, segundo a vontade do Senhor, nos Sucessores do Apóstolo o seu ponto de referência constante, em condições históricas diversas e, às vezes, dramáticas. Através da sucessão de tantos Pontífices diversos na proveniência, cultura e estilos de vida, o Papado, mesmo renovando-se continuamente, manteve a sua identidade essencial no desenvolvimento histórico da sua função.

A Enciclopédia dos Papas põe mesmo em relevo a relação histórica vital que liga o Papado de modo especial à Itália, na realização de um ministério verdadeiramente universal como é o católico. Tal vínculo é bem testemunhado pelo riquíssimo património artístico e cultural que Roma e a Itália guardam, como testemunho eloquente da inculturação do Evangelho.

3. O Senhor vos pague por ter querido oferecer aos leitores atentos o fruto de um precioso trabalho de pesquisa histórica e rigor metodológico, séria análise cíentífica, cuidadosa apresentação bibliográfica. Alegro-me vivamente pelo longo e diligente trabalho da Redação, conduzido sobre bases seguras de conhecimento e sem quaisquer intenções apologéticas. Agradeço sentidamente aos Órgãos do Instituto da Enciclopédia Italiana por esta iniciativa editorial de alto valor cultural que os honra, e, ao mesmo tempo que lhes garanto a minha lembrança na oração, concedo a todos a minha afectuosa Bênção.




À PENITENCIARIA APOSTÓLICA,


AOS CONFESSORES DAS BASÍLICAS PATRIARCAIS,


AOS SACERDOTES E CANDIDATOS AO SACERDÓCIO


Sábado, 31 de Março de 2001





Senhor Cardeal
Estimados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Queridos Seminaristas!

1. Este tradicional encontro anual é sempre para mim motivo de particular alegria. A audiência concedida à Penitenciaria Apostólica, aos Padres Confessores das Basílicas Patriarcais da Cidade e aos jovens sacerdotes e candidatos ao sacerdócio, que participam no Curso sobre o Fórum interno promovido pela Penitenciaria, de facto oferece-me a ocasião para me deter sobre ambos os aspectos do Sacramento da reconciliação, tão importante para a vida da Igreja.

Saúdo em primeiro lugar o Cardeal Penitenciário, agradecendo-lhe as gentis palavras que, em nome de todos, há pouco me dirigiu. Saúdo depois os Membros da Penitenciaria, o órgão da Sé Apostólica que tem a tarefa de oferecer os meios da reconciliação nos casos mais graves e dramáticos do pecado, juntamente com o conselho autoritário para os problemas de consciência, e para a indulgência, coroamento da graça mantida ou reencontrada pela misericórdia do Senhor.

Além disso, saúdo os Padres Confessores que vivem o seu sacerdócio com generosa dedicação ao ministério da reconciliação sacramental, e os jovens aqui presentes que, compreendendo bem a excelência e indispensabilidade deste ministério, quiseram aprofundar a sua preparação mediante a participação no curso que agora termina. O meu pensamento estende-se, por fim, com grato apreço a todos os sacerdotes do mundo que, especialmente no recente Jubileu, se dedicaram com paciente e conscienciosa fadiga ao precioso serviço do confessionário.

2. Mediante o Baptismo, o ser humano é assemelhado a Cristo com uma configuração ontológica indelével. Mas, a sua vontade permanece exposta ao fascínio do pecado, que é rebelião à vontade santíssima de Deus. Isto tem como consequência a perda da vida divina da graça e, nos casos limite, até a ruptura do vínculo jurídico e visível com a Igreja: esta é a trágica causalidade do pecado.

Mas Deus, "Dives in misericordia" (cf. Ef Ep 2,4), não abandona o pecador ao seu destino. Mediante o poder concedido aos Apóstolos e aos seus sucessores, torna actuante nele, se se arrepende, a redenção adquirida por Cristo no mistério pascal. Eis a admirável eficácia do Sacramento da reconciliação, que saneia a condição produzida pelo pecado e restabelece a verdade do cristão como membro vivo da Igreja, corpo místico de Cristo. Desta forma, o Sacramento está organicamente relacionado com a Eucaristia que, memorial do Sacrifício do Calvário, é fonte e auge de toda a vida da Igreja, una e santa.

Jesus é o único e necessário mediador da salvação eterna. A respeito disto, São Paulo é explícito: "Porque há um só Deus e um mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem, que se deu em resgate por todos" (1Tm 2,5-6). Daqui provém a necessidade, com vista à salvação eterna, daqueles meios de graça, instituídos por Jesus, que são os Sacramentos. Por conseguinte é ilusória e nefasta a pretensão de regular as próprias contas com Deus, prescindindo da Igreja e da economia sacramental. É significativo que o Ressuscitado, na noite de Páscoa, num mesmo contexto, tenha conferido aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados e tenha declarado a sua necessidade (cf. Jo Jn 20,23). No Concílio Tridentino a Igreja declarou solenemente esta necessidade a respeito dos pecados mortais (cf. sess. XIV, cap. 5 e cân. 6 DS 1679,170).

Funda-se aqui o dever dos sacerdotes para com os fiéis e o direito destes em relação aos sacerdotes à correcta administração do Sacramento da penitência. Sobre este tema, nos seus vários aspectos, se debruçam as doze Mensagens por mim dirigidas à Penitenciaria Apostólica, no espaço de tempo que vai de 1981 ao passado ano de 2000.

3. O grande afluxo de fiéis à Confissão sacramental durante o Ano Jubilar mostrou como este tema e com ele o das indulgências, que foram e são feliz estímulo para a reconciliação sacramental é sempre actual: os cristãos sentem esta necessidade interior e mostram-se gratos quando, com devida disponibilidade, os sacerdotes os acolhem no confessionário. Por isso, na Carta Apostólica Novo millennio ineunte escrevi: "Mas o ano jubilar, que foi caracterizado particularmente pelo recurso à Penitência sacramental, ofereceu-nos uma estimulante mensagem que não deve ser perdida: se tantos fiéis jovens muitos deles se aproximaram frutuosamente deste sacramento... é necessário... apresentá-lo e valorizá-lo" (n. 37).

Confortado por esta experiência, que é promessa para o futuro, desejo nesta Mensagem recordar alguns dos aspectos de especial importância a nível quer dos princípios quer da orientação pastoral. A Igreja é, nos seus ministros ordenados, sujeito activo da obra da reconciliação. São Mateus regista as palavras de Jesus aos discípulos: "Em verdade vos digo: tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu" (18, 18). Paralelamente São Tiago, ao falar da Unção dos Enfermos, também ela Sacramento de reconciliação, exorta: "Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da Igreja e que estes orem sobre ele, ungindo-o com óleo no nome do Senhor" (Jc 5,14).

A celebração do Sacramento da penitência é sempre um acto da Igreja, que nele proclama a sua fé e dá graças a Deus, que em Jesus Cristo nos libertou do pecado. Disto advém que, quer para a validade quer para a liceidade do próprio Sacramento, o sacerdote e o penitente devem limitar-se fielmente ao que a Igreja ensina e prescreve. Para a absolvição sacramental, em particular, as fórmulas que devem ser usadas são as que se encontram prescritas na "Ordo Paenitentiae" e nos textos rituais análogos vigentes para as Igrejas orientais. Deve-se excluir absolutamente o uso de fórmulas diferentes.

É também necessário ter presente quanto é disposto pelo cân. 720 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais e pelo cân. 960 do Código de Direito Canónico, segundo os quais a confissão individual e íntegra e a absolvição são o único modo ordinário para que o fiel consciente de pecado grave se possa reconciliar com Deus e com a Igreja. Portanto, a absolvição colectiva, sem a prévia acusação individual dos pecados, deve conformar-se rigorosamente com as normas taxativas canónicas (cf. CCCEO, cân. 720-721; CIC, cân. 961, 962 e 963).

4. O sacerdote, como ministro do Sacramento, age in persona Christi, no auge da economia sobrenatural. O penitente na confissão sacramental realiza um acto "teologal", isto é, ditado pela fé, com um sofrimento que deriva de motivos sobrenaturais de temor de Deus e de caridade, com vista ao restabelecimento da amizade com Ele, e por conseguinte, com vista à salvação eterna.
Ao mesmo tempo, como é sugerido pela fórmula da absolvição sacramental, com as palavras: "Deus... te conceda o perdão e a paz", o penitente aspira pela paz interior, e deseja também legitimamente a psicológica. Contudo, não se deve confundir o Sacramento da reconciliação com uma técnica psicoterapêutica. Práticas psicológicas não podem substituir o Sacramento da penitência, e muito menos ser impostas em seu lugar.

O confessor, ministro da misericórdia de Deus, sentir-se-á empenhado em oferecer aos fiéis com plena disponibilidade o seu tempo e a sua paciência compreensiva. A respeito disto, o cân. 980 do Código de Direito Canónico preceitua que "se ao confessor não resta dúvida a respeito das disposições do penitente, e este pede a absolvição, a absolvição não seja negada nem deferida"; depois, o cân. 986 estabelece a obrigação clara, para os sacerdotes que têm cura de almas, de ouvir as confissões dos seus fiéis "qui rationabiliter audiri petant" (CCEO, cân. 735 1). Esta obrigação é uma aplicação de um princípio geral, de ordem quer jurídica quer pastoral, segundo o qual "os ministros sagrados não podem negar os sacramentos àqueles que os pedirem oportunamente, que estiverem devidamente dispostos e que pelo direito não forem proibidos de os receber" (CIC, cân. 843 1). E dado que "caritas Christi urget nos", também o sacerdote que não tem a solicitude das almas se mostrará a respeito disso generoso e pronto. Em qualquer caso, seja respeitada a norma canónica acerca do lugar necessário e oportuno para ouvir as confissões sacramentais (cf. CCEO, cân. 736; CIC, cân. 964).

Além de ser acto de fé da Igreja, o Sacramento é também um acto de fé pessoal, de esperança e, pelo menos num estádio incipiente, de caridade do penitente. Por conseguinte, será uma tarefa do sacerdote ajudá-lo a fazer a confissão dos pecados não como simples revisão do passado, mas como acto de religiosa humildade e de confiança na misericórdia de Deus.

5. A dignidade transcendente, que faz com que o sacerdote possa agir in persona Christi na administração dos Sacramentos, cria nele salva sempre para o penitente a eficácia do próprio Sacramento se o ministro não fosse digno o dever de se assemelhar a Cristo de maneira que o cristão veja a imagem viva d'Ele: para obter isto, é necessário que ele, por sua vez, se aproxime fielmente e com frequência, como penitente, do Sacramento da reconciliação.

A mesma condição de ministro in persona Christi estabelece para o sacerdote a obrigação absoluta do segredo sacramental sobre os conteúdos confessados no Sacramento, até à custa, se for necessário, da própria vida. De facto, os fiéis confiam o misterioso mundo da sua consciência ao sacerdote, não como uma pessoa privada, mas porque ele é instrumento, por mandato da Igreja, de um poder e de uma misericórdia que pertencem apenas a Deus.

O confessor é juíz, médico e mestre por conta da Igreja. Como tal, ele não pode propor a "sua" moral ou ascética pessoal, ou seja, as suas opiniões ou opções privadas, mas deve exprimir a verdade da qual a Igreja é depositária e garante no Magistério autêntico (cf. CIC, cân. 978).

No Jubileu, por cujos frutos espirituais damos graças a Deus, a Igreja comemorou o bimilenário do nascimento entre os homens do Filho de Deus, que se fez homem no seio da Virgem Maria e se tornou partícipe em tudo, excepto do pecado, da condição humana. A celebração reavivou na consciência dos cristãos a certeza da presença viva e operante de Cristo na Igreja: "Christus heri et hodie, Ipse et in saecula". É precisamente ao serviço deste dinamismo da graça de Cristo que se coloca a economia sacramental. Nela, a Penitência, estreitamente relacionada com o Baptismo e com a Eucaristia, age para que Cristo renasça e permaneça misticamente nos crentes.

Daqui surge a importância deste Sacramento, que Cristo quis doar à sua Igreja no próprio dia da ressurreição (cf. Jo Jn 20,19-23). Exorto os sacerdotes de todas as partes do mundo a tornarem-se seus ministros generosos, para que a vaga da misericórdia divina possa alcançar qualquer alma necessitada de purificação e de conforto. Maria Santíssima, que em Belém deu fisicamente à luz Jesus, obtenha que cada sacerdote seja gerador de Cristo nas almas, tornando-se instrumento de um Jubileu sem ocaso.

Desça sobre estas aspirações a bênção do Senhor, que convosco e para vós invoco em humilde oração: dela seja propiciadora a Bênção apostólica, que concedo a todos de coração.



Abril de 2001


A UM GRUPO ECUMÉNICO DE TEÓLOGOS CATÓLICOS


E EVANGÉLICOS DA ALEMANHA


3 de Abril de 2001


Senhor Cardeal,
Caros Irmãos e Irmãs!

1. "A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós" (2Co 13,13). De boa vontade faço meu o desejo do Apóstolo das Gentes, ao dirigir-vos uma calorosa saudação de boas-vindas ao Palácio Apostólico. Agradeço as palavras amigas com que o Cardeal Karl Lehmann me apresentou o vosso grupo. Com ele, saúdo também, o co-Presidente evangélico Bispo Hartmut Löwe. Estou contente por este encontro, que se realiza por ocasião da conferência que o vosso grupo ecuménico organizou este ano em Roma.
2. A crescente consciência da comunhão no Deus Uno e Trino permitiu aos cristãos de diversas Confissões não mais se considerarem inimigos ou estranhos, mas ver-se como irmãos e irmãs. A consciência da pertença a Cristo, que nos foi dada com o Baptismo, tornou-se mais profunda, sobretudo nos anos a seguir ao Concílio Vaticano II. Por isto, podemos dar graças de todo o coração.

Já antes deste acontecimento, importante também sob um ponto de vista ecuménico, o desejo do Senhor Ut unum sint! (cf. Jo Jn 17,21) encontrou um eco no coração de muitos cristãos. O eco desta exortação ressoa também no vosso grupo ecuménico, que já existe há mais de meio século.

A Segunda Guerra Mundial destruiu o mundo de muitas pessoas. Também os grandes fundamentos religiosos começaram a vacilar. Inumeráveis homens e mulheres procuraram segurança e amparo. O falecido Cardeal Lorenz Jaeger e o Bispo luterano Wilhelm Stählin reconheceram estes "sinais do tempo". Reuniram à sua volta teólogos católicos e evangélicos na tentativa de dar um novo centro a Jesus Cristo num mundo desagregado. Assim precisamente em 1946, surgiu o grupo ecuménico, que continuou até hoje as finalidades dos seus fundadores. Dou graças ao Senhor da história porque suscitou estes "pioneiros do ecumenismo" e confio que o vosso grupo continue a estar consciente da sua própria origem e contribua também no futuro, qual "laboratório do ecumenismo", para a realização da unidade.

3. O desejo de unidade acompanha-nos para além do limiar do terceiro milénio. Com a assinatura da Declaração conjunta sobre a Doutrina da Justificação foi posta uma pedra miliar no caminho ecuménico. Também na celebração do Grande Jubileu pudemos observar novamente o sinal incisivo e profético do ecumenismo.

Ao mesmo tempo, tomámos consciência do facto de ainda não termos atingido o objectivo da plena unidade. A comemoração da Encarnação de Cristo recordou-nos que o diálogo ecuménico deve ser orientado sobretudo para Cristo. Tal diálogo tende, em primeiro lugar, para uma dimensão vertical que o orienta para a plenitude da Revelação bíblica e para o único Redentor do mundo. Deste modo, ele torna- se para todos os interessados um " diálogo de conversão".

Assim se mostra que o amor pela verdade deve ser a dimensão mais profunda de uma procura credível da plena comunhão dos cristãos. Sem o amor pela verdade é impossível enfrentar as dificuldades teológicas e também psicológicas que encontramos no exame das diferenças ainda existentes. Com gratidão constato que, em vós, o amor pela verdade é acompanhado pelo respeito e pela estima do vosso interlocutor. Deste modo, podeis experimentar sempre que o diálogo ecuménico pode ser ocasião de um melhor conhecimento recíproco e de uma troca de bens espirituais.

4. Estou certo de que se confirmará o desejo que quis exprimir na minha Carta Apostólica Novo millennio ineunte: "O confronto teológico sobre pontos essenciais da fé e da moral cristã, a colaboração na caridade e sobretudo o grande ecumenismo da santidade não deixarão, com a ajuda de Deus, de produzir os seus frutos no futuro" (nº 48).

Entrevejo um sinal de esperança na vossa escolha de Roma como lugar para a conferência: talvez um dia, com um diálogo paciente, se consiga encontrar em conjunto uma forma na qual o ministério petrino possa realizar um serviço à verdade e ao amor, reconhecida por uns e por outros (cf. Ut unum sint, nº 95).

Que o grupo ecuménico de teólogos católicos e evangélicos possa ser uma ajuda nessa procura! Para isto, imploro sobre vós a plenitude do Espírito Santo e as riquezas das bênçãos de Deus.




AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ARGENTINA


EM VISITA OFICIAL


5 de Abril de 2001





Senhor Presidente

É com sumo prazer que lhe dou as boas-vindas a este encontro e que saúdo muito cordialmente Vossa Excelência como Supremo Mandatário da República Argentina, a qual tenho sempre presente no meu coração, na minha recordação e nas minhas orações. Saúdo igualmente quantos o acompanham: a sua distinta esposa, o Senhor Chanceler e os ilustres membros da sua Delegação. E daqui, desejo expressar também uma sentida recordação para todos os filhos e filhas da seu nobre País, desde a Quiaca até à Terra do Fogo.

Estou-lhe muito grato pelas amáveis palavras com que houve por bem comunicar-me o respeito e o afecto de todos os argentinos, assim como expor-me os propósitos que animam a acção do seu Governo, no alvorecer do Terceiro Milénio da era cristã, num momento em que a Argentina se prepara para celebrar o segundo centenário da sua independência. A respeito disto, desejo recordar como a presença da Igreja católica sempre acompanhou os argentinos, confortando-os com a pregação da palavra de Deus e a propagação dos valores cristãos que hoje fazem parte do património espiritual da Nação.

2. A sua visita à Sede do Sucessor do apóstolo Pedro tem lugar alguns meses depois do encerramento do Grande Jubileu da Encarnação do Filho de Deus, acontecimento central da história, que a Igreja proclama como o momento da plenitude dos tempos (cf. Gl Ga 4,4). Esta celebração significou para toda a Igreja um momento de especial intensidade e agora, com o olhar fixo no rosto de Cristo e animada pela sua palavra, "duc in altum - faz-te ao largo" (Lc 5,4), dispõe-se a enfrentar com confiança os desafios do momento presente, iluminando desta forma as decisões que se forem tomando para o adequado progresso e bem-estar da humanidade.

No decurso do Grande Jubileu, o seu País participou activamente, tanto nas diferentes dioceses como nos diversos encontros realizados em Roma. Como não recordar, a este propósito, as várias iniciativas a nível local, especialmente a celebração do Congresso Eucarístico de Córdova, onde os Bispos quiseram também dar um contributo para a reconciliação nacional, como Vossa Excelência recordou nas suas palavras! No que se refere às celebrações em Roma, tenho a certeza de que os numerosíssimos jovens argentinos que participaram no Dia Mundial da Juventude, no passado mês de Agosto, saberão comunicar e testemunhar aos seus coetâneos a singular experiência religiosa vivida em comunhão com jovens de todo o mundo. De igual modo, o notável número de participantes do seu País no Jubileu dos Governantes e Legisladores faz ter esperança na vontade, por parte deles, de desempenhar a sua função pública de acordo com os princípios cristãos e como um verdadeiro serviço a todas as categorias da sociedade argentina. Por tudo isto, desejo manifestar o meu reconhecimento pela obra levada a cabo pelos Pastores dessa querida Nação, na qual colaboraram várias Autoridades, inclusive o próprio Parlamento.

3. Senhor Presidente, o seu País tem profundas raízes católicas, e por conseguinte olhou sempre para a Igreja e para esta Sé Apostólica como para um ponto de referência para a sua própria identidade e história. Quando no solo argentino surgiram as primeiras vozes que reclamavam a liberdade e a independência, os dirigentes da Pátria não esqueceram a referência a Deus na República que surgia e, desta forma, posteriormente foi inscrito no preâmbulo da Constituição o seu Santo Nome como fonte de toda a razão e justiça. Belgrano propôs o emblema nacional com as cores da Imaculada, azul e branco, e assim, sob este distintivo se sentem hoje amparados todos os argentinos.

Por isso, os valores cristãos estão presentes na cultura, na história e em alguns enunciados da legislação do seu País. Aderiram a estes princípios, ao longo destes quase dois séculos da sua existência como Nação, povos de origens e crenças muitos diferentes, que encontraram na sua nova pátria um efectivo respeito por todas as minorias étnicas ou religiosas, em sintonia com a declaração constitucional que abre as portas do País "a todos os homens do mundo que desejam habitar no solo argentino".
4. A Santa Sé seguiu com especial atenção os diversos momentos históricos da Argentina. Desejo mencionar aqui alguns muito significativos, que ficaram profundamente gravados na recordação do povo argentino. Assim, a visita à Capital Federal de Eugénio Pacelli, nessa época Cardeal e mais tarde Papa Pio XII, como Legado Pontifício ao XXXII Congresso Eucarístico Internacional de Buenos Aires, que deixou uma marca inextinguível na Igreja da sua Nação, ao dar um grande estímulo renovador à presença sempre crescente do laicado na Igreja e na sociedade.

Desejo recordar também as duas visitas pastorais que realizei ao seu País, experimentando o caloroso acolhimento e o afecto dos argentinos. A primeira em Junho de 1982, quando me senti muito impelido devido a determinadas circunstâncias dramáticas da sua vida nacional. Com a minha presença desejei confortar, à luz do Evangelho e da doutrina social católica, o entendimento e a harmonia entre os povos, propondo o bem insubstituível da paz perante riscos extremamente perigosos a nível internacional.

Por outro lado, a causa da paz e do entendimento entre os povos levou-me a aceitar a mediação entre o seu País e a irmã República do Chile, também ela à margem de um conflito bélico como consequência da controvérsia que sugiu na zona do Canal de Beagle. Graças a Deus, prevaleceu a razão e o espírito de concórdia, tendo sido evitada a catástrofe de uma guerra com consequências imprevisíveis, com a assinatura do Tratado de Paz e Amizade no dia 29 de Novembro de 1984, o qual proporcionou que o que poderia ter sido o cenário de um conflito se tenha transformado numa zona de colaboração, de recíprocas visitas amistosas e de projectos de progresso.

5. A Igreja católica, acima de contingências políticas e conjunturais, deseja promover o bem integral dos cidadãos, apesar dos condicionamentos internacionais e de circunstâncias internas complexas, que se sentem de maneira muito forte nos momentos presentes. Uma grande parte do povo experimenta as suas gravosas consequências, sendo as classes mais necessitadas da sociedade as mais afectadas. O desemprego leva pessoas, famílias ou grupos sociais a pensar em emigrar para procurar melhores horizontes de vida.

6. Perante esta situação, o seu Governo está consciente de que são urgentes medidas orientadas para a criação de um clima de igualdade social, favorecendo uma maior justiça distributiva e uma melhor distribuição dos grandes recursos que o País possui. Só desta forma se poderá chegar a uma situação de paz na justiça, baseada no esforço comum e numa economia que esteja ao serviço do homem. Desta forma, o País poderá contribuir para tornar realidade, no contexto latino-americano e mundial, a linha de valores comuns que sonharam S. Martín e Bolívar, favorecendo a promoção integral dos povos dessa área e os seus legítimos interesses.

Os Bispos da Argentina, conscientes desta problemática, reafirmam os princípios da doutrina social católica, acima das vicissitudes políticas. Faço votos por que a sua voz encontre eco nos responsáveis da gestão pública, fazendo com que esses princípios sejam uma realidade na sociedade, a fim de evitar aqueles comportamentos que podem favorecer a corrupção, a pobreza e todas as demais formas de violência social que derivam da falta de solidariedade. As grandes reservas morais do povo argentino são garantia, com fundada esperança, para o futuro.

Este mesmo povo demonstrou o seu apego aos grandes valores, como a honestidade, a justiça, o respeito pela vida desde a sua concepção até à morte natural. A Argentina defendeu com empenho estes valores em várias assembleias de debate, até internacionais. Perante uma concepção amplamente difundida, que com frequência privilegia atitudes egoístas, pouco respeitosas dos princípios que protegem o primeiro e fundamental direito humano, o direito à vida, é uma justiça reconhecer a clarividente e humanista visão de países soberanos, como o seu, que são exemplo de tomadas de posição em sintonia com o direito natural.

Sabemos que o progresso não pode ser alcançado negando os valores humanos e morais fundamentais, nem se atinge favorecendo medidas que podem atentar contra a moral pública, o que levaria a consequências negativas não só no âmbito ético, mas seria também um prejuízo para a própria sociedade. Não se pode permanecer indiferente perante estas situações, que põem em perigo a defesa da família, célula fundamental da sociedade, anterior ao próprio estado e que, como Vossa Excelência recordou no seu discurso, é a verdadeira escola do mais rico humanismo, forjadora de homens e mulheres capazes de encarnar as virtudes mais genuínas.

8. Senhor Presidente, ao concluir este encontro, desejo formular os meus melhores votos para Vossa Excelência e para a sua família, para os seus colaboradores no Governo e para todo o querido povo argentino. Peço a Deus que a nobre Nação Argentina possa superar o mais depressa possível as dificuldades do presente e empreender um novo rumo em paz, prosperidade e progresso integral, no qual cada cidadão viva com dignidade e serenidade na sua própria terra. Recomendo a Deus, Pai de todos, com particular afecto quantos sofreram e sofrem por causa de feridas do passado doloroso. Invoco com amor a paz do Senhor para os defuntos e a graça da reconciliação nacional.

A Virgem de Luján, Padroeira da Argentina, proteja todos os seus filhos, para que empreendam de novo com entusiasmo o caminho do progresso, fundado no esforço generoso, animados pela esperança de um futuro promissor. Parra isso concedo de coração a Vossa Excelência, Senhor Presidente, e a todos os seus compatriotas, uma especial Bênção apostólica.




ÀS DELEGAÇÕES DA UNIVERSIDADE DE ROMA


E DA ACADEMIA DE LETRAS E CIÊNCIAS DA POLÓNIA


5 de Abril de 2001



Ilustres Senhoras e Senhores!

1. Com profunda alegria, dirijo a cada um de vós as minhas cordiais boas-vindas. Muito obrigado por esta visita, que quisestes fazer-me por ocasião da assinatura do Acordo de colaboração científica entre a Universidade "La Sapienza" de Roma e a Academia Polaca das Ciências e das Letras de Cracóvia, que, feliz-mente, retomou a plena actividade, depois de 38 anos de dolorosa interrupção, decretada pelo regime comunista.

Dirijo a minha saudação ao Professor Giuseppe D'Ascenzo, Magnífico Reitor do Ateneu Romano e ao Professor Andrzej Bialas, Presidente da Academia de Cracóvia. Agradeço aos dois as amáveis expressões que me quiseram dirigir em nome dos presentes, sublinhando a importância do acontecimento deste dia e o empenho comum que anima as duas Instituições. Desejo que elas possam atingir metas comuns em benefício do desenvolvimento cultural da Polónia e da Itália.

O Acordo agora concluído insere-se no novo clima estabilizador na Europa depois da queda do muro de Berlim nos finais dos anos oitenta. Isso testemunha a vontade presente em largos estratos da cultura europeia de construir uma pátria comum, que não seja somente fruto de interesses económicos, mas que seja, acima de tudo, uma comunidade de valores, de tradições e de ideais.

Os povos do nosso continente, encontrando-se e integrando-se também graças a ocasiões como a de hoje, podem promover cada vez mais um futuro de civilidade e de paz para todos.

2. Como Bispo de Roma e Pastor da Igreja católica, que teve e continua a ter uma grande parte na construção da civilização europeia, como membro, igualmente, da Academia polaca das Ciências e das Letras de Cracóvia, desejo exprimir a minha mais viva considerção por esta iniciativa. Ela, juntando antigas e prestigiosas instituições europeias, está em situação de contribuir, de modo significativo, para a construção de uma Europa que respire a plenos pulmões, atingindo o seu património histórico e as riquezas culturais, morais, civis, religiosas dos seus povos do Oriente e do Ocidente.

Que o presente Acordo, expressão eloquente de uma louvável determinação em querer colaborar em conjunto animados por um autêntico espírito europeu, possa constituir o início de um profícuo e fecundo intercâmbio entre os vossos dois conceituados Centros Académicos. Isso representa, também, um ponto de referência para análogos projectos, nobres e prometedores.

Para tal fim, invoco a ajuda divina sobre quantos promoveram e realizaram o Acordo, como também sobre todos os que formam as famílias das duas grandes Instituições e do coração concedo a todos, como sinal de estima e afecto, uma especial Bênção Apostólica.




AOS JOVENS NA PREPARAÇÃO PARA O


DIA MUNDIAL DA JUVENTUDE


5 de Abril de 2001

Caríssimos jovens de Roma!

"Sentinelas da manhã neste alvorecer do terceiro milénio"!


Discursos João Paulo II 2001 - Sábado, 31 de Março de 2001