Discursos João Paulo II 2001 - 7 de Abril de 2001

AOS ALUNOS ESTRANGEIROS RESIDENTES NO


CENTRO CULTURAL INTERNACIONAL "JOÃO XXIII"


7 de Abril de 2001

Caríssimos estudantes!

Bem-vindos a este encontro, tão desejado por vós! Saúdo-vos com afecto e agradeço-vos por esta visita, que me permite conhecer melhor as vossas ansiedades e esperanças de jovens de diversos Países vindos a Roma para estudar. Saúdo Mons. Remígio Musaragno, Director do Centro Cultural Internacional João XXIII, em que exerce a actividade há 40 anos. Ao agradecer-lhe as palavras amigas que quis dirigir-me, formulo-lhe votos afectuosos para que o jubileu sacerdotal, que recentemente celebrou, constitua uma ocasião de renovada doação a Cristo e de um serviço cada vez mais generoso aos irmãos.

Com ele, saúdo quem se fez intérprete dos vossos sentimentos e quantos generosamente colaboram na vida da vossa Comunidade. Dirijo o meu pensamento para todos os estudantes das nações menos ricas do mundo e os organismos eclesiais que deles se ocupam. Recordo em particular, para além do vosso benemérito Centro, aqueles que hoje aqui estão representados: a Sede Central dos Estudantes Estrangeiros na Itália (UCSEI) de Roma e Perúgia, e o Centro Internacional "La Pira" de Florença.

2. Sois originários de cinquenta Países e passais em Roma um significativo período da vossa juventude. Trata-se de uma preciosa oportunidade cultural e formativa, que vos enriquece de competências científicas e de novas experiências humanas, permitindo que vos prepareis para serdes protagonistas generosos e atentos no desenvolviemnto das vossas respectivas nações. É seguramente um singular privilégio para vós viver na Cidade Eterna, coração palpitante da Igreja católica. Aqui podeis admirar importantes e prestigiosos vestígios da antiga civilização romana, e também testemunhos eloquentes da fé cristã. Aqui vos é dado abrir o espírito e o coração ao saber e aos valores da fraternidade, do acolhimento e do respeito pelas riquezas de cada povo.

No vosso Centro, onde convivem jovens de culturas, raças e nações diversas, é possível realizar uma singular e enriquecedora experiência de "convivialidade" humana e espiritual. A multiforme proveniência dos que aqui residem permite ao Centro ser uma escola de convivência fraterna, onde se torna actual e profícuo o convite ao diálogo entre as culturas, que na Mensagem para o Dia Mundial da Paz do ano corrente propuz como caminho privilegiado para a construção da civilização do amor e da paz. O diálogo leva, com efeito, a reconhecer a riqueza da diversidade e dispõe os espíritos para uma recíproca aceitação, na perspectiva de uma autêntica colaboração, que responda à vocação original para a unidade de toda a família humana.

3. Caríssimos estudantes, quero hoje confiar-vos a vós que, um dia, por vontade de Deus, podereis ser protagonistas da história dos vossos Países, o dever de valorizar ao máximo estes anos de formação para crescer humana, cultural e espiritualmente. Só assim podereis ser artífices de novas sociedades, onde cada um se sinta acolhido como membro da mesma família, chamada a viver na solidariedade e na paz.

Para que isto se realize, para além da indispensável preparação científica e profissional, é necessário em primeiro lugar que cuideis da vossa relação pessoal com Deus. Num mundo onde os interesses dominantes parecem ser os materiais, exorto-vos a "procurar o reino de Deus e a sua justiça", porque todo o resto, como garante o próprio Jesus, vos será dado "por acréscimo" (cf. Mt, Mt 6,33). Além disso, a experiência de fé, num contexto de pluricultura, ajudar-vos-á a não vos sujeitardes a fáceis homologações, a modelos culturais inspirados numa concepção secularizada e praticamente ateia da vida, assim como a formas radicais de individualismo. Levar-vos-á, ao contrário, a enriquecê-los no confronto com outras tradições e a verificá-los com a experiência vivida do encontro com Cristo.

4. Eis, caríssimos jovens, as condições que podem tornar o vosso Centro um lugar de esperança, uma família no interior da qual reine o respeito e o amor, uma escola de "civilização do amor". Vindo de muitos Países, podeis reflectir em conjunto sobre os motivos que, infelizmente, geram em alguns dos povos a que pertenceis divisões e ódios. Em conjunto, é possível amadurecer na convivência recíproca, procurando o que une e superando os contrastes atávicos que aviltam, por vezes, a dignidade do homem. A experiência do acolhimento, da mútua compreensão e, quando necessário, do perdão constitui um exercício quotidiano para vos preparar para futuras responsabilidades, quando vos for pedido que sejais construtores de solidariedade e de paz, curando as feridas e recompondo nas mentes e nos corações a condição positiva da fraternidade.

5. A vossa Casa é dedicada ao meu venerado predecessor, o Beato João XXIII. Ele foi o Papa do diálogo e da paz, da bondade e da ternura para todos. No decurso do seu breve mas intenso pontificado, preparou uma "actualização" capaz de imprimir à Igreja uma vasta e significativa renovação. Com o Concílio Ecuménico Vaticano II preparou, depois, a Igreja para os desafios do terceiro milénio. Nas várias missões, a que foi chamado pela Providência, conservou a sua fé simples e uma afeição constante pelas suas raízes populares.

Confio cada um de vós à intercessão deste Beato, particularmente próximo de vós. Ele vos ajude a guardar com fidelidade a vossa identidade humana e cristã e vos torne prontos a abrir-vos corajosamente às exigências dos irmãos. Invoco, além disso, sobre vós, a protecção maternal de Maria, Mãe do Senhor, e do coração vos abençoo, bem como às vossas esperanças, as vossas famílias, as pessoas que vos são queridas e os Países de onde vindes.




AOS JOVENS PARTICIPANTES NO


ENCONTRO INTERNACIONAL "UNIV 2001"


9 de Abril de 2001



Caríssimos jovens,

1. Sede bem-vindos! Como fazeis já há diversos anos, voltastes a Roma para viver em conjunto a Semana Santa. Muitos de vós encontram-se, porventura, pela primeira vez nesta Cidade estupenda, mas para a vossa associação tornou-se quase um costume este encontro romano, que prevê também a visita ao Sucessor de Pedro. Obrigado por este encontro e pelo vosso entusiasmo juvenil. Saúdo-vos com afecto e aos vossos Superiores. Saúdo e agradeço, em particular, aqueles que em vosso nome se tornaram intérpretes dos sentimentos de todos. Desejo a cada um que passe estes dias santos num clima de profunda espiritualidade.

2. O congresso que vos reuniu tem por tema "Um rosto humano para o mundo global". Trata-se de um argumento que vos permite confrontar experiências e propostas sobre a globalização, um fenómeno destinado a caracterizar sempre e cada vez mais o futuro da sociedade.

Deste processo vós colheis os aspectos positivos, sem, porém, ignorar os perigos. Não pode ser a economia a ditar os modelos e ritmos do desenvolvimento e, se é obrigatõrio prover às necessidades materiais, nunca deixeis sufocados os valores do espírito. O verdadeiro deve prevalecer sobre o útil, o bem sobre o bem-estar, a liberdade sobre as modas, a pessoa sobre a estrutura. Por outro lado, não basta criticar; é preciso ir um pouco mais além: é preciso ser construtores. O cristão, de facto, não se pode limitar a analisar os processos históricos em curso, mantendo uma atitude passiva, como se eles ultrapassassem as suas capacidades de intervenção, porque guiados por forças cegas e impessoais. O crente está persuadido de que todo o acontecimento humano está debaixo da mão providente de Deus, que pede a cada um para colaborar com Ele na orientação da história para um fim digno do homem.

3. Em definitivo, a questão de fundo anda à volta de uma pergunta decisiva: como vivo eu a fé cristã? Ela é para mim apenas um conjunto de crenças e de devoções fechadas na esfera privada, ou é antes uma força que pede para ser traduzida em escolhas que incidem na minha relação com os outros? Quanto podem influir na sociedade um homem e uma mulher de fé!

Faz parte do realismo cristão compreender que as grandes mudanças sociais são fruto de pequenas e corajosas opções quotidianas. Perguntais muitas vezes a vós mesmos: quando chegará este nosso mundo a configurar-se plenamente com a mensagem evangélica? A resposta é simples: quando tu, em primeiro lugar, agires e pensares estavelmente segundo Cristo, ao menos uma parte desse mundo ser-lhe-á entregue, na tua pessoa. O Beato José Maria, em cuja espiritualidade vos inspirais, escreveu: "Sê, entre os teus - alma de apóstolo - a pedra caída no lago. Produz, com o teu exemplo e com a tua palavra, um primeiro círculo... e este um outro... e um outro e um outro... Sempre mais largo, Compreendes agora a grandeza da tua missão? (Caminho, 831).

4. Na sociedade de hoje, que procura a optimização dos percursos produtivos, nota-se um processo de uniformização que põe em perigo a liberdade pessoal e as próprias culturas nacionais. Como reagir? A doutrina social da Igreja contém os princípios de uma resposta que respeita a missão dos indivíduos e dos grupos. Mas para promover uma cultura global daqueles absolutos morais que são os direitos da pessoa, é preciso que cada cristão comece por si próprio, esforçando-se por reflectir em todos os seus pensamentos e nas suas acções a imagem de Cristo.

Certamente, isto não é um programa fácil. É antes de mais um acto de fé comprometedor, porque seguir a Cristo significa percorrer um caminho que leva ao renegar-se a si mesmo para se dar a Deus e aos irmãos.

5. Na Mensagem para o recente Dia Mundial da Juventude, que ontem celebrámos, Domingo de Ramos, escrevi que Cristo "é um Messias fora de todo o sistema e de todo o clamor, que não se chega a "compreender" com a lógica do sucesso e do poder usada já pelo mundo como critério de verificação dos próprios projectos". E expliquei que meter-se a seguir um Mestre assim comporta a coragem de um "sim" pleno à sua chamada: "Se alguém quer vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me" (Lc 9,23), Estas palavras exprimem a radicalidade de uma escolha que não admite esperas nem mudanças de opinião. É uma exigência dura; esta palavra soa ainda hoje como escândalo e loucura (cf. 1Co 1,22-25). Mas é com ela que nos devemos confrontar.

Caros jovens, conceda-vos o Senhor uma compreensão cada vez melhor da missão a que Ele vos chama. Enquanto vos desejo uma Santa Páscoa, permiti que vos renove o convite contido na Carta apostólica Novo millennio ineunte: "Faz-te ao largo - Duc in altum!": este convite de Jesus a Pedro (cf. Lc Lc 5,4) oferece-vos a medida da resposta que o Senhor espera de vós. Uma resposta total e de completo abandono nas suas mãos.

Duc in altum, onde o mar é mais profundo, onde o mistério do amor de Deus abre diante de vós espaços maravilhosos, que não bastará uma vida inteira para explorar.
Acompanhe-vos a Senhora, a quem peço que vos guie nos caminhos exigentes da santidade. É com a santidade que se muda o mundo. Abençoo-vos do coração.



VIA CRUCIS


ALOCUÇÃO DO SANTO PADRE


NO FINAL DA VIA-SACRA


Sexta-feira Santa, 13 de Abril de 2001





(O Santo Padre, no final da Via Sacra, precedendo o discurso já preparado, improvisou a breve meditação que publicamos)


Ecce lignum crucis, in quo salus mundi pependit! Venite adoremus!

Hoje, pela primeira vez neste Terceiro Milénio, se ergueu esta palavra na Basílica de São Pedro. Neste mesmo dia, Sexta-Feira Santa, a mesma verdade que nos choca foi proclamada em todos os Continentes, em todos os Países do mundo: Ecce lignum crucis! Eis o madeiro da Cruz.

A Igreja de Cristo confessa esta realidade divina e humana: Crux, ave Crux! Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi, quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum. (Cruz, salvè, ó Cruz! Nós vos adoramos, Cristo, e vos bendizemos, porque pela vossa santa Cruz redimistes o mundo).

A Igreja confessou isto mesmo durante dois mil anos, os dois mil anos passados. Hoje, pela primeira vez, o confessamos em todo o mundo e aqui, em Roma com esta Via Crucis à volta do Coliseu. Queremos transmitir, levar por diante esta verdade divina e humana no Terceiro Milénio. Queremos professar que, pela sua Cruz, o Filho de Deus, aceitando esta humilhação uma condenação destinada aos escravos abriu à humanidade o caminho para a glorificação. Por isso nós, hoje, ajoelhamos nesta adoração.

Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi, quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Que esta verdade, hoje proclamada na Basílica de São Pedro e aqui junto do Coliseu romano, seja para nós a luz e a força deste tempo que inaugurámos há alguns meses.
Ave Crux!, ave Crux do Coliseu romano!

Ave, no limiar do Terceiro Milénio!

Ave através de todos os anos e séculos deste novo tempo que se abre diante de nós!

Louvado seja Jesus Cristo!

1. «Cristo obedeceu até à morte e morte de cruz» (Ph 2,8).

Acabámos de fazer a Via-Sacra que, à semelhança dos outros anos, nos fez congregar, ao anoitecer de Sexta-feira Santa, neste lugar evocativo de profundas recordações cristãs. Percorremos os passos do Inocente injustamente condenado, tendo o olhar fixo no seu rosto adorável: rosto ofendido pela maldade humana, mas iluminado pelo amor e pelo perdão.

É verdadeiramente desconcertante o caso dramático de Jesus de Nazaré! Para devolver plenitude de vida ao homem, o Filho de Deus aniquilou-Se da forma mais humilhante. Mas daquela morte, por Ele livremente escolhida, nasce a vida. Diz a Escritura: Oblatus est quia ipse voluit. Ele dá-nos assim um testemunho extraordinário de amor, fruto duma obediência sem par, que se deixou levar até ao dom extremo de Si mesmo.

2. «Obedeceu até à morte e morte de cruz».

Como afastar o olhar de Jesus, que morre na Cruz? A sua face maltratada cria repulsa. Afirma o Profeta: «Não tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de nos deleitar. Era desprezado e abandonado pelos homens, um homem sujeito à dor, familiarizado com a enfermidade, como uma pessoa de quem todos escondem o rosto» (Is 53,2-3).

Naquele rosto, acumulam-se as sombras de todos os sofrimentos, as injustiças, as violências suportadas pelos seres humanos de todas as épocas da história. Mas agora, diante da Cruz, as nossas penas de cada dia, e até a morte, aparecem revestidas da majestade de Cristo abandonado e moribundo.

O rosto do Messias sanguinolento e crucificado revela que Deus Se deixou, por amor, envolver nos tormentos da humanidade. A nossa dor já não é solitária, porque Ele pagou por nós com o seu sangue derramado até à última gota. Entrou no nosso sofrimento e quebrou a barreira do nosso lamento desesperado.

Na sua morte, adquire sentido e valor a vida do homem e até a sua própria morte. A partir da Cruz, Cristo faz apelo à liberdade pessoal dos homens e das mulheres de todos os tempos, e chama cada um a segui-Lo pelo caminho do abandono total nas mãos de Deus. Leva-nos a descobrir até a misteriosa fecundidade da dor.

3. «Resplandeça sobre nós, Senhor, a luz do vosso rosto» (Ps 4,7).

A nossa assembleia está para se dispersar, mas continuemos a meditar sobre o mistério daquele Rosto que foi representado por inumeráveis artistas, ao longo dos séculos, investindo o melhor da sua mestria.

Ó se os homens se deixassem enternecer pelos seus traços inconfundíveis! Naquele Rosto santo, podem encontrar uma adequada resposta as múltiplas questões e dúvidas que inquietam o coração humano. Da contemplação do Rosto amoroso do Filho de Deus feito homem é possível haurir a força necessária para superar as horas de escuridão e pranto. A partir do Calvário, uma paz divina inunda o universo à espera da glória da Páscoa.

Virgem Maria, que permanecestes, corajosa, ao pé da Cruz, e no vosso regaço acolhestes o corpo exangue de Jesus, ajudai-nos a compreender que o nosso sofrimento é uma preciosa participação na Paixão do vosso divino Filho, que, por nosso amor, «obedeceu até à morte e morte de cruz». Guiai os nossos passos para calcorrear as suas pegadas indeléveis, que hão-de conduzir-nos ao assombro e alegria da sua ressurreição.



MENSAGEM DO SANTO PADRE


AOS MEMBROS DO


MOVIMENTO "FÉ E LUZ"


Aos meus Filhos e Filhas
do Movimento "Fé e Luz"

1. Nesta Semana Santa do primeiro ano do novo milénio, unindo-me a vós com afecto e com a oração, saúdo-vos a todos vós que vos reunistes na Gruta de Massabielle, por ocasião do 30º aniversário de fundação do vosso Movimento. É Maria quem vos acolhe para reavivar em vós o desejo de "ir beber à fonte", e para vos conduzir, como fez um dia com Bernadette, ao encontro do seu Filho. Em Lourdes o amor de Jesus e de Maria pelos mais débeis manifesta-se com singular poder e convida a dar graças na Deus pelas maravilhas que Ele realiza em vós. Eu encorajo-vos a manter viva e a consolidar a vossa fé para que possais ser missionários na vida quotidiana.

2. Vós, deficientes, constituis o coração da grande família "Fé e Luz". A vossa existência é dom de Deus e torna-vos testemunhas da autêntica alegria; se por vezes a deficiência vos leva a difíceis combates existenciais, com frequência vós viveis, segundo a expressão de Claudel, com "almas engrandecidas e corpos impedidos". Queridos amigos, sois um precioso tesouro para a Igreja, que também é a vossa família, e ocupais um lugar especial no coração de Jesus.

3. Desde há trinta anos "Fé e Luz" não cessou de recordar com audaz coragem e perseverança a dignidade eminente de cada pessoa humana. Podemos dar graças pela esperança e pela confiança que tantas pessoas e famílias encontraram no vosso Movimento. Desejo agradecer cordialmente a todos os que assistem os deficientes, pelo insubstituível trabalho realizado todos os dias ao serviço dos que são esquecidos pela nossa sociedade, e sobretudo pela alegria que lhes oferecem. Eles testemunham que a alegria de viver é uma fonte escondida cuja origem está na confiança em Deus e em Maria, sua Mãe. Desejaria saudar, de maneira especial, Jean Vanier e Maria Helena Mathieu, que se empenham desde há muito tempo em favor da vida e da promoção dos deficientes.

4. Queridos Irmãos e Irmãs, a vossa presença em Lourdes constitui também um apelo aos cristãos e aos responsáveis da nossa sociedade para que compreendam cada vez melhor que se o deficiente precisa de ajuda, a deficiência constitui em primeiro lugar um convite a superar qualquer egoísmo e a empenhar-se por novas formas de fraternidade e de solidariedade. Já tive a oportunidade de recordar em Roma, por ocasião do seu Jubileu, que as pessoas deficientes põem "em crise as concepções da vida ligadas unicamente à satisfação, ao parecer, à pressa e à eficiência" (Homilia, 3 de Dezembro de 2000, ed. port. de 9/12/2000, pág. 6, n. 5).

Elas chamam todos os membros da sociedade a apoiar moral e materialmente os pais com filhos deficientes. Quando se tem cada vez mais a tendência de suprimir, antes de nascer, o ser humano quando se suspeita que seja um portador de deficiência, a acção de "Fé e Luz" representa um sinal profético em favor da vida, e de atenção prioritária aos mais débeis da sociedade.

5. Na vossa grande diversidade, provindo de 75 países, vós encontrais-vos a viver uma verdadeira dimensão ecuménica. A presença conjunta em Lourdes de cristãos de várias confissões, católicos, ortodoxos, anglicanos e protestantes, confirma, partindo de uma convicção fundada na fé comum em Cristo ressuscitado, que cada pessoa é dom de Deus, dotada de dignidade e de direitos inalienáveis e que, apesar da deficiência, é possível viver felizes.

6. Com todo o meu afecto invoco sobre vós, sobre quantos vos acompanham e sobre todos os que não puderam vir, a força do Senhor ressuscitado, para que torne cada um de vós capaz de continuar com coragem e alegria a testemunhar o amor de Deus no mundo. Oxalá possais, seguindo o exemplo de Bernadette, acolher e fazer frutificar cada vez mais a Boa Nova, da qual a nossa humanidade tanto precisa! Confio-vos à ternura materna de Nossa Senhora de Lourdes, e de todo o coração vos concedo a Bênção apostólica.

Vaticano, 2 de Abril de 2001.



MENSAGEM DO SANTO PADRE


POR OCASIÃO DO


ENCONTRO ECUMÉNICO EUROPEU


REALIZADO EM ESTRASBURGO





Ao Senhor Cardeal Miloslav Vlk Arcebispo de Praga e
Presidente do Conselho das Conferências Episcopais da Europa

Vossa Eminência informou-me acerca do próximo Encontro ecuménico europeu que se realizará em Estrasburgo de 19 a 22 de Abril. Um encontro como este suscita em mim um profundo sentimento de alegria e uma grande esperança.

Este encontro, promovido conjuntamente pelo Conselho das Conferências episcopais da Europa e pela Conferência das Igrejas da Europa, é um fruto feliz de uma intensa colaboração entre diversos organismos eclesiais do continente europeu. Ele situa-se oportunamente na esteira do Grande Jubileu do ano 2000, durante o qual as Igrejas e Comunidades eclesiais celebraram o mistério da encarnação de Jesus Cristo, Verbo de Deus que se fez homem, fundamento da nossa fé e fonte da nossa salvação. Por conseguinte, esta iniciativa realiza-se neste ano no qual todos os cristãos celebram no mesmo dia a Ressurreição d'Aquele que é "o caminho, a verdade e a vida" (Jn 14,6).

O tempo pascal resplandece com as palavras do Mestre que convidam os seus discípulos a levar ao mundo a Boa Nova da salvação: "E Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo" (Mt 28,20). Estas palavras que acompanham a Igreja de Cristo há dois milénios constituem igualmente o tema do Encontro ecuménico europeu de Estrasburgo. Fonte de conforto para todos os cristãos, esta promessa não pode ser separada da oração de Jesus na noite da Ceia: "Como Tu, ó Pai estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste" (Jn 17,21). A unidade pela qual o Senhor rezou no Cenáculo é uma condição da credibilidade do testemunho cristão. Hoje, como nunca, devemos fundar a nossa reflexão sobre esta profunda relação que reveste um papel decisivo no impacto que a mensagem cristã pode ter no mundo. Um anúncio claro do Evangelho é particularmente urgente na Europa. Formada por diferentes culturas, tradições e valores ligados aos países que a compõem, a Europa não pode ser nem compreendida nem edificada sem ter em consideração as raízes que fundam a sua identidade original; ela já não se pode construir rejeitando a espiritualidade cristã de que está impregnada.

A fim de enfrentar este importante desafio, é preciso intensificar a colaboração a todos os níveis da vida social e eclesial, e aprofundar os diálogos bilaterais e multilaterais. Os resultados obtidos através destes diálogos, como a experiência demonstra, reforçam a comunhão que já existe e estimulam o desejo de alcançar a comunhão perfeita. Da mesma confissão de fé surgirá a plena comunhão entre os discípulos de Cristo, chefe do Corpo que é a Igreja. Dirijo-lhe venerado Irmão, assim como a todas as pessoas presentes no Encontro ecuménico europeu de Estrasburgo, sobretudo aos Representantes das Igrejas e Comunidades eclesiais, e aos jovens, os meus mais sinceros votos, a fim de que este encontro possa suscitar novos e frutuosos estímulos com vista a um testemunho cristão comum na Europa e em toda a terra, "para que o mundo creia" (Ibidem).

Vaticano, 13 de Abril de 2001.




AOS MEMBROS DA "PAPAL FOUNDATION"


Terça-feira, 24 de Abril de 2001



Estimado Cardeal Bevilacqua
Eminências
Excelências
Dilectos Irmãos
e queridas Irmãs em Cristo

Uma vez mais tenho o prazer de vos saudar, membros da "Papal Foundation", por ocasião da vossa visita anual a Roma. Neste dia, dou-vos as boas-vindas com as palavras que o nosso Salvador Ressuscitado dirigiu aos seus discípulos na tarde do primeiro Domingo de Páscoa, há quase dois mil anos: "A paz esteja convosco!" (Jn 20,19).

Sim, o dom permanente do Senhor à sua Igreja e ao seu povo em cada época é a dádiva da sua paz, a sua confortadora e perene presença junto de nós, "até ao fim dos tempos" (Mt 28,20). A quantos acreditam e proclamam que o Senhor verdadeiramente ressuscitou dos mortos, cabe transmitir este dom da Sua paz aos outros, em particular aos pobres e às pessoas que sofrem, aos marginalizados e aos oprimidos, àqueles cujos brados não encontram escuta, cujas esperanças parecem ser sempre vãs. Não posso deixar de realçar este dever de maneira especial, porque o encargo confiado ao Apóstolo Pedro pelo Senhor Ressuscitado, a tarefa de "apascentar as suas ovelhas" e de "apascentar os seus cordeiros" (cf. Jo Jn 21,15-17) cabe de maneira particular ao Sucessor de Pedro. Efectivamente, ao Bispo de Roma é confiado o cuidado de todas as Igrejas. Ele é chamado a utilizar qualquer instrumento à sua disposição para assistir e revigorar as comunidades que têm maior necessidade de solicitude material e espiritual.

É por este motivo, queridos amigos, que vos estou particularmente grato: a assistência oferecida através da "Papal Foundation" permite a realização de muitas obras boas em nome de Cristo e da sua Igreja. Os numerosos programas e projectos financiados pelos fundos colocados à disposição da "Papal Foundation" permitem à proclamação pascal de alegria, de esperança e de paz por parte da Igreja, chegar aos ouvidos, à mente e ao coração de pessoas que vivem em inúmeras partes do mundo. Por conseguinte, a generosa partilha do vosso tempo, das vossas capacidades e dos vossos recursos manifesta o vosso amor pelo Sucessor de Pedro e constitui uma expressão eloquente da comunhão fraternal que caracteriza a vida de quantos conhecem o Senhor e vivem "o poder da sua Ressurreição" (Ph 3,10).

No início do terceiro milénio cristão, renovados e fortalecidos pelo encontro jubilar repleto de graça com Aquele que é o manancial da nossa esperança, somos convidados uma vez mais a empreender o nosso caminho de fé e de serviço, com a certeza de que o próprio Cristo Ressuscitado caminha ao nosso lado. Confiando-vos a todos vós à amorosa intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, modelo para todos os discípulos e "guia segura do nosso caminho" (Novo millennio ineunte, 58), concedo-vos do íntimo do coração a minha Bênção Apostólica a vós e às vossas famílias, como penhor de alegria e de paz no Salvador Ressuscitado.




AOS MOVIMENTOS, ASSOCIAÇÕES,


FAMÍLIAS E PARÓQUIAS QUE


ACOLHEM AS CRIANÇAS DE CHERNOBYL


: Quinta-feira, 26 de Abril de 2001

Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. É com grande afecto que vos recebo nesta significativa data comemorativa, a quinze anos de distância do trágico desastre que teve lugar na cidade de Chernobyl, no dia 26 de Abril de 1986. Apresento a cada um de vós uma cordial saudação e as minhas calorosas boas-vindas.

O meu pensamento dirige-se em primeiro lugar ao Presidente da República da Ucrânia, Sua Excelência o Senhor Leonid Kuchma, que quis estar aqui presente com uma sua mensagem, a qual acabou de ser lida nesta Sala. Saúdo a Embaixadora da República da Ucrânia junto da Santa Sé, Sua Excelência a Senhora Nina Kovalska, e agradeço-lhe as palavras que há pouco me dirigiu em nome de todos os presentes. Depois, apresento a minha saudação às Autoridades e às Personalidades que, mediante a sua participação, desejaram manifestar às crianças de Chernobyl a solidariedade das Comunidades e das Nações por elas representadas. Em seguida, saúdo todos os presentes, a começar pelos representantes das famílias, das Paróquias, das Associações, dos Movimentos e das Organizações que, durante estes anos, hospedaram e continuam a acolher na Itália as crianças vítimas das consequências de quanto aconteceu em Chernobyl.

Enfim, enquanto se aproxima a minha viagem à Ucrânia, torna-se cada vez mais vivo em mim o desejo de abraçar todos os filhos dessa Nação, que me é muito querida, e de beijar aquela Terra tão provada também pelo desastre nuclear, cujos efeitos nefastos ainda hoje se fazem sentir. Além disso, é com ardente esperança que me preparo para encontrar os irmãos e as irmãs na fé que ali habitam, para poder compartilhar com eles a sua ansiedade por uma renovada evangelização.

2. Neste momento, o pensamento de todos nós volta-se para o dia 26 de Abril de 1986 quando, no coração da noite, se verificou uma tremenda explosão na central nuclear de Chernobyl.

Passados poucos minutos, uma vasta nuvem tóxica pairou sobre o céu da cidade e da Ucrânia, indo muito além. Os trágicos efeitos de tão infausto acontecimento não demoraram a revelar-se de uma gravidade muito maior do que se pudesse imaginar. Não foi sem motivo que alguém a definiu como uma catástrofe tecnológica histórica, que tornou tristemente famosa no mundo a cidade de Chernobyl, a qual desde então passou a ser símbolo dos perigos ligados à utilização da energia nuclear.

O meu apreço vai para as administrações civis, as comunidades religiosas, as dioceses e aqueles que, durante estes anos, se prodigalizaram para ir em socorro de quem, sem culpa própria, pagou e continua a pagar o preço de uma calamidade de tão vastas proporções.

Dirijo-me sobretudo a vós, queridas crianças de Chernobyl. Vós representais os milhares dos vossos pequenos amigos coetâneos, que ao longo do tempo encontraram hospitalidade na Itália, para ser curados e ultrapassar uma difícil fase da sua existência. O Papa abraça-vos e pede-vos que transmitais a sua saudação e a sua Bênção às vossas famílias, aos vossos amigos e companheiros de escola. Enfim, a todos!

Olhando para vós, não posso deixar de dar graças a Deus pelo compromisso de generosidade que, desde então, não cessou de aliviar as feridas e as dificuldades daqueles que continuam a ser vítimas inocentes das consequências daquela catástrofe imensa. Quantas instituições católicas em vários países escancararam as suas portas e abriram os seus braços a quem se encontrava em necessidade! Quantos podem olhar com confiança para o porvir, graças a este apoio solidário, que a manifestação do dia de hoje põe em grande evidência!

3. Agora, eu gostaria de me fazer intérprete dos gratos sentimentos de todos vós por esta cadeia de solidariedade para com as vítimas de Chernobyl. Trata-se de uma solidariedade que se traduziu em gestos de atenção concreta a irmãos e irmãs pressionados pela necessidade. Para os cristãos, este louvável impulso de generosidade encontra um fundamento autorizado no grandioso mandamento que Jesus nos deixou: "Amai-vos uns aos outros" (Jn 15,17). O amor recíproco não deve porventura manifestar-se de maneira particular na hora da provação? É o que confirma também um conhecido provérbio popular: "O amigo verdadeiro vê-se na hora da necessidade". Na necessidade, é um grande conforto ter ao lado amigos em quem confiar. É importante que jamais se despreze esta cadeia de bondade. Enquanto alivia quem é beneficiado, ela enriquece espiritualmente quem vai em seu socorro de modo gratuito.

Além disso, no Evangelho Jesus assegura aos crentes: "Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes" (Mt 25,40). A caridade é a senda ao longo da qual se pode aperfeiçoar o mundo. Com efeito, amar todos sem distinção de raça, de língua ou de religião torna-se um sinal diria quase palpável da predilecção de Deus por cada ser humano, de quem Ele é Pai.

4. Recordando os trágicos efeitos provocados pelo incidente do reactor nuclear de Chernobyl, o pensamento volta-se para as gerações futuras, representadas por estas crianças. É necessário preparar um futuro de paz, desprovido de medos e de semelhantes ameaças. Eis aqui um compromisso para todos. A fim de que isto aconteça, é preciso que haja um comum esforço técnico, científico e humano para poder dedicar todas as energias ao serviço da paz, no respeito das exigências do homem e da natureza. É desde empenhamento que depende o porvir de todo o género humano.

Enquanto rezamos pelas numerosas vítimas de Chernobyl e por quantos trazem no seu corpo os sinais de uma catástrofe tão grande, invoquemos do Senhor luz e sustento para aqueles que, a vários níveis, são responsáveis pela sorte da humanidade.

De igual modo, peço a Deus que na sua omnipotência e misericórdia conceda consolação a quantos sofrem, e faça com que nunca mais venha a repetir-se quanto hoje recordamos com tristeza.

Com estes sentimentos, invoco a protecção de Maria, Mãe da Esperança e, enquanto renovo a cada um a minha cordial saudação, concedo a todos de bom grado uma especial Bênção.





Discursos João Paulo II 2001 - 7 de Abril de 2001