AUDIÊNCIAS 2001




                                                                              Janeiro de 2001



JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 3 de Janeiro de 2001




A liturgia convida-nos a permanecer imersos na "santa alegria" do Natal

1. Alegremo-nos no Senhor, exultemos de santa alegria: a salvação apareceu no mundo, aleluia". É com estas palavras que a liturgia nos convida hoje a permanecer imersos na "santa alegria" do Natal. No início de um novo ano, esta exortação orienta-nos para o vivermos inteiramente à luz de Cristo, pela qual apareceu a salvação no mundo para todos os homens.

Com efeito, o tempo natalício apresenta de novo o mistério de Jesus e a sua obra de salvação à atenção dos cristãos. Diante do presépio, a Igreja adora o augusto mistério da Encarnação: o Menino que chora nos braços de Maria é o Verbo eterno que se inseriu no tempo e assumiu a natureza humana ferida pelo pecado, para a incorporar em si e a redimir. Toda a realidade humana, toda a existência temporal assume, assim, ressonâncias eternas: na pessoa do Verbo encarnado a criação aparece maravilhosamente sublimada.

Escreve Santo Agostinho: "Deus fez-se homem para que o homem se tornasse Deus". Entre o céu e a terra estabeleceu-se definitivamente uma ponte: no Homem-Deus a humanidade reencontra o caminho do Céu. O Filho de Maria é Mediador universal, Pontífice supremo. Cada acção deste Menino é um mistério destinado a revelar a assombrosa benevolência de Deus.
2. Na gruta de Belém exprime-se com extraordinária simplicidade o amor infinito que Deus tem por todo o ser humano. Contemplamos no presépio Deus feito homem por nós.

S. Francisco de Assis teve a ideia de voltar a propor esta ideia através do presépio vivo em Greccio, a 25 de Dezembro de 1223. Conta o seu biógrafo, Tomás de Celano, que ele estava radiante de alegria, porque naquela cena comovente resplandecia a simplicidade evangélica, louvava-se a pobreza e recomendava-se a humildade. O biógrafo termina, observando que "depois daquela vigília solene, cada um voltou para sua casa cheio de inefável alegria" (cf. Vita prima, Cap. XXX, 86, 479).

A intuição de Francisco é surpreendente: o Presépio não é só uma nova Belém, porque evoca de novo o acontecimento histórico e actualiza a sua mensagem, mas é também uma ocasião de consolação e alegria: é o dia da alegria, o tempo da exultação. Observa ainda Tomás de Celano que aquela noite de Natal era clara como o pleno dia e doce para os homens e os animais (cf. ibid., 85, 469).

3. No Presépio celebra-se a aliança entre Deus e o homem, entre a terra e o céu. Belém, lugar de alegria, torna-se também escola de bondade, porque se manifestou a misericórdia e o amor que ligam Deus com os seus filhos. Ali se mostra visivelmente a fraternidade que deve vincular todos aqueles que são irmãos na fé, porque filhos do único Pai celeste. Neste espaço de comunhão, Belém resplandece como a casa onde todos podem encontrar alimento etimologicamente a palavra significa casa do pão e anuncia-se já, em certo modo, o mistério pascal da Eucaristia.

Em Belém, como que sobre um simbólico altar, celebra-se já a Vida que não morre e é concedido aos homens de todos os tempos saborear antecipadamente o alimento da imortalidade, que é "pão dos peregrinos, verdadeiro pão dos filhos" (Sequência da solenidade do Corpus Domini).

Somente o Redentor, nascido em Belém, pode saciar as aspirações mais profundas do coração humano e curar os seus sofrimentos e feridas.

4. Na gruta de Belém contemplamos Maria, que deu à luz o Filho de Deus por obra do Espírito Santo. "Mulher dócil à voz do Espírito, mulher do silêncio e da escuta, mulher de esperança, que soube acolher como Abraão a vontade de Deus "esperando contra toda a esperança" (Rm 4,18)" (Tertio millennio adveniente, TMA 48), a Senhora resplandece como modelo para quantos se entregam com todo o coração às promessas de Deus.

Juntamente com Ela e José permaneçamos em adoração diante do berço de Belém, enquanto se levanta para o céu a nossa invocação suplicante: "Faz resplandecer o teu rosto e salva-nos, Senhor!".

Confortados pelo dom do nascimento do Salvador, intensifiquemos o nosso compromisso nestes últimos dias do Ano Santo. Abramos o coração a Cristo, único e universal caminho que leva a Deus. Poderemos, assim, continuar no novo ano com sólida confiança. Ajude-nos neste caminho a poderosa intercessão de Maria, Virgem fiel, testemunha silenciosa do mistério de Belém.

Saudações

Caríssimos Irmãos e Irmãs de língua portuguesa!

Saúdo cordialmente aqueles que me escutam, desejando-lhes felicidades, com os favores de Deus, e que o ano que está a começar seja realmente para todos um Ano Bom iluminado pela luz de Cristo!

Sinto-me feliz por vos receber esta manhã, queridos peregrinos de língua francesa. Saúdo-vos cordialmente, jovens do colégio São João de Douai. O Menino Jesus, de quem nestes dias celebramos o nascimento, seja a vossa luz e alegria. Ele vos faça irradiar a sua paz! Concedo a todos de coração a Bênção apostólica.

Dou as boas-vindas aos peregrinos e visitantes de língua inglesa aqui presentes, sobretudo aos que provêm da Austrália e dos Estados Unidos da América. Neste momento de alegria, a Palavra feita carne vos abençoe a vós e às vossas famílias com abundantes graças e conforto. Desejo a todos um feliz e próspero Ano Novo!

Saúdo com afecto os peregrinos de língua espanhola, sobretudo o grupo de Seminaristas da Diocese de Cartagena e os jovens do Secretariado Nacional da União da Amizade, no México. Desejo a todos que o encontro com a Palavra divina feita carne seja fonte de abundantes graças e conforto.

Dirijo uma cordial saudação aos peregrinos vindos da República Checa.
Neste tempo de Natal ecoa nas nossas almas o cântico angélico: "Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens que Ele ama" (Lc 2,14). Também vós podeis difundir a paz de Cristo na terra. Com estes votos, abençoo-vos de coração. Louvado seja Jesus Cristo!

Por fim, dirijo uma saudação e faço votos especiais aos jovens, aos doentes e aos novos casais.
Jesus, que contemplamos no mistério do Natal, seja para todos uma orientação segura no novo ano, que há pouco se iniciou. Que o seja para vós, queridos jovens, para que cresçais iluminados e orientados em qualquer opção pelo seu Evangelho. E para vós, estimados doentes, a fim de que possais aceitar sempre as provações da existência como momento de redenção e de graça. E também para vós, queridos novos casais, para que possais testemunhar sempre na vida familiar a vossa fidelidade ao que recebestes e prometestes com o sacramento do matrimónio.





JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 10 de Janeiro de 2001




O empenho pela liberdade e a justiça

1. A voz dos profetas como a de Isaías, que acabamos de ouvir ressoa repetidamente para nos recordar que devemos empenhar-nos a fim de libertar os oprimidos e fazer reinar a justiça. Se não houver este compromisso, o culto que prestamos a Deus não lhe será agradável. É um apelo intenso, expresso por vezes com tons paradoxais, como quando Oseias narra este oráculo divino citado também por Jesus (cf. Mt Mt 9,13 Mt 12,7): "Pois quero amor e não sacrifícios, conhecimento de Deus mais do que holocaustos" (6, 6).

Também o profeta Amós apresenta com veemência reprovadora um Deus que dirige o olhar para outras partes e não aceita ritos, festas, jejuns, músicas e súplicas, quando fora do santuário se vende o justo por dinheiro e o necessitado por um par de sandálias e se calcam aos pés os fracos (cf. 2, 6-7). Por conseguinte, não há hesitação no convite: "O que Eu quero é ver brotar o direito como a água e ver correr a justiça como riacho que não seca" (5, 24). Assim, quando os profetas falam em nome de Deus, recusam o culto isolado da vida, uma liturgia sem justiça, uma oração sem o empenho quotidiano e uma fé sem obras.

2. O brado de Isaías: "Deixai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem: buscai o direito, socorrei o oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva" (1, 16-17), ressoa no ensinamento de Cristo que nos admoesta: "Se fores até ao altar para levares a tua oferta, e aí te lembrares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a oferta aí diante do altar e vai primeiro fazer as pazes com o teu irmão; depois, volta para apresentar a oferta" (Mt 5,23-24). No declínio da vida de cada homem e no final da história da humanidade, o juízo de Deus dirá respeito precisamente ao amor, à prática da justiça e ao acolhimento dos pobres (cf. Mt Mt 25,31-46). Perante uma comunidade dilacerada pelas divisões e injustiças como a de Corinto, Paulo chega ao ponto de exigir a suspensão da participação eucarística, convidando os cristãos a examinar primeiro a própria consciência, para não serem réus do corpo e do sangue do Senhor (cf. 1Co 11,27-29).

3. O serviço da caridade, relacionado de modo coerente com a fé e com a liturgia (cf. Tg Jc 2, 14, 17), o empenho pela justiça, a luta contra qualquer opressão, a tutela da dignidade da pessoa não são para o cristão expressões filantrópicas motivadas unicamente pela pertença à família humana. Ao contrário, trata-se de opções e de actos que primeiro têm uma alma profundamente religiosa, são verdadeiros e próprios sacrifícios que agradam a Deus, segundo a afirmação da Carta aos Hebreus (cf. 13, 16). É incisiva de maneira particular a admoestação de S. João Crisóstomo: "Honrais o corpo de Cristo? Não o descuideis quando está nu. Não lhe presteis honras aqui no templo com tecidos de seda, se depois fora o descuidais, onde sofre de frio e de nudez" (In Matthaeum hom. 50, 3).

4. Precisamente porque "no mundo de hoje se despertou em grande escala o sentido da justiça... a Igreja compartilha com os homens do nosso tempo este profundo e ardente desejo de uma vida justa sob todos os aspectos, e não deixa de fazer objecto de reflexão os vários aspectos daquela justiça que a vida dos homens e das sociedades exige. Isto é bem confirmado pelo amplo desenvolvimento alcançado no último século pela doutrina social católica" (Dives in misericordia, DM 12). Este compromisso de reflexão e de acção deve receber um extraordinário estímulo partindo do próprio Jubileu. Na sua matriz bíblica, ele é uma celebração de solidariedade: quando tocar a corneta do ano jubilar, cada um "recuperará a sua propriedade e voltará para a sua família", como narra o texto oficial do Jubileu (Lv 25,10).

5. Em primeiro lugar os terrenos vendidos devido a diferentes motivos económicos e familiares eram restituídos aos antigos proprietários. Por conseguinte, com o ano jubilar permitia-se que todos voltassem a um ideal ponto de partida, através de uma arrojada e corajosa obra de justiça distributiva. É evidente a dimensão que se poderia chamar "utópica", proposta como remédio concreto à consolidação de privilégios e prevaricações: é um procurar estimular a sociedade a um ideal mais nobre de solidariedade, generosidade e fraternidade. Nas modernas coordenadas históricas, a recuperação das terras perdidas poderia exprimir-se, como propus várias vezes, no perdão total ou pelo menos parcial da dívida internacional dos Países pobres (cf. TMA, TMA 51).

6. O nobre empenho jubilar consistia em fazer com que o servo voltasse livre para a sua família (cf. Lv Lv 25,39-41). A miséria arrastara-o para a humilhação da escravidão, mas agora apresentava-se diante dele a possibilidade de construir o seu futuro na liberdade, no seio da sua família. Por isso, o Profeta Ezequiel chama o ano jubilar "ano da alforria", isto é, do resgate (cf. Ez Ez 46,17). E outro livro bíblico, o Deuteronómio, deseja uma sociedade justa, livre e solidária com as seguintes palavras: "no meio de ti não haverá menhum pobre (...) Quando junto de ti houver um pobre... não endureças o coração, nem feches a mão" (15, 4.7).

Também nós devemos desejar esta meta de solidariedade: "Solidariedade dos pobres entre si; solidariedade com os pobres, para a qual os ricos são convocados; solidariedade dos trabalhadores e com os trabalhadores" (Libertatis conscientia, 89). Se for vivido desta forma, o Jubileu, que há pouco terminou, continuará a dar abundantes frutos de justiça, liberdade e amor.

Saudações

Saúdo muito cordialmente os peregrinos de língua portuguesa que porventura aqui se encontrem. A todos desejo felicidades, graça e paz no Senhor Jesus Cristo. Maria Santíssima vos acompanhe e vos ampare sempre, na caminhada da fé e no crescimento do amor cristão. Com a minha Bênção apostólica.

É com cordialidade que saúdo os francófonos presentes nesta audiência, em particular o grupo de jovens do Colégio de Nossa Senhora das Missões, de Charenton-le-Pont. A vossa peregrinação vos renove no amor de Cristo e no amor concreto dos vossos irmãos! A todos, concedo do íntimo do coração a Bênção apostólica.

Dou as cordiais boas-vindas aos peregrinos e visitantes de expressão inglesa, especialmente os que provêm da Dinamarca, Austrália e Estados Unidos da América. A vossa visita seja um tempo de graça especial, ao caminhardes nas pegadas dos mártires e dos santos que são comemorados nesta Cidade. Sobre vós e as vossas famílias, invoco a alegria e a paz de nosso Salvador Jesus Cristo.

Saúdo afectuosamente os peregrinos de língua espanhola, de forma especial os Escolápios participantes no Encontro internacional de pastoral vocacional. Faço votos para que todos possam viver com renovada vitalidade os frutos do Ano jubilar.

Caros Irmãos e Irmãs croatas

Há poucos dias foi encerrado o Grande Jubileu do Ano 2000. Formulo votos cordiais por que os frutos deste extraordinário acontecimento de fé e de graça ajudem os cristãos dos nossos tempos a dar testemunho do imenso amor de Deus pelos homens. Que eles saibam levar uma vida imbuída de santidade e agir com caridade incansável e abnegada, como escrevi na Carta Apostólica Novo millennio ineunte.

Saúdo cordialmente os professores e os estudantes dos liceus de Zagrábia, assim como os demais peregrinos croatas, e invoco sobre todos a Bênção de Deus.
Louvados sejam Jesus e Maria!

Ao cumprimentar os peregrinos italianos aqui presentes, dirijo uma pensamento singular ao grupo dos "Amigos de Dom Orione", oriundos de Pontecurone, terra natal do Beato Luís Orione. Caríssimos, desejo que a vossa peregrinação a Roma vos confirme na fé e no compromisso de testemunho cristão.

Além disso, a minha saudação alarga-se aos jovens, aos doentes e aos novos casais.

A solenidade do Baptismo do Senhor, que celebrámos no domingo passado, volte a suscitar em todos a graça e a recordação do nosso Baptismo, constituindo para vós, queridos jovens, um estímulo a dar sempre testemunho da alegria da adesão a Cristo, Filho predilecto do Pai e nosso Irmão que nos ilumina o caminho da vida. Seja para vós, estimados doentes, um motivo de conforto, quando pensais que mediante este Sacramento estais unidos ao Cordeiro de Deus que, com a sua paixão e morte, salva o mundo. E vos sustente, prezados novos casais quando fazeis da vossa família um autêntico lar de fé e de amor.

A todos concedo a minha Bênção apostólica.



JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 17 de Janeiro de 2001




O compromisso para afastar a catástrofe ecológica

1. No hino de laudes, agora proclamado (cf. Sl Ps 148,1-5), o Salmista convoca, chamando-as pelo seu nome, todas as criaturas. No alto, apresentam-se os anjos, o sol, lua, estrelas e céus; sobre a terra movem-se vinte e duas criaturas, tantas quantas são as letras do alfabeto hebraico, a indicar plenitude e totalidade. O fiel é como "o pastor do ser", quer dizer, aquele que conduz para Deus todos os seres, convidando-os a entoar um "aleluia" de louvor. O Salmo introduz-nos como num templo cósmico que tem por ábside os céus e por naves as regiões do mundo, em cujo interior o coro das criaturas canta a Deus.

Esta visão poderia ser, por um lado, a representação de um paraíso perdido e, por outro, a do paraíso prometido. Não é sem razão que o horizonte de um universo paradisíaco, que é posto pelo Génesis (cf. cap. 2) nas próprias origens do mundo e que é colocado por Isaías (cf. cap.11) e pelo Apocalipse (cf. capp. 21-22) no fim da história. Assim, vê-se que a harmonia do homem com o seu semelhante, com a criação e com Deus é o projecto desejado pelo Criador. Tal projecto foi e é continuamente subvertido pelo pecado humano que se inspira num plano alternativo, representado no próprio livro do Génesis (cf. capp. 3-11), onde se descreve a afirmação de uma progressiva tensão de conflito com Deus, o próprio semelhante e, enfim, a natureza.

2. O contraste entre os dois projectos emerge nitidamente da vocação para a qual a humanidade, segundo a Bíblia, é chamada e das consequências provocadas pela sua infidelidade àquela chamada. A criatura humana recebe uma missão de governo sobre a criação para nela fazer brilhar todas as potencialidades. É uma delegação atribuída pelo rei divino nas próprias origens da criação, quando o homem e a mulher, que são "imagem de Deus" (Gn 1,27), recebem a ordem de ser fecundos, se multiplicar, povoar a terra, sujeitá-la e dominar sobre os peixes do mar, as aves do céu e todo o ser vivo que rasteja sobre a terra (cf. Gn Gn 1,28). São Gregório de Nissa, um dos três grandes Padres capadócios, comentava: "Deus fez o homem de tal modo que pudesse exercer a sua função de rei da terra... O homem foi criado à imagem daquele que governa o universo. Tudo manifesta que, desde o princípio, a sua natureza está assinalada pela realeza... Ele é a imagem viva que participa, pela sua dignidade, da perfeição do modelo divino" (De hominis opificio, 4: ).

3. Todavia o domínio do homem não é "absoluto, mas ministerial: é reflexo concreto do domínio único e infinito de Deus" (Evangelium vitae, EV 52). Na linguagem bíblica, "dar o nome" às criaturas (cf. Gn Gn 2,19-20) é o sinal desta missão de conhecimento e de transformação da realeza criada. É a missão não de um patrão absoluto e incontestável, mas de um ministro do reino de Deus, chamado a continuar a obra do Criador, uma obra de vida e de paz. O seu dever, estabelecido no Livro da Sabedoria, é governar "o mundo com santidade e justiça" (Sg 9,3).

Infelizmente, se o olhar percorre as regiões do nosso planeta, apercebemo-nos depressa de que a humanidade frustrou a expectativa divina. Sobretudo no nosso tempo, o homem devastou sem hesitações planícies e vales cobertos de bosques, poluiu a água, deformou o habitat da terra, tornou o ar irrespirável, perturbou os sistemas hidro-geológicos e atmosféricos, desertificou espaços verdejantes, levou a cabo formas de industrialização selvagem, humilhando para usar uma imagem de Dante Alighieri (cf. Paraíso, XXII, 151) o "canteiro" que é a terra, nossa morada.

4. Por isso, é preciso estimular e apoiar a "conversão ecológica", que nestes últimos decénios tornou a humanidade mais sensível aos confrontos da catástrofe para a qual estava a caminhar. O homem não é mais "ministro" do Criador. Mas, como déspota autónomo, está a compreender que finalmente tem de parar diante do abismo. "É, pois, de saudar favoravelmente a atenção crescente à qualidade de vida e à ecologia, que se regista sobretudo nas sociedades mais avançadas, nas quais os anseios das pessoas já não estão concentrados tanto sobre os problemas da sobrevivência como sobretudo na procura de um melhoramento global das condições de vida" (Evangelium vitae, EV 27). Não está em jogo, por conseguinte, só uma ecologia "física", atenta a tutelar o habitat dos vários seres vivos, mas também uma "ecologia humana" que torne mais digna a existência das criaturas, protegendo o bem radical da vida em todas as suas manifestações e preparando para as futuras gerações um ambiente que se aproxime cada vez mais do projecto do Criador.

5. Nesta harmonia reencontrada com a natureza e consigo próprios, os homens e as mulheres voltam a passear no jardim da criação, procurando fazer com que os bens da terra estejam disponíveis para todos e não só para alguns privilegiados, como sugeria propriamente o Jubileu bíblico (cf. Lv Lv 25,8-13 Lv Lv 25,23). No meio de tais maravilhas descobrimos a voz do Criador, transmitida pelo céu e pela terra, pelo dia e pela noite: uma linguagem "sem palavras das quais se ouça o som", capaz de ultrapassar todas as fronteiras (cf. Sl Ps 19 [18], 2-5).

O livro da Sabedoria, citado por Paulo, celebra esta presença de Deus no universo, recordando que "a grandeza e a beleza das criaturas fazem, por comparação, chegar ao conhecimento do seu Autor" (Sg 13,5 cf. Rm Rm 1,20). É isto que também canta a tradição judaica dos Chassidim: "Onde quer que eu vá, Tu! Onde quer que eu pare, Tu... Para onde quer que eu me volte, o que quer que eu contemple, só Tu, ainda Tu, sempre Tu" (M. Buber, I racconti dei Chassidim, Milão 1979, pág. 256).

Saudações

Queridos Irmãos e Irmãs

Dirijo a minha saudação aos peregrinos de língua portuguesa, cujos passos e intenções confio à Virgem Mãe com votos de que esta romagem favoreça em todos uma maior renovação do espírito e fortaleça a sua fé. Com afecto concedo-vos, a vós e aos vossos familiares, a minha Bênção apostólica.

Saúdo cordialmente os peregrinos francófonos presentes nesta audiência, em particular os membros da Associação internacional dos vice-directores e chefes de recepção dos grandes hotéis. A vossa peregrinação ao túmulo do Apóstolo São Pedro confirme a vossa fé e faça de vós testemunhas de Cristo ressuscitado e artífices de paz no meio dos vossos irmãos! É do íntimo do coração que concedo a todos a minha Bênção apostólica.

Dou especiais boas-vindas à Delegação ecuménica luterana e à Schola Cantorum de Helsínquia. Saúdo calorosamente os vários grupos das paróquias, colégios e escolas da Dinamarca, Austrália e Estados Unidos da América. Sobre vós e as vossas famílias, invoco a alegria e a paz de nosso Senhor Jesus Cristo.

Saúdo os peregrinos provenientes dos países de expressão alemã, e exorto-os de coração a louvar quotidianamente a criação de Deus. Além disso, dou as boas-vindas aos alunos e alunas do Ginásio "Luitpold" de Munique. A todos e a cada um de vós aqui presentes, concedo a minha Bênção apostólica.

Desejo saudar os fiéis de expressão espanhola, em particular os professores e alunos do Liceu "Charles de Gaulle", de Conceição (Chile), assim como os peregrinos vindos da Espanha e de outros países latino-americanos. A nossa oração seja um hino de louvor pelo dom da criação que o Senhor depositou nas nossas mãos.

Muito obrigado!

Saúdo com afecto todos os peregrinos de língua italiana. De modo especial, os membros da Associação internacional de profissionais do sector hoteleiro, e também os responsáveis e os jovens do "Projecto Rebecca", da Arquidiocese de Catânia.

Além disso, dirijo-me aos jovens, aos doentes e aos novos casais. Hoje celebramos a memória litúrgica de Santo António Abade, mestre de vida espiritual. Porém, ele é também muito popular nos ambientes rurais, como padroeiro dos criadores de gado. Nestes ambientes está a viver-se um momento de grave dificuldade, em virtude do alarme social causado pela difusão de um recente vírus. Nesta situação tão incómoda, dirijo a expressão da minha proximidade espiritual a todos os criadores de gado honestos.

O exemplo de Santo António vos ajude, queridos jovens, a seguir Cristo de forma incondicional; vos sustente, estimados doentes, nos momentos de desânimo e de provação; e vos estimule, novos casais, a não descuidar a oração na vida de cada dia.

Hoje, celebra-se na Itália o Dia da amizade hebraico-cristã. Enquanto manifesto o meu apreço e apoio a esta iniciativa da Igreja italiana, faço votos de coração por que ela contribua para o desenvolvimento de um autêntico diálogo hebraico-católico.

Além disso, amanhã terá início a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, durante a qual as Igrejas e as Comunidades eclesiais rezarão juntas a fim de que se realize plenamente a vontade de Cristo, isto é, que os seus discípulos sejam um só. Neste ano, o tema escolhido é a expressão de Jesus, apresentada pelo Evangelho de João: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jn 14,6). Caríssimos Irmãos e Irmãs, convido todos a unir-se a esta coral invocação ao Senhor e espero-vos na quinta-feira 25 de Janeiro, na Basílica de São Paulo onde, em conformidade com a tradição, celebraremos o solene encerramento desta Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos.





JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 24 de Janeiro de 2001




O compromisso por um futuro digno do homem

1. Se dirigirmos um olhar sobre o mundo e sua história, à primeira impressão parece dominar o estandarte da guerra, da violência, da opressão, da injustiça, da degradação moral. Parece-nos, como na visão do capítulo 6 do Apocalipse, que nas planícies desoladas da terra correm os cavaleiros que ora levam a coroa do poder triunfador, ora a espada da violência, ora a balança da pobreza e da fome, ora a foice afiada da morte (cf. Ap Ap 6,1-8).

Perante as tragédias da história e a imoralidade que alastra, é espontâneo repetir a pergunta que o profeta Jeremias dirige a Deus, dando voz a numerosos sofredores e oprimidos: "Sois sumamente justo, Senhor, para que eu me lamente contra vós. Entretanto desejaria debater convosco um ponto de justiça. Por que alcançam sucesso os maus em tudo o que empreendem? Por que razão vivem tranquilos os pérfidos na sua malvadez?" (12, 1). À diferença de Moisés, que do alto do monte Nebo contempla a terra prometida (cf. Dt Dt 34,1), debruçámo-nos sobre um mundo atormentado, no qual o Reino de Deus tem dificuldade em encontrar caminho.

2. Santo Ireneu no século II descobria uma explicação na liberdade do homem que, em vez de seguir o projecto divino de convivência pacífica (cf. Gn Gn 2), dilacera as relações com Deus, com o homem e com o mundo. Por conseguinte, escrevia o Bispo de Lião: "Não é a arte de Deus, capaz de suscitar das pedras filhos para Abraão, que é insuficiente, mas é aquele que não a segue a causa da própria perfeição falhada. De facto, não é a luz que falta devido à culpa dos que se tornaram cegos, mas quem se tornou cego permanece na obscuridade por sua culpa, enquanto a luz continua a brilhar. A luz não submete ninguém à força, nem Deus obriga ninguém a aceitar a sua arte" (Adversus haereses IV, 39, 3).

Portanto, é necessário um esforço contínuo de conversão que endireite o rumo da humanidade, para que escolha livremente seguir a "arte de Deus", ou seja, o seu desígnio de paz e de amor, de verdade e de justiça. É aquela arte que se revela plenamente em Cristo, e que o convertido Paulino de Nola fazia sua com este comovedor programa de vida: "A minha única arte é a fé e a música é Cristo" (Carme, XX, 32).

3. Com a fé o Espírito Santo põe no coração do homem também a semente da esperança. Com efeito, a fé é, como diz a Carta aos Hebreus, "fundamento das coisas que se esperam e uma demonstração das que não se vêem" (11, 1). Num horizonte muitas vezes marcado pelo desconforto, pessimismo, opções de morte, apatia e superficialidade, o cristão deve abrir-se à esperança que brota da fé. Isto é representado na passagem evangélica do turbilhão de vento que se abateu sobre o lago: "Mestre, Mestre, nós perecemos!", gritam os discípulos. E Cristo pergunta-lhes: "Onde está a vossa fé?" (Lc 8,24-25). Com a fé em Cristo e no Reino de Deus nunca perecemos e a esperança da bonança aparece no horizonte. Também para um futuro digno do homem é necessário fazer florescer a fé laboriosa que gera a esperança. Acerca disto, um poeta francês escreveu: "A esperança é a expectativa apreensiva do bom semeador, é o anseio de quem se candidata para o eterno. A esperança é a infinidade de amor" (Ch., Péguy, O pórtico do mistério da segunda Virtude).

4. O amor pela humanidade, pelo seu bem-estar material e espiritual, por um progresso autêntico, deve animar todos os crentes. Cada acto realizado para criar um futuro melhor, uma terra mais habitável e uma sociedade mais fraterna participa, mesmo se de maneira indirecta, na edificação do reino de Deus. Precisamente na perspectiva deste Reino, "o homem, o homem vivo, constitui o primeiro e fundamental caminho da Igreja" (Evangelium vitae EV 2 cf. Redemptor hominis RH 14). É o caminho que o próprio Cristo seguiu, tornando-se ao mesmo tempo "caminho" do homem (cf. Jo Jn 14,6).

Por este caminho somos chamados, em primeiro lugar, a libertar-nos do receio do futuro. Muitas vezes ele atormenta as jovens gerações, conduzindo-as por reacção, à indiferença, à demissão em relação aos compromissos da vida, à degradação de si na droga, na violência e na apatia. É preciso, depois, fazer emergir a alegria por cada criança que nasce (cf. Jo Jn 16,21), para que seja acolhida com amor e lhe seja preparada a possibilidade de crescer no corpo e no espírito. Desta forma colabora-se na própria obra de Cristo, que definiu da seguinte forma a sua missão: "Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância" (Jn 10,10).

5. No início ouvimos a mensagem que o apóstolo João dirige aos pais e aos filhos, aos idosos e aos jovens, para que continuem a lutar juntos e a esperar, com a certeza de que é possível vencer o mal e o Maligno, em virtude da presença eficaz do Pai celeste. Indicar a esperança é uma tarefa fundamental da Igreja. A respeito disto, o Concílio Vaticano II deixou-nos esta iluminadora consideração: "Podemos legitimamente pensar que o futuro está nas mãos daqueles que souberem dar às gerações de amanhã razões de viver e de esperar" (Gaudium et spes, GS 31). Nesta perspectiva apraz-me propor-vos de novo o apelo à confiança que fiz no discurso à ONU em 1995: "Não devemos temer o futuro (...). Possuímos a capacidade da sabedoria e da virtude.

Com estas dádivas, e com o auxílio da graça de Deus, podemos construir no século que está prestes a chegar, e no próximo milénio, uma civilização digna da pessoa humana, uma verdadeira cultura da liberdade. Podemos e devemos fazê-lo! E, ao fazê-lo, tornar-nos-emos conscientes de que as lágrimas deste século prepararam o terreno para uma nova primavera do espírito humano" (Ed. port. de 14/10/1995, pág. 3, n. 18).

Saudações

Caríssimos Irmãos e Irmãs

Com cordiais votos de graça, paz, saúde e alegria, saúdo quantos me ouvem em língua portuguesa e peço ao Senhor que a todos faça crescer na fé e na adesão prática a Jesus Cristo, nosso Salvador. Na perspectiva da Festa da Conversão de São Paulo, rogo que rezem pela unidade da fé, para que todos os cristãos professem com renovada alegria, que Cristo é o único Salvador do mundo, "ontem, hoje e sempre".

Saúdo os peregrinos de expressão espanhola, presentes na audiência de hoje, e animo-os a ser sempre e em toda a parte semeadores da esperança que brota da vitória de Cristo sobre o mal e a morte.

Dirijo uma cordial saudação aos peregrinos de língua italiana. De modo particular às Irmãs Dominicanas do Espírito Santo, que nestes dias realizam o reconhecimento canónico dos restos mortais do seu Fundador, Mons. Pio Del Corona. Faço votos por que este acontecimento lhes sirva de estímulo para um renovado fervor, na total consagração ao Senhor.

Saúdo os membros da Associação dos Amigos de Raoul Follereau, vindos aqui por ocasião do Dia Mundial dos Hansenianos. Esta celebração, que já se renova há vários anos, favoreça a multiplicação de projectos de investigação científica e de iniciativas de generosidade, em benefício de quantos sofrem desta enfermidade.

Hoje, solenidade de São Francisco de Sales, Padroeiro da Imprensa, assinei a Mensagem para o XXXV Dia Mundial das Comunicações Sociais, cujo título é: "Anunciai-o do cimo dos telhados": o Evangelho na Era da Comunicação Global. O seu texto será difundido hoje pelo Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais.

Formulo votos por que o próximo Dia Mundial das Comunicações Sociais, que terá lugar em 27 de Maio de 2001, constitua para todos uma preciosa oportunidade de reflexão acerca do papel e da importância dos mass media no âmbito da nova evangelização. Oremos a fim de que as pessoas comprometidas no campo da comunicação social utilizem estes instrumentos para uma sempre mais concreta ocasião de conhecimento, de diálogo, de busca do sentido da vida e de encontro com a Verdade do Evangelho.

Antecipando o Concílio Vaticano II, São Francisco de Sales indicou o caminho da santidade como uma chamada dirigida a cada um dos estados de vida. Queridos jovens, acolhei este convite e não vos deixeis vencer pelas seduções de uma vida fácil e banal, mas respondei com generosidade a Cristo, que vos chama a fazer do Evangelho a vossa regra de vida. Dilectos doentes, o Senhor oferece-vos uma vida privilegiada para caminhar em conformidade com a sua vontade: sabei aproveitar todas as ocasiões de graça, na vossa condição particular. E vós, prezados novos casais, seguindo os ensinamentos de São Francisco de Sales, sabei forjar todos os dias a vossa adesão ao Evangelho, na fidelidade recíproca e no amor.






AUDIÊNCIAS 2001